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visível, em alguns dos seus momentos, a procura de autonomização e, noutros, o

7 Veja­se a este propósito Natália Azevedo, O Poder Local e a Animação Socioculturel - uma Realidade de

Fronteira?, Tese de licenciatura em Sociologia orientada pelo Professor Doutor António Teixeira Fernandes, Porto, Instituto de Sociologia, 1992. Texto policopiado.

desprendimento institucional face ao poder político. Vejam-se, a título de exemplo, as afirmações do seu ex-presidente:

"o Octopus durante muitos anos conseguiu subsistir praticamente sem apoio

da Câmara; a Câmara nunca se preocupou com a existência do Octopus e daí que nos apoiasse pouco, comparando com o que apoia... as colectividades, as outras associações; logo nas primeiras sessões do cineclube nós fomos acusados pelo... Vereador da Cultura que andávamos a perverter a juventude, com filmes pornográficos, nós fomos acusados disso no jornal, e tivemos que discutir isso;" {Anexo XV).

Por outro lado, o seu estatuto como associação cultural foi posto em causa pelo poder local, em virtude da visibilidade crescente dos conflitos internos e da falta de correspondência com as solicitações da própria Câmara. A fragilidade institucional da associação relativizou a legitimidade do projecto cultural do Octopus: "se for preciso ia...

ali à Câmara muita gente... a certa altura a nível da Câmara eles acabaram por... enfim, por ter... existirem ali dois grupos...; quando se falava no... o Octopus tinha uma morte anunciada...". Actualmente, e com a mudança dos elementos que compõem a equipa

directiva, não só se verbaliza a intenção de alterar alguns dos percursos culturais até agora desenvolvidos, como também proceder a tentativas de aproximação face ao poder local - "eu até cheguei a colaborar na redacção do protocolo com... protocolo de apoio

com a Câmara Municipal"-, neste momento indispensável à resolução da crise financeira

interna - "críaram-se... fortes laços de dependência económica... em relação à Câmara..." -, e de projecção do cineclube para o meio exterior.8

Em contrapartida, o Cineclube de Vila do Conde tem desenvolvido, desde o início da sua actividade, uma relação "constante e positiva" com o poder político local,

De acordo com registos de observação ocasional feitos nos últimos meses de 1996, e com contactos estabelecidos junto da edilidade e da nova equipa directiva do Octopus, não só se alteraram ligeiramente os modos de relacionamento entre a associação e o Pelouro da Cultura, como também se formalizaram estratégias conjuntas de actuação cultural com a assinatura de um protocolo entre a Câmara Municipal, a Empresa Póvoa-Cine e o Octopus pelo período de um ano, consubstanciando um apoio financeiro e logístico da Câmara à actividade regular do cineclube e a abertura a novos horizontes de intervenção cultural como a realização de outras sessões de cinema num dos equipamentos culturais locais - o Auditório Municipal.

salientando-se a atitude de procura, por parte da associação, do apoio logístico (uma sede e uma sala de cinema) e do apoio financeiro (para a organização do Festival) -

"nem a Câmara fez nenhum convite, foi sempre o contrário, nós é que tentámos ir à Câmara... para um apoio para aquilo que fizemos até agora, nunca houve, nunca houve o inverso, por parte da Câmara...". Pode dizer-se que a organização do Festival constitui

o evento privilegiado de tal relação. O subsídio anual que a associação obtém da Câmara é direccionado, na sua totalidade, para a organização do Festival que, segundo os seus dirigentes, reflecte o interesse político da Câmara na projecção nacional e internacional da edilidade - "o Festival era um projecto com outras ambições, isso

também de certa maneira conseguiu interessará Câmara". Simultaneamente, é o próprio

cineclube que assegura a manutenção das sessões regulares de cinema, gerindo internamente as receitas e as quotizações dos associados. De qualquer modo, a viabilidade da sua actividade cultural é possível, em grande parte, devido ao apoio explícito da Câmara Municipal - "começou por ser a cedência do espaço; e desde o inicio

que nos apoiou... e isso permitiu-nos, ao nosso projecto engrandecer e que nós tivéssemos outro tipo de ideias". Contudo, é legítimo questionar até que ponto o apoio

concedido pela Câmara local reflecte, de facto, uma política cultural coincidente com a do cineclube ou, meramente, uma atribuição de subsídios em prol de dividendos políticos futuros: "apoiam desde o início mas não há aquela... um interesse que depois se

complete com... nunca houve assim um grande interesse;" {Anexo XV).

