• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 A (RE)CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PELA TÉCNICA: O MEIO

2.1 Relação entre o ser humano e o meio ambiente

2.1.1 Visão holística do conceito de meio ambiente

A conscientização da importância do meio ambiente para a existência e sobrevivência dos seres vivos e também da importância da relação dos seres humanos com o meio ambiente despertou para a necessidade de protegê-lo e preservá-lo, erigindo-o à categoria de bem juridicamente tutelado e, apesar de ainda não retratado em nenhum instrumento internacional de proteção aos direitos humanos, o direito ao meio ambiente sadio consagra-se como direito humano fundamental.

A tutela jurídica do meio ambiente se dá a partir da limitação conceitual que recebe do legislador. Por ser um direito humano fundamental, o direito ao meio ambiente sadio deve ser máximo, abarcando não só o meio ambiente natural, mas também o meio

40 Numa concepção unitária e indivisível do meio ambiente, deve-se reconhecer que tal aspectos, porquanto, expressões como espécies ou dimensões poderiam transmitira a falsa impressão de que o meio ambiente se reparte de forma estanque. (CAMARGO; MELO, 2013, p. 18).

ambiente artificial. Atentando para o conceito globalizante de meio ambiente, a legislação da maioria dos países adota um conceito de meio ambiente que ultrapassa os limites do ecológico, abarcando o meio ambiente humano.

A expressão meio ambiente, apesar de simbolicamente relacionada com a natureza, representa o espaço que circunda o ser humano, composto por elementos naturais, artificiais e culturais. Neste sentido, José Afonso da Silva (2009, p. 20) enfatiza a necessidade de um conceito globalizante de meio ambiente:

[o] conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a Natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico.

A adoção de um conceito restritivo de meio ambiente que se esgota em sua dimensão física ou natural é inadequada, pois restringe o âmbito de proteção em relação a diversos bens jurídicos que devem estar protegidos. Por essa razão, é mais apropriada uma definição ampla de meio ambiente que inclua o homem, os demais seres vivos, a flora e a fauna, bem como os elementos naturais que tornam possível a vida e também o meio construído ou modificado pelo elemento humano, constituído pelos bens materiais e pelo patrimônio histórico e artístico (MACHADO, P. A. L., 2006, p. 69-70).

O conceito globalizante de meio ambiente permite o reconhecimento do meio ambiente urbano. O Estatuto das Cidades (Lei n.º 10.257/2001), que regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, oferece diretrizes urbanísticas e determina que os municípios tenham planos diretores de desenvolvimento urbano com vistas à otimização do meio ambiente urbano e da qualidade de vida.

Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 71-73), em estudo comparativo, demonstra que, nos Estados Unidos da América, foi feita a opção por um conceito de meio ambiente que abrange também o meio ambiente humano. Na França, reconhece-se juridicamente como meio ambiente tudo que circunda o ser humano, compõe seu intelecto e sua cultura e todas as invenções humanas. A definição de meio ambiente contida no Grand Laurousse de La Langue Française se refere a um “[...] conjunto de elementos naturais ou artificiais que condicionam a vida do homem [...].” Na Itália, da mesma forma, evidencia-se uma “[...] concepção unitária do bem ambiental, compreensiva de todos os recursos naturais e culturais [...].” A doutrina italiana reconhece que:

[...] o meio ambiente incide na tutela dos interesses fundamentais da coletividade e do indivíduo, singularmente considerado, não só o patrimônio e os recursos naturais, mas os bens culturais e ambientais; a salubridade do ambiente e um equilibrado desenvolvimento produtivo compatível com a conservação do ambiente. (MACHADO, P. A. L., p. 2006, p. 72).

