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A VINGANÇA DOS "NERDS"

No documento Como a Mente Funciona Steven Pinker (páginas 162-200)

Em algum lugar além das fronteiras de nosso sistema solar, arrojando- se pelo espaço interestelar, há um fonógrafo e um disco dourado com instru- ções hieroglíficas na capa. Foram colocados na sonda espacial Voyager 2, lançada em 1977 para nos transmitir fotografias e dados dos planetas distan- tes de nosso sistema solar. Agora que passou por Netuno e sua emocionante missão científica está encerrada, ela serve como um cartão de visita inter- planetário que deixamos para algum viajante espacial extraterrestre que possa vir a pescá-la.

O astrônomo Carl Sagan foi o produtor do disco; ele escolheu imagens e sons que sintetizam nossa espécie e nossas realizações. Sagan incluiu sau- dações em 55 línguas humanas e uma "língua de baleia", um ensaio sonoro de doze minutos composto do choro de um bebê, de um beijo e de um regis- tro de eletroencefalograma das meditações de uma mulher apaixonada, além de noventa minutos de música, com exemplos de diferentes culturas do mundo: mariachi mexicana, flautas-de-pã peruanas, raga indiana, um cânti- co noturno navajo, uma canção de iniciação para meninas pigméias, uma música sakuhachi japonesa, Bach, Beethoven, Mozart, Stravinsky, Louis Armstrong e Chuck Berry cantando "Johnny B. Goode".

O disco também envia uma mensagem de paz de nossa espécie para o cosmo. Em um involuntário ato de humor negro, a mensagem foi proferida pelo secretário-geral das Nações Unidas na época, Kurt Waldheim. Anos depois, historiadores descobriram que Waldheim passara a Segunda Guerra

Mundial como oficial do serviço secreto em uma unidade do exército ale- mão que perpetrou represálias brutais contra guerrilheiros da resistência nos Bálcãs e deportou a população judaica de Salonica para campos de extermí- nio nazistas. E tarde demais para chamar a Voyager de volta, e essa piada sar- cástica sobre nós circulará para sempre pelo centro da Via Láctea.

TORNAR-SE INTELIGENTE

A gravação fonográfica da Voyager foi uma boa idéia, de qualquer modo, nem que seja apenas pelas questões que ela suscitou. Estamos sozi- nhos? Se não estamos, as formas de vida alienígenas têm a inteligência e o desejo de viajar pelo espaço? Em caso afirmativo, elas interpretariam os sons e imagens da maneira por nós pretendida ou ouviriam a voz como o lamen- to de um modem e veriam os desenhos lineares de pessoas na capa como a representação de uma raça de armações de arame? Se entendessem, como responderiam? Não fazendo caso de nós? Vindo até aqui para nos escravizar ou comer? Ou entabulando um diálogo interplanetário? Num esquete do

programa Saturday night live} a tão esperada resposta do espaço distante foi

"Mandem mais Chuck Berry".

Essas não são apenas questões para bate-papos noturnos nos dormitó- rios universitários. No início da década de 1990, a NASA destinou 100 milhões de dólares a uma busca de inteligência extraterrestre (Search for Extraterrestrial Intelligence — SETl), com duração de dez anos. Os cientis- tas deveriam usar antenas de rádio para tentar ouvir sinais que só poderiam provir de extraterrestres inteligentes. Previsivelmente, alguns congressistas objetaram. Um afirmou ser desperdício de dinheiro federal "procurar homenzinhos verdes com cabeças deformadas". Para minimizar o "fator risa- dinhas", a NASA rebatizou o projeto como High-Resolution Microwave Sur- vey [Pesquisa de Microondas de Alta Resolução], mas era tarde demais para salvar o projeto do machado dos congressistas. Atualmente ele é financiado por doações de fontes privadas, entre elas Steven Spielberg.

