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3. A Vinculação

3.3. A Vinculação e a Personalidade Depressiva

3.3.2. Vinculação, Depressão e Personalidade Depressiva

A teoria da vinculação compreende a vinculação insegura como um fator de risco para a afetividade negativa, o sofrimento prolongado e a psicopatologia (Mikulincer & Shaver, 2007). No que diz respeito à patologia depressiva, Bowlby (1980) sugeriu que a perda de uma vinculação segura durante a infância ou a adolescência contribui para o desenvolvimento posterior da depressão. Esta perda, que pode resultar da morte da figura de vinculação primária ou do fracasso constante desta figura em formar uma relação segura, encoraja a formação de representações do self e do mundo pessimistas. Em termos gerais, é provável que uma criança “abandonada” se sinta desprotegida e impotente na tentativa de manter uma figura de vinculação morta, rejeitante, negligente ou inconsistentemente responsiva presente, ou na tentativa de ganhar o seu apoio, amor, aprovação ou admiração. Bowlby (1980), assim como autores de modelos cognitivos da depressão (por exemplo, Beck, 1976), acreditava que estas cognições e sentimentos da infância conduziriam à depressão, especialmente se os indivíduos inseguros encontrassem, ao longo da sua vida, mais perdas, eventos traumáticos ou dificuldades. Desde o início dos anos 90 que os investigadores têm analisado empiricamente as hipóteses de Bowlby acerca da ligação entre a vinculação insegura e a depressão (West & George, 2002).

Carnelley et al. (1994) utilizaram a perspetiva teórica da vinculação para analisar as experiências depressivas, sublinhando que a teoria da vinculação poderia facilitar a compreensão da depressão, uma vez que integra fatores individuais e interpessoais. Esta integração seria atingida através do conceito de modelos internos dinâmicos – no caso da depressão, os modelos internos dinâmicos de vinculação insegura.

Uma vinculação insegura dá origem a dúvidas sérias sobre o quanto se é amado e valorizado pelas figuras de vinculação. Deste modo, a autoestima das pessoas inseguras é, provavelmente, contingente da aprovação dos outros, de experiências de sucesso e fracasso temporários e ainda de processos mentais defensivos que distorcem a realidade. Estas pessoas são, normalmente, muito autocríticas e cheias de dúvidas sobre si mesmas e o seu próprio valor (Mikulincer & Shaver, 2007). Por exemplo, Roberts et al. (1996) propõem um modelo acerca da relação entre a depressão e a vinculação

insegura em que descrevem a vinculação insegura como estando associada a atitudes disfuncionais responsáveis por diminuir a autoestima e, consequentemente, conduzir a sintomas depressivos. Os autores realizaram um estudo com estudantes universitários e verificaram que a relação entre a vinculação e a depressão era mediada pela autoestima: estudantes com um modelo negativo do self e modelos positivos dos outros tinham mais probabilidade de sofrer de uma depressão clínica, enquanto estudantes com um modelo negativo do self e dos outros tinham maior probabilidade de reportar uma depressão não clínica.

Embora ambas as pessoas ansiosas e evitantes se confrontem com estes problemas e dificuldades, no âmbito da vinculação insegura, o estilo de vinculação ansioso interfere, em concreto, com a regulação de emoções negativas e promove um sofrimento intenso e persistente, que continua mesmo depois de as ameaças objetivas terem desaparecido. As estratégias hiperativadoras utilizadas intensificam as dúvidas acerca do próprio valor e eficácia, assim como o sentido de vulnerabilidade à rejeição ou abandono, sendo responsáveis pela baixa autoestima destes indivíduos. Por conseguinte, as pessoas com uma vinculação ansiosa experienciam um grande conjunto de pensamentos e sentimentos que não são capazes de gerir e que contribuem para a desorganização cognitiva e, nalguns casos, culminam numa psicopatologia. Em particular, o estilo de vinculação ansioso promove preocupações crónicas relacionadas e não relacionadas com a vinculação, assim como reações depressivas a perdas e fracassos atuais ou potenciais (Mikulincer, 2007).

