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CAPÍTULO 1 Sobre o conceito de violência

1.3 Violência e Estabelecimentos Sociais: as instituições

Goffman (2007), aborda os estabelecimentos sociais ou instituições, como locais em que ocorre atividade de determinado tipo e, ao discutir o seu papel, nos traz a idéia de fechamento, feito através de proibições ou impossibilidades à saída, simbolizado pela barreira entre relação social e mundo externo; proporcionados muitas vezes pela estrutura física (portas fechadas, paredes altas, muros, arame farpado). Tem-se então formado um determinado ambiente onde se articulam vínculos estabelecidos, valores, normas, interdições e incentivos.

Tais instituições passam a controlar a conduta humana e estabelecem padrões definidos previamente em uma única direção, possuindo uma divisão básica entre um grande grupo controlado e uma pequena equipe de supervisores. Estereótipos são concebidos entre os grupos numa visão de desconfiança, arbitrariedade, superioridade, inferioridade, fraqueza, censura e culpa. Casas de apoio, sanatórios, cadeias, penitenciárias, quartéis, conventos e escolas são exemplos dessas.

Foucault (2007), ao falar de instituições numa perspectiva microssocial, aborda aspectos referentes à disciplina, onde o corpo encontra-se preso e na imposição de limitações, proibições e obrigações. Além das prisões e quartéis dedica algumas partes de sua obra ao âmbito escolar, fazendo considerações que são válidas ainda na atualidade. Corpos submissos e dóceis que ao mesmo tempo em que aumentam suas forças (em termos econômicos de utilidade) as têm também diminuídas (em termos políticos de obediência). “Cada indivíduo no seu lugar, e em cada lugar, um indivíduo” (p.123), traduz bem essa noção de espaços e localizações, onde se destaca também o papel das filas diversificadas em suas formações por idade, desempenho, comportamento e seus lugares.

Haverá em todas as salas de aula lugares determinados para todos os escolares de todas as classes, de maneira que todos os da mesma classe sejam colocados num mesmo lugar e sempre fixo. Os escolares das lições mais adiantadas serão colocados nos bancos mais próximos da parede e em seguida os outros segundo a ordem das lições avançando para o meio da sala[...] Cada um dos alunos terá seu lugar marcado e nenhum o deixará nem trocará sem a ordem e o consentimento do inspetor das escolas. [Será preciso fazer com que] aqueles cujos pais são negligentes e têm piolhos fiquem separados do que são limpos e não os têm; que um escolar leviano e distraído seja colocado entre dois bem comportados e ajuizados, que o libertino ou fique sozinho ou entre dois piedosos. (p. 126)

O uso de sinais para disciplinar os alunos era tido como aprendizado fundamental, e os ensinamentos eram feitos com poucas palavras, nenhuma explicação e o máximo de silêncio, interrompido apenas por tais sinais. O poder de disciplinar teria como função maior adestrar.

Feita a oração, o mestre dará uma pancada de sinal, olhando a criança que quer mandar ler, lhe fará sinal de começar. Para fazer parar o que está lendo, dará uma pancada de sinal... Para fazer sinal ao que está lendo de se corrigir, quando pronunciar mal uma letra, uma sílaba ou uma palavra, dará duas pancadas sucessivamente e seguidas. Se, após se ter corrigido, ele não recomeçar na palavra que começou mal, porque leu várias depois dela, o mestre dará três pancadas sucessivamente uma em seguida da outra para lhe fazer sinal de recuar de algumas palavras e continuará a fazer esse sinal, até o escolar chegar a sílaba ou à palavra que pronunciou mal. (p.140)

Em nada se distingue tal afirmação acima, quando comparamos o uso do sinal e do adestramento nas aulas de Educação Física; onde o apito do “treinador” conduz o ritmo da tarefa a ser executada, serve para reunir quando a dispersão se faz grande, chama a atenção quando foge do que foi pré-estabelecido e anuncia o fim de mais uma aula.

Com os mecanismos de vigilância obtendo cada vez mais eficácia, surge a idéia de um aparelho disciplinar perfeito, onde um ponto central seria ao mesmo tempo um olho a que nada escapa e um centro em direção ao qual todos os olhares convergem. Vigiar torna-se uma função definida com pessoal especializado. Surge um novo mecanismo de poder: o panóptico. Tal mecanismo no interior das escolas apresenta-se na atualidade através da presença e vigilância do coordenador disciplinar, supervisor ou diretor; e permito ir mais além, através do sistema de câmeras instaladas nos corredores, pátios e salas de aula.

As repressões através da punição iam do castigo físico leve a privações ligeiras e pequenas humilhações. A idéia de como os comportamentos que ameaçavam a ordem eram tratados fica claro quando,

Pela palavra punição, deve-se compreender tudo o que é capaz de fazer as crianças sentir a falta que cometeram, tudo o que é capaz de humilhá-las, de confundi-las: ...uma certa frieza, uma certa indiferença, uma pergunta, uma humilhação, uma destituição de posto. (p.149)

Foucault (2007) também nos remete ao sentido das punições quando considera os exames escolares como um combinado de técnicas de vigilância e sanção, permitindo qualificar, classificar e punir. Uma cerimônia de poder e

demonstração de força, ou como diz o autor “a superposição das relações de poder e das de saber assumem no exame todo o seu brilho visível” (p.154).

Guimarães (2006), afirma que a escola, como qualquer outra instituição, prima por uma homogeneização realizada através de mecanismos disciplinares. São controlados o tempo, o espaço, o movimento, os gestos e atitudes daqueles que se fazem presente neste ambiente. Existe um choque entre as leis e normas e os grupos que estabelecem relações; sendo assim, além da violência ocorrida na sociedade, a própria escola produz sua violência, causando assim uma tensão entre forças antagônicas. A imposição da disciplina sem considerar os espaços, os tempos e as relações, gera uma reação que fatalmente explode em episódios de violência.

As relações entre as instituições e as manifestações de violência abordadas pelos autores definem bem o trajeto percorrido servindo como base para sua contextualização, possuindo a seguir outras considerações específicas de como tal fenômeno vem se apropriando cada vez mais do ambiente escolar.