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Entre as diferentes manifestações com início na década de 60, algumas teorias tiveram grande repercussão por alcançar um maior nível de elaboração e, entre elas, destaca-se a teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, desenvolvida na obra A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, dos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (1992). A obra é composta de dois livros. No livro I eles abordam os fundamentos da violência simbólica, e no livro II expõem os resultados de pesquisa empírica realizada na Faculdade de letras da França, que serviram como ponto de partida para a construção do livro I.

Na obra, Bourdieu e Passeron fazem uma crítica à escola capitalista centrada no conceito de reprodução, em que a cultura não depende da economia. Ela é a economia, inclusive, pela utilização que os autores fazem do conceito de “capital cultural”. (SILVA, 2011, p. 33-34).

Os autores justificam que o termo violência simbólica tem como ponto de partida que toda e qualquer sociedade estrutura-se como um sistema de relações de forças materiais entre grupos ou classes. Sobre a base da força material e sob sua determinação, cria-se um sistema de relações de força simbólica cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações de força material. Temos, então, o princípio central da teoria:

Todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações, e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de forças que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força. (BOURDIEU; PASSERON, 1992. p.19).

Segundo os autores, a violência simbólica pode se manifestar de muitas formas, ou seja, na formação de opinião pública através dos meios de comunicação de massa, jornais, entre outros; na pregação religiosa; na atividade artística e literária; na propaganda e na moda; na educação familiar e outros. Porém, na obra de Bourdieu e Passeron (1992), o objetivo é a ação pedagógica institucionalizada, isto é, o sistema escolar.

Para eles, as relações simbólicas são simultaneamente autônomas e dependentes das relações de força, portanto toda ação pedagógica deverá ser considerada como uma violência simbólica por imposição de um arbítrio cultural. As relações de força encontram-se sempre dissimuladas sob a forma de relações simbólicas.

Os autores, a partir da teoria geral da violência simbólica, buscam explicitar que toda ação pedagógica (AP) é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição arbitrária, de um arbitrário cultural dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados. Para exercer essa imposição, a autoridade pedagógica (AuP), isto é, um “poder arbitrário que, só pelo fato de ser desconhecido como tal, encontra- se objetivamente reconhecido como autoridade legítima, reforça o poder arbitrário que a estabelece e que a dissimula”. (BOURDIEU; PASSERON, 1992. p. 27).

As relações de força são no princípio não somente da AP, mas também do desconhecimento da verdade objetiva da AP, desconhecimento que define o reconhecimento da legitimidade da AP e que, por essa razão, constitui a sua condição de exercício.

Para eles, a ação pedagógica (AP) implica o trabalho pedagógico (TP) como trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável, isto é, "um habitus como produto da interiorização dos princípios de um arbítrio cultural capaz de se perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado”. (BOURDIEU; PASSERON, 1992. p. 44).

Eles defendem que o TP pelo qual se realiza a AP dominante tem sempre uma função de manter a ordem, isto é, de reprodução da estrutura das relações de força entre os grupos ou as classes, à medida que tende, seja pela inculcação seja pela exclusão, a impor aos membros dos grupos ou classes dominados o reconhecimento da legitimidade da cultura dominante, e a lhes fazer interiorizar, numa medida variável, disciplinas e censuras que servem tanto melhor aos interesses, materiais ou simbólicos, dos grupos ou classes dominantes, quanto mais tomam a formada autodisciplina e da autocensura.

Portanto, a produtividade específica do TP se mede objetivamente pelo grau em que ele produz seu efeito próprio de inculcação, isto é, seu efeito de reprodução. Assim

como o grau em que ele consegue inculcar aos destinatários legítimos, o arbitrário cultural que se espera que reproduza mede-se pelo grau em que o hábito que ele produz é durável, e que seja capaz de engendrar mais duravelmente as práticas conforme os princípios do arbitrário inculcado.

Dessa forma, o TP, que tem por condição prévia de exercício a AuP, tem por efeito confirmar e consagrar irreversivelmente a AuP, isto é, a legitimidade da AP e do arbitrário cultural que ela inculca, dissimulando cada vez mais completamente, pelo sucesso da inculcação do arbitrário, o arbitrário da inculcação e da cultura inculcada.

Para os autores, a manifestação do capital cultural pode se dar em estado objetivado, como obras de arte, obras literárias, obras teatrais etc., ou sob a forma de títulos, certificados e diplomas, como é o caso do capital cultural institucionalizado. Também pode se manifestar de forma incorporada, introjetada, internalizada, mas se confunde com o habitus.

Nesse sentido, eles afirmam que:

Numa sociedade em que a obtenção dos privilégios sociais depende cada vez mais estreitamente da posse de títulos escolares, a escola tem apenas por função assegurar a sucessão discreta a direitos de burguesia que não poderiam mais se transmitir de uma maneira direta e declarada. Instrumento privilegiado da sociodicéia burguesa que confere aos privilegiados o privilégio supremo de não aparecer como privilegiados, ela consegue tanto mais facilmente convencer os deserdados que eles devem seu destino escolar e social à sua ausência de dons ou de méritos, quanto em matéria de cultura a absoluta privação de posse exclui a consciência da privação de posse (BOURDIEU; PASSERON, 1992, p. 218).

Nessa condição, para os autores, a função da educação é a reprodução das desigualdades: os marginalizados são os grupos ou classes dominados e, portanto, são marginalizados socialmente porque não possuem capital econômico, e culturalmente porque não possuem capital cultural.