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Observei que o total de citações e referências ao Brasil é menos de 10% das de Cuba e de 5% do total de todas elas! Surpreendentemente, em um artigo que trata especificamente das “Relações entre Estados Unidos e América Latina durante a Guerra Fria e suas conseqüências,”38 o autor escreve um capítulo inteiro sobre estas relações e não cita, uma

única vez, o Brasil, apesar do “capítulo se concentrar nos momentos quando os Estados Unidos promoveu ou orquestrou uma tentativa para derrubar governos latino-americanos.”39 [grifo meu] Como seria de se esperar, Cuba aparece logo nos primeiros parágrafos. Em outro livro, agora sobre as “Armas da Terceira Guerra Mundial,”40 o Brasil sequer é citado: Cuba, porém, e sua “Crise dos Mísseis”, merece três citações. E mesmo em alguma bibliografia sobre história dos Estados Unidos, como em “Uma reavaliação da história dos Estados Unidos”41 ou em “Uma história do povo dos Estados Unidos,”42 por exemplo, o Brasil não é citado – em ambos os livros – uma vez sequer, apesar de Cuba merecer uma dezena de citações em um e outro livro.

Ora, se a maior nação da América Latina – em termos geográficos, ou de influência política, militar e econômica – não aparece uma vez sequer na discussão do artigo “Relações entre…”, por exemplo, é porque fatores outros – e não econômicos, políticos, ideológicos, nele discutidos – são determinantes no entendimento das relações do continente inteiro com os Estados Unidos durante a “Guerra Fria”. E se os componentes estratégicos (militares e técnicos) puseram Cuba no centro das discussões da “Guerra Fria” e América Latina, é para estes componentes que devo concentrar esforços e atenção para entender porque o Brasil – e

36 Sendo que uma delas refere-se a uma nota de rodapé. 37 Refere-se a uma nota de rodapé.

38 DOMÍNGUEZ, Jorge I. U.S-Latin American relations during the Cold War and its aftermath. In: BULMER- THOMAS, Victor e DUNKERLEY, James. The United States and Latin America: the new agenda. Londres: Institute of Latin American Studies – University of London, 1999, p.33-50.

39 “[...] this chapter concentrates on those instances when the Unites States promoted or orchestrated an attempt to overthrow a Latin American government.” Conforme: DOMÍNGUEZ, Jorge I., In: BULMER-THOMAS, Victor e DUNKERLEY, James, op. cit., p.33.

40 KOENIG, William J. Weapons of world war III. (4ª edição). Londres: Crescent, 1982.

41 SELLERS, Charles, MAY, Henry e MCMILLEN, Neil R. Uma reavaliação da história dos Estados Unidos: de colônia a potência imperial. Tradução de: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

os outros países da América Latina como um todo – não ocupa posição de destaque naquelas discussões. Dito de outra forma: se a existência de um conjunto específico de fatores explica a centralidade de Cuba, a ausência deste mesmo conjunto de fatores pode explicar a descentralidade do Brasil e, quiçá, de toda a América Latina. E no caminho para entendê-la será necessário, portanto, lançar um olhar e abordagem diferenciados sobre o conceito de “Guerra Fria”, o que será feito no próximo Capítulo.

Mas que risco se corre quando não se utiliza uma abordagem diferenciada para entender a “Guerra Fria” na América Latina? O historiador Jorge I. Domínguez lançou alguma luz sobre esse problema.

“A Guerra Fria teve importância para as relações entre os Estados Unidos e a América Latina? Em muitos aspectos, a resposta é não. Os Estados Unidos tinham enfrentado competição nas Américas por influência militar, política e econômica de potências extracontinentais antes da Guerra Fria, exatamente como ocorreu durante a Guerra Fria. Os Estados Unidos tinham perseguido – antes, durante e depois da Guerra Fria – objetivos ideológicos em sua política com relação a América Latina. E o padrão de defesa dos Estados Unidos de seus interesses econômicos na América Latina não foi apreciavelmente diferente durante a Guerra Fria do que nos períodos anteriores. A partir destas perspectivas singulares, é difícil sustentar que a

Guerra Fria foi um período significativamente distinto nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina; parece ‘mais a mesma coisa.’”43 [grifo

meu]