Ponderando todos estes factores, os cineclubes delimitam anualmente planos de actividades que contemplam os projectos culturais a serem concretizados. De acordo com a situação actual do Octopus, os seus principais projectos culturais dizem respeito à manutenção das sessões regulares de cinema à quinta-feira, colocando a hipótese de explorar outras actividades próximas do cinema, e a um trabalho de divulgação/projecção de filmes nas escolas do concelho - "há um trabalho que... que tem que se estudar, que

é necessário contornar... um trabalho... por exemplo, mais nas escolas..." (Anexo IX). Do 131

mesmo modo, o Cineclube de Vila do Conde pretende continuar o trabalho de exibição de filmes para os grupos infantis e juvenis (sessões juvenis do cineclube) e iniciar um processo de formação de públicos, prévio à realização do Festival, nomeadamente dos públicos estudantis do concelho (breve iniciação teórica ao cinema e ao vídeo, ateliers de cinema de animação e vídeo, sessões de curtas metragens na escola). Os seus representantes salientam ainda o desejo de concretizar, a longo prazo, um projecto de formação cultural mais vasto: fazer um trabalho de formação/divulgação/projecção do cinema junto de várias escolas da RN e/ou da AMP com o apoio e a colaboração das respectivas câmaras municipais.

Os públicos-alvo dos projectos culturais são, maioritariamente, os grupos etários mais jovens (públicos estudantis e públicos juvenis), reflectindo a tentativa de estabelecer uma relação mais próxima com algumas franjas específicas da comunidade local - "tentar chegar a... a outros... estratos da população". Se se observar o conjunto de objectivos declarados pelos dirigentes associativos, é indiscutível a intenção de estenderem a sua actividade ao maior número possível de grupos etários e sociais e de conseguirem "uma adesão ainda maior" da população. No caso específico do Octopus,

"nós reconhecemos que temos que... ser mais abrangentes, temos que colaborar numa relação com o meio mas... estender... à população real".

Os recursos disponíveis, quer financeiros, quer humanos e materiais, são elementos condicionantes da actividade cultural: há uma nítida dependência financeira e logística face a certos organismos locais, públicos e privados - Câmara Municipal e empresas locais -, nacionais - Instituto Português das Artes Cinematográfica e Audiovisual (IPACA) e Instituto da Juventude - e internacionais - Comunidade Europeia. No caso concreto do Cineclube de Vila do Conde, a realização do Festival exige financiamentos avultados - "são verbas muito maiores, envolvidas e o Festival anda

sempre... nos limites... nós não andamos aqui à vontade, arriscamos... mas temos que andar..."- e uma mobilização assinalável de pessoas (particularmente, jovens estudantes

do ensino secundário), em regime de voluntariado - "temos pessoal a mais para fazer...

nesse tipo de voluntariado, eles gostam de trabalhar nisto" (Anexo IX). Se bem que o

grau de amplitude das actividades seja diferente entre os dois cineclubes, o Octopus tende a ressentir-se mais da falta de recursos financeiros e humanos para a manutenção e para o alargamento do seu leque de actividades do que o Cineclube de Vila do Conde: não só não beneficia, até ao momento, de apoios financeiros regulares que permitam, por exemplo, saldar determinadas dívidas, como também não consegue nem manter uma gestão equilibrada e actualizada das quotizações dos associados, nem usufruir de receitas regulares com as sessões de cinema.9

