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1 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL EM DEFESA: PERSPECTIVAS TEÓRICAS

1.2 Visões teóricas para a cooperação internacional

O conceito de cooperação internacional é recente e embrionário, em particular na área de estudo das relações internacionais. Até meados da década de 1980, a cooperação internacional foi tema marginal nos estudos acadêmicos. Os primeiros esforços teóricos para explicar o fenômeno da cooperação internacional surgiram somente a partir dos anos 1970 e fundamentaram-se, sobretudo, na Teoria da Estabilidade Hegemônica32.

Autores realistas e neorrealistas permaneceram avaliando, na segunda metade do século XX, as motivações para a cooperação internacional. Para esses autores, o sistema internacional ainda deveria ser analisado por meio da ideia de estado de natureza hobbesiano, no qual a sobrevivência e a segurança estatal determinam as políticas externas e as cooperações. Para Hans Morgenthau, por exemplo, a ajuda externa é determinada pelo interesse do doador, o que implica a leitura de que a política exterior não seria definida pela moralidade e sim pelo interesse nacional.

Uma vez que a amoralidade marcaria a cooperação entre os Estados – estes agem em um mundo em que prevalece o jogo de soma zero, quando para um ganhar o outro tem de perder – a cooperação internacional estaria a serviço da manutenção do poder e crescimento, para os Estados patrocinadores conseguirem influência política, prestígio, vantagens geoestratégicas e intensificação do comércio, de modo a garantirem investimentos e trocas de apoios (por elites corruptas), por exemplo, em organismos internacionais. Dessa forma, as políticas de cooperação seriam inseparáveis das relações de poder, onde não haveria espaço para considerações éticas (AYLLÓN, 2007, p. 42).

Por detrás do discurso liberal de busca pela paz, ou do discurso realista de criação de mais uma ferramenta para a construção de um equilíbrio de poder, a cooperação pode ser

32 Formulada, no início da década de 1970, por Charles Kindleberger e Robert Gilpin, a tese tinha uma natureza claramente normativa, mas se apoiava numa leitura teórica e comparativa da história do sistema capitalista. Como sintetizou Gilpin: “A experiência histórica sugere que, na ausência de uma potência liberal dominante, a cooperação econômica internacional mostrou-se extremamente difícil de ser alcançada ou mantida” (FIORI, 2005). Em essência, a teoria explicava a ocorrência de cooperação internacional entre estados soberanos num sistema internacional anárquico como resultado da ação de hegemóns, países cujo destacado poder militar e econômico possibilitava-lhes garantir, em suas zonas de influência, e por meio do poder, arranjos cooperativos intergovernamentais.

entendida por meio da análise da complexificação do sistema internacional e da reformulação dos modelos de governamentalidade33.

Sobre a teoria da cooperação, Robert Keohane é tido como uma das principais referências. Na primeira metade dos anos 1980, expôs uma das mais importantes contribuições para as RI, onde apresentava o conjunto de ideias que conformava o institucionalismo liberal. Ademais, a obra After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy (1984) rompe com a teoria formula por Kindleberger.

Baseado na observação recorrente de sólidos arranjos cooperativos no sistema internacional, sobretudo em termos comerciais e econômicos, como o Acordo Geral de Tarifas de Comércio (GATT) e a União Europeia (UE), Keohane formula nova e influente teoria de cooperação internacional entre nações (international cooperation among nations), rompendo com a tradicional Teoria da Estabilidade Hegemônica. Em sua obra, o autor permite-se questionar que fator permitiria manter arranjos cooperativos em um mundo pós-hegemonia: “A cooperação não hegemônica é possível e facilitada por regimes internacionais” (KEOHANE, 1984, p. 50, apud IPEA, 2010). Do ponto de vista político, a existência de um hegemon pode facilitar a cooperação, mas essa condição, por si só, não se basta, não sendo, portanto, nem necessária nem suficiente para que a cooperação ocorra. Dessa forma, Keohane introduziu um novo argumento às discussões sobre estabilidade hegemônica (JATOBÁ, 2013).