A oposição à SETI não proveio só de néscios, mas também de alguns dos mais eminentes biólogos do mundo. Por que eles aderiram à discussão? A SETI depende de suposições da teoria evolucionista e não apenas da astrono- mia — hipóteses, em especial, sobre a evolução da inteligência. A inteligên- cia é inevitável ou foi um acaso feliz? Numa célebre conferência proferida em 1961, o astrônomo e entusiasta da SETI Frank Drake observou que o número de civilizações extraterrestres que poderia fazer contato conosco podia ser calculado com a seguinte fórmula:

(1) (O número de estrelas na galáxia) x (2) (A fração de estrelas com planetas) x

(3) (O número de planetas por sistema solar com um meio capaz de sus- tentar vida) x

(4) (A fração desses planetas na qual realmente apareça vida) x (5) (A fração de planetas onde há vida na qual emerge a inteligência) x (6) (A fração de sociedades inteligentes dispostas a comunicar-se com outros mundos e capazes disso) x

(7) (A longevidade de cada tecnologia no estado comunicativo). Os astrônomos, físicos e engenheiros presentes na conferência julga- ram-se incapazes de estimar o fator (6) sem a ajuda de um sociólogo ou his- toriador. Mas sentiram-se confiantes para estimar o fator (5), a proporção de planetas onde há vida na qual emerge a inteligência. Concluíram que era

100%.

Descobrir vida inteligente em algum lugar do cosmo seria a descoberta mais empolgante da história humana. Então, por que os biólogos mostram- se tão ranhetas? E porque julgam que os entusiastas da SETI estão raciocinan- do com base em uma crença popular pré-científica. Dogmas religiosos de séculos atrás, o ideal vitoriano do progresso e o humanismo secular moder- no induziram as pessoas a compreender equivocadamente a evolução como um anseio íntimo ou um desdobramento em direção à maior complexidade, culminando no aparecimento do homem. A pressão aumenta, e a inteligên- cia emerge como pipoca na panela.

A doutrina religiosa denominou-se a Grande Cadeia do Ser—da ame- ba ao macaco e enfim ao homem —, e mesmo hoje em dia muitos cientistas empregam irrefletidamente palavras como formas de vida "superiores" e "inferiores" e "escala" e "escada" evolutiva. O desfile de primatas, do gibão de braços compridos ao recurvado homem das cavernas e depois ao ereto homem moderno, tornou-se um ícone da cultura popular, e todos nós enten- demos o que uma garota quer dizer quando conta que recusou um encontro com um sujeito porque ele não é muito evoluído. Nas histórias de ficção científica como A máquina do tempo, de H. G. Wells, em episódios de Jorna- da nas estrelas e nas histórias de Boy's lifey o ímpeto evolucionista é extrapo- lado aos nossos descendentes, que são mostrados como homúnculos carecas, de veias varicosas, cérebro bulboso e corpo espigado. Em O planeta dos maca- cos e outras histórias, depois de nos termos explodido em pedaços ou sufoca- do em nossos poluentes, macacos ou golfinhos aproveitam a oportunidade e nos tomam o trono.

Drake expressou essas suposições em uma carta à Science defendendo a SETI contra o eminente biólogo Ernst Mayr. Este observara que apenas uma

dentre as 50 milhões de espécies da Terra desenvolvera civilizações, e por- tanto a probabilidade de que a vida em determinado planeta incluísse uma espécie inteligente poderia ser muito diminuta. Drake replicou:

A primeira espécie a desenvolver civilizações inteligentes descobrirá que é a única espécie desse tipo. Isso deveria surpreender? Alguém tem de ser o pri- meiro, e ser o primeiro nada revela sobre quantas outras espécies tiveram ou têm o potencial para evoluir até formar civilizações inteligentes, ou podem fazê-lo no futuro. [...] Analogamente, entre muitas civilizações, uma será a pri- meira, e temporariamente a única, a desenvolver tecnologia eletrônica. Como poderia ser de outro modo ? As evidências realmente indicam que os sis- temas planetários precisam existir em circunstâncias suficientemente benig- nas por alguns bilhões de anos para que uma espécie usuária de tecnologia venha a evoluir.