A Corte Constitucional da Itália reconhece o caráter polidimensional do valor constitucional do meio ambiente. O caráter polidimensional do valor constitucional do meio ambiente, para Marcello Cecchetti (apud MACHADO, P. A. L., 2006, p. 74):

[...] configura um valor síntese, numa visão global e integrada, com uma pluridade de aspectos e com uma série de outros valores que abarcam não somente os interesses meramente naturalísticos ou sanitários, mas ainda os interesses culturais, educativos, recreativos e de participação, todos caracterizadores da importância essencial que revestem para a vida da comunidade.

No âmbito da legislação internacional, a Declaração de Estocolmo reconhece que: “Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma.” (ONU, 1972). A Convenção de Aarhus, realizada em 1998 na Dinamarca, consagra os posicionamentos legislativos de diversos países e garante que a saúde humana, os sítios culturais e a as construções sejam objeto de consideração de proteção quando houver vulnerabilidade ou ameaça de lesão a eles pelos elementos que compõem o meio ambiente.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 também adotou o conceito globalizante de meio ambiente. Segundo Édis Milaré (2005, p. 68), “[a] vigente Constituição Brasileira consagra e consolida o amplo conceito legal do meio ambiente com todos os recursos naturais e culturais, vivos e não-vivos [...] o conceito jurídico de meio ambiente é amplo, como não poderia deixar de ser [...].” O referido autor observa ainda que a postura do legislador “[...] dá ao Direito Ambiental brasileiro um campo de aplicação mais extenso que aquele de outros países [...].” (MILARÉ, 2005, p. 4). Com isso, o ordenamento jurídico brasileiro permite a adequação da proteção constitucional do direito ao meio ambiente à necessária proteção do meio ambiente artificial.

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente traz uma concepção unitária e global acerca do meio ambiente, que abrange o conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Referida lei assinala que o meio ambiente é um patrimônio público que deve ser assegurado e protegido em razão de seu uso coletivo.

A proteção ao meio ambiente compreende o natural e o artificial. A proteção constitucional ao meio ambiente natural encontra-se expressa no caput e no parágrafo 1º, incisos I, III e VII, do artigo 225 da Constituição Federal. A proteção ao meio ambiente artificial - urbano e do trabalho - decorre do conceito globalizante de meio ambiente.

A proteção ao meio ambiente artificial, no que se refere à proteção do espaço urbano – assim compreendido o espaço coabitado pelos seres humanos, encontra-se difundida nos artigos 225, 182, 21, inciso XX, e 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, bem como em diplomas infraconstitucionais, a exemplo do Estatuto da Cidade. O meio ambiente urbano é um espaço habitável, enquanto que o meio ambiente do trabalho, ao qual também se estende o conceito globalizante, é um espaço frequentável. Sua tutela constitucional está expressa no artigo 200, inciso VIII, da Constituição Federal.

O meio ambiente do trabalho tem sua proteção decorrente daquela conferida ao meio ambiente de forma unitária, que preza pela sadia qualidade de vida. Daí que não há como se falar em qualidade de vida sem qualidade de trabalho, isso porque o ser humano dedica-se a atividades habituais que podem ser agrupadas sob a ótica do trabalho. Há menção explícita à proteção do meio ambiente do trabalho no artigo 200, inciso VIII, da Constituição Federal.

A proteção ao meio ambiente estende-se também ao meio ambiente cultural, que José Afonso da Silva (2009, p. 21) define ser uma obra humana artificial dotada de valor especial constituída a partir da integração dos patrimônios histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico. Faz-se necessária porque o patrimônio cultural constitui um bem de todos que, conforme esclarece Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2013, p. 64), “[...] traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil.”

Conforme reconhece José Afonso da Silva (2009, p. 21), o meio ambiente artificial é também cultural. Mais correto seria falar em proteção à cultura que emana da relação homem-ambiente e homem-homem em todos os meios, tornando-se elemento componente do meio. O aspecto cultural do ambiente é essencial para o bem-estar e para a proteção aos direitos humanos. O conceito de meio ambiente, entretanto, é unitário e global.