Como mostrarei adiante, foi esta dificuldade de entender o que se passava na América Latina no pós-guerra – de achar que era “a mesma coisa” –, que não permitiu a identificação de modificações cruciais que ocorriam no universo da técnica e da estratégia da próxima e (para alguns) “inevitável”44 guerra mundial. Se fosse a “mesma coisa”, nenhum país latino- americano apareceria na discussão sobre a “Guerra Fria”: Cuba, porém, teima em ocupar os índices remissivos dos livros sobre o tema. Esta incapacidade de identificação destes novos componentes deixou diplomatas e governos latino-americanos no pós-guerra, como veremos,

43 “Did the Cold War matter for U.S-Latin America relations? In many respects, the answer is no. The United States had faced military, political, and economic competition for influence in the Americas from extra continental power before the Cold War, just as it did during the Cold War. The United States had pursued ideological objectives in its policy towards Latin America before, during, and after the Cold War. And the pattern of US defense of its economic interests in Latin America was not appreciably different during the Cold War than at previous times. From these singular perspectives, it is difficult to assert that the Cold War was a significantly distinctive period of US-Latin America relations; it looked like ‘more of the same’.” Conforme: DOMÍNGUEZ, Jorge I., In: BULMER-THOMAS, Victor e DUNKERLEY, James, op. cit., p.33.

44 “In the immediate postwar period, and even in the early 1950s, there was a very widespread sense that a nuclearized world was inherently unstable – that a policy of drift and an unconstrained nuclear arms race would almost inevitably lead to disaster.” Conforme: TRACHTENBERG, Marc. Strategic thought in America, 1952- 1966. In: Revista Political Science Quarterly, volume 104, número 2 (verão de 1989), p.308.

entoando uma canção sincronizada e afinada nos corredores do Departamento de Estado norte-americano, porém a canção parecia estar um tom abaixo ou acima daquela da “Guerra Fria”.

Pelos dados colhidos com a tabela supracitada, parecia então que estudar ou se aprofundar na pesquisa da “Guerra Fria” não me revelaria muito acerca do Brasil e suas relações com os Estados Unidos e o mundo bipolar. Porém, este baixo índice de referência era revelador de algo que ocorrera no mundo pós-guerra e que afugentou o Brasil e a América Latina do conceito de “Guerra Fria”. Quando estudado de dentro (do Brasil) para fora, a “Guerra Fria” constava sim no nosso cotidiano, nos periódicos, nas revistas, no discurso dos políticos, articulistas etc. Mas, se estudado de fora (a partir de uma bibliografia norte- americana, por exemplo) para dentro, ele sumia. O que explicaria, então, o desaparecimento dele “fora” e a manutenção dele “dentro”? Por que a “Guerra Fria” foi algo importante para o Brasil? Será esta importância uma apropriação e criação autóctones? E por que o Brasil parece não ter importância alguma no contexto da “Guerra Fria”? Será que a “lente” posta fora do Brasil sobre o conceito incorporaria elementos negligenciados aqui dentro? Para Vágner Alves,

“a negligência da política externa norte-americana para a América Ibérica durante o pós-guerra é notável, principalmente levando-se em conta que a região havia sido prioridade para o país nos anos 30 [...] O motivo do descaso foi, primordialmente, o início da Guerra Fria logo após o fim do segundo conflito mundial. Envolvidos na tarefa de conter o comunismo internacional [...] os Estados Unidos passaram a privilegiar [...] os países da Europa e Ásia situados no entorno do território soviético. [...] A América Latina só voltou a preocupar os norte-americanos mais fortemente nos anos 60, após Cuba ter-se tornado satélite soviético no Caribe.”45

“Cuba, uma vez mais”,46 traz para si a centralidade no entendimento de um momento importante da história da região: o do ponto de inflexão nas relações do continente latino- americano com os Estados Unidos. Mas exatamente por que a América Latina não mais teria

45 ALVES, Vágner Camilo. Ilusão desfeita: a ‘Aliança Especial’ Brasil – Estados Unidos e o poder naval brasileiro durante e após a Segunda Guerra Mundial. In: Revista Brasileira de Política Internacional, volume 48, número 1, janeiro-julho 2005, Brasília, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, p.165.

