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Capítulo 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Visão prospectiva da diversidade do desenvolvimento humano na perspectiva

A abordagem histórico-cultural sobre o desenvolvimento humano traz questões relevantes sobre o papel da cultura e do contexto social na formação subjetiva, bem como reflexões importantes acerca da diversidade de desenvolvimento e aprendizagem de forma prospectiva e positiva e nos remete a refletir sobre a organização do processo do trabalho pedagógico para atender à diversidade presente no contexto escolar.

Vigotski e seus colaboradores caracteriza o espaço social como um espaço privilegiado de trocas e interações que favorecem o desenvolvimento dos sujeitos. O contexto escolar nesse sentido ganha força, pois se constitui um espaço de

desenvolvimento das possibilidades dos chamados processos psicológicos superiores. As funções psíquicas superiores referem-se aos processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem do processo de aprendizagem. (VIGOTSKI, 2011).

As funções psíquicas superiores não se desenvolvem espontaneamente, existe no indivíduo uma potencialidade que é experimentada inicialmente nas atividades coletivas (social), antes de assumirem as atividades individuais como propriedades internas do pensamento. Assim, o funcionamento intelectual humano se forma e se transforma mediante a apropriação ativa do sujeito em situação de troca, de convívio, de atividade coletiva.

Outro conceito que complementa essa concepção é o conceito de Zona de Desenvolvimento iminente que, segundo Prestes (2012, p. 190), “está intimamente ligado à relação existente entre desenvolvimento e instrução e à ação colaborativa de outra pessoa”. A autora enfatiza ainda que:

Quando se usa zona de desenvolvimento proximal ou imediato não está se atentando para a importância da instrução como uma atividade que pode ou não possibilitar o desenvolvimento. Vigotski não diz que a instrução é garantia de desenvolvimento, mas que ela, ao ser realizada em uma ação colaborativa, seja do adulto ou entre pares, cria possibilidades para o desenvolvimento. (PRESTES, 2012, p. 190).

Nesse contexto, podemos entender a zona de desenvolvimento iminente como um campo de possibilidades onde todos estão envolvidos na construção de significados a partir dos meios mediacionais presentes no contexto. Dentre as atividades que impulsiona o desenvolvimento estão às brincadeiras para as crianças na idade pré-escolar e o ensino na idade escolar.

Esse conceito rompe com as classificações presentes no contexto escolar de amadurecimento e categorizações, pois o nível de desenvolvimento da criança está na diferença entre o nível de desenvolvimento atual, o que está amadurecido e a zona de desenvolvimento iminente, os processos que ainda não estão amadurecidos, mas já se encontram a caminho. (VIGOTSKI, 2004 apud PRESTES, 2012, p. 205). Podemos assim dizer que o processo de desenvolvimento das crianças apresenta-se de forma diferente, o que nos torna diversos no modo de aprender. A elaboração desse conceito demonstra uma vez mais que Vigotski concentrou seu interesse nas

possibilidades das crianças, compreendendo como se dá o desenvolvimento e não no seu déficit.

Nessa direção, Vigotski (1997) rompe com o modelo médico da compreensão da deficiência, que enfoca apenas o orgânico e o patológico e responsabiliza o meio social pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores de todas as crianças inclusive as que apresentam necessidades específicas, sem distinção, pois no campo da Defectologia, Vigotski (1997) afirma que a lei do desenvolvimento são as mesmas para todas as crianças, o que muda são os caminhos para alcançar esse desenvolvimento.

Quando não se é possível avançar no desenvolvimento devido à limitação orgânica, abre-se um caminho sem limites para o desenvolvimento cultural. Ou seja, os caminhos indiretos de desenvolvimento são possibilitados pela cultura quando o caminho direto está impedido. (VIGOTSKI, 2011). O desenvolvimento cultural seria, assim, a principal esfera em que é possível compensar a deficiência. Ou seja, são no meio social que os caminhos indiretos se concretizam através da mediação semiótica e social que garante o desenvolvimento das potencialidades de todas as crianças. Fica claro que a capacidade intelectual de cada sujeito não pode ser definida por prescrições generalizadas a partir de um determinado diagnóstico, mas deve orientar- se para os movimentos interpessoais e as variadas esferas de competências.

Diante disso, quando conhecemos uma criança que apresenta especificidades no seu desenvolvimento nunca podemos dizer qual será o nível mental que ela será capaz de atingir. Segundo Vigotski (1997), as aspirações psíquicas são tão intensas em direção à compensação da deficiência que é possível abrir novos caminhos para o desenvolvimento de outras habilidades.

O autor, com esta abordagem, responsabiliza o meio social e os processos de mediação realizada pelo outro, que neste caso pode ter como figura os educadores como organizadores do espaço escolar, para criar ações pedagógicas para criação de caminhos indiretos para o desenvolvimento humano que são fundamentais na potencialização das funções psicológicas superiores.

Isso indica que é importante superar o trabalho pedagógico direcionado ao estudante com necessidade educacional específica que enfatiza somente as experiências concretas adaptadas as suas dificuldades e ao estímulo apenas das funções básicas elementares (percepção, atenção, memória, pensamento e

linguagem) para o estímulo das funções psicológicas superiores (intencionalidade, formação de conceitos, atenção voluntária, pensamento abstrato e auto-observação). Ou seja, a ação direta sobre os objetos é necessária na construção do conhecimento dos estudantes, mas o desenvolvimento das funções psicológicas superiores permite ao estudante com déficit cognitivo a capacidade que tem de pensar, de realizar ações em pensamento, de resolver situações problemas pelo seu esforço e compreensão.

A partir desse raciocínio para o autor, o educador tem como função organizar o espaço social e às oportunidades pedagógicas favoráveis à aprendizagem de todos os estudantes. Vigotski (2001) alerta que:

Portanto, o professor tem um novo e importante papel. Ele tem de se transformar em organizador do ambiente social, que é o único fator educativo. Sempre que ele age como um simples propulsor que lota os alunos de conhecimentos, pode ser substituído com êxito por um manual, um dicionário, um mapa ou uma excursão. Quando o professor dá uma aula ou explica uma lição, ele assume só em parte o papel do professor, principalmente na parte de seu trabalho em que estabelece a relação da criança com os elementos do ambiente que agem sobre ela. Mas sempre que expõe apenas fragmentos de algo preparado, ele deixa de ser professor. (VIGOTSKI, 2001, p. 297).

A abordagem histórico-cultural abre espaço para a consolidação de um trabalho pedagógico que respeita a diversidade de construção da aprendizagem e desenvolvimento, desnaturalização de conceitos, construção de novas possibilidades de aprendizagem e ensino, desenvolvimento e interações sociais, a partir de um olhar ético do educador em relação à diversidade de trajetórias diferentes para aprender e ensinar.

2.3 Organização do trabalho pedagógico na diversidade: AEE e ensino regular