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Visões de cultura presentes nas Campanhas de Dinamização Cultural

De um ponto de vista político, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA podem incluir-se no panorama das primeiras políticas e práticas culturais, desenvolvidas em Portugal depois da revolução.

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Artigo citado em BEGONHA, Manuel (2015), 5ª Divisão MFA, Revolução e Cultura, Lisboa, Edições Colibri, p. 57.

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61 Todavia, para que cheguemos à discussão deste ponto, é necessário primeiro reflectir sobre as noções de cultura presentes nestas campanhas. Que tipo de cultura se pretendia para o país? Qual a visão cultural que orientava a estrutura organizadora desta projecto? Que país se procurava, com a passagem das Campanhas de Dinamização Cultural? Para responder a estas questões, é necessário enumerar os objectivos das campanhas e reflectir sobre o modelo cultural que estas pretendiam implantar.

Efectivamente, os dois anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 foram pontuados pela premissa de se promover uma revolução cultural em Portugal. Esse ideal, orientado por um espectro político-ideológico de esquerda, acreditava na transformação social e cultural na sociedade civil, que deveria assim caminhar para um regime de tipo socialista. Nesse sentido, era pois indispensável, que fosse desenvolvido um novo modelo cultural para o país, e que seguisse as linhas condutoras de um projecto revolucionário.

Nesta dissertação, lançamos como objectivo primordial explicar quais as visões e noções de cultura presentes nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. Tal como apontam os documentos que orientam as intervenções desenvolvidas no âmbito deste projecto político, destaca-se desde logo a componente de luta anti-fascista que rege o carácter ideológico das campanhas. Este é aliás, o primeiro ponto das linhas mestras que guiam o programa desenvolvido. No mesmo documento, refere-se que, para além do combate ao fascismo - “ditadura de uma minoria privilegiada”163 – é preciso promover a ideia de que a revolução portuguesa está revestida de um carácter “progressista” e de “justiça social”. O mesmo documento orientador alerta ainda para o facto de haver “elementos beneficiados pelo regime anterior” que pretendem regressar ao paradigma político do Estado Novo e de que é necessário “acreditar nas FA” como instituição preponderante na construção de um Estado democrático.

Para que cheguemos ao novo paradigma, as Campanhas de Dinamização Cultural devem "procurar mostrar que a política é simplesmente a discussão dos problemas que se vivem diariamente, procurando conseguir uma maior felicidade e bem-estar para todos”. É segundo este mote que as mesmas Campanhas de Dinamização procuram promover a politização do povo, para que este faça também ele parte da revolução em curso.

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CORREIA, Ramiro, et al. (s. d.), MFA, Dinamização Cultural, Acção Cívica, Lisboa, Ulmeiro, p. 23.

62 Para além desta luta contra o fascismo e do esclarecimento político das populações, a CODICE pretendia debelar “o subdesenvolvimento cultural” do país. Dias antes da apresentação oficial do programa das Campanhas de Dinamização, foi organizado um encontro na Cooperativa Árvore, no Porto, com associações e representantes do sector cultural. Nesta ocasião, Ramiro Correia afirmou:

“As F.A. têm consciência de que a situação cultural do povo português neste momento, pode impedir o desenvolvimento necessário do processo de democratização do país, em curso. Por isso nós verificámos que haveria necessidade de intensificar a nossa acção neste sector. […] Parece-nos que isto é importante porque esta democratização só pode ser conseguida através da colaboração com o povo. Já desde o início quando logo após o 25 de Abril equipas do MFA se dirigiram a vários Ministérios, uma delas foi para o MCS. […] E essa equipa designou-se como Comissão da Cultura e Espectáculos. Abolimos a palavra popular. Não é inocente a abolição da palavra «popular». Logo necessariamente com aquela abolição, nós demonstrámos a nossa rejeição absoluta da política cultural fascista. Porque quando o fascismo falava em cultura popular, era com aquela mentalidade com que nós vamos ao jardim zoológico. Eram uns tipos que andavam aos saltinhos, que andavam nas cantorias e portanto era, havia uma cultura elitista e uma cultura popular. Nós rejeitamos inclusivamente isso. Achamos que a cultura é um suor do povo, é um trabalho e é dentro destes parâmetros que tem que ser equacionada em Portugal”164.

Na análise feita a diversos documentos é possível constatar que as campanhas tinham como objectivo dar às pessoas ferramentas que as possibilitassem a participar activamente no processo revolucionário. A sua visão cultural, promove, por isso, a ideia de um espectador (povo) emancipado, ou seja, aquele que é capaz de se erguer e lutar contra as forças reaccionárias na luta contra o fascismo. De acordo com Sónia Vespeira de Almeida, os responsáveis pela dinamização cultural procuram “transformar a função social da arte (…), ensaiando formas de comunicação que apelavam à participação dos espectadores”. Segundo esta premissa e a partir do denominador comum que era a descentralização cultural, as campanhas promoveram experiências que desaguam num ideal de Agit-Prop165.

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Livro Branco da 5.ª Divisão 1974-1975 (1984), Lisboa, Livraria Ler Editora, pp. 101-102.

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Agit-Prop é um acrónimo formado pela abreviatura de “agitação” e “propaganda” e refere-se ao

63 Tal como explicado ao longo desta dissertação, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA fizeram-se acompanhar de meios culturais – desde filmes, a grupos de teatro – que promovessem a ideia de um tempo de novas práticas culturais.

Em resumo, podemos afirmar que as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA tinham como grande objectivo cultural a emancipação do povo, enquanto espectador que aprende através das acções de intervenção. Podemos, por isso, situar a ideia cultural destas campanhas ao nível de um ideal brechtiano, onde se tentava entusiasmar o povo português a sair de suas casas e a constituir-se como agente activo e colectivo do processo revolucionário em curso. Neste ponto, é então esquecido o contraste entre a cultura popular e elitista para dar lugar a uma “cultura revolucionária”.

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CAPÍTULO V-AS CAMPANHAS DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL NO PANORAMA DAS POLÍTICAS

CULTURAIS