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Antes de adentrar na análise da circunscrição de Pernambuco, traçaremos uma análise geral dos dados gerais no Brasil para ulteriores comparações, estabelecendo quais os anos em que houve o pico da repressão, em que localidades a repressão era mais intensa e quais os grupos mais atingidos por ela de acordo com o ano. Todos os dados foram encontrados graças ao Projeto Brasil: Nunca Mais, que coletou centenas de cópias dos processos por crimes políticos nas auditorias militares e, eventualmente, no Superior Tribunal Militar (STM) e no Supremo Tribunal Federal (STF). As cópias desses processos foram digitalizadas online por iniciativa do Ministério Público Federal e somam ao todo 707 processos. No entanto, os gráficos são da feitura do autor a partir das informações coletadas no site já mencionado.

A classificação da natureza dos processos originada no Projeto Brasil: Nunca Mais baseou-se naqueles que eram réus da repressão judicial. Os processos foram classificados em três grandes grupos: organização/partido, referente às atividades de organizações partidárias clandestinas, como o PCB, PCdoB, AP, grupos trotskistas, grupos de guerrilha urbana etc.; o segundo grupo inclui réus que não pertenciam a nenhuma organização ou partido clandestino, mas pertencentes a setores facilmente identificáveis: militares, sindicalistas, políticos, jornalistas, religiosos e estudantil; o terceiro grupo, classificado como “atividade”, refere-se a réus que cometeram delitos de propaganda subversiva, mas que não pertenciam a nenhuma organização, partido ou a um desses setores252.

Observou-se, no entanto, que muitos dos processos analisados na pesquisa detinham características intermediárias entre os grupos estabelecidos pelo Projeto BNM. “Por exemplo: um processo formado para apurar atividades de um determinado partido clandestino frequentemente abordava também ‘delitos’ como ‘reorganização da UNE’, ‘subversão sindical’ etc”253.

Nesses casos, a classificação do Projeto BNM optou por aquilo que apresentava maior ênfase ou representava um delito mais grave nas denúncias e nos aspectos centrais dos inquéritos policiais militares (IPMs). Assim ele diz:

252 Arquidiocese de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. São Paulo: Vozes, 1984. t. 3., p. 7. 253 Idem.

Ou seja, se um processo formado contra um grupo de estudantes acusava 8 réus de serem membros da AP e outros 3 eram responsabilizados unicamente por atividade da UNE, a classificação pendia para o tipo de delito que incidia sobre a maioria dos réus254.

Além disso:

Quando, no processo, existia certa equiparação na ênfase concedida a tipos diferenciados de delito, como por exemplo, alguns réus sendo acusados por militância no PCB e um número equivalente de denunciados apontados apenas como ativistas sindicais, nosso critério foi classificar os processos segundo o delito que seria mais “grave”: militância num partido clandestino. Com esse método, o que procurávamos era assegurar mais uma margem de isenção no estudo da repressão utilizada pelo Regime Militar, optando, nas classificações, por um critério mais favorável, por assim dizer, aos próprios responsáveis pelas ações punitivas. Com efeito, em qualquer fórum internacional que faça uma averiguação sobre a postura dos diferentes Estados diante do problema das franquias democráticas e do respeito aos Direitos Humanos, fica sempre mais fácil para os governos justificar a formação de 300 processos políticos contra organizações clandestinas, de que o mesmo número de ações penais contra ativistas sindicais, ou jornalistas, ou religiosos255.

Dessa forma, quando os processos não possuíam uma clara definição entre os três grupos de classificação, o método do Projeto BNM foi privilegiar o envolvimento com organizações/partidos; em segundo, a incidência de processos sobre setores sociais e profissionais; em terceiro, o grupo referente a “atividades”256.

Decidi preservar quase completamente a classificação proposta pelo Projeto BNM. No entanto, na classificação oficial do site, não há a diferenciação entre organizações e partidos numa análise mais genérica. Por isso que, no primeiro gráfico destinado aos processos classificados quanto à natureza, “organizações/partidos” estão unidos na mesma coluna. Posteriormente, numa análise mais apurada a partir de períodos mais específicos, decidi separá-los para uma melhor compreensão, sendo partidos concernentes aos partidos em sua essência e as organizações, referentes às diferentes

254 Idem.

255 Idem ibidem, p. 08. 256 Idem.

organizações da esquerda armada. Por exemplo, se os réus de um processo eram pertencentes a alguma organização como a Ação Popular (AP), ele será classificado, nesta dissertação, como “organização”; se os réus pertenciam ao PCBR, por exemplo, o processo será classificado como “partido”.

Outra diferença da classificação vinda do Projeto: Brasil Nunca Mais é oriunda de algo pouco claro nos arquivos: em alguns processos (poucos), a classificação existente é “IPM-S”, que seria relativo a “Inquéritos Policiais Militares”. Fazendo uma análise mais atenta, percebi que, na verdade, se referem a setores sociais não-identificados. Como percebi que a classificação de “atividade” remete-se majoritariamente a crimes de propaganda subversiva, preferi classificar esses processos dentro dos “setores sociais”.