Advém da obra de Keohane a definição de cooperação internacional amplamente consensual na academia (MILNER, 1992; 1997; O’NEILL, BALSIGER, VANDEVEER, 2004), entendida como “o ajuste de comportamentos de atores às preferências reais ou antecipadas de outros atores, por meio de um processo de coordenação política” (KEOHANE, 1984, pp. 51-52, apud IPEA, 2010). O termo é frequentemente associado à harmonia e à discórdia. Quando há prevalência da harmonia, a política dos atores, automaticamente, facilita o alcance de outras metas. Por outro lado, quando a discórdia predomina, não há condições de outras metas serem alcançadas e não se efetuam ajustes que poderão torná-los mais compatíveis (KEOHANE, 1984).

No plano conceitual, Keohane diferencia a harmonia de interesses da cooperação internacional: enquanto a primeira é fruto de uma situação coletiva de interesses políticos comuns, sem necessitar de ajustes ou adequações de preferências, a segunda é definida como um processo de intensa negociação política. A cooperação intergovernamental ocorre, portanto,

33 É um conceito inventado pelo filósofo Michel Foucault (1926-1984) para analisar, genealogicamente, como ocorreram os processos históricos que transformaram a questão política da soberania real em governo estatal na modernidade.

quando as políticas dos demais atores, concebidas como ajustes necessários à redução dos impactos negativos, poderiam ocorrer na ausência de coordenação de posicionamentos.

A teoria institucionalista nasce influenciada pelos debates gerados por Kenneth Waltz, no livro Theory of International Politics (1979), e pela crescente discussão em torno dos regimes internacionais34, cujo objetivo é identificar as condições para a existência de

cooperação na anarquia internacional, por meio de padrões de cooperação ou de discórdia, na economia mundial. O autor sustenta que a cooperação é possível nesse ambiente, mesmo entre atores racionais e egoístas, embora com limitações e constrangimentos causados pela soberania e pela desconfiança. Em razão da existência de instituições internacionais, os Estados podem modificar seus comportamentos e, por consequência, viabilizar e facilitar a ocorrência da cooperação. Por conseguinte, é possível afirmar que a principal meta a ser obtida em um regime internacional é a cooperação.

Para Hasenclever, Mayer e Rittberger35 os regimes são instituições de caráter não

hierárquico em torno das quais as expectativas dos atores convergem; são deliberadamente construídos pelos atores com o propósito de mitigarem o caráter de autoajuda das relações internacionais, ao demonstrar aos Estados a possibilidade de obterem ganhos conjuntos por meio da cooperação. Para os autores, as teorias de regimes podem estar baseadas sob três perspectivas: no poder, no interesse e no conhecimento ou comportamento. Tais perspectivas originam três escolas de pensamento: a realista, a neoliberal e a cognitiva, cuja maior diferença é o grau de institucionalismo que elas tendem a considerar, ou seja, a visão do quanto as instituições são importantes para a formação dos regimes (TORQUATO; SILVA FILHO, 2010).

Primordial para o sucesso do comportamento cooperativo é a crença da reciprocidade da cooperação. Na sua ausência, nenhum participante tende a se comportar da forma pretendida. Assim, a questão central é a do grau em que as recompensas mútuas, que resultam da cooperação, podem superar a concepção de interesse baseada na ação unilateral e na competição.

Ademais, cooperação não garante que o conflito esteja ausente da relação, podendo ser consequência – ou ter sido gerada – em razão da existência dele, bem como ter sido parte do esforço para evitar a ocorrência futura de outros novos. O conceito de regime internacional

34 Conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisões em torno dos quais convergem as expectativas dos atores em uma área específica das relações internacionais (KRASNER, 1983).

35 Theories of International Regimes, 1997. Ver em <http://graduateinstitute.ch/webdav/site/political_science/ users/elena.gadjanova/public/Theories%20of%20international%20regimes0001.pdf>.

realça a capacidade para descrever e considerar padrões de cooperação e compreender a base em que a discórdia se assenta. Esta análise leva Keohane a encarar os regimes internacionais como reflexos dos padrões de cooperação e discórdia verificados ao longo de um período de tempo (DOUGHERTY; PFALTZGRAFF, 2003; KEOHANE, 1988).

