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VIOLÊNCIAS SOCIAIS E VIOLÊNCIA ESCOLAR: ESTARIAM INTERLIGADAS?

CAPÍTULO 1 – DAS VIOLÊNCIAS NA HISTÓRIA

1.3 VIOLÊNCIAS SOCIAIS E VIOLÊNCIA ESCOLAR: ESTARIAM INTERLIGADAS?

Segundo Engels (1981), a violência social assume diferentes contornos em diferentes lugares. É sofrida por bilhões de pessoas em todo o mundo, chegando a provocar, todos os anos, números incalculáveis de mortos e feridos graves. A dialética do desenvolvimento social assegura a existência dos problemas mais angustiantes para o ser humano; por isso, afirmou Engels (1981, p. 187) que “[...] a história é, talvez, a mais cruel das deusas que arrasta sua carruagem triunfal sobre montões de cadáveres, tanto durante as guerras como em período de desenvolvimento pacífico”. A violência social é um dos permanentes problemas da vida em sociedade e das relações humanas. É comum a todas as culturas. É provocada, tal como o nome indica, por questões sociais, falha no diálogo, desrespeito às diferenças e pela ausência de meios dignos de sobrevivência a muitos povos. A violência social não será superada com medidas que ignorem toda a complexidade do problema. É indispensável, sobretudo, compreender que a violência não é um caso apenas reservado ao tratamento policial ou à lei, mas é uma questão social que requer atenção e participação de toda a sociedade para ser enfrentada.

A violência e suas multiplicidades de formas não é um fenômeno isolado, atinge toda a estrutura social, por isso alcança, é reproduzida e ganha legitimidade também na instituição escolar. A escola tem suas próprias formas de violência, como demonstra Abramovay (2002). Os estudantes estão envolvidos em tramas violentas no contexto escolar, ora como vítimas ora como responsáveis ou, talvez, apenas como espectadores. Escutar o estudante é poder aproximar-se de suas experiências, é perceber o seu agir, suas possíveis posições, sendo vítima ou autor das violências, testemunha passiva ou cúmplice dos fatos. Estar junto ao estudante, dando-lhe o direito de expressar suas ideias, é observar e entender seus relatos numa perspectiva de melhor compreender a realidade que cerca tal fenômeno.

Percebemos que a escola, em suas opções de agir diante de situações de violências, incorre em se tornar um espaço de violência e de indisciplina. Isso se dá num movimento ambíguo: de um lado, pelas ações que visam ao cumprimento das regras e das normas determinadas pela hierarquia profissional e sua autoridade, e, de outro, pela dinâmica dos seus grupos internos que estabelecem rupturas e permitem a troca de sentimentos conflitantes e interessados numa fusão impulsiva e provisória. Sendo assim, pode-se entender que as escolas também produzem sua própria violência e sua própria indisciplina e não apenas são espaços que reproduzem, involuntariamente, formas de opressão, violências e conflitos que acontecem na sociedade.

Constituída e agindo como toda e qualquer outra instituição social, a escola está delineada para que os sujeitos que dela fazem parte sejam todos “iguais”, pois é sabido que a igualdade facilita e favorece a direção, o controle, a dominação.

A compreensão da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre violência surge como “[...] a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”9. Porém, o órgão

segue afirmando que o conceito é muito mais amplo e ambíguo do que essa mera constatação, mesmo porque dor é um conceito muito difícil de ser definido. Ainda sobre estudos em torno da compreensão das violências, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil10 (CNBB), órgão da Igreja Católica Apostólica Romana, desenvolveu em 2018 um período de reflexão profunda sobre as formas de violências ocorrentes no país. Apontou omissões e práticas de violências por parte do Estado contra as populações e grupos específicos, como mulheres, juventude negra e pobres, classificando-os como aqueles que são mais violentados em sua existência e em seus direitos civis.

Sobre a questão que se apresenta no subtítulo desta seção, ou seja, se violência social e violência escolar estariam interligadas, destacamos as premissas expostas por Durkheim (2015, p. 14), ao dizer que “[...] a educação consiste numa socialização metódica das novas gerações”, onde executar processos por meio dos quais o estudante absorve regras é uma das funções da escola, passando a evidenciar a necessidade de uma disciplina escolar, de acordo com as condutas impostas para a convivência social. É a escola a serviço da sociedade, moldando com seus métodos as novas gerações que constituirão essa sociedade.

Émile Durkheim, explica Marília Pontes Sposito (2003), demonstra que comportamentos morais eram fundamentalmente racionais e ligados à ordem social, estando, portanto, suscetíveis a se transmitir e ensinar no espaço escolar.

Com diferentes públicos frequentando os bancos das escolas, com saberes diferentes e experiências de vidas distintas entre si, observa Paulo Freire que o cumprimento de regras e

9 World Health Organization. World Report on Violence and Health World Health Organization. Genebra, 2002. Disponível em: http://periodicos.ses.sp.bvs.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=047554&pid=S1518- 1812201000030001100018&lng=pt. Acesso em: 10 jan. 2019.

10 A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é a instituição permanente que congrega os Bispos da Igreja Católica no País. Entre as instituições religiosas que buscam discutir a problemática da violência na sociedade está a Igreja Católica Apostólica Romana, do Brasil. Por meio da CNBB, responsável em realizar anualmente no período da Quaresma campanhas com temas que visam estimular discussões sobre questões relevantes a respeito da vida em sociedade, a Igreja propôs em 2018 a reflexão sobre o tema “Fraternidade e Superação da violência”. No discurso de abertura da campanha, o então Secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner (2018) disse que “[...] a violência direta é a que chama mais a atenção no Brasil”. Essa forma de violência acontece quando uma pessoa usa a força contra outra. Mais de um agressor e mais de uma vítima podem participar em tal evento. Disponível em: http://www.cnbb.org.br/quem-somos/. Acesso em: 10 jan. 2019.

normas morais impostas no espaço escolar ficaria cada vez mais difícil de praticar. Públicos distintos com visões de mundo distintas não seriam capazes de se submeterem às mesmas condutas morais e, se assim o fizessem, seriam por elas oprimidos. Percebe-se na trama escolar uma considerável ausência de alteridade nas relações pessoais, o que favorece o aumento de ocorrências de conflitos ou atitudes violentas no espaço de construção e desenvolvimento de saberes.

Frei Betto (2012) afirma que a nossa identidade é forjada pela nossa história. Como mais ninguém tem uma história idêntica à minha, também minha identidade se torna única e por isso deve ser levada em consideração no tecer das relações. Sem considerar as diferenças, sem a capacidade de apreender o outro na plenitude da sua existência histórica, os conflitos de ideias, crenças e experiências ocorrerão. Em um artigo intitulado Alteridade, Frei Betto expôs: “A nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e ensino para ele [...]

toda a estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada nessa concepção”.

Ao desconsiderar as diferenças identitárias e históricas dos seus sujeitos, desprezando suas experiências sem valorizá-las na construção de conhecimento em seu espaço, a escola coloca-se a serviço e torna-se parte de um sistema excludente e violento.

CAPÍTULO 2 – VIOLÊNCIA ESCOLAR: PARTE DO SISTEMA VIOLENTO