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A violência e o amor são vermelhos

3. Un oso rojo: “Toda la guita es afanada”

3.2. A violência e o amor são vermelhos

Com base na descrição das cenas, percebemos a forma progressiva com que o vermelho invade os cenários e as vestimentas das personagens. Essa cor é sempre

5 O fragmento lido é o seguinte: “Hasta que al fin, viendo que ya no quedaba un solo pedazo de media, las

víboras los dejaron libres, cansadas e arreglándose las gazas de sus trajes de baile. A veces, se apartan de la orilla, y dan unos pasos por la tierra, para ver cómo se hallan. Pero los dolores del veneno vuelven en seguida y corren a meterse en el agua. A veces el ardor que sienten es tan grande, que encogen una pata y quedan así horas enteras, porque no pueden estirarla. Esta es la historia de los flamencos, que antes tenían las patas blancas y ahora las tienen coloradas”.

empregada em tons fortes e uniformes, destacando-se das demais cores presentes no ambiente, que apresentam tonalidades amenas.

Os principais cenários do filme são os seguintes: a prisão, a casa de Natalia, o estabelecimento de El Turco, o bar em que Sergio faz apostas, a remiseria e a pensão temporária na qual vive El Oso. Conforme apresentado na descrição do filme, destacam- se no interior desses ambientes paredes, utensílios ou cortinas nas cores azul, branca e vermelha. Também o figurino das personagens apresenta detalhes nessas cores ou são inteiramente tingidos por elas. As fachadas dos edifícios, se não são pintadas inteiramente nesses matizes, apresentam detalhes em vermelho e azul, cujos tons são intensos. Há também lixeiras ou objetos próximos a esses lugares com cores semelhantes.

Os dois cenários nos quais esses tons mais se destacam são o bar de El Turco e a casa de Natalia. No primeiro, a parede e o balcão são azuis e contrastam com a cor vermelha de algumas mesas, das paredes e da cortina. O proprietário veste ora camisa vermelha, ora azul, e, sobre elas, um colete. Tal vestimenta remete aos filmes de faroeste, pois El Turco, segundo o diretor, foi pensado como um vilão típico do gênero. No segundo ambiente, destacam-se cadeiras vermelhíssimas, assim como cortinas na cor azul e objetos, seja da menina, seja da casa, nessas duas cores. Natalia e Alicia sempre usam peças de vestuário nesses matizes.

El Oso, entretanto, nunca veste trajes vermelhos. Ele usa calça jeans com camiseta branca ou preta, e uma jaqueta azul. Contudo, todos os presentes comprados para a filha apresentam essa cor: o urso de pelúcia, o livro de contos e o porta-retratos, que tem detalhes em vermelho. O enfeite que compra com o nome de Alicia também tem essa tonalidade, por isso destaca-se no interior do carro azul.

Há personagens que a princípio se vestem com trajes em cores discretas. Todavia, passam a usar camisetas vermelhas em determinados momentos da trama. É o caso de Sergio, que, no decorrer da narrativa, usa apenas camisetas brancas e calças azuis. No entanto, ao aceitar o dinheiro roubado por El Oso, está vestido de vermelho. O mesmo ocorre com Esther, vizinha de Natalia. Na primeira cena em que aparece está

com uma camiseta marrom; na sequência do parque de diversões, na qual denuncia o pai de Alicia para a polícia, sem que ele este esteja fazendo nada de errado, usa uma camiseta vermelha.

Nesse sentido, o vermelho está associado no filme a um código que representa dois tipos de sentimentos que são intensos no protagonista: o amor que sente pela filha e a violência dos crimes cometidos. Essa cor também está relacionada à opressão da comunidade.

Assim, as prendas que El Oso oferece à Alicia, inclusive o coração com seu nome inscrito, que compra para lembrar-se dela, trazem a cor vermelha como um símbolo do amor paternal. Entretanto, trata-se, também, de uma referência ao fato de o protagonista ser um bandido, motivo pelo qual o relacionamento dos dois sempre será maculado.