46 Alguns autores abordam grotescamente a centralidade cubana. “Existem países que, por razões de tamanho, localização geográfica e, embora mais raramente, pela sábia consciência de seu povo de que a natureza não quis que seus filhos se tornassem heróis, são relegados ao esquecimento histórico. Um desses países é Cuba. Outro é o Vietnã. Ambos, nesses anos tumultuados, tiveram atuação decisiva no que tange às idéias que abordamos aqui.” [...] “O primeiro impacto causado por Cuba deu-se na primavera de 1961.” [p.248] “Um ano e meio após a ação na Baía dos Porcos, surgiu a crise dos mísseis cubanos. Cuba, uma vez mais.” [grifo meu] Conforme: GALBRAITH, John Kenneth. A era da incerteza: história das idéias econômicas e suas conseqüências. (2ª edição). São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1980, p.246, 248.

a importância dos anos 1930 ou do tempo da Segunda Guerra? Há, portanto, uma constatação da perda de importância: mas como explicá-la? O que ocorreu no pós-guerra e na conseqüente “Guerra Fria”? Além do componente ideológico (“Envolvidos na tarefa de conter o comunismo…”), não haveria algo mais? Curiosamente, Cuba e sua revolução – e

principalmente a posterior “Crise dos Mísseis”47 – seriam responsáveis não apenas pela inclusão da América Latina nas discussões feitas a partir de então sobre a “Guerra Fria”, mas também pelo despontar do interesse pelo continente latino-americano nos Estados Unidos. O cientista político João Feres Jr. levantou dados sobre as publicações em inglês “que tivessem a expressão Latin America em seu título” para o período de 1900 a 2000. No caso, ele pesquisou no site da Library of Congress (a Biblioteca do Congresso, em Washington, D.C), a maior dos Estados Unidos. Assim,

“os resultados indicaram claramente um crescimento abrupto do número de publicações por volta de 1960, revertendo drasticamente a tendência que se verificou após o fim da Segunda Guerra. Os dados corroboram vários argumentos apresentados ao longo do texto, a saber:

▪ a inexistência do conceito em inglês antes de 1900;

▪ a falta de interesse por Latin America até o advento da revolução cubana, evidenciada pelo pequeno número de publicações no período precedente; ▪ o crescimento abrupto de publicações logo após a revolução, que coincide historicamente com o rápido crescimento dos Latin America Studies.”48

Ao final, João Feres Jr. conclui que “no plano da linguagem comum, verifica-se que o campo semântico do conceito de Latin America tem experimentado um alto grau de continuidade histórica.”49 Analogamente, no plano estratégico, a América Latina pareceu incapaz de readquirir a importância da Segunda Guerra, conseguindo fazê-lo apenas temporariamente durante a “Crise dos Mísseis”: na realidade, identifico este episódio – e não a “Revolução Cubana” – como o ponto de inflexão no interesse pela região. Ora, se no “plano da linguagem” é observado certa homogeneidade quanto ao que se entende por América Latina – “não-brancos (isto é, racialmente inferiores), culturalmente corrompidos e historicamente incapazes” –, no “plano estratégico” a “Guerra Fria”, para o período que analiso (1945-60), serviu para colocar a América Latina no seu lugar de facto no cenário técnico-militar-estratégico internacional pós-guerra. Cuba adquiriu proeminência nos estudos

47 Alguns temas que estavam em discussão precisaram ser repensados a luz dos acontecimentos em Cuba. Ver: MATTESON, Robert E. Disarmament prospects after Cuba. In: The Journal of Conflict Resolution, volume 7, número 3, Weapons Management in World Politics: Proceedings of the International Arms Control Symposium, em dezembro de 1962 (setembro de 1963), p.338-350.

48 FERES Jr., João. A história do conceito de ‘Latin America’ nos Estados Unidos. Bauru: EDUSC, 2005, p.287- 288.

da “Guerra Fria” uma vez que, indubitavelmente, o conflito nuclear entre o bipolo foi iminente durante a “Crise dos Mísseis”: e se a ilha foi inserida na bibliografia da “Guerra Fria” isto se deve àquela possibilidade assustadora, e não a uma retomada (permanente) de valor estratégico da América Latina nos moldes da Segunda Guerra.

