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Capítulo 1 - Estudos empíricos com foco no uso da abordagem histórico-

1.2 Visão sobre a NdC que orienta os estudos empíricos

Conforme argumentam Abd-El-khalick e Lederman (2000), deve ser possível

chegar a um termo comum sobre o que pode ser considerada uma visão adequada

sobre a NdC, segundo as concepções epistemológicas predominantes num dado

período, pois em vista do largo espectro de interpretações da atividade científica

(CORDEIRO, PEDUZZI, 2012), conceitos filosóficos concordam sobre diversos

aspectos da investigação científica.

Para Massoni e Moreira (2012), a principal característica das chamadas

imagens epistemológicas contemporâneas é a sua diversidade e não uniformidade

de ideias sobre o processo da ciência, embora digam que através delas passou-se a

defender, em grandes linhas, a visão de consenso do que se deve ensinar sobre a

NdC (IRZIK; NOLA, 2011), sintetizada por um conjunto de frases curtas, diretas e

pragmáticas para a Educação em Ciências:

o conhecimento científico se baseia em observações e experimentos;

é mutável;

em parte, produto da imaginação humana e criatividade;

carregado de teorias e subjetividade;

é influenciado pelos contextos social e cultural;

não existe um método científico único;

a ciência é teórica e explicativa;

as observações são carregadas de teorias;

afirmações científicas são testáveis;

há uma distinção entre observação e inferência e entre as leis e teorias;

a ciência é autocorretiva.

No entanto, Teixeira et al. (2009) dizem que não se pode afirmar que exista

uma visão única sobre a NdC ou, mesmo, um consenso a respeito de alguma

imagem correta da atividade científica, assim como não há como negar a natureza

multifacetada, complexa e dinâmica do trabalho científico e das análises filosóficas

da empreitada científica. Sobre isso, Irzik e Nola (2011, 2014) apresentam e

defendem uma abordagem alternativa baseada na noção de semelhança de

família

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para os aspectos sobre a NdC, em comparação com a abordagem que tem

sido chamada de visão de consenso.

De acordo com Irzik e Nola (2011) o uso da noção de semelhança familiar

permite tratar de aspectos importantes apresentados na lista consensual, sem que

simplificações indevidas sejam realizadas e sem que sejam desconsideradas as

diferenças entre as ciências, isto é, deve-se discutir em sala de aula não o que é

comum a todas as ciências, mas o que é similar e o que é diferente entre elas

(VITAL; GUERRA, 2014).

Cabe acentuar que além de Irzik e Nola, outros autores (ALTERS, 1997;

TEIXEIRA et al., 2009; ALLCHIN, 2011) também criticam a visão de consenso do

que se deve ensinar sobre a NdC.

Conforme Irzik e Nola (2011), as ciências compartilham algumas ou a

maioria das características, mas não todas, de modo que elas são semelhantes em

relação a algumas características, mas diferentes em relação a outras, ou seja, o

que integra diferentes disciplinas científicas é a semelhança familiar entre elas no

que diz respeito às características de cada categoria que as tornam ciência:

atividade científica, objetivos e valores da ciência, metodologias e regras

metodológicas, e produtos /resultados da ciência.

Para a análise dos aspectos sobre a NdC que orientam os estudos

empíricos, tomei como referência a noção de semelhança familiar para os aspectos

sobre a NdC apresentada e defendida por Irzik e Nola (2011) e os itens listados pela

visão de consenso, características amplamente compartilhadas em documentos

oficiais, a exemplo do relatório unificado intitulado Ciência para Todos

22

- Projeto de

reformulação curricular norte-americano, não-governamental, que faz parte de um

projeto mais abrangente, denominado Projeto 2061: Educação para um futuro em

mudança - e nos aspectos sobre a construção do conhecimento científico presentes

na ficha de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

23

(PNLEM/2009), disciplina Física.

Em outras palavras, na análise dos aspectos sobre a NdC que orientam os

estudos empíricos, foi observado se a pesquisa empírica era orientada pela visão de

consenso ou pela visão de semelhança familiar sobre aspectos relativos à NdC.

Na tabela 2 (apêndice C, página 137) está descrita a visão sobre a NdC que

orienta os estudos empíricos com foco no uso da HFC em disciplinas da graduação

em física no Brasil. A segunda coluna diz respeito à visão sobre a NdC que orienta

os estudos empíricos relatados em cada artigo encontrado. Neles predominam os

itens listados pela visão de consenso do que se deve ensinar sobre a NdC e não há

referência direta da abordagem de semelhança familiar para os aspectos sobre a

NdC, apresentados e defendidos por Irzik e Nola (2011). O que não poderia ser

diferente, uma vez que:

apenas um dos artigos encontrados foi publicado após 2011;

somente agora pesquisadores brasileiros em Ensino de Física estão absorvendo as

críticas da abordagem de semelhança familiar para os aspectos sobre a NdC, tendo em vista a literatura nacional da área, a exemplo de Vital e Guerra (2014), Moura (2014) e de Bagdonas et al. (2014);

nem mesmo Irzik e Nola, até então, haviam publicado um estudo empírico com tal

abordagem.

