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Violência, litígio de terras e ampliação da exclusão social

CAPÍTULO 4. Valorização das terras e especulação: adversidades à reprodução camponesa

4.4. Violência, litígio de terras e ampliação da exclusão social

“Pretensos proprietários, portanto títulos (...) – não raro sem qualquer amparo jurídico – passaram a ameaçar e agredir os pioneiros, que não aceitavam a validade daqueles documentos. A indústria madeireira (...) aliou-se a latifundiários numa luta comum, tentando usurpar as posses e benfeitorias camponesas. Para isso, com seu poder de compra, não hesitaram em contratar jagunços e corromper servidores públicos(...)”PONTES (2007:103)

Como descrito por Pontes (2007)27 no trecho em epígrafe, em meio a essa valorização da propriedade da terra, amplamente disputada por posseiros, grandes fazendeiros e empresas no norte do Espírito Santo, local de imensuráveis extensões de terras consideradas devolutas, desenvolveu-se um quadro de intensos litígios entre esses entes, sobretudo na porção noroeste e no extremo norte, quase sempre com desfechos favoráveis aos detentores de maior poder econômico, com os posseiros sendo vítimas da violência, fosse de jagunços a serviço de particulares ou mesmo das próprias autoridades do estado, em defesa dos interesses da elite. Os litígios foram ainda mais intensos na Serra dos Aimorés e suas proximidades, cujo domínio político gerou acirradas disputas entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo28, tornando a atuação das autoridades ainda mais arbitrárias e parciais. Mas, em maior ou menor intensidade, todas as áreas de difícil comunicação com o centro-sul do Estado parecem ter apresentado esse quadro:

“... tem-se a impressão que quanto mais distante e difícil fosse o acesso aos povoados da região, mais complexos pareciam se tornar os litígios de terra. A dificuldade de comunicação e a distância dos centros de decisão administrativa e judicial contribuíam para dificultar ainda mais a pacificação dos litígios, abrindo espaço para o uso da força ilegal por parte daqueles que detinham maior poder econômico (...) Esse distanciamento das autoridades permitia ainda que servidores do estado destacados para impor a ordem, sob esse argumento praticassem diversos abusos no exercício da autoridade policial” (Ibid., p.132)

27 Apesar de ter como foco em seu trabalho a questão do Contestado entre Espírito Santo e Minas Gerais, os diversos exemplos de casos citados por Pontes (2007) deixam claro que tal quadro era mais intenso nessa região, porém não se limitavam a ela, ocorrendo em praticamente toda a porção do Espírito Santo ao norte do Rio Doce.

28 Inserir nota sobre o contestado.

A violência era tanta, que o próprio estado, patrocinador indireto de muitos desses atos, se viu obrigado a abrir Comissões Parlamentares de Inquérito (em 1953 e 1961) para “investigar” esses fatos.

Era nítida, segundo Pontes (2007), a forma diferenciada com que posseiros, grandes fazendeiros e empresas eram tratados pelo estado, sendo para esses últimos muito mais fácil conseguir o título de propriedade sobre alguma parcela de terra, não raro de vastas extensões:

“... empresas recém criadas estavam dando entrada em requerimento de terras e obtendo-as sem maiores dificuldades, agilidade que jamais foi verificada em casos de ocupação por posseiros. Houve casos até de empresas que sequer haviam sido formalmente constituídas à época dos pedidos.” (Ibid., p.83)

Se entre fins do século XIX e início do século XX a exclusão era apenas dos posseiros mais pobres e analfabetos, geralmente não descendestes de estrangeiros, agora os favorecidos eram os representantes do capital – latifundiários e empresas madeireiras -, e para os posseiros em geral, a situação era muito adversa.

Segundo o referido autor, nesse contexto, a violência era, de certa forma, organizada, e muitos matadores possuíam “indisfarçável proximidade” com políticos e pessoas influentes, de grande poder econômico. Cita, por exemplo, o caso de um criminoso que atendia pelo nome de Tintino Rosa:

“Seus homicídios quase sempre estavam ligados a questões de terra. Ele não admitia nenhuma ameaça às suas possessões, tampouco àqueles que contratavam seus serviços. Sua influência ia da Serra do Pancas a Nova Venécia, passando por todas as vilas e povoados que surgiam em meio à mata cerrada, demonstrando um poder praticamente oligárquico, com raízes profundas no coronelismo da roça”

“A proximidade de Tintino Rosa com o Partido Social Democrático – defensor dos interesses dos latifundiários e ao qual era filiado o governador Carlos Lindenberg – conferiu àquele grande influência política(...)”(Ibid., p.98)

Em outro exemplo, o autor cita o caso da Companhia Industrial de Madeiras Conceição da Barra (Cimbarra), localizada dentro da atual área do município de Mucurici, cujo processo de concessão de terras foi criticado até por profissionais da área, que afirmavam

“existência de acintosas falhas técnicas, com medições errôneas, além da inexistência na planta oficial do apontamento de diversos posseiros que já se encontravam dentro da área, muitos dos quais detentores de requerimentos ao Estado para a medição dos terrenos”. (Ibid., p.106)

Neste caso, segundo Pontes (2007), muitos posseiros eram iludidos e persuadidos a assinar documentos de concessão em favor da empresa; outros, não tendo perspectiva de conseguirem regularizar suas terras, acabavam por deixar a região; e aqueles que persistiam, eram constantemente ameaçados e intimidados por funcionários da empresa e pelas autoridades policiais.

Ele cita também um caso ocorrido em Linhares, de um policial denominado de coronel Djalma Borges que havia usado de violência para expulsar posseiros das áreas reclamadas por particulares. Em depoimento à uma CPI estadual, o referido coronel e seus homens foram acusado de serem responsáveis pela destruição de plantações e incêndio de várias casas de posseiros, por agressões, prisões arbitrárias e apreensões indiscriminada de armas, bem como pelo apoderamento ilícito de bens pertencentes aos agricultores. (Ibid., p.115),

Em outro exemplo, ele menciona um caso ocorrido na região onde hoje se situa o município de Governador Lindenberg e seus arredores, no qual um oficial de nome Hildo Fraga Barbosa, conhecido como tenente Dudu, tinha fama de praticar violência contra posseiros, que aterrorizados fugiam, deixando tudo para trás: casa, plantações, rebanhos e outras benfeitorias.

Nesta mesma CPI estadual citada acima, o grupo do oficial foi “acusado por várias testemunhas de haver praticado diversas arbitrariedades para expulsar posseiros da região”. Muitos desses serviços teriam sido prestados a um grande proprietário de nome David Giuberti.

Essa intensificação dos conflitos no meio rural das zonas pioneiras ao norte do Rio Doce entre as décadas de 1940 e 1960 deixam claro que a terra outrora destituída de valor havia se tornado um bem valioso, mais valioso que muitas vidas, sob a ótica das autoridades do Estado e da oligarquia às quais eram subordinadas.

Capítulo 5 – Tempos “Modernos”: novos e maiores desafios a