Parafraseando Eric Hobsbawm, se o trabalho do historiador é lembrar o que os outros esqueceram, assim a alusão a ilha nos estudos da “Guerra Fria” parece-me mais histórica do que estratégica ou militar. Alguns acontecimentos como a divisão da Alemanha entre os “Quatro Grandes”, a construção do Muro de Berlim, a Guerra da Coréia, dentre outros, transformaram-se em episódios marcantes da “Guerra Fria”, bem como a “Crise dos Mísseis”. Porém, ao contrário desta última, aqueles episódios marcaram permanentemente as ações militares, políticas e estratégicas durante toda a “Guerra Fria”. A solução encontrada para a “Crise dos Mísseis” trouxe a temperatura na região de volta ao “zero absoluto”, afastando-se definitivamente a possibilidade de guerra atômica entre o bipolo: pelo menos não por causa da “ilha de Fidel”. A charge abaixo talvez sintetize como a suposta “preocupação” dos Estados Unidos com a ilha foi postergada, presidente após presidente, de Eisenhower a Clinton: “Não se preocupem, Fidel Castro cairá agora a qualquer momento.”50

Se retrocedermos até a Segunda Guerra Mundial fica claro o papel estratégico indispensável desempenhado pelo Brasil, tanto no que se refere ao fornecimento de matérias- primas essenciais ao esforço aliado,51 como na cessão de bases no Nordeste brasileiro. Segundo Stanley Hilton, o governo americano retribuiu o apoio recebido do governo brasileiro “com empréstimos de longo prazo e assistência técnica para a usina de Volta Redonda, com 2/3 de toda a ajuda concedida a América Latina (na modalidade Lend-Lease), com a provisão e transporte da força expedicionária brasileira,” marcando, assim, a Segunda Guerra, o “apogeu da cooperação Brasil-EUA”:52 este relacionamento, porém, começaria a mudar no mundo pós-guerra.

Encontrei algumas referências que denotam o interesse norte-americano no Nordeste brasileiro, mesmo antes do ingresso dos Estados Unidos no conflito. Segundo o jornal The

New York Times, o Nordeste brasileiro – o “ombro brasileiro” ou a “saliência brasileira” – é apontado como umas das áreas de “bases americanas em potencial”, e de “longe a mais importante,” dado sua essencialidade à defesa hemisférica. O artigo cita ainda Pernambuco – que é mostrado erroneamente no mapa como uma cidade –, que é de posição geográfica e estratégica ímpar, além de contar com um porto “razoavelmente bom”.53 Observe no mapa a seguir, apresentado no artigo citado, que, pelas distâncias – apresentadas em milhas náuticas54

51 “Os minerais, que são tão imprescindíveis para a guerra moderna, têm sido uma das contribuições mais importantes das Nações Americanas para a vitória das Nações Unidas. [...] Sem estes seria impossível fabricar a grande quantidade de armamentos necessários para assumir a ofensiva nos diversos teatros de guerra. Os países da América são uma das fontes mais copiosas de minerais do mundo. [...] O Brasil produz os melhores cristais de rocha do mundo e é o único país da América onde se produz, comercialmente, o titânio e o zircômio (utilizado “na fabricação de fulminantes para explosivos, de pó para lanternas elétricas e em tubos de vácuo”). Conforme: Revista Em Guarda, ano III, número 1, s/d, p.33, “Minerais das Américas.”

52 HILTON, Stanley E. The United States, Brazil, and the Cold War, 1945-1960: end of the special relationship. In: The Journal of American History, volume 68, número 3, (dezembro de 1981), p.600. A própria Força Expedicionária Brasileira (FEB) per se representou uma concessão norte-americana: “Mas ainda hoje se pensa que os aliados necessitavam de ajuda militar brasileira na Europa e, em troca recompensariam o Brasil com benefícios substanciais. Ao contrário, a Força Expedicionária Brasileira era uma sobrecarga para as forças militares aliadas: o gen. Marshall referiu-se a ela como ‘uma dor de cabeça a mais’. Foi em nome da colaboração brasileira, que envolvia bases, material estratégico e apoio político aos Estados Unidos no continente, que Washington concordou em permitir sua organização.” [grifo meu] Conforme: MOURA, Gerson. Sucessos e

ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p.40.

53 Jornal The New York Times, Nova Iorque, 21 de julho de 1941, “Potential U.S. bases.” [Matéria escrita por Hanson W. Baldwin]

54 1 milha náutica = 1853m. Portanto, Bermuda – Dakar = aproximadamente 5100km, enquanto Natal – Dakar = aproximadamente 3000km.

