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Violência na comunidade

No documento DM Maria Conceicao Osorio (páginas 48-52)

CAPÍTULO 2 – A violência na vida da criança e do adolescente

1.4. Tipos de violência e seu impacto na criança e no adolescente

1.4.3. Violência na comunidade

A comunidade é uma fonte de protecção e solidariedade para crianças, mas pode também ser um ambiente de violência, inclusive por parte de colegas, relacionada com armas de fogo e outras armas, de gangs, da polícia e pode assumir a forma de violência física e sexual, raptos e tráfico. A violência pode também estar associada aos media e a novas tecnologias de informação e comunicação.

A expressão violência na comunidade traz, habitualmente, de imediato associadas várias imagens, desde tiroteios de gangs, vandalismo, violações até assaltos na rua. O National Center for children exposed to violence (NCCEV, da responsabilidade do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Yale Child Study Center) define violência comunitária (community violence) como a exposição a actos de violência interpessoal cometidas por indivíduos que não estão intimamente relacionados

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com a vítima. Alguns dos actos que se incluem nesta designação são agressão sexual, roubo, uso de armas, assaltos, ouvir tiroteios, bem como situações de desordem como sejam a presença de gangs juvenis, drogas, e divisões raciais. Uma definição de violência comunitária que tem sido utilizada para abranger todos estes tipos de violência é proposta por Osofsky (1995) referindo a exposição frequente e contínua ao uso de armas, facas e drogas, e violência fortuita.

As crianças e jovens que vivem em comunidades violentas podem ser vítimas ou testemunhas de crime. Mesmo as crianças pequenas estão em grande risco de ferimentos, perturbações de desenvolvimento, delinquência juvenil, perturbação de

stress pós-traumático e outras perturbações de ansiedade. Outras respostas que as

crianças podem desenvolver quando expostas à violência comunitária envolvem descrença nos adultos e aumento da agressividade. As crianças aprendem pelo exemplo, e algumas podem começar a sentir que a violência é justificada e a ver a violência como um método válido para lidar com os conflitos interpessoais. Cada criança reage de forma diferente às situações violentas e algumas podem ser mais resilientes que outras (Richters & Martinez, 1993, citados por Mazza & Reynolds, 1999).

A percepção mais comum é que a violência na comunidade acontece apenas entre membros de gangues em bairros de grandes cidades. Apesar de ser verdadeiro que o risco de exposição à violência na comunidade é maior para habitantes de área urbanas densamente povoadas, pobres e com residentes predominantemente ‘não brancos’, os estudos sobre incidência da violência comunitária começam a demonstrar que a violência comunitária afecta um leque mais vasto da população. Num estudo realizado nos Estados Unidos, com jovens de ambos os sexos dos 10 aos 16 anos, verificou-se que a violência comunitária é tão prevalente que mais de um terço referiram ser vítimas directas de violência, incluindo assalto grave, tentativa de rapto e assalto sexual (Boney- McCoy & Finkelhor, 1995, citados por Hamblen & Goguen, 2003). No mesmo estudo, mais de 75% das crianças referiram ter estado expostas a violência na comunidade (Hill & Jones, 1997, citados por Hamblen & Goguen, 2003). Um dado especialmente perturbador deste tópico é que, geralmente, os pais referem que os seus filhos são expostos a cerca de metade da violência que as próprias crianças relatam (Richters & Martinez, 1993, citados por Mazza & Reynolds, 1999).

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Não conhecemos estudos neste âmbito realizados em Portugal. No entanto podemos referir que entre 2000 e 2006, o número de crimes registados pelas autoridades policiais aumentou 10,2% e em 2006, face a 2005, o número de crimes registados aumentou 1,5%, tendo as variações mais significativas, pela sua importância estrutural, ocorrido em crimes contra as pessoas, os quais registaram uma variação positiva de 6,1% do total de crimes registados.

De acordo com Osofsky (1999) o alcance da exposição das crianças a diferentes tipos de violência é variável. Algumas crianças, especialmente as que vivem em bairros desfavorecidos, experienciam “violência comunitária crónica” – isto é, exposição frequente e contínua ao uso de armas, drogas, e violência fortuita na sua vizinhança. É raro hoje em dia não encontrar em escolas básicas urbanas crianças que foram expostas a estes eventos negativos. A exposição à violência comunitária ocorre com menos frequência para crianças que não vivem em bairros desfavorecidos, mas a exposição à violência familiar e nos media atravessa todos os grupos sociais (Osofsky, 1999).