O conjunto destes motivos – os modelos negativos do self, a baixa autoestima, a autocrítica – justifica e torna pouco surpreendente que o estilo de vinculação ansioso tenha sido associado à depressão (Bifulco et al., 2002; Carnelley et al., 1994).

De acordo com Mikulincer & Shaver (2007), várias investigações têm procurado estudar a relação entre a depressão e a vinculação em amostras não-clínicas. Estes estudos concluíram que adultos com depressão, comparativamente a adultos saudáveis (sem depressão), tendem a descrever os pais como mais rejeitantes, indisponíveis e pouco apoiantes. Existem estudos que provam uma ligação entre a depressão e a vinculação insegura (Carnelley et al., 1994; Feeney & Noller, 1990). É também sabido que, pelo contrário, menores níveis de depressão estão associados a uma vinculação segura com os pais e nas relações próximas.

Embora também seja possível que a depressão conduza à erosão da vinculação segura, é mais provável que aconteça o contrário, ou seja, que a vinculação insegura

conduza à depressão. Alguns estudos chegaram à conclusão de que a vinculação insegura prediz aumentos na depressão ao longo de vários períodos de tempo (desde um mês a dois anos). Por exemplo, Haaga et al. (2002) mostraram que embora a vinculação insegura prediga variações na depressão ao longo do tempo, a manipulação experimental do humor deprimido não afeta significativamente os relatos posteriores de vinculação insegura.

Nestes estudos, o estilo de vinculação ansioso nas relações próximas também tem sido associado com a depressão. No que diz respeito ao estilo de vinculação evitante, esta conclusão é menos consistente, embora indivíduos com este estilo de vinculação sofram mais de depressão do que indivíduos com um estilo de vinculação seguro. É de referir que, dentro do estilo de vinculação evitante, o estilo fearful está mais associado à depressão do que o estilo desligado, o que sugere que, de facto, os aspectos ansiosos estarão ligados a uma maior vulnerabilidade à depressão (Mikulincer & Shaver, 2007).

No entanto, é relevante que, embora a vinculação ansiosa seja mais fortemente associada à depressão do que a vinculação evitante, os investigadores, investigando múltiplas facetas da depressão, tenham chegado à conclusão de que esta diferença é menos evidente quando se examina a contribuição de cada dimensão da vinculação a sintomas depressivos específicos (Davila, 2001; Murphy & Bates, 1997; Zuroff & Fitzpatrick, 1995). Nestes estudos, quer a vinculação ansiosa, quer a vinculação evitante, foram associadas com a depressão, mas estas duas dimensões diferiram no que diz respeito às facetas ou formas de depressão que predisseram. Enquanto a vinculação ansiosa demonstrou uma relação com os aspetos interpessoais da depressão (como o excesso de dependência e a falta de autonomia – a forma de depressão a que Blatt (1974) chamou analítica), a evitação foi relacionada com aspetos relacionados com o desempenho (como perfeccionismo, a autopunição ou a autocrítica – a forma de depressão a Blatt chamou introspetiva).

A relação entre a depressão e a vinculação também tem sido investigada em amostras clínicas. Por exemplo, Rosenstein e Horowitz (1996) verificaram uma prevalência da vinculação insegura em pacientes com diagnóstico clínico de depressão. A vinculação insegura também se revelou prevalente em amostras de mulheres com depressão recorrente (Cyranowski et al., 2000), assim como em pacientes com distímia (West & George, 2002).

