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1.3 REFLEXÕES SOBRE O DISCURSO DA VIOLÊNCIA 22 

1.3.1 VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 26 

A história da violência na sociedade brasileira não se apresenta muito diferente dos países, principalmente da América do Sul, que sofreram um processo de colonização onde a imposição da ordem vigente do colonizador norteou as relações com os nativos existentes nos territórios conquistados.

De acordo com Almeida (2003), a história da sociedade brasileira desde seu início foi marcada por eventos violentos.

Já no nosso ‘descobrimento’, na ocupação européia do nosso território, os portugueses dizimaram a população indígena quase levando a sua completa extinção, por inúmeras razões, mas principalmente as econômi- cas. E durante toda a nossa história, marcada por pequenos levantes e revoluções, tivemos a presença da violência. (ALMEIDA, 2003, p.47)

Os direitos humanos, cuja observância é ainda tão difícil, tiveram como marco de desrespeito em uma época republicana o período da ditadura militar, autora de ações explicitas de violência com todo o tipo de abusos, inclusive sequestros, assassinatos, torturas e atentados. Essa época deixou marcas profundas na sociedade brasileira, que aprendeu a prezar e lutar pela liberdade a todo custo.

A criminalidade e o aumento da violência são assuntos que, na última década, vêm se tornando alarmantes nas discussões acadêmicas e dentro do Estado. O crescimento destes episódios passa a exigir uma atitude do governo e das forças de segurança, que precisam desenvolver estratégias que amenizem este processo presente nas grandes cidades brasileiras e que agora expande-se para o interior do país.

Entretanto, tratar esta questão apenas como caso de polícia pode tornar-se um artifício utilizado para não enfrentar as verdadeiras causas, raízes deste processo. Nesse tipo de atuação da polícia, as vítimas, em sua maioria, serão os pobres das áreas de favelas, sem que exista um diagnóstico adequado desta realidade.

Estas abordagens direcionadas exclusivamente para a população pobre, a não credibilidade no sistema, as ocorrências de violência policial e a impunidade, causam na população uma reação de buscar soluções às vezes também violentas, para amenizar o cenário de insegurança. Muitos passam a considerar fatos como “fazer justiça com as próprias mãos” como uma forma de amenizar e resolver o problema, e desta forma aprovam o linchamento, a pena de morte, a diminuição da maioridade penal, as milícias, e até ações violentas da polícia, desde que estas sejam direcionadas a bandidos das favelas.

Raichelis (2006) afirma que as consequências da incorporação do ideário neoliberal nas sociedades que, como a brasileira, viveram os impasses da consolidação democrática, do frágil enraizamento da cidadania e das dificuldades históricas de sua universalização, expressam-se pelo acirramento das desigualdades sociais, encolhimento dos direitos sociais e trabalhistas, aprofundamento dos níveis de pobreza e exclusão social, aumento da violência urbana e da criminalidade, agravamento sem precedentes da crise social que, iniciada nos anos 1980, aprofunda-se continuadamente na primeira década do século XXI.

Esta crise apresentada por Raichelis, que pode ser configurada também no aumento da violência urbana, tem apresentado desde a década de 1990 características não verifica- das anteriormente, como a alta letalidade, com aumento da taxa de mortalidade, notada- mente entre jovens; o uso cada vez mais crescente de armas, com maior poderio de destrui- ção; a presença maior de grupos organizados atuando em várias regiões do país e de forma articulada; o aumento da ligação de grupos nacionais com quadrilhas internacionais; o fato de que em cidades como o Rio de Janeiro o tráfico de drogas é apresentado como o crime mais comumente praticado tanto por adolescentes quanto por adultos (FRAGA, 2006).

Ao identificarmos o entendimento do panorama social e econômico do Brasil das ultimas três décadas buscamos, para compreensão das questões em exame, o início da discussão de como a violência se apresenta hoje em nossa sociedade, e a necessidade da construção de novas alternativas para minimizar e prevenir seus agravos.

As manifestações da violência estão longe de ser apenas um fenômeno de relevância concreta e expressa a olho nu, devendo ser estudadas não como um fator unicamente causado pela pobreza, pela miséria das grandes favelas – espaços onde se registram os maiores índices de criminalidade –, e sim por todo um processo que envolve um arsenal de artifícios, como a questão social, a cultura, a necessidade do poder e principalmente a imposição da força sobre a vontade do outro. É preciso considerar as diferenças regionais e períodos da história ao analisar os dados que são apresentados no que se refere à violência.

De acordo com Minayo (1998), muitas vezes a violência não é percebida onde mais se manifesta: nas desigualdades sociais e culturais, na exclusão econômica e principalmente nos discursos ideológicos sobre o que seja violência. Essa naturalização acaba por criar e conservar a mitologia da não-violência dentro das relações sociais brasileiras, deixando a olhos nus apenas a violência física.

Esta exclusão é, sem dúvida, uma forma de violência, pois não se limita ao uso da força física. Entendemos que a possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza. A violência também se constitui na idéia de poder, ao enfatizar a possibilidade de imposição da vontade ou desejo de um sobre o outro, ou engessar a formação individual ou coletiva de pessoas que são submetidas a estereótipos dados por aqueles que detêm o discurso do poder. Sendo assim, o não acesso a oportunidades de crescimento individual e coletivo e a culpabilização pelos agravos da modernidade representam uma forma de violência para os que moram em áreas pobres.