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Violência Sexual em crianças e adolescentes

Direitos sexuais são direitos humanos. (Slogan do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes)

A violência sexual esteve presente em toda a história da humanidade e ocorre em escala mundial. Tal fenômeno vem ganhando visibilidade devido à proporção e extensão que vem ocorrendo nas últimas décadas.

A violência sexual pode ser definida como atos ou jogos sexuais praticados por sujeitos em estágio de desenvolvimento psicossexual mais avançado que a vítima, com a finalidade de estimulá-los sexualmente ou para a própria gratificação sexual (Deslandes, 1994; Libório, 2004; Minayo, 2002; Sousa, 2004).

A violência sexual configura-se como uma das formas mais perversas de violação dos direitos humanos conquistados e universalmente aceitos e, quando praticada contra crianças e adolescentes, torna-se ainda mais cruel, pois viola a integridade física e psicológica desses sujeitos, bem como seus direitos enquanto pessoa em condição peculiar de desenvolvimento.

Faleiros e Faleiros (2001) apontam que a violência sexual transgride, também, o direito de crianças e adolescentes ao desenvolvimento físico, sexual, moral, psicológico salutar.

A violência sexual é perpassada por uma relação de poder desigual, de forma determinante. A história da sociedade brasileira apresenta marcas de uma cultura

machista, do patriarcado, na qual crianças e adolescentes estão subordinados ao poder dos adultos, estando submetidos às suas vontades (Faleiros, 2000; Faleiros & Faleiros, 2001, Saffioti, 2000).

O adulto, de forma geral, exerce poder sobre crianças e adolescentes, pois ele é o responsável por propiciar condições adequadas de desenvolvimento, propiciar a educação, a socialização24. Entretanto, esse poder se torna violento quando “nega ao violentado seus direitos, quando é atentatório ou destruidor da identidade do dominado” (Faleiros, 2000, p.9).

Saffioti (2000) nomeia esse fenômeno como “Síndrome do Pequeno Poder”, na qual o sujeito violador, consciente de seu poder diminuto, tenta ampliá-lo nas relações interpessoais e, como forma de legitimá-lo, utiliza-se da violência25.

A criança/adolescente é submetida a um processo de “apropriação e dominação” do sujeito enquanto outro, causando uma desestruturação de um poder que é, anteriormente, legitimado pela condição do adulto/pai/parente. Além disso, há uma desestruturação no referencial da família enquanto formadora da identidade do sujeito (Faleiros, 1998b, p.10).

De acordo com Faleiros (2005a), esse tipo de relação violenta “deturpa as relações sócio-afetivas e culturais adultos e crianças/adolescentes, ao transformá-las em relações genitalizadas, erotizadas, comerciais, violentas e criminosas” (p.77). Ou seja, o adulto passa de protetor a violentador.

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Pode-se questionar a qualidade dos valores ensinados pelos adultos, mas este não é o ponto em discussão.

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A autora amplia essa síndrome para outros tipos de relação e, não somente para a relação adulto- criança.

Quando esse tipo de violência acontece no seio familiar, viola, também, o direito da criança/adolescente à convivência familiar protetora, além de desconstruir as representações sociais acerca dos papéis de pais, irmãos, avôs, tios, primos.

A violência sexual atinge todas as camadas sociais, faixas etárias e ambos os sexos. No entanto, configura-se como um fato de difícil notificação, pois envolve fatores como o medo, a culpa, a vergonha por parte das vítimas, além de ser um espaço de silêncio e segredos (Faleiros, 2000; Minayo, 2002; Ribeiro, Ferriani & Reis, 2004). Existe também um tabu em torno da sexualidade em nossa sociedade, fazendo com que esses casos específicos sejam menos denunciados, gerando um possível ciclo vicioso. Tais fatores dificultam o estudo e o enfrentamento desse fenômeno, pois ocultam os verdadeiros índices, mascarando a realidade.

Parte-se, então, da idéia de que a violência sexual é um fenômeno complexo, que envolve relações humanas sócio-historicamente produzidas, e necessita ser compreendida como um problema social, cultural, econômico e político.

Além disso, violência sexual é uma categoria ampla de violação dos direitos sexuais de crianças e adolescentes e, neste estudo, será adotada a subdivisão em abuso sexual e exploração sexual comercial (Faleiros & Faleiros, 2001). O foco deste estudo é o abuso sexual, mas será definida, também, a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes.