Para saber por que esse modo de pensar colide tão fortemente com a moderna teoria da evolução, considere uma analogia: o cérebro humano é um órgão extremamente complexo que evoluiu uma única vez. A tromba do elefante, capaz de empilhar troncos, arrancar árvores, pegar uma moeda, remover espinhos, borrifar o elefante com água, cobri-lo de terra, servir de snorkel e escrever com um lápis, é outro órgão complexo que evoluiu uma única vez. O cérebro e a tromba são produtos da mesma força evolutiva, a seleção natural. Imagine um astrônomo no Planeta dos Elefantes defenden- do a SETT — Search for Extraterrestrial Trunks [Busca de Trombas Extrater- restres]:

A primeira espécie a desenvolver a tromba descobrirá que é a única espécie desse tipo. Isso deveria surpreender? Alguém tem de ser o primeiro, e ser o pri- meiro nada revela sobre quantas outras espécies tiveram ou têm o potencial para desenvolver trombas, ou podem fazê-lo no futuro. [...] Analogamente, entre muitas espécies portadoras de trombas, uma será a primeira, e tempora- riamente a única, a se cobrir de terra. As evidências realmente indicam que os sistemas planetários precisam existir em circunstâncias suficientemente benignas por alguns bilhões de anos para que uma espécie usuária de tromba venha a evoluir. [...]

Esse raciocínio nos parece aloprado porque o elefante está supondo que a evolução não apenas produziu a tromba em uma espécie deste planeta mas estava se empenhando em produzi-la em algumas espécies afortunadas, todas esperando e torcendo por isso. O elefante é meramente "o primeiro" e "tem- porariamente" o único; outras espécies têm "o potencial", embora seja necessário decorrerem alguns bilhões de anos para que o potencial se reali- ze. Evidentemente, não somos chauvinistas em relação às trombas, por isso podemos perceber que as trombas evoluíram, mas não porque uma força irre-

sistível tornou isso inevitável. Graças a precondições fortuitas nos ances- trais elefantinos (tamanho avantajado e determinados tipos de narinas e lábios), a certas forças seletivas (os problemas impostos por erguer e baixar uma cabeça enorme) e à sorte, a tromba evoluiu como uma solução viável para aqueles organismos naquela época. Outros animais não desenvolveram e não desenvolverão trombas porque em seu corpo e em suas circunstâncias ela não ajuda. A tromba poderia acontecer novamente, aqui ou em outra parte? Poderia, mas a proporção de planetas nos quais as cartas necessárias foram dadas em determinado período de tempo é presumivelmente peque- na. Com certeza é menos de 100%.

Nós somos chauvinistas no que respeita ao nosso cérebro, julgando que ele é o objetivo da evolução. E isso não tem sentido, pelos motivos expostos ao longo dos anos por Stephen Jay Gould. Primeiro, a seleção natural não faz nada parecido com empenhar-se pela inteligência. O processo é impulsio- nado por diferenças nas taxas de sobrevivência e reprodução de organismos que se replicam em um meio específico. No decorrer do tempo, os organis- mos adquirem padrões que os adaptam à sobrevivência e reprodução naque- le meio, e ponto final; nada os impele em direção alguma além do êxito aqui e agora. Quando um organismo muda-se para um novo meio, seus descen- dentes adaptam-se conseqüentemente, mas os organismos que permanece- ram no meio original podem prosperar inalterados. A vida é um arbusto densamente ramificado, e não uma escala ou escada, e os organismos vivos encontram-se nas extremidades dos ramos, e não em degraus inferiores. Cada organismo vivo hoje teve o mesmo tempo para evoluir desde a origem da vida — a ameba, o ornitorrinco, o macaco rhesus e, sim, também o Larry querendo marcar outro encontro pela secretária eletrônica.

Mas, poderia perguntar um fã da SETI, não é verdade que os animais tor- nam-se cada vez mais complexos com o passar do tempo? E a inteligência não seria a culminância? Em muitas linhagens, obviamente, os animais tor- naram-se mais complexos. A vida começou simples, portanto a complexi- dade da criatura mais complexa existente na Terra em qualquer período tem de aumentar ao longo das eras. Porém, em muitas linhagens, isso não preci- sa ocorrer. Os organismos atingem um ótimo e assim permanecem, muitas vezes por centenas de milhões de anos. E os que de fato se tornam mais com- plexos nem sempre se tornam mais inteligentes. Tornam-se maiores, mais rápidos, mais venenosos, mais férteis, mais sensíveis a odores e sons, mais capazes de voar mais alto e mais longe, melhores construtores de ninhos e represas — o que quer que funcione para eles. A evolução concerne aos fins e não aos meios; tornar-se inteligente é apenas uma opção.

