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95 Conforme apontado anteriormente, a primeira parte do trabalho foi dedicada à discussão, a nível local, da centralidade da atuação do PCC e da SMCAS na administração de variadas formas de conflitos e demandas. As relações desenvolvidas entre funcionários da SMCAS e integrantes do PCC com o objetivo de administrar ocorrências de furtos e roubos, entre outros conflitos, foram entendidas a partir do repertório social constituído localmente, que conecta uma diversidade de conflitos e demandas que emergem no contexto do bairro e um conjunto de atores sociais também locais considerados mais adequados para administrar cada tipo de conflito ou demanda.

Por outro lado, durante a pesquisa de campo, os eventos que caracterizaram a segunda metade de 2012 em São Carlos e que reverberaram na dinâmica social do bairro e em outros bairros de periferia de São Carlos não poderiam ser entendidos sem que a análise considerasse dinâmicas sociais que eram mais amplas que o bairro e que São Carlos. Este contexto foi caracterizado por uma “onda” de homicídios com características de execução que, em São Carlos, se iniciou com o homicídio de um policial militar em horário de folga, passou por diversas execuções pontuais nas periferias da cidade e culminou com uma chacina na qual sete dependentes de crack em situação de rua foram mortos. A Grande São Paulo e outras cidades do interior do estado passaram por situações semelhantes.

Esta “onda” de homicídios que caracterizou este período de 2012 impactou as dinâmicas criminais locais que a pesquisa buscava conhecer, assim como a atuação da Polícia Militar no bairro e a sensação de segurança de seus moradores, estando

96 diretamente relacionada a um conflito mais geral entre PCC e a Polícia Militar. Não seria possível entender o microcontexto do bairro sem observarmos lógicas de atuação do PCC e da Polícia Militar que extrapolavam os limites de São Carlos.

Assim, foi preciso entender como a Polícia Militar e a Polícia Civil, isto é, instituições estatais responsáveis pelo controle do crime e da violência, compreendem as dinâmicas criminais, o PCC e quais estratégias priorizam e utilizam para realizar este controle.

Desta forma, foram incorporadas ao roteiro das entrevistas questões que incentivassem nossos interlocutores nestas instituições a formular enunciados sobre os eventos de 2012, em termos estaduais e especificamente sobre os casos de São Carlos, evidenciando as percepções e práticas que estas instituições estatais desenvolvem em relação às dinâmicas criminais, e ao chamado “crime organizado”22.

No que tange a nova organização das dinâmicas criminais, e produzindo efeitos análogos aos eventos de 2012, os chamados “ataques de maio de 2006” colocaram definitivamente em questão no debate público as mudanças em curso no sistema carcerário paulista e também fora dele.

Segundo Adorno e Salla (2007, p. 7-8), entre 12 e 20 de maio de 2006, ocorreram rebeliões em 73 presídios e 439 mortes por armas de fogo em todo estado. A onda de violência também contou com agressões contra agentes do Estado, como policiais e agentes penitenciários, ônibus de transporte público queimados, ataques contra prédios de instituições públicas e também de bancos. Os acontecimentos não tardaram a ser atribuídos ao PCC, que teria coordenado e sincronizado os eventos de dentro do sistema penitenciário. A capital e algumas cidades do interior viveram dias de tensão e paralisação temporária de suas atividades. A nitidez da violência para a opinião pública diminuiu após o dia 20 de maio. Entretanto, em agosto do mesmo ano, o sequestro de um repórter da rede Globo teve fim apenas quando a emissora veiculou um comunicado de aproximadamente três minutos atribuído ao PCC.

Para nossos interlocutores ligados à segurança pública, o fenômeno PCC não era uma completa novidade quando da ocorrência dos “ataques de 2006”. Entretanto, talvez

22 A utilização da expressão “crime organizado” aqui reflete a forma prioritária pela qual os policiais civis e militares entrevistados se referem ao PCC e outras facções criminosas em São Paulo e outros estados. Assim, no discurso dos policiais “crime organizado” equivale a PCC, quando se referem ao estado de São Paulo. Diversos trabalhos problematizam a ideia de “crime organizado” a partir de uma perspectiva sociológica. Entre estes trabalhos podemos destacar o de Peralva, Sinhoretto e Gallo (2010), que discute o narcotráfico segundo as noções de redes e de mercado a partir do relatório da CPI do Narcotráfico, assim como o estudo de Melo (2012), que problematiza a ideia de que toda organização criminal atuante em São Paulo possa ser reduzida ao PCC.

97 estes “ataques” tenham sido a maior demonstração pública de força do PCC até aquele momento, o que impactou de forma importante a chamada “sensação de segurança da população”. Neste sentido, um dos objetivos da pesquisa foi conhecer qual o impacto destes eventos nas instituições policiais.

Se o PCC não era novidade para os agentes da segurança pública, o que esse contexto de tensão e violência significou e quais seus efeitos? Para tanto, os roteiros de entrevista buscaram explorar a representação que os policiais tinham sobre o PCC (o que é e como se organiza), quais são as estratégias e ferramentas utilizadas para enfrentá-lo e no que elas diferem em relação ao período anterior aos “ataques de 2006”.

Portanto, questionar nossos interlocutores sobre o significado dos “ataques de 2006” e as principais mudanças que se seguiram a eles em suas instituições corresponde a uma estratégia de aproximação de suas perspectivas sobre o papel desempenhado pelo PCC na referida reorganização, assim como sobre os principais efeitos que este fenômeno causou nas instituições em questão.

As descrições que seguem foram elaboradas a partir das falas dos diferentes policiais entrevistados e têm o objetivo de compor um quadro que ilustre um discurso institucional, isto é, o discurso da Polícia Civil e o discurso da Polícia Militar sobre as questões abordadas pela pesquisa.

É importante esclarecer que a maior parte dos entrevistados, com exceção de um cabo da PM, exerce função gerencial dentro de sua instituição. Portanto, é necessário frisar que os discursos apresentados a seguir são discursos institucionais das polícias oferecidos por seus agentes de nível diretivo, oficiais no caso da PM e delegado da Polícia Civil.

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Capítulo 4

P

erspectiva institucional da Polícia

Civil sobre o crime e a estratégia para

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