tipo de vinculação insegura que é mais comum nos pacientes deprimidos, isto é, virtualmente não existe congruência na identificação de um estilo de vinculação mais vulnerável à depressão (Bifulco et al., 2002). Enquanto alguns estudos indicam que a depressão (e a distímia) está mais associada a estilos de vinculação ansiosos, como o estilo de vinculação preocupado (Cole-Detke & Kobak, 1996; Rosenstein & Horowtiz, 1996; Gerlsma & Luteijn, 2000; West & George, 2002), outros estudos concluem que a depressão está mais associada a um estilo evitante desligado (Dozier & Tyrrell, 1997; Bifulco et al., 2002). Murphy e Bates (1997) concluíram que os sintomas depressivos estão mais fortemente relacionados com o estilo de vinculação evitante fearful. Este estilo de vinculação, entre pessoas com depressão, também tem sido associado a uma sintomatologia depressiva mais grave (Carnelley et al., 1994; Reinecke & Rogers, 2001). Outro estudos, ainda, referem não existir uma correlação entre qualquer estilo de vinculação e a depressão (Mickelson et al., 1997). Estas inconsistências têm sido explicadas em termos metodológicos: críticas relativas a amostras pequenas e pouco representativas ou realizadas com populações não-clínicas, sobretudo de estudantes; críticas relativas ao elevado número de instrumentos de medida e consequente uso de diversas classificações de vinculação, o que as torna difíceis de comparar; e críticas relativas ao tipo de relações de vinculação ao qual os instrumentos se aplicam (Bifulco et al., 2002). De acordo com Dozier, Stovall e Albus (1999), estas discrepâncias também podem ser devidas a diferenças na definição de “depressão” e, portanto, dos indivíduos que são incluídos nesse grupo (Fonagy, et al., 1996).

É importante referir que Fonagy et al. (1996) chegaram à conclusão que pacientes com um episódio depressivo major têm uma grande probabilidade de ter um estilo de vinculação seguro. De acordo com os autores, um episódio depressivo agudo pode ser uma reação temporária uma perda traumática e não o produto de características de vinculação insegura. Estas inseguranças parecem conduzir mais a perturbações depressivas crónicas.

Em termos teóricos, as características e as estratégias utilizadas por pessoas com um estilo de vinculação evitante desligado serviriam para as proteger de desenvolver uma perturbação depressiva. West e George (2002) sugerem que estes indivíduos, através do uso de estratégias desativadoras, tentam minimizar, evitar ou neutralizar dificuldades relacionadas com experiências de vinculação, apresentando muito pouca elaboração e representação interna destas experiências. Contudo, ao mesmo tempo, auto-percepcionam-se como independentes e fortes, acreditando serem capazes de agir

de modo eficaz. Ou seja, estas pessoas não exploram o seu mundo interno no que diz respeito à vinculação, mas veem-se como pessoas capazes de ser autossuficientes. É esta autossuficiência que as deverá proteger do desenvolvimento de uma perturbação depressiva. Pelo contrário, as pessoas com um estilo de vinculação preocupado não são capazes de se separar a si mesmas das suas experiências de vinculação, sobre- preocupando-se com todos os detalhes e emoções que acompanham essas experiências. Este processo não lhes permite desenvolver um sentido do self coeso e competente, não mostrando por isso a mesma agência pessoal dos indivíduos desligados, o que os coloca em maior risco de desenvolver uma perturbação depressiva. De acordo com esta perspetiva, a depressão representa uma reação à frustração experienciada por estes indivíduos relativamente aos seus esforços para atingir a autossuficiência.

Não existem muitos estudos que analisem o impacto dos estilos de vinculação no sofrimento psicológico na idade adulta, embora nas últimas décadas, como vimos, vários investigadores tenham utilizado os estilos de vinculação na tentativa de compreender o desenvolvimento da depressão. Mas nem todos os indivíduos que passam por uma experiência de depressão nalgum momento da sua vida podem ser vistos como tendo uma vulnerabilidade geral à depressão. Por isso, esta investigação foca-se, não no estado depressivo (ou seja, na depressão como um estado), mas na depressividade (ou seja, nos traços da personalidade depressiva). Esta diferença provocará resultados diferentes daqueles até agora encontrados? É esta uma das perguntas às quais tentamos responder.