O conceito de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes evoluiu com a visibilidade mundial que o fenômeno teve, principalmente, a partir da década de 1990, a partir da mobilização de organismos internacionais, sociedade civil e afins para a realização de estudos, pesquisas, seminários, congressos sobre a temática (Faleiros, 2000, 2004; Libório, 2004; Sousa, 2004). Entretanto, a exploração sexual de crianças e adolescentes ainda carrega dificuldades e pluralidades em sua conceituação.

Faleiros (2000) atribui essa dificuldade de conceituação ao próprio mercado do sexo, que é bastante poderoso economicamente, além de ser ilegal, criminoso e administrado por organizações mafiosas, o que dificulta a realização de pesquisas sobre a temática.

É a partir do I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo, no ano de 1996, que o fenômeno passa a ser entendido, mundialmente, como uma exploração sexual comercial. Em época anterior à esse congresso, essa atividade era nomeada como “Prostituição Infanto-Juvenil”, pois o fenômeno ainda não havia sido estudado em profundidade enquanto um mercado do sexo, uma forma de exploração e, menos ainda, enquanto indústria pornográfica (Faleiros, 2000).

Esse fenômeno deve ser enfrentado como máxima prioridade pelos governos e demais organizações (Faleiros, E. T. S. 2000; Faleiros, V. P. 2006; Leal & Leal, 2002). Isto porque a exploração sexual comercial interfere na vida de crianças e adolescentes anulando os direitos elementares desses sujeitos, tais como o direito à vida, ao lazer, à saúde, à cultura, à educação, ao desenvolvimento salutar (Libório, 2003).

A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é um fenômeno multideterminado, que pode ocorrer por diversas razões: condições sociais desiguais; organização político- econômica no sistema capitalista (construção de necessidades criadas por uma sociedade de consumo); negligência dos responsáveis; conflitos familiares; acesso desigual às políticas sociais. Como se observa, há um caráter de complexidade sócio-econômico-cultural em torno dessa modalidade de violência (Faleiros, 2000; Leal & Cesar, 1998).

Há, na exploração sexual, um mercado específico, a comercialização sexual, que possui um grande contingente de consumidores, dificultando o enfrentamento a esta

violação, que assim se caracteriza em virtude da proteção constitucional tanto à vida quando ao desenvolvimento dos sujeitos. Leal e Leal (2002) apresentam uma definição da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, pautada nas diretrizes assinaladas no Congresso de Estocolmo, anteriormente mencionado. Observam que, neste tipo de violência, há

uma relação de mercantilização (exploração/ dominação) e abuso (poder) do corpo de crianças e adolescentes (oferta) por exploradores sexuais (mercadores), organizados em redes de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda) (p.81).

Às observações acima é preciso acrescentar que esse tipo de atividade se apresenta, muitas vezes, como estratégia de sobrevivência para a criança, o adolescente e/ou sua família, considerando os fatores remuneração ou troca de objetos ou favores. Além disso, há uma nítida erotização midiática na sociedade contemporânea, favorecendo a construção de um imaginário social de um comércio sexual atrativo, em detrimento de um desenvolvimento sexual salutar (Leal & Cesar, 1998).

Ressalta-se, ainda, que a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes pode se apresentar de diferentes formas como a prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico de pessoas para fins sexuais (Faleiros, 2006; Libório, 2003).

Para finalizar, considera-se necessário apresentar o posicionamento, adotado neste estudo, de questionamento do termo “prostituição”, pois o seu uso indica a venda do corpo para obtenção de lucro enquanto ato intencional e consciente, colocando crianças e adolescentes na condição de co-responsáveis pela situação de exploração. Entretanto, neste caso, em função da sua idade e da pobreza, crianças e adolescentes seriam forçadas à realização da atividade sexual como uma estratégia de sobrevivência, como foi observado anteriormente. Ou seja, essas condições relativizariam qualquer

possibilidade de escolha ou consentimento por parte das crianças ou dos adolescentes envolvidos e, sendo assim, passariam a condição real de vítimas, prostituídas ou exploradas sexualmente (Dos Santos, 2007).

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