El Oso é um personagem violento. Tem um temperamento impulsivo e irascível. Não sabemos como era antes de ser preso. Seu passado é uma incógnita. Entretanto, por meio de um flashback, temos um relance da sua vida antes de ser condenado. Amava sua família, tinha uma casa, ainda que por terminar, elogiada pelos vizinhos, que dizem à Natalia: “Me encanta tu casa, es muy linda”. Já nessa cena, que transcorre antes do assalto executado pelo protagonista, a cor vermelha é predominante no cenário: nas cortinas do quarto, na roupa da filha, no bolo e enfeites do aniversário. Rubén arriscou perder tudo isso para tentar melhorar suas condições de vida por meio de atos ilegais. Durante o assalto, também apresentado por meio de um flashback, percebemos sua inexperiência: os bandidos que o acompanham são assassinados pela polícia e ele, ao atirar em um policial, termina se expondo e sendo ferido.

Após sair da prisão, o protagonista nos é apresentado como um criminoso mais concreto, para quem a violência parece ser algo natural. Talvez por esse motivo a cor vermelha passe a invadir os ambientes frequentados por ele. Quando El Turco se recusa a pagar-lhe a dívida, não reluta em assaltar o rapaz da cabine de telefone ao lado, ao ouvir que este havia recebido dinheiro. Ao tentar se reaproximar da família, igualmente o faz de forma agressiva. Passa a interferir em assuntos pessoais da ex-

esposa, não dá ouvidos ao que esta lhe pede, aparece em sua casa sem avisar; se esquiva para não assinar os papéis do divórcio. Por fim, agride Sergio, sem sequer conhecê-lo, a fim de amedrontá-lo e fazer com que se porte bem.

El Oso, envolvido no desejo ardente de retomar a família perdida, não parece perceber que carrega a marca irreversível do crime cometido e dos anos em que esteve preso, representados pelo vermelho. É visto e tratado por todos como um criminoso, se portando, também, como tal, mesmo que involuntariamente. Tal estigma pode também ser representado pela cor vermelha.

Em razão de tudo isso, Natalia teme o ex-esposo e não confia nas suas boas intenções, pois percebe que, apesar dos esforços demonstrados, ele não se regenerou. Sergio receia que a polícia suspeite de um possível envolvimento com o infrator, pois ele frequenta sua casa. Até mesmo Alicia vê o pai de forma suspeita, pois questiona se o automóvel que dirige é dele mesmo ou roubado. A menina tem receios de que reincida no crime.

Apenas na sequência do parque de diversões o protagonista parece notar a impossibilidade de se reinserir na sociedade. Esther o denuncia aos guardas, que o revistam na frente da filha, humilhando-o e frustrando as expectativas da pequena de ver seu pai reabilitado. Neste momento, a mãe de Vero veste uma camiseta vermelha. O emprego dessa cor na vestimenta da mulher pode ser interpretado como um símbolo do seu ato de violência, representado pela tentativa de excluir o antigo vizinho do convívio social.

Enquanto a menina observa o pai sendo revistado, os dois são filmados em plano geral, de forma a mostrar a barra da grade que cerca o brinquedo e está interposta entre eles, separando-os. Grades ou barras são usadas em várias cenas para representar o obstáculo que os separa: a adesão de El Oso ao mundo do crime.

Assim, na primeira visita realizada à Alicia, após sair da prisão, Rubén conversa com Natalia por detrás do portão de sua casa, cujas barras são verdes. Durante o diálogo, alternam-se primeiros planos dos seus rostos. Tal procedimento permite a apresentação do ponto de vista dos dois personagens, que se observam sempre por

detrás das barras, remetendo ao período de reclusão do protagonista, cujo isolamento se estende para sua vida em liberdade. Esse recurso é utilizado também quando El Oso entrega o dinheiro do assalto a Sergio e se despede da família. Alternam-se os pontos de vista de Natalia e de Alicia com o do pai da criança. Mãe e filha o observam por detrás das grades do portão, através do vidro da janela, da mesma maneira que ele as vê, de forma a transmitir a impressão de que Rubén está atrás das barras de uma cela da prisão. Em seguida, assistimos a sua partida sob o ponto de vista delas, que o observam no automóvel roubado, também por detrás das grades, em enquadramento centralizado. O conselho dado por Guemes, “A veces, para hacer el bien a la gente que le quiere, lo mejor es estar lejos”, baseado na história do taxista Ramiro, que perdeu a neta e o filho, em virtude de uma vingança de policiais, confirma para El Oso a irreversibilidade de sua condição. Assim, comete um ato heroico: renuncia ao que mais ama, a sua família, e torna a roubar, a fim de salvá-la da ruína econômica. Com essa decisão, compromete qualquer possibilidade de se reabilitar.