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2. NEOPATRIMONIALISMO E MODERNIDADE COM ORIGEM NO PLAMEG

2.3. Virgílio Távora e o coronelismo: uma problematização conceitual

“Domingo, 12 de janeiro de 1965

Virgílio Távora, em nome de João Goulart, acionou as chaves da energia de Paulo Afonso em Iguatu. Em seu discurso fez questão de destacar a colaboração do poder público federal, em palanque que dividia com Martins Rodrigues, Edilson Távora e Wilson Roriz, ferozes opositores de João Goulart.”24.

Dentre outras ações do Governador, merecem destaque em sua referida aquisição de notoriedade no âmbito estadual e nacional: a inauguração da energia de Paulo Afonso, no Cariri, em 28 de dezembro de 1961; e a elaboração do PLAMEG para o seu primeiro mandato de Governador (1963- 66), com o qual se tornou um dos pioneiros na política de planejamento de Estado no Nordeste brasileiro. O resultado foi uma exitosa carreira política, sendo seu último posto o de senador constituinte na elaboração da Constituição de 1988.

O Senador faleceu em três de junho de 1988, pouco tempo antes da promulgação da atual Constituição Brasileira, para a qual dera considerável contribuição, tendo sido um dos principais relatores do texto final. Não é muito

      

afirmar que nem mesmo seus inimigos deixaram de lhe reconhecer as qualidades no ofício do fazer política.

Sua trajetória política ficou conhecida pela fidelidade aos seus princípios. Jamais abandonou as fileiras das agremiações partidárias às quais se filiou, sempre numa linha de continuidade ideológica, caracterizada pelas posições políticas mais resistentes às mudanças mais radicais. Cedo se destacou como interlocutor udenista junto ao interventor do Ceará, Machado Lopes, no ano de 1947, após a deposição de Getúlio Vargas, para logo ser eleito deputado federal, em 1950.

Quando vieram o golpe de 1964 e o bipartidarismo com a publicação do Ato Complementar no. 425, Virgílio, apesar de no início dos governos militares ter gerado certa desconfiança, tendo em vista sua aproximação com João Goulart, foi um dos articuladores da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) partido pró-Governo que abrigou quase todos os remanescentes da extinta UDN. Em pouco tempo, tornou-se personagem de influência considerável nos governos militares.

Com o restabelecimento do pluripartidarismo (1979), muitos políticos se adaptaram aos novos tempos de rumo à democracia e, de forma oportunista, se tornaram democratas de última hora. Távora permaneceu leal às reminiscências da velha UDN, ingressando no PDS (Partido Democrático Social), numa época em que

(...) o PDS era pretensamente o partido do governo, mas seus líderes nem sequer eram ouvidos na hora das decisões, mesmo quando o partido era diretamente interessado. Eles eram ‘do’ governo, mas não estavam ‘nele’, o que os tornava extremamente vulneráveis nas urnas. Votar contra os       

25 Segundo o Ato Complementar N° 4, artigo 1º. Os partidos políticos deveriam contar com, no

mínimo, “120 deputados e 20 senadores”. Segundo Linhares, “teoricamente, permitia a existência de três correntes políticas, pois o total de cadeiras no Congresso Nacional – 409 deputados e 66 senadores – poderia a isso ensejar. Entretanto, os organizadores da agremiação pró-governo, rapidamente, aliciaram 250 deputados e 40 senadores. A sobra – alguns parlamentares até com solicitação do Presidente da República para nela figurarem – deu apenas para a formação de um partido, onde se abrigou toda a oposição parlamentar”. (1966, p. 305). 

candidatos do PDS era para o eleitor comum o melhor meio que encontrava para se manifestar contra o governo militar de Brasília (SKIDMORE, 1988, p. 454).

Virgílio Távora, mesmo diante da decadência política do PDS, tornou-se um de seus principais líderes e o defendeu até os seus últimos momentos pelos corredores e auditórios do Congresso Nacional Constituinte.

Aparentemente, há uma incoerência entre as posições políticas do Governador, típicas da tradição de mandonismo, das ideias, e das práticas modernizadoras por ele defendidas. Tais relações, porém, analisadas à luz da história política, demonstram que as expectativas do progresso e da Modernidade foram se sobrepondo à experiência das práticas tradicionais, já no seu primeiro mandato (1963-1966).