Ao nível das práticas culturais, ambos os cineclubes têm conseguido executar aquele que constitui o seu grande projecto cultural: a exibição regular de cinema de

qualidade no concelho, salientando-se, no caso do Octopus, o património cultural anterior

existente - "o Octopus, apesar de tudo... já tinha uma determinada... actividade de anos,

para, para uma associação..." (Anexo XII) - e, no caso do Cineclube de Vila do Conde, a

revitalização de "um... campo de actividade que estava morto, a exibição de cinema,

neste caso o cinema de qualidade, de autor...". Assinale-se, também, a relativa

regularidade de exibição das sessões de cinema, sobretudo as do Cineclube de Vila do Conde, já que, no caso do Octopus, o momento da crise interna levou à interrupção das sessões de cinema.

Se se atender às actividades paralelas que vão desenvolvendo em consonância com a exibição de cinema, é notório que o Cineclube Octopus, dadas as circunstâncias, não dispõe de condições suficientes para reiniciar actividades alternativas ao cinema e concordantes com alguns dos princípios de actuação anteriores ao momento presente da associação. Por sua vez, o Cineclube de Vila do Conde tem dinamizado actividades paralelas, associadas ao cinema e/ou ao Festival. São os casos dos ateliers de cinema

Situação esta susceptível de assumir contornos diferentes ao longo da época de 1996/97 em virtude da assinatura do referido protocolo.

de animação, das sessões de vídeo, das conferências, dos ciclos temáticos e das sessões juvenis.

O nível das práticas culturais se, por um lado, implica a disponibilização de recursos, por outro, contempla sempre determinados obstáculos. As dificuldades sentidas pelos cineclubes na realização das suas actividades oscilam entre a rarefacção dos recursos financeiros e o montante sempre superior dos custos em relação às receitas (no caso do Octopus) e as exigências financeiras e humanas do Festival, o aluguer dos filmes (problemas com as cópias não disponibilizadas e com as Embaixadas) e o estatuto atribuído à designação de cineclube (grupo elitista), inicialmente dificultador do processo de afirmação da associação (no caso do Cineclube de Vila do Conde).

Apesar das dificuldades continuamente encontradas, a avaliação que os dirigentes associativos fazem das actividades realizadas é, de uma maneira geral, positiva. O Octopus, se bem que tenha perdido a sede e certas actividades-emblema (como o InforJovem e o Centro de Apoio à Juventude), perdas essas substancialmente pouco significativas em face dos custos envolvidos, ressalva que "o povo da Póvoa

consegue ver um outro tipo de cinema...". O Cineclube de Vila do Conde, por sua vez,

salienta o êxito da iniciativa do Festival Internacional de Curtas-Metragens, numa área do cinema pouco divulgada e explorada em Portugal - "é aquele que eles acham que tem

mais possibilidades de... evoluir, e de crescer, ao nível das ideias" -, a qualidade da

programação apresentada (tanto do Festival como do cineclube) e a adesão conseguida às sessões de cinema de domingo à noite. O cineclube critica ainda a falta de uma actividade pedagógica no concelho que complemente o seu trabalho de divulgação/projecção de cinema.

Considere-se, agora, uma outra dimensão inerente às práticas culturais dos cineclubes: os seus públicos e os seus modos de participação. O Octopus salienta que, ao longo dos vários anos de actividade do cineclube, as pessoas foram aderindo, progressivamente, às sessões de cinema, constituindo um público "bastante exigente",

"até... intelectual", um "público de cineclube", fruto, no seu entender, da própria actividade

cultural desenvolvida. Provavelmente, um público específico onde nâo estão presentes determinados grupos etários e sociais: "noto que hà franjas do nosso meio... digamos do

meio popular que nos escapam e a nível dos jovens... penso que do ensino secundário também nos escapa;". Por outro lado, criou-se o hábito de ir ao cinema à quinta-feira à

noite, obtendo-se médias de espectadores por sessão superiores às das sessões de cinema da empresa com a qual têm um protocolo: "nós conseguimos ter uma sala