A escola realista observa o modo como os Estados usam suas capacidades de poder em situações que requerem coordenação para influenciar a natureza dos regimes e o modo pelos quais os custos e benefícios advindos da formação dos regimes são divididos. Nessa lógica, os Estados aceitam os regimes porque eles estão operando em uma situação de coordenação, e uma falha nessa coordenação pode levá-los a uma situação menos vantajosa. Modificações só ocorrem, portanto, quando o comportamento e os resultados alcançados por seus membros tornam-se inconsistentes com as normas, princípios e regras estabelecidas pelos mesmos, abrindo caminho para alterações nas regras e procedimentos ou nas normas e princípios (TORQUATO; SILVA FILHO, 2010).

Segundo os realistas, a distribuição de poder entre os atores afeta sobremaneira o formato para a emergência e persistência de regimes efetivos, bem como sua natureza resultante, especialmente quando se trata da distribuição dos benefícios da cooperação.

Os neoliberais, por sua vez, enfatizam o papel dos regimes internacionais em ajudar os Estados a realizarem interesses comuns, de forma que funcionem como via para facilitar a cooperação internacional. Para eles, as instituições permitem que os atores racionais contribuam uns com os outros, pois os regimes aumentam a transparência das relações entre os variados agentes internacionais, permitindo que se reduza tanto a incerteza nessa interação como o medo de trapaça e a possibilidade de exploração dos demais participantes (HASENCLEVER; MAYER; RITTBERGER apud TORQUATO; SILVA FILHO, 2013, p. 14).

À medida que os Estados foram identificando a necessidade de aperfeiçoar o nível de interlocução sobre uma variedade de assuntos diversos, optaram pela institucionalização das relações multilaterais. Pari passu, foram aumentando seu grau de aceitação das regras, o reconhecimento do outro e a convivência entre diferentes tipos de Estados. Essa “democratização” do espaço internacional, portanto, foi sendo criada a partir da definição de um novo lócus de poder e influência (ARRAES; GHERE, 2013).

Molduras permanentes de consulta e de decisão, as organizações internacionais podem perecer diante de crises graves. O caso mais emblemático foi o da Liga das Nações, que acabou sucumbindo frente à não adesão de grandes nações – em especial, dos EUA – e pela incapacidade de gerenciar a ordem internacional em face da manutenção da ocorrência de conflitos e disputas interestatais.

Toda organização internacional está alicerçada sob três pilares fundamentais: missão, objetivos e estrutura. A missão é explicitada no tratado constitutivo da organização; os objetivos balizam o conjunto de ações que identificará a atuação da organização, especificando o que foi, genericamente, apresentado na missão; a estrutura diz respeito à sede onde é abrigada o corpo burocrático da organização. Vale ressaltar que as organizações internacionais assumem diferentes papéis, dependendo da perspectiva teórica adotada. Para os realistas, personificam a visão dos mais fortes em momentos posteriores a crises e conflitos. Podem ser definidas como uma coleção passiva de regras e estruturas por meio das quais outros Estados agem. Sob essa ótica, funcionam como um instrumento político das grandes potências.

Para os idealistas, as organizações são instrumentos fundamentais para a paz, conformadoras de um “governo mundial” e, por conseguinte, mitigadoras da anarquia presente no ambiente internacional e potencializadoras da cooperação e da coordenação de políticas nas relações internacionais. Para os construtivistas, são ativos participantes da política mundial, interferindo na sua dinâmica, ao agirem em face do gerenciamento dos problemas já existentes e ao definirem novas categorias destes, visando soluções à sua gestão. Criam normas, interesses, agentes e tarefas sociais, constituindo-se em agentes da mudança global (ARRAES; GHERE, 2013, p. 69-70).

Hasenclever, Mayer e Rittberger ponderaram que a diferença entre regimes e organizações internacionais está no fato de que os regimes, como um conjunto de regras e normas aceitas pelos Estados, não têm a capacidade de agir, enquanto as organizações podem responder a eventos e até mesmo dar o suporte institucional a um regime (TORQUATO; SILVA FILHO, 2013, p. 13).