Ainda assim, não é inevitável que muitos organismos seguissem a rota da inteligência? Freqüentemente, linhagens diferentes convergem para uma solução, como os quarenta grupos diferentes de animais que desenvol- veram padrões complexos para os olhos. Presumivelmente, não se pode ser demasiado rico, demasiado magro ou demasiado inteligente. Por que a inte- ligência semelhante à humana não seria uma solução para a qual poderiam convergir muitos organismos, neste planeta e em outros?

A evolução realmente poderia ter convergido para a inteligência seme- lhante à humana várias vezes, e talvez esse argumento pudesse ser desenvol- vido para justificar a SETI. Porém, ao calcular as probabilidades, não basta pensar em como é maravilhoso ser inteligente. Na teoria evolucionista, esse tipo de raciocínio merece a acusação que os conservadores vivem jogando na cara dos liberais: eles especificam um benefício mas se negam a levar em consideração os custos. Os organismos não evoluem em direção a todas as vantagens imagináveis. Se o fizessem, cada criatura seria mais rápida do que uma bala, mais potente do que uma locomotiva e capaz de transpor edifícios altos num só pulo. Um organismo que devota parte de sua matéria e energia a um órgão tem de retirá-las de outro. Ele tem de ter ossos mais finos, menos músculos ou menos óvulos. Os órgãos evoluem apenas quando seus benefí- cios superam os custos.

Você tem um Assistente Digital Pessoal [Personal Digital Assistant — PD A] como o Newton, da Apple ? São aqueles dispositivos portáteis que reco- nhecem a escrita manual, armazenam números de telefone, editam texto, enviam mensagens por fax, fazem a agenda e executam muitas outras proe- zas. São maravilhas da engenharia e podem organizar uma vida ocupada. Mas não tenho um, apesar de ser fã de engenhocas. Sempre que me sinto ten- tado a comprar um PDA, quatro coisas me dissuadem. Primeiro, são volumo- sos. Segundo, precisam de baterias. Terceiro, aprender a usá-los toma tempo. Quarto, sua complexidade faz com que tarefas simples, como procurar um número de telefone, tornem-se lentas e desajeitadas. Eu me viro bem com um caderno e uma caneta-tinteiro.

Com as mesmas desvantagens depararia qualquer criatura ao ponderar se deveria ou não desenvolver um cérebro semelhante ao humano. Pri- meiro, o cérebro é volumoso. A pélvis da fêmea mal acomoda uma cabeça extragrande de bebê. O compromisso com esse design mata muitas mulhe- res durante o parto e requer um modo de andar pivotante que torna as mulheres biomecanicamente menos eficientes do que os homens no andar. Além disso, uma cabeça pesada balançando no pescoço nos torna mais vul- neráveis a danos fatais em acidentes como as quedas. Segundo, o cérebro necessita de energia. O tecido neural é metabolicamente guloso; nosso cére-

bro perfaz apenas 2% de nosso peso corporal, mas consome 20% de nossa energia e nutrientes. Terceiro, aprender a usar o cérebro toma tempo. Pas- samos boa parte da vida sendo crianças ou cuidando de crianças. Quarto, tarefas simples podem ser lentas. Meu primeiro orientador na pós-graduação era um psicólogo matemático que queria fazer um modelo da transmissão de informações no cérebro medindo os tempos de reação a tons altos. Teorica- mente, os tempos de transmissão de neurônio para neurônio deveriam ter chegado a alguns milésimos de segundo. Mas havia 75 milésimos de segun- do sem explicação entre estímulo e resposta — "Toda essa cogitação acon- tecendo e só queremos que ele abaixe o dedo", resmungava meu orientador. Os animais lower-tech conseguem ser muito mais rápidos; alguns insetos podem morder em menos de um milésimo de segundo. Talvez isso responda à questão retórica do anúncio de equipamento esportivo: o QI médio de um homem é 107. O QI médio da truta é quatro. Então por que um homem não pode pescar uma truta?

A inteligência não é para todos, assim como a tromba também não, e isso deveria fazer hesitar os entusiastas da SETI. Mas não estou argumentan- do contra a busca de inteligência extraterrestre; meu tema é a inteligência terrestre. A falácia de que a inteligência é alguma ambição sublime da evo- lução é parte da mesma falácia que a trata como uma essência divina, um tecido maravilhoso ou um princípio matemático de abrangência total. A mente é um órgão, um dispositivo biológico. Temos nossa mente porque seu design alcança resultados cujos benefícios superaram os custos na vida dos primatas africanos do Plioplistoceno. Para nos entendermos, precisamos conhecer o como, o porquê, o onde e o quando desse episódio da história. Eles são o tema deste capítulo.