óptima, comparando com... com os outros dias da semana, mesmo filmes, os tais chamados comerciais... que à partida teriam que ter mais público;" (Anexo XII). Se bem

que o cineclube não se considere um ghetto, pode questionar-se até que ponto tem havido, por parte da direcção, uma política de alargamento (ou de criação) de públicos. No caso do Cineclube de Vila do Conde, e segundo as declarações dos seus representantes, os públicos das sessões de cinema são públicos "segmentados", uns mais receptivos a sessões de ciclos temáticos e de cinema de autor (as sessões com ciclos temáticos têm normalmente pouco público), outros com interesses mais abrangentes e não tão específicos:

"temos um pequeno público, prontos, que se interessa mesmo prontos... pelo cinema em geral, querer conhecer coisas que... não são conhecidas, algumas, algumas pessoas que vão ver ciclos, mas também temos uma, uma grande parte dos nossos associados que não têm aquela visão nem aquele espírito cineclubista especial;" (Anexo XII).

Por seu turno, os públicos do Festival são públicos específicos e, de ano para ano, em maior número, o que levanta problemas logísticos e técnicos à organização -

"nós até criámos o Prémio do Público; as próprias características da curta metragem contribuíram para... uma adesão cada vez maior do público...". É interessante constatar

ainda a descoincidência de afluência de públicos entre as sessões da tarde e as da noite, tanto num como noutro cineclube. No caso de Vila do Conde, criou-se o hábito de ir ao

cinema ao domingo à noite, a tal ponto que "se organizarmos essa sessão ao sábado já

não, já vem muita pouca gente...são hábitos...". Por outro lado, "o público da tarde talvez tenha mais aquele público... cineclubista naquele sentido, no sentido de cineclube como era entendido há uns anos atrás... e à noite há um bocado de tudo". Provavelmente, a

relação dos públicos com o cinema pauta-se mais por uma intenção estética, contemplativa, de diversão do que pela identificação imediata das questões políticas e sociais, outrora reciprocamente exploradas ao nível da criação e da recepção do cinema.

Deste modo, a afirmação de práticas cineclubísticas distintivas passaria, fundamentalmente, pelas estratégias accionadas pelos agentes culturais associativos no interior do campo cultural local e nacional, e não tanto pelas práticas de ida ao cineclube pelos públicos associados e não associados. A legitimação cultural do cineclubismo, como modalidade de associativismo cultural particular nos seus modos de oferta cultural, parece depender mais dos posicionamentos culturais e sociais de alguns dos agentes criadores/difusores - os dirigentes associativos, os críticos, os realizadores/actores - do que da amplitude sociográfica e da fisionomia cultural dos seus públicos, nomeadamente os públicos não associados. Porém, a pertença ou a ida ao cineclube como (potencial) associado tende a assumir-se como uma estratégia de distinção cultural, ao partilhar das

mais-valias sociais e simbólicas - gostos, linguagens, conhecimentos, contactos,

posturas corporais, sociabilidades, estatutos - específicas nos e dos espaços dos cineclubes.

VI. A OFERTA CULTURAL DOS CINECLUBES EM CONTEXTOS

SEMIPERIFÉRICOS

"O único aspecto da cultura visível, quase 20 anos depois, que de algum modo cumpriu o que o 25 de Abril propunha é a diminuição da macrocefalia cultural. Há, nos princípios de 90, uma intensa rede de actividades culturais fora de Lisboa, ligadas ao desenvolvimento do poder local, assegurada sobretudo pelas autarquias (nomeadamente de esquerda), que movimentam, nalguns casos, um número significativo de pessoas e de grupos, herdeira da «animação cultural», e que entretanto vai adquirindo um carácter cada vez mais institucional. "

(Eduarda Dionísio, "As práticas culturais" in António Reis (coord.), Portugal, 20 Anos de Democracia, Lisboa, Circulo de Leitores, 1994, p.489.)

6.1. Das tendências sociodemográficas à dotação de redes locais de equipamentos

culturais: a semiperiferia cultural dos concelhos de Póvoa de Varzim e de Vila do

Conde

Caracterizar os concelhos de Póvoa de Varzim e de Vila do Conde sob o ponto

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