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Virtudes explicativas: discussão preliminar

No documento Interferência à melhor explicação (páginas 47-50)

2. INFERÊNCIA À MELHOR EXPLICAÇÃO

2.3 Avaliando a IME

2.3.3 Virtudes explicativas: discussão preliminar

É unânime entre os autores contemporâneos que há dois tipos de considerações envolvidas na escolha ou aceitação de hipóteses. Por um lado, temos os dados ou as evidências, que, quando são evidências empíricas, indicam qual a hipótese empiricamente adequada e, por outro lado, as virtudes explicativas. 37

A pergunta que se impõe é se tais virtudes explicativas contribuem ou não para a justificação de uma hipótese. Em geral, para os empiristas, como, por exemplo, van Fraassen, a justificação de uma hipótese depende unicamente das evidências, que, para o autor, consiste apenas na adequação empírica da hipótese. Por outro lado, o status das virtudes explicativas é de fundamental importância não só para o modelo da IME como também para toda uma tradição na epistemologia que poderíamos denominar de “explicacionismo” proveniente de Quine, Sellars e Harman.38

Antes de mais nada, é importante apresentar algumas das principais virtudes explicativas. Como já destacado anteriormente, dentre elas temos (cf. Quine &Ullian, 1978; Harman, 1988; Lycan, 1998; Lipton, 2004):

Testabilidade: Uma hipótese deve poder ser facilmente testável.

Fertilidade: Uma hipótese deve ser fértil; deve conter idéias para guiar a pesquisa.

Conservadorismo: Uma hipótese deve ser coerente com as crenças previamente aceitas, ou

seja, quanto menor o conflito com nossas crenças de base melhor.

Poder explicativo (ou generalidade): Uma hipótese deve poder explicar o maior número de

dados possíveis.

Simplicidade: Uma hipótese deve ser simples; nos cabe, porém, definir simplicidade.

Um dos críticos ao status epistêmico das virtudes explicativas é novamente Bas van Fraassen (1980). Como já destacado no capitulo 1, embora o autor reconheça o uso que é feito de critérios explicativos na escolha de hipóteses, concebe que tais critérios são meramente pragmáticos. No que tange ao status epistêmico das virtudes explicativas, van Fraassen escreve:

37 Como não há ainda acordo sobre se as virtudes explicativas devam ser chamadas de pragmáticas ou epistêmicas, usaremos a expressão virtudes explicativas para nos referir a ambas. Bas van Fraassen considera tais virtudes como pragmáticas. Já Harman, mesmo considerando-as como virtudes pragmáticas, sugere que razões pragmáticas são também razões para crer. Por fim, Lycan tende a usar a expressão virtudes (teóricas) epistêmicas.

38 Este ponto é ressaltado por Lycan (1998), que também defende o explicacionismo em Judgment and Justification, 1988.

Especificamente há preocupações humanas, que são uma função de nossos interesses e prazeres, que tornam algumas teorias mais valiosas e atraentes para nós do que outras. Porém, valores deste tipo fornecem razões para usar uma teoria, ou contemplá-la, independente de tomá-la como verdadeira, e não podem guiar racionalmente nossas atitudes epistêmicas.39

(1980, p.87).

Tais critérios pragmáticos não dizem respeito à relação entre hipóteses e o mundo mas sim à relação entre as hipóteses e as nossas mentes. Neste sentido, não seriam razões genuínas para crer na veracidade da hipótese, mas sim razões para crer na hipótese independente de questões referentes à verdade. Assim, para van Fraassen, a resposta à pergunta de por que é racional perseguir explicações, só pode ser dada positivamente se considerarmos que, além dos aspectos pragmáticos, uma explicação almeja principalmente aquelas virtudes mais básicas, como a adequação empírica.

Richard Boyd (1991) discorda desta posição de van Fraassen. Para ele, considerar as virtudes explicativas como meramente pragmáticas e não epistêmicas não é sustentável. Segundo Boyd, não podemos pensar que tais virtudes, por serem considerações que vão além do critério de adequação empírica, sejam meramente pragmáticas. Boyd considera que as virtudes explicativas são componentes essenciais na metodologia científica que usamos para acessar a evidência observacional (cf. Boyd, 1991, p.351).

Em primeiro lugar, os critérios não-experimentais determinam quais teorias ou hipóteses são “projetáveis” nos termos de Nelson Goodman (1983, cap.3). Assim, embora infinitas hipóteses são compatíveis com as evidências, somente um número limitado satisfaz critérios como a simplicidade e poder explicativo.

Além disso, ao testar as hipóteses projetadas, a metodologia científica requer que a hipótese seja testada sob circunstâncias que são identificadas por outras hipóteses rivais projetáveis, como circunstâncias nas quais suas predições são facilmente falsificadas. Tais circunstâncias revelam quais predições (do extenso número de predições possíveis) são adequadas para a confirmação da teoria. Para Boyd, este é, ao menos aproximadamente, o princípio metodológico fundamental que governa o acesso à evidência experimental na ciência.

39 There are specifically human concerns, a function of our interests and pleasures, which make some theories more valuable and appealing to us than others. Values of this sort, however, provide reasons for using a theory, or contemplating it, whether or not we think it true, and cannot rationally guide our epistemic attitudes and decisions.

Desta maneira, temos que ambos, os julgamentos de projetabilidade e o acesso à evidência experimental, dependem das virtudes teóricas ou explicativas. Com isto, vemos que as virtudes explicativas desempenham um papel epistêmico essencial na metodologia científica.

Este é um ponto delicado, pois, embora Boyd destaque a importância das virtudes explicativas no acesso à evidência, permanece ainda a questão de saber se tais virtudes são conducentes à verdade. De fato, a dificuldade de elucidar este último ponto tem levado muitos filósofos a adotarem uma atitude anti-realista para com a ciência.

No capítulo que segue será feita a discussão de duas virtudes explicativas, a simplicidade e o conservadorismo, a fim de buscar uma melhor compreensão do papel das virtudes explicativas frente ao problema da justificação.

No documento Interferência à melhor explicação (páginas 47-50)

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