Essas classificações (a maioria delas), como já foi mencionado, são originárias do Projeto Brasil: Nunca Mais, isto é, em cada processo, de maneira individualizada, o site classifica-o de acordo com sua natureza e ano. No entanto, como dito, os dados foram coletados pelo autor a partir dessas informações e os gráficos, que fazem uma análise conjunta, são de minha autoria. Passemos à análise.

Gráfico 1 – Processos por crimes políticos por ano nas auditorias militares

Fonte: Projeto Brasil: Nunca Mais Digital. 1 8 127 7 11 17 43 123 140 104 63 32 12 13 3 2 1 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978

Processos por crimes políticos por ano

nas auditorias militares

Gráfico 2 - Processos por crimes políticos por ano nas auditorias militares (tendência)

Fonte: Projeto Brasil: Nunca Mais Digital.

No que concerne aos processos por crimes políticos conforme o ano, de acordo com os gráficos acima, os picos da repressão aconteceram em 1964 e entre 1969 até 1972. No último caso, houve também o endurecimento da legislação com o advento do AI-5. Possivelmente, o declínio dos processos a partir de 1972 deu-se pelo enfraquecimento da esquerda armada após intenso período de repressão.

É possível que os dados descritos acima correspondam a um padrão descrito por Da Silva257, isto é, no início dos anos 1960 o argumento para a repressão torna-se a Segurança Nacional (devido à Guerra Fria) e o combate à agitação sobretudo no campo. A autora faz uma análise de registro de crimes no DOPS que pode encontrar também um padrão nos casos dos julgamentos por crimes políticos, de forma que, posteriormente à perseguição mais maciça contra os trabalhadores, a repressão passou a destinar-se ao movimento estudantil, à propaganda, à panfletagem e à pichação como formas de disseminação das ideias contrárias aos regimes. Depois, no início da década 70, os inimigos pertenciam principalmente à esquerda armada.

Fazendo uma análise regional, percebe-se que a repressão judicial se centralizava principalmente na Região Sudeste, que continha os três estados com a maior quantidade

257 SILVA, Marcília Gama da. Informação, repressão e memória: A construção do estado de exceção no Brasil a partir da perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). 2007. 266 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007, p. 105-106.

1 8 127 7 11 17 43 123 140 104 63 32 12 13 3 2 1 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978

Processos de crimes políticos por ano

nas auditorias militares

de processos judiciais. O Rio de Janeiro era o líder (198), seguido de São Paulo (157) e bem mais atrás Minas Gerais (58), como se vê no gráfico abaixo:

Gráfico 3 - Processos por crimes políticos por estado

Fonte: Projeto Brasil: Nunca Mais Digital.

Dentre as áreas periféricas, destacam-se a Região Sul, principalmente o Rio Grande do Sul (51), seguido do Paraná (35), e a Região Nordeste: Pernambuco detinha a maior quantidade de processos (44) da região, seguido do Ceará (38), Bahia (32) e Rio Grande do Norte (14):

Gráfico 4 - Processos por crimes políticos por região

n 4 32 38 25 6 12 1 58 1 8 7 44 3 35 198 14 2 51 10 1 157 0 50 100 150 200 250 AM BA CE DF ES GO MA MG MS PA PB PE PI PR RJ RN RO RS SC SE SP

PROCESSOS POR CRIMES POLÍTICOS POR

ESTADO

38 140 14 419 96 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450

Centro-oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

PROCESSOS POR CRIMES POLÍTICOS POR

REGIÃO

Fonte: Projeto Brasil: Nunca Mais Digital.

No entanto, como já visto, a organização da justiça militar era dividida em doze circunscrições, de forma que os estados ainda mais periféricos ficavam submetidos a tribunais dispostos em outras localidades, quais sejam: Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

É curioso notar, a partir do gráfico abaixo, que somente o eixo Rio-São Paulo concentrava um pouco mais da metade dos processos por crimes políticos. Isso pode ser explicado pela atividade política mais ativa nesses dois estados. Foi nesse eixo que a atuação do movimento estudantil e da esquerda armada tornou-se mais vigorosa, além da atuação sindical. Fora isso, como a atividade política nesses locais era mais intensa, obviamente, a repressão também seria maior nesses dois estados. Foi nesse eixo em que ocorreu o nascimento de importantes partidos e organizações, tais como PCB, PC do B, ALN, AP, entre outros. Embora esses partidos e organizações tenham atuado em outras regiões do Brasil, seu foco de atuação, até mesmo pela efervescência política do lugar, era no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Gráfico 5 – Eixo Rio-São Paulo

Fonte: Projeto Brasil: Nunca Mais Digital. 50,2%

49,8% Eixo Rio-São Paulo

No gráfico abaixo, percebe-se que os processos se destinavam principalmente a Organizações e Partidos – tais como o PCB, PCBR, PC do B e as organizações ALN, MR-8, VAR, entre outras. Em seguida, vem o que o Projeto BNM classificou como setores (sindicais, estudantis, de jornalistas, religiosos, políticos e militares). As atividades, por seu lado, vêm em último lugar.

Gráfico 6 - Processos quanto à sua natureza

Fonte: Projeto Brasil: Nunca Mais Digital.