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2.2 CAMINHOS DO TRÁFICO

2.2.2 Vindos da vasta Bahia

Em relação aos passaportes que foram emitidos no porto de Salvador também foi possível apontar a localidade de origem de alguns escravos. As informações foram colhidas daqueles registros que indicaram a naturalidade do escravo. Infelizmente, apenas a minoria dos passaportes trouxe essa informação detalhada, o que deixa espaço para muitas lacunas. A maioria dos passaportes indicava apenas a naturalidade genérica de “natural da província da Bahia”. Contudo, partimos das localidades informadas para uma análise das possíveis localidades de origens da maioria dos escravos que foram enviados para fora da província. Na tabela 12, foram listadas as cidades separadas em dois blocos. Na parte de cima, foram alocadas as cidades litorâneas e mais próximas de Salvador e do Recôncavo, na parte de baixo, estão as cidades localizadas no sertão baiano.

Tabela 12- Naturalidades dos escravos nos passaportes

Cidades da Bahia Total

Região Metropolitana/ litoral Déca

da Salvador Feira de Santana Maragogipe Santo Amaro Cachoeira Campos S. G. dos S. Felix Nazaré Taperoá Valença Maraú/ Camamu Alcobaça

1850 4 4 6 2 2 1 6 3 8 2 1 39

1870 1 1 1

Sertão

Juazeiro R. de Contas Jacobina Pilão Arcado R. São Francis

co

Inhambupe Lençóis

1850 1 6 1 1 3 1 13

1870 1 1 1

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB); Sessão Provincial; Série Polícia do Porto, Registros de Passaportes. Maços: 5903/5904/5894

Na tabela 12, percebemos que muitos dos escravos com naturalidade declaradas foram da região do Recôncavo, contudo, a cidade com maior frequência foi a de Valença, localizada mais ao sul. Além disso, as cidades de Taperoá, Nazaré, Maraú, S. G. dos Campos, Feira de Santana estavam fora do ciclo dos engenhos e, em sua maioria, eram compostas por produtores de fumo e mandioca.28 Entre as localidades listadas, apenas

Santo Amaro esteve entre as que se dedicavam sobretudo ao cultivo do açúcar. Esse fato somado ao perfil dos cativos exportados, aponta para a prevalência de escravos saídos de regiões que estavam na periferia dos principais engenhos do recôncavo. Contudo, isso não significa, necessariamente, a prevalência de escravos oriundos de fazendas dedicadas ao fumo e mandioca. Os dados devem ser analisados com cautela e relativizados, pois, segundo Alex Andrade Costa, em Nazaré o tráfico interno recrutou escravos principalmente nas fazendas de açúcar.29

28 Ver: BARICKMAN, Bert Jude. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no

Recôncavo, 1780-1860. Editora Record, 2003.

29 COSTA, Alex Andrade. Arranjos de sobrevivência: autonomia e mobilidade escrava no Recôncavo Sul da Bahia (1850-1888). (Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado da Bahia. Santo Antônio de

As cidades mais próximas de Salvador, certamente, foram bastantes assediadas pelos comerciantes de escravos, que percorriam vilas e cidades, compravam escravos, e depois formavam comboios em direção à capital.

Entre as cidades do sertão, a maior parte dos escravos foram de Rio de Contas, seguidos daqueles vindos do rio São Francisco. Maria de Fátima Novaes Pires aponta que a região de Rio de Contas esteve interligada ao Recôncavo baiano (Nazaré, Cacheira) por vias do rio Paraguassú que se articulavam com estradas locais.30 O comércio interno de

escravos, entre o sertão e o litoral, remonta ao século XVII. Nesse período, descoberta do ouro, na região de Minas Gerais, intensificou esse trânsito comercial, muitos escravos africanos, após o desembarque, principalmente nos portos de Salvador e Rio de Janeiro, eram enviados para as minas do sertão. Assim, a região de Rio de Contas contava com uma localização privilegiada que possibilitava estabelecer trocas comerciais com Minas Gerais, Goiás e o Recôncavo, além das outras localidades do interior da Bahia.

Paulo Henrique D. dos Santos indica que produtores e comerciantes de Caetité, nas proximidades de Rio de Contas, mantiveram constantes relações com Salvador, exportaram algodão e importaram mercadorias diversas.31 Desse modo, apesar das

dificuldades nos transportes pela via terrestre, existiram dinâmicas relações econômicas e sociais entre elites da capital da província e do alto sertão baiano. Além disso, a criação de gado vacum, nos sertões, também contribuiu para o surgimento de rotas comerciais, já que muitos dos animais eram destinados ao comércio em cidades litorâneas. Essa integração também explica a presença dos 15 escravos do Piauí e 2 de Minas, como foi apontado na tabela 10, pois essas regiões estiveram interligadas a Salvador por essas rotas. Deste modo, no século XIX, na Bahia, o litoral, Recôncavo, Salvador e os sertões formaram uma economia integrada. A presença de escravos da região do sertão deve ser compreendida nessa dinâmica, pois, intermediários que atuaram nos negócios de diferentes gêneros também poderiam negociar escravos. Na figura 6, podemos observar as possíveis rotas percorridas pelos escravos despachados pelo porto de Salvador.

30 PIRES, Maria de Fátima Novaes. Fios da Vida: Tráfico interprovincial e alforrias. Escravos e ex- escravos nos sertoins de sima. Rio de Contas e Caetité–BA (1860-1920). São Paulo, Annablume, 2009. 31 SANTOS, Paulo Henrique Duque. Légua tirana: sociedade e economia no alto sertão da Bahia. Caetité,

Figura 6- possíveis rotas do tráfico entre sertão e Salvador*

Fonte: mapa extraído do site: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba_monte%20azul/conceicao.htm. *Adaptação feita com base das rotas de comércio do Sertão. Ver: PIRES, Maria de Fátima Novaes. O Crime na cor: a experiência escrava no alto sertão da Bahia: Rio de Contas e Caetité–1830-1888. 2003.

Na figura 6, percebemos que as cidades do sertão que aparecem nos passaportes estiveram integradas pelas principais rotas comerciais do século XIX. O entrecruzamento de fontes permite melhor compreender a atuação de firmas comerciais no tráfico interno de escravos, ou seja, de que modo comerciantes e firmas que atuavam no comércio de gêneros diversos contavam com trânsito entre as diferentes localidades da província que também possibilitavam o tráfico de escravos.