Nas suas ações políticas, o Líder udenista seguiu – e não fazia segredo disso – defendendo o coronelismo, como o fez em discurso proferido no início dos anos de 1980, na Abertura do Seminário sobre o Subdesenvolvimento do Nordeste, no painel “Aspectos Políticos do Subdesenvolvimento”.

A fala do Governador deixa claro que não se enquadram todos os que foram chamados de coronéis como sendo artífices do atraso como mecanismo de dominação política, ou seja, “um fazendeiro rústico, autoritário, brutal, ignorante, dispondo da vida dos demais habitantes do lugarejo em que reside”. (JANOTTI, 1989, p. 8).

Importante ressaltar que o Seminário citado ocorreu numa época em que a alcunha de “coronel”, atribuída a Virgílio Távora, simbolizava não só as relações políticas consideradas arcaicas a serem suplantadas pelo progresso, mas, também, a aliança com o regime militar, então em franca decadência. Vale lembrar mais uma vez que nossa personagem tinha patente real de coronel do Exército Brasileiro, o que lhe aumentava a identificação com o Estado de exceção.

Em sua fala, no Seminário aludido, o Coronel não titubeou em afirmar que o coronelismo era um fenômeno que “logo estaria subordinado aos estudos da museologia”, mas que “os chefes políticos do interior foram responsáveis por importantes ganhos para as populações rurais e para as pequenas cidades e vilas, reivindicando e conquistando serviços públicos, mais crédito e mais financiamentos". (Apud, LINHARES, 1996, p. 394).

O discurso reproduzido vai, assim, ao encontro do que venho afirmando: o coronelismo de que fala Virgílio não era somente uma relação de imposição e submissão entre o coronel e seus protegidos. Havia a preocupação em satisfazer as necessidades de suas bases eleitorais sob pena de ser punido nas urnas eleitorais. Mais do que isso, estabeleciam-se relações que iam além de oportunismo e manipulação política, pois se expressavam pelas obrigações de reciprocidade entre os diversos grupos políticos de base familiar (LEWIN, 1993).

A análise sobre o coronelismo deve, pois, considerar valores pouco lembrados, em algumas conceituações, como as relações de lealdade e sinceridade, pois os

(...) valores que enfatizavam a amizade e o parentesco prescreviam obrigações para os chefes e sugeriam um caráter meramente funcional para a hierarquia, propondo uma igualdade, ou pelos menos uma proximidade entre os parentes do primeiro círculo. (MARTINHO RODRIGUES, 2001, p. 25).

Segundo, ainda, uma vasta produção historiográfica, as práticas políticas definidas como atrasadas e coronelísticas tiveram seu fim definido pela “Revolução de 1930, restringindo-se às regiões economicamente inexpressivas.... No pós-45, a tendência foi a dominação dos ‘partidos tradicionais’, UDN e PR” (JANOTTI, op. cit. p.7). É possível perceber, no entanto, que, no governo de Virgílio Távora, aquilo que se denominou de atrasado estava imbricado à proposta de modernização, assim como a primazia por mudanças estruturais no campo da economia e da administração pública.

Se por um lado a Revolução de 1930 não pôs fim às práticas de coronelismo e mandonismo, por outro, estas foram ressignificadas por Virgílio Távora, pois ele percebia que a modernização trazida pela política de planejamento do Estado com vistas ao desenvolvimento por meio de eletrificação, estradas, industrialização e educação escolar, seria uma forma mais eficiente de dominação do que a tríade “Coronelismo, enxada e voto”. (LEAL, 1975).

Já nos anos de 1956, como deputado federal, Virgílio Távora iniciou sua campanha pela eletrificação do Ceará, por meio de linhas de transmissão que ligassem a hidrelétrica de Paulo Afonso ao Ceará. Para ele, desenvolver era industrializar e, para industrializar, era necessário eletrificar, assim como qualificar a mão de obra. Desde então, a campanha de “energia para o Ceará” transformou-se na sua principal bandeira política.

Para Virgílio, uma “verdadeira batalha”, pois a eletricidade da hidrelétrica de São Francisco para o Ceará não era consenso entre os dirigentes políticos locais, como declarou em discurso, na sede da FACIC (Federação das Indústrias do Ceará), após o presidente da República, Juscelino Kubistchek, anunciar a aprovação do projeto de estender as linhas de transmissão de energia elétrica de Paulo Afonso para todo o Estado do Ceará26. Alguns afirmavam que não havia verbas para a obra, outros entendiam que isso iria fragilizar a energia do Cariri.