O DESIGNER DAVID A

Um biólogo evolucionista/e? uma previsão sobre vida extraterreste — não para nos ajudar a procurar vida em outros planetas, mas para nos ajudar a entender a vida neste planeta. Richard Dawkins arriscou a hipótese de que a vida, em qualquer parte que possa existir no universo, será um produto da seleção natural darwiniana. Esse pode parecer o mais ousado prognóstico já feito por um teórico, mas na verdade é uma conseqüência direta da argu- mentação em favor da teoria da seleção natural. Essa é a única explicação que temos sobre o quão complexa a vida pode evoluir, deixando de lado a questão do como ela realmente evoluiu. Se Dawkins estiver certo, como acre- dito que esteja, a seleção natural é indispensável para entender a mente

humana. Se for a única explicação para a evolução de homenzinhos verdes, certamente é a única explicação para a evolução de homenzarrões marrons e beges.

A teoria da seleção natural — assim como o outro alicerce deste livro, a teoria computacional da mente — tem um status singular na vida intelec- tual moderna. Na sua disciplina de origem, ela é indispensável, explicando milhares de descobertas em uma estrutura coerente e constantemente ins- pirando descobertas novas. Mas fora de sua área ela é mal compreendida e ultrajada. Como no capítulo 2, quero esclarecer pormenorizadamente o argumento em favor de sua idéia básica: como ela explica um mistério cru- cial que suas alternativas não são capazes de explicar, como ela tem sido tes- tada no laboratório e em campo e por que alguns argumentos célebres contra ela estão errados.

A seleção natural tem um lugar especial na ciência porque só ela expli- ca o que faz a vida ser especial. A vida nos fascina em razão de sua complexi- dade adaptativa ou seu design complexo. Os seres vivos não são apenas lindas pecinhas de bricabraque; eles fazem coisas espantosas. Eles voam, ou nadam, enxergam, digerem alimento, apanham presas, fabricam mel, seda, madeira ou veneno. São proezas raras, além do alcance das lagoas, rochas, nuvens e outros seres inanimados. Chamaríamos de "vida" uma porção de matéria extraterrestre apenas se ela realizasse proezas semelhantes.

Realizações raras provêm de estruturas especiais. Os animais podem enxergar e as pedras não, porque os animais têm olhos, e estes têm arranjos precisos de materiais incomuns capazes de formar uma imagem: uma córnea que focaliza a luz, um cristalino que ajusta o foco à profundidade do objeto, uma íris que abre e fecha para permitir a entrada da quantidade certa de luz, uma esfera de gelatina transparente que mantém a forma do olho, uma reti- na no plano focai do cristalino, músculos que movem os olhos para cima e para baixo, de um lado ao outro, para dentro e para fora, bastonetes e cones que transduzem a luz em sinais neurais e mais, tudo primorosamente molda- do e organizado. São inimaginavelmente ínfimas as chances de essas estru- turas serem montadas a partir de materiais brutos por tornados, avalanches, cachoeiras ou relâmpagos vaporizadores de grude pantanoso do experimen- to mental do filósofo.

O olho contém tantas partes, arranjadas de modo tão preciso, que pare- ce ter sido projetado de antemão com o objetivo de montar alguma coisa que enxergue. O mesmo se pode afirmar de nossos outros órgãos. Nossas juntas são lubrificadas para uma articulação suave, nossos dentes juntam-se para cortar e moer, nosso coração bombeia sangue — cada órgão parece ter sido projetado tendo em mente uma função a ser desempenhada. Uma das razões

de Deus ter sido inventado foi para ser a mente que formou e executou os pla- nos da vida. As leis do mundo andam para a frente e não para trás: a chuva faz o chão ficar molhado; o chão que se beneficia por ser molhado não é capaz de causar a chuva. O que mais além dos planos de Deus poderia levar a cabo a teleologia (direcionamento para um objetivo) da vida na Terra?

Darwin mostrou o que mais. Ele identificou um processo físico de causa-

No documento Como a Mente Funciona Steven Pinker (páginas 162-200)

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