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Visibilidade da infração cometida como fator de arrependimento

6 DISCUSSÃO

6.2 JUVENTUDE E PERSPECTIVA DE FUTURO

6.3.3 Visibilidade da infração cometida como fator de arrependimento

A parcela da população excluída, segundo Abramovay (1999) não encontra motivos para o exercício de solidariedade com os demais grupos, visto que estes também não se mostram solidários. De acordo com a autora, é possível que o próprio ambiente da exclusão social contribua para limitação da percepção do ambiente como um todo, para além de seu microespaço.

Dessa forma, somado à desconfiança institucional, a fragilidade de um ambiente solidário estimula, as transgressões de normas instituídas e favorece a formação de guetos restritos onde possam circular e estabelecer formas outras de convivência “fora da lei”, servindo, ainda assim, como alternativa à construção de uma nova identidade e pertencimento.

Apesar do sentimento de descrença generalizada assinalado pelos participantes do estudo a respeito das instituições sociais, a família, representado pela figura da mãe, ainda aparece como uma figura responsável pela vinculação mais efetiva por parte dos jovens com as regras sociais. Neste sentido, é importante considerar que o suposto arrependimento apresentado pelos jovens diz respeito ao momento em que tornou-se conhecido por todos a infração que cometeram, inclusive pelas suas mães, suas figuras de referência.

O jovem João explica que a relação com seus pais sofreu os impactos do cometimento da infração “qualquer coisa eles ficam falando agora...ficam reclamando. O cara fala alguma

coisa, mas não acreditam não, pensam que o cara tá mentindo, chega dá vontade de mentir mesmo”. Relata que a relação de confiança que se estabelecera foi abalada e de como essa

situação tem gerado estresse na dinâmica familiar.

Já o participante Fernandinho, conta que a relação de confiança com seus pais manteve-se preservada, no entanto, outras pessoas não sabem o que aconteceu, apenas sua família nuclear (pais e irmã) “o que aconteceu, ninguém sabe [...] eu não fico comentando o

que aconteceu não”. O jovem acredita que seus pares lhe tratariam de maneira diferenciada,

especialmente no espaço da escola, caso soubessem deste evento “eu acho que ia tratar

diferente, mas eles não falam nada não, sei lá...eu prefiro não dizer”.

O participante ainda refere um sentimento de arrependimento no tocante a realização da infração, após a situação de flagrante “tive medo, faço isso mais nada [...] quando eu me

soltei eu já parei de fazer tudo que eu fazia, esses negócios, eu parei tudo”. É interessante

observar que este, como outros participantes, referiu práticas anteriores de atos infracionais, no entanto, o fato de terem sido descobertos e da necessidade de retratamento, público com o cumprimento da medida socioeducativa, salienta o sentimento de arrependimento pelo acontecido.

O participante Hebert refere mudanças na relação com seus amigos após ter sido pego pela polícia, percebe que muitas pessoas se afastaram durante o período em que esteve em privação de liberdade – antes de chegar ao CREAS onde hoje cumpre medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – queixando-se de ter sido esquecido “quando eu

entrei na cadeia eu vi quem era quem”. Complementa fazendo uma avaliação desta trajetória

“cadeia é a mesma coisa que estar morto, ninguém liga, ninguém vê, ninguém sabe, ninguém

lembra, ninguém conversa, ninguém liga...ninguém dá nada, não dá abraço, não diz “oi, to com saudades”, só sofrimento”.

Julia conta que esta foi a primeira ocasião em que cometeu um ato infracional “foi a

chegar e fazer isso, de devolver [o objeto roubado]”. A queixa dessa participante se situa no

sentimento de injustiça quanto à sua questão. Apesar de ter devolvido o objeto furtado, não foi recompensada, isto é, não teve sua sanção amenizada e isso lhe gera uma revolta generalizada “eu poderia ter ido embora e ter ficado com o telefone pra mim e hoje eu não tava aqui”.

Nesse trecho, pode-se identificar que o arrependimento pela ação tomada está na visibilidade da infração e com o desfecho desfavorável da história. O participante Jairo também observa mudanças na sua forma de pensar e agir quando “eu cai lá dentro, eu aprendi

muita coisa né? E não quero mais isso pra minha vida”.

Este tópico de discussão foi pensado a partir da análise das falas dos jovens entrevistados, observando que quando evocavam o sentimento de arrependimento relacionam à visibilidade que o ato infracional ganhou quando precisaram ser submetidos ao cumprimento da medida socioeducativa e não a uma leitura crítica da ação praticada. Neste sentido, podemos supor que a exposição pública do acontecido tem grande influência sobre a avaliação que fazem atualmente, considerando o fato de terem cometido infrações anteriores e, apesar disso, não ter sido suficiente para levá-los a tal reflexão.

Nessa perspectiva, a ponderação que fazem, de maneira negativa, diz respeito à medida socioeducativa e não ao ato, conforme sinalizado por Júlia, quanto às vantagens e desvantagens desta, afirma “isso já atrapalhou em muitos aspectos, aí hoje não faz diferença

pra mim mais não”. Isto é, o prejuízo não está em infringir, mas sim, em ter sido pego.

Por fim, foi possível perceber nas falas de alguns participantes que há uma compreensão acerca da função da medida socioeducativa em termos de punição e não como uma medida ressocializantes e pedagógica, bem como da competência do serviço do CREAS. Quando questionada a respeito da prestação de serviço ao qual estava vinculada, a participante Júlia relata “a gente tá trabalhando de graça! Porque os dias que estão vagos

não colocam a gente pra trabalhar, pra receber, ganhar algum dinheiro...”. A mesma

participante ainda avalia que o cumprimento da medida socioeducativa prejudica mais do que contribui na sua vida “eu poderia estar no trabalho, né? porque tem muitos aí, fixo, que

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