Quando assumiu o cargo de ministro da Viação e Obras Públicas, Virgílio Távora resolveu levar à frente a campanha de eletrificação do Estado já divulgada nas campanhas para deputado federal. O Ministro resolveu ampliar as redes de transmissão não apenas de Paulo Afonso para o Cariri, mas até a cidade de Fortaleza, pois somente assim o Estado teria condições de se desenvolver por meio da industrialização.

      

26 Discurso de Virgilio Távora, quando deputado federal, aos representantes de várias

entidades de classe, entre os quais, o presidente da FACIC, o representante do governo do Estado, o secretário da Agricultura e Obras Públicas. O pronunciamento se deu após a aprovação de seu projeto pelo Presidente da República em estender a rede de eletrificação vinda de São Francisco para todo Estado do Ceará (Arquivo Virgílio Távora, Série Produção Intelectual, subsérie Textos, Discursos, Conferências e Seminários, caixa 01). 

Havia ainda, porém, preocupação de que a longa linha de transmissão até Fortaleza pudesse fragilizar a força da energia do Cariri. Por outro lado, os diretores de CHESF afirmavam ser inviável o estabelecimento das linhas de transmissão. Vários caririenses desencadearam forte campanha contra Virgílio Távora, afirmando que seu intento era “roubar” a energia gerada na região e desviá-la para Fortaleza.

Ao mesmo tempo, muitos fortalezenses não acreditavam que uma energia vinda de tão longe tivesse força para qualquer coisa. O descrédito chegava a ser jocoso. Segundo Virgílio Távora, teve até o desafio de um deputado, do qual não cita o nome em respeito à memória dele, falecido, “de que no dia que chegasse essa energia a Fortaleza, ele se sentava numa cadeira elétrica e podia-lhe acionar o botão na Praça do Ferreira, nossa principal praça”27.

A escassez de energia na Capital do Estado, porém, era grave, pois

(...) as indústrias, além de terem que montar a sua casa de força própria, quer dizer, seus motores próprios, à noite ainda vendiam energia elétrica para a cidade. Na verdade, nós vivíamos em meio a um “black-out”, ora uma região, ora outra, ora um bairro, ora outro.!28

A “batalha de eletrificação” não era mera figura de linguagem; os debates em torno do assunto nem sempre se deram de forma respeitosa e amigável e chegaram à violência, a exemplo do que ocorreu na Assembleia Legislativa, quando o secretário da Agricultura, Edilson Távora, disparou um tiro contra o deputado estadual Wilson Roriz (atingindo-lhe o braço), o líder da

      

27 Entrevista concedida por Virgílio Távora à Professora Luciara Silveira de Aragão, em 14 de

julho de 1976, para o projeto Memória das Secas, do Programa de História Oral, produto do Convênio da Universidade Federal do Ceará com o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. A entrevista encontra-se disponível no site: http://nehscfortaleza.com/memoria_secas.htm. 

oposição que sempre foi contrário ao projeto de eletrificação Paulo Afonso- Cariri-Fortaleza.

Uma análise mais apressada poderia levar à conclusão de que o deputado Roriz seria um típico coronel contrário aos avanços tecnológicos para manter o seu domínio. A imagem do coronel, no entanto, contrário ao progresso, ao desenvolvimento e a modernidade é mais uma “invenção” social do que uma realidade. Muitos coronéis eram marcados pelo desvelo no espírito público. Normalmente, lutavam pela melhoria dos seus municípios por meio de “escola, estrada, correio, telégrafo, hospital, igreja, linha de tiro, luz elétrica, rede de esgoto, água encanada” (LEAL, 1975, p. 37), pois, caso não o fizessem perderiam a confiança de seus seguidores.

No caso da eletrificação e o Cariri, o que havia era uma disputa em torno do benefício e dos loiros políticos que isso poderia gerar. Para o deputado Roriz, uma linha curta, Paulo Afonso-Cariri, seria mais rápida e barata e mais fácil de ser implantada. Além do mais, caso o projeto de Virgílio saísse vitorioso seria este o vencedor, que passaria a influenciar parte do eleitorado de Roriz.