Alguma pesquisa que tem sido realizada dá suporte à ideia de que os pensamentos e o comportamento violentos aumentam após a exposição a filmes, música, televisão ou jogos violentos. O argumento da aprendizagem pela observação – que as crianças aprendem por imitação do que vêem – está na base da maioria destes estudos. Algumas crianças são, no entanto, mais capazes que outras de ver a diferença entre faz-de-conta e acontecimentos reais. A exposição à violência nos media – através da televisão, do cinema, e da internet – toca virtualmente todas as crianças. As estatísticas da Associação Psiquiátrica Americana dão conta que a criança americana típica vê 28 horas de televisão por semana, e aos 18 anos terá visto 16.000 assassínios simulados e 200.000 actos de violência (Osofsky, 1999). Para Portugal, os dados disponíveis apontam, em 2004, para uma média de 3 horas diárias, contabilizando cerca de 21 horas semanais.

A pesquisa sobre a exposição à violência na comunidade em relação aos jovens revelou que aquela está associada a problemas de saúde mental, como depressão, ideação suicida, e perturbação de stress pós-traumático (e.g. Freeman, Mokros, & Poznanski, 1993; Osofsky, Wewers, Hann, & Fick, 1993; Pynoos & Nader, 1988; Richters & Martinez, 1993, citados por Mazza & Reynolds, 1999).

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Estudos realizados nos Estados Unidos mostraram uma relação significativa entre o testemunho de actos de violência comunitária e o relato de sintomas de ansiedade por crianças e adolescentes; alterações no sono, pesadelos e outras manifestações de ansiedade em crianças e adolescentes expostos cronicamente à violência, bem como sintomas depressivos e de stress pós-traumático (cf. Polanczyk, Zavaschi, Benetti, Zenker & Gammerman, 2003). Além de sintomas desencadeados directamente na criança ou no adolescente, sabe-se que famílias inseridas num contexto de violência comunitária frequentemente descrevem sensações de desesperança e de frustração quanto à capacidade de proteger os filhos (Polanczyk et al, 2003). Os pais podem, nestas circunstâncias, encorajar os jovens a não tomar atitudes autónomas na tentativa de impedir que se exponham a situações de violência, incentivando comportamentos de dependência e interferindo no processo normal de desenvolvimento e autonomia dos adolescentes (Polanczyk et al, 2003).

Crianças e adolescentes que vivenciam actos de violência quotidiana, como vítimas directas, testemunhas ou convivendo com pessoas vitimizadas, podem desenvolver uma dessensibilização emocional à violência, ou seja, podem passar a percebê-la como componente normal da realidade, deixando de reagir negativamente a eventos dessa natureza e incorporando-a aos seus contextos culturais. O comportamento agressivo pode passar a ser um modo predominante de expressão dos sentimentos, conforme experiências prévias, impedindo o desenvolvimento de empatia e outros modos adaptativos de funcionamento (Polanczyk et al, 2003).

Segundo Berman, Silverman e Kurtines (2000), muitos estudos (e.g. Fitzpatrick & Boldizar, 1993; Schwab-Stone et al., 1995; Berman, Kurtines, Silverman & Serafini, 1996; Ensink, Robertson, Zissis & Leger, 1997; Kliewer, Lepore, Oskin & Johnson, 1998) documentam que as crianças e adolescentes estão significativamente expostos ao crime e à violência na comunidade e que a maioria destes jovens experienciam sintomas de stress pós-traumático como resultado desta exposição. Embora estes estudos tenham, em geral, sido realizados nos Estados Unidos e em regiões urbanas médias a grandes e seja necessário realizar mais estudos, será razoável supor que ocorreriam reacções similares entre as crianças e adolescentes de outros países, bem como noutro tipo de regiões.

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No entanto, os efeitos negativos para as crianças expostas a violência na comunidade, nas famílias e nos media pode variar entre perturbação temporária e sintomas claros de distúrbio de stress pós-traumático e ao aumento de comportamentos agressivos e violentos. De que forma o desenvolvimento a longo prazo de uma criança é afectado pela exposição a diferentes tipos e a múltiplos níveis de violência exige mais estudos sistemáticos (Osofsky, 1999).

No documento DM Maria Conceicao Osorio (páginas 48-52)