22Science for All Americans - Project 2061 – American Association for the Advancement of Science, New York: Oxford University Press, 1990. Tradução portuguesa em F. James Rutherford e Andrew Ahlgren - Ciência Para Todos, Lisboa: Editora Gradiva, 1995, 265 p..

23http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guia-do-livro/item/3812-guiapnlem-2009. Acesso em: 16 ago. 2013.

Apesar disso, a abordagem de semelhança familiar por possuir virtudes que

os itens listados pela visão de consenso não têm, mostra-se mais avançada que

essa visão, pois, conforme Irzik e Nola (2011): é mais abrangente (captura quase

todos os itens listados pela visão de consenso); fornece uma nova maneira de captar

a unidade da ciência ao fazer justiça a sua diversidade de disciplinas e

subdisciplinas; explica sua unidade, de modo que tece relações entre suas

categorias - atividade científica, objetivos e valores da ciência, metodologias e regras

metodológicas, e produtos/resultados da ciência - e os diversos elementos que se

enquadram sobre essas categorias de forma integrada; faz jus ao desenvolvimento

histórico e à natureza dinâmica e aberta da ciência.

Portanto, o uso da HFC como forma de proporcionar concepções adequadas

sobre a NdC, ou de transformar imagens distorcidas sobre a NdC, tendo como

orientação os itens listados pela visão de consenso, não se mostra coerente

segundo as críticas sofridas por essa visão (ALTERS, 1997; IRZIK, NOLA; 2011), e

porque também não há consenso entre pesquisadores em Ensino de Ciências sobre

a ocorrência de mudança/transformação das concepções de estudantes sobre a

NdC por influência da abordagem histórico-filosófica (TEIXEIRA et al., 2012b).

No que diz respeito ao consenso na filosofia da ciência, Alters (1997) revela,

a partir dos resultados da pesquisa que ele realizou com 210 filósofos da Associação

Americana de Filosofia da Ciência, que a ideia de tal consenso na filosofia da ciência

contemporânea sobre aspectos da NdC é falha, ou seja, que também não há um

consenso em nível filosófico. Alters (1997) conclui que os princípios que são

defendidos no ensino de ciências como critérios básicos para a caracterização da

NdC devem ser repensados de modo que possam ser desenvolvidos novos critérios.

Como já foi dito, Irzik e Nola (2011) apontam limitações e deficiências dos

itens listados pela visão de consenso para os aspectos sobre a NdC e as vantagens

da abordagem semelhança de família em relação à citada visão.

Logo, apesar de existir um consenso entre pesquisadores brasileiros em

Ensino de Física no que se refere à importância da discussão sobre a NdC nesse

ensino (VILAS BOAS et al., 2013) e sua caracterização, a literatura da área não

confirma tal consenso no que se refere à caracterização (a exemplo de ALTERS,

1997; IRZIK; NOLA, 2011; ALLCHIN, 2011).

De acordo com Irzik e Nola (2011), os itens listados pela visão de consenso

não fazem justiça à diferença entre as disciplinas científicas, não fazem jus ao

desenvolvimento histórico e à natureza dinâmica e aberta da ciência, nem referência

direta à investigação científica pela qual o conhecimento científico é produzido,

tampouco menção direta aos objetivos e valores, às metodologias e regras

metodológicas, e aos produtos/resultados da ciência, enquanto que, a abordagem

de semelhança familiar para os aspectos sobre a NdC abarca os aspectos gerais e

estruturais da ciência, é sistemática e reconhece as diferenças entre as disciplinas

científicas.

Por isso, a discussão sobre a NdC do ponto de vista da abordagem de

semelhança familiar mostra-se mais adequada para a formação dos futuros

profissionais em física do que os itens listados pela visão de consenso, com vistas

às deficiências e limitações dessa visão, às virtudes da abordagem familiar, à

natureza introdutória e aos objetivos das disciplinas de cunho histórico e/ou

epistemológico nos cursos de graduação em física no Brasil. Apesar disso, a

abordagem de semelhança familiar ainda precisa ser avaliada no contexto de sala

de aula.

Decerto, a análise dos artigos encontrados exige mais fundamentos do que

os obtidos para poder afirmar que essa ou aquela pesquisa empírica é orientada

pela visão de consenso sobre a NdC, uma vez que os itens listados por essa visão

fazem referência ou menção de modo indireto aos itens que integram diferentes

disciplinas científicas, são eles: atividade; objetivos e valores; metodologias e regras

metodológicas; e produtos /resultados (IRZIK; NOLA, 2011).

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