Já para Virgílio, cujo reduto eleitoral era mais na Capital, parte do Jaguaribe e parte do Norte do Ceará, mas com pouca influência no Sul do Estado, era mais interessante uma obra “faraônica”, uma linha de transmissão das mais longas do mundo, à época, a mais longa nas áreas tropicais, sem contar com os troncos vicinais que seriam abertos. A linha central vinda de Paulo Afonso entraria no Ceará na região do Cariri, em Ingazeiras, de lá seguiria para Senador Pompeu e, deste município, para Fortaleza. Do tronco principal, partiriam linhas para Uruburetama, Jaguaribe e Ipu. De cada ponto destes partiriam linhas de transmissão para o restante do Estado29.

Certamente, às margens das linhas de transmissão, muitos votos seriam angariados, haja vista que cortariam o Estado de norte a sul, abrindo, ainda, entroncamento em direção às demais regiões do Estado.

      

A “batalha” foi vencida por Virgílio Távora, enquanto Roriz foi o grande derrotado. A política para VT era uma arte de fazer alianças. Em nome da Modernidade, ele se uniu a outros setores sociais representados pelo deputado José Martins Rodrigues e pelo empresário e político José Ramos Torres de Melo. Não por acaso, Torres de Melo não tenha poupado elogios em seu discurso, na sede da FACIC, a Virgílio Távora e seus aliados na aprovação do projeto de eletrificação do Ceará:

Fizemos aos senhores Deputados Virgílio Távora e José Martins Rodrigues não uma visita de cortesia, mas uma visita em que testemunhamos a SS. Excias. o reconhecimento das o reconhecimento das classes produtoras pela magnífica vitória que conquistaram, dando-nos a eletrificação total de nosso Estado, trabalho de ação conjunta, conjunção de esforço e inteligência com os demais parlamentares que integram a bancada, honrando-a e dignificando-a pela elevação de princípios que integraram todos na defesa dos nossos interesses, pelo engrandecimento e progresso de nosso Estado.30

Virgílio Távora, quando assumiu o comando do Ministério da Viação e Obras Públicas, em 1961, e do Executivo local, em 1963, fez questão de incrementar na máquina administrativa a Modernidade. Para ele, era preciso dar ao Estado e seu governante uma autoridade menos tradicional e patriarcal e mais burocrática, o que pode ser identificado em vários de seus discursos, como no que fez ao conceder a Medalha da Abolição, a maior comenda do Governo estadual, a Carlos Lacerda, governador da Guanabara, entre 1962 e 1965.

Naquele discurso, como sempre, não perdeu a oportunidade para tercer elogios ao seu governo como um marco no fortalecimento das relações

      

30Arquivo Virgílio Távora, Série Produção Intelectual, subsérie Textos, Discursos, Conferências

e Seminários, caixa 01. José Ramos Torres de Melo ocupou diversos cargos públicos e políticos no Estado: Presidente do Asilo de Mendicidade do Ceará; Presidente do Sindicado dos Lojistas de Fortaleza; Presidente da Junta Comercial do Ceará; Presidente do Diretório Municipal e Membro da Executiva Estadual da UDN, pela qual foi deputado constituinte, em 1946; Vice-Presidente da Federação do Comércio do Ceará; Diretor da Cruz Vermelha; Tesoureiro da Liga de Defesa Nacional; Tesoureiro do Instituo Brasil-Estados Unidos; Membro do Conselho Consultivo do Banco do Nordeste do Brasil. 

pautadas na racionalidade técnica e administrativa. Segundo Virgílio, a “União pelo Ceará” gerou um governo:

(...) onde os critérios de clã foram substituídos pelos de justiça social, onde o valor encontra afinal o seu reconhecimento e a sua recompensa, onde o técnico é bem aproveitado, onde o funcionário cumpre a sua obrigação para com o Estado porque este tem procurado ampará-lo da melhor forma, onde, finalmente, já não sobrevivem os resíduos antigos que tantos males nos causaram – quando o adversário político era um verdadeiro fora da lei e os que detinham o poder, circunstancialmente, podiam alimentar o clima de arbitrariedade fundado na estranha filosofia do ‘delegado nosso’, da ‘professora nossa’, ou do ‘coletor nosso’31.