–, o Nordeste brasileiro diminuiu significativamente o caminho a ser percorrido na logística do abastecimento do teatro europeu a partir da África. Salienta-se, ainda, a importância do arquipélago de São Paulo e da ilha de Fernando de Noronha que, apesar da boa posição geográfica, apresentam características topográficas que inviabilizaram os seus usos como bases principais, podendo, no entanto, ser utilizadas como bases auxiliares. Como mostrarei adiante no Terceiro Capítulo, Fernando de Noronha55 só iria adquirir um status realmente especial – apesar de parcial e temporário –, no contexto da futura “Guerra Fria”, em fins da década de 1950, quando foi utilizada para a instalação de uma base de rastreio de mísseis e foguetes teleguiados lançados de Cabo Canaveral, na Flórida.

55 Matéria do jornal The New York Times de setembro de 1956 mostrou que os Estados Unidos estavam também interessados na ilha de Trindade: não encontrei evidências de atividades em Trindade relacionadas ao programa ICBM. Conforme: Jornal The New York Times, Nova Iorque, 23 de setembro de 1956, p.12, “U.S. seeks posts on 2 Brazil isles.” “Hopes to use South Atlantic stations for tracking long-range missiles.”

Em fevereiro de 1942 o governo brasileiro concede o status de território federal a Fernando de Noronha e no mês seguinte, do porto do Recife, partiam os militares brasileiros que comporiam o “1º Grupo Móvel de Artilharia de Costa e a 1ª Bateria Independente de Obuzes, acompanhadas dos efetivos do 1º Grupo do 3º Regimento de Artilharia Anti-aérea.”56 Meses depois, a imprensa norte-americana salientou o fato de Fernando de Noronha ter “mudado o seu status político” e de agora “ter se transformado em um dos postos chave de defesa do Atlântico Sul.” A matéria do jornal frisa ainda que as “autoridades [nos Estados Unidos] acreditam que com o término dos planos do governo [brasileiro] a ilha surgirá como uma fortaleza, provavelmente tão importante para a defesa hemisférica como o é [...] Porto Rico para [a defesa do] o Canal do Panamá.”57 Observe no mapa abaixo, mostrado na matéria já citada, que Fernando de Noronha merece destaque – assim como Pernambuco, que ainda aparece como uma cidade –, apesar do fluxo maior de operações na Segunda Guerra ter se concentrado, principalmente, em Natal, no estado do Rio Grande do Norte.

56 NASCIMENTO, Grazielle Rodrigues do. Fernando de Noronha e os ventos da Guerra Fria: a relação entre Brasil e Estados Unidos nos anos de JK. Recife, 2009, 159 p. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

57 Jornal The New York Times, Nova Iorque, 11 de fevereiro de 1942, “Brazil plans Atlantic island stronghold; Fernando de Noronha cuts line from Dakar.”

Depois da Segunda Guerra algo acontece no mundo que muda o caráter de indispensabilidade militar do Nordeste brasileiro: o Brasil parece perder a reputação estratégica adquirida na Guerra. Grosso modo, foi a utilização de bases militares no Nordeste o que garantiu ao Brasil um papel destacado no esforço militar aliado. Na interpretação de Carlos Fico, esta perda de importância é identificada até mesmo antes do término do conflito, logo “depois do sucesso da invasão do norte da África pelas forças anglo-americanas, em novembro de 1942,” uma vez “que a hipótese de invasão do território brasileiro, depois disto, tornou-se remota.”58 Acredito, porém, que a importância não se esgotou aí: a possibilidade de abastecimento rápido e seguro do teatro europeu pelo corredor Estados Unidos-Nordeste do Brasil-Norte da África seduziram ainda os norte-americanos por algum tempo.59 É bom lembrar que a guerra na Europa ainda estava em curso e as tropas aliadas tinham que ser abastecidas. Durante a guerra (em janeiro de 1944) os Estados Unidos esboçaram o interesse de “permanecer nas bases do Nordeste brasileiro, propondo a assinatura de um acordo que garantisse essa presença após o término da guerra,”60 [grifos meus] o que não aconteceu. O que teria feito então os militares norte-americanos mudarem sua opinião acerca do Nordeste brasileiro? Em minha opinião, a bomba atômica e a necessidade de “cercar” a União Soviética – como mostrarei adiante – compuseram o quadro analítico central que explica esse afastamento.

E mais ainda: as linhas de abastecimento via Nordeste brasileiro eram tão importantes que a quebra da neutralidade brasileira – a favor dos aliados – foi conseguida, inclusive, por meio de ameaça de invasão.61

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