Observe-se a preocupação em identificar o Estado como resultante do mérito calcado na democracia e como provedor da meritocracia. A “professora nossa”, o “delegado nosso”, o “coletor nosso” deveriam dar lugar aos profissionais meritocraticamente identificados, sem as perseguições impetradas por aqueles que “circunstancialmente” ocupavam o poder.

Para tanto, era necessário estabelecer um poder de dominação32 do Estado que se desse pelo “princípio das competências oficiais fixas, ordenadas, de forma geral, mediante regras: leis ou regulamentos administrativos” (WEBER, 2004, p. 198). Com efeito, desde os primeiros momentos em que resolveu se dedicar à vida pública, o Engenheiro coronel do exército já declarava a necessidade da eletrificação de todo Estado do Ceará, para retirá-lo do “isolamento inevitável a que estava condenado por força de um determinismo geográfico”33.

      

31 Virgílio Távora em discurso ao conceder a Medalha da Abolição ao então governador Carlos

Lacerda, em 1965. Acervo Virgílio Távora, série Produção Intelectual, caixa 01.  

32 Uso o conceito de dominação numa perspectiva weberiana, segundo a qual “uma vontade

manifesta (‘mandado’) do ‘dominador’ ou dos ‘dominadores’ quer influenciar as ações de outras pessoas (do ‘dominado’ ou dos ‘dominantes’), e de fato as influencia de tal modo que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações (‘obediência’) – WEBER, 2004, p. 191)  

33 Discurso de Virgilio Távora, quando deputado federal, aos representantes de várias

entidades de classe, o Presidente da FACIC, representante do governo do Estado, Secretário da Agricultura e Obras Públicas, em 1957 (Arquivo Virgílio Távora, Série Produção Intelectual, subsérie Textos, Discursos, Conferências e Seminários, caixa 01).  

À época, eram comuns os black-outs em Fortaleza, uma vez que a termoelétrica da Cidade não supria suas necessidades de energia, obrigando as poucas indústrias a possuírem geradores próprios, o que tornava a industrialização um setor inviável e de baixa competitividade ante o imperativo de elevados investimentos privados. Quanto às camadas menos favorecidas de recursos, a situação era ainda pior em razão do preço alto a ser pago pelo benefício. Ricos e pobres eram apenados pela escassez de energia elétrica, como expressou o deputado José Martins Rodrigues, em discursos na sede da FACIC, em 1957:

A fome de energia do Ceará é muito grande. Cada dia verificamos a falta de luz na Aldeota. Isto mostra a precariedade da energia. Depois, esta energia se torna cada vez mais cara e dispendiosa. Se não é proibitiva para a economia doméstica é, entretanto, para a indústria, que vai competir com os Estados vizinhos já servidos por Paulo Afonso, dispondo de energia muito barata34.

Para Virgílio Távora, Martins Rodrigues e Torres de Melo, uma administração racional voltada para a modernidade econômica, ou seja, para a inserção na lógica capitalista de então, exigia a atuação do Estado no processo de eletrificação. Eletrificar teria como consequência industrializar, desenvolver e modernizar todos os setores da economia, inclusive no campo, na agricultura, na pecuária, na piscicultura, o que o fez, não sem resistências dos poderes locais de longas datas muito mais por uma disputa de poder do que por apostarem no atraso tecnológico como forma de dominação.

Quando de suas idas ao Cariri, para proferir conferências sobre a importância da eletrificação para alavancar o processo de industrialização do Estado do Ceará, muitas vezes, Virgílio Távora teve que levar seu Colt 45 e colocá-lo sobre a mesa, para garantir a segurança, juntamente com guarda- costas, uma vez que o deputado Wilson Roriz (PSD) e o deputado federal Colombo de Souza (PSD) organizaram os caririenses, principalmente de Crato,

      

34 Arquivo Virgílio Távora, Série Produção Intelectual, subsérie Textos, Discursos, Conferências

Juazeiro do Norte e Barbalha, para o um verdadeiro levante contra a eletrificação.

Chegava-se a falar em não pagamento dos impostos e até em movimentos separatistas contra o Plano Virgílio Távora, como passaram a chamar o projeto que previa a montagem da subestação em Ingazeiras, no Cariri, de onde partiriam as linhas para Fortaleza, passando pelo sertão central.

Além da eletrificação, Virgílio via em outras obras de infraestrutura as bases necessárias para tirar o Ceará do isolamento econômico com relação ao restante do País. Para tanto, seria necessário investir na ampliação dos portos