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Capítulo II O patrimônio baiano em disputa

2.5 A visita de Médici a Bahia e o apoio às lideranças conservadoras arenistas

Filho e dos militares que reconheciam sua contribuição para o golpe civil-militar de 1964. Já Luis Viana Filho, após ter assumido o cargo de Chefe da Casa Civil do governo Castelo Branco (1964-1967), foi indicado pelo mesmo presidente militar em 1967 como o primeiro governador biônico da Bahia. O apoio dos presidentes e de militares do alto escalão aos dois políticos baianos foi explícito durante a ditadura, sobretudo a Antonio Carlos, que diferentemente de Luiz Viana Filho não teceu crítica ao regime no seu decorrer240. O prestígio que as lideranças baianas lograram junto ao regime teve um papel determinante no desenvolvimento do estado nas décadas de 1960

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Referimos-nos ao slogan anteriormente mencionado “A Bahia constrói o seu futuro sem destruir seu passado”, publicado na cartilha de mesmo nome.

240 Segundo Dias (2016), apesar do apoio ao regime instaurado com o golpe civil-militar em 1964, Luis

Viana Filho “criticava o bipartidarismo, o tecnicismo militar e discursava em favor da abertura política – quando as crises eram profundas”. (DIAS, 2016, p 61).

e 1970, tendo Antonio Carlos Magalhães (ACM) aproveitado desse momento para consolidar o carlismo como principal força política da Bahia (DIAS, 2016).

Antes de prosseguirmos na discussão, é importante destacar que a Sudene teve papel central nesse processo de industrialização do parque baiano. Segundo Milene Ribas da Costa, a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

(Sudene) ocorreu no governo Juscelino Kubitschek de 15 de dezembro de 1959. Na época, de acordo com a autora, “o documento, que pressupunha a criação de uma nova instituição, apontava as limitações e fragilidades da política federal usual para o Nordeste, assim como o efeito regional perverso de políticas de incentivo industrial voltadas à região Sudeste”. Acreditava-se, assim, que “por meio de uma nova instituição, comprometida com essas variáveis, seria possível superar o processo cumulativo negativo e vicioso que imperava no Nordeste” (COSTA, 2016, p. 66).

Tendo como principal mentor o intelectual paraibano Celso Monteiro Furtado, a Sudene, nas palavras de Ribas, “não objetivava apenas a modernização econômica, mas também a modernização política da Região” (COSTA , 2016, p. 69) e por este motivo seu projeto sofreu grande resistência das elites nordestinas, especialmente “nas forças políticas nordestinas presentes no Congresso”. Se nos primeiros anos “a SUDENE conseguira trazer uma nova mentalidade para a região e gozava de boa imagem, como agência séria e eficiente, diante da Presidência, agora de João Goulart, e da opinião pública, de modo geral – a despeito do desagrado de forças nordestinas tradicionais” (Ibidem, p. 75), com o golpe civil-militar de 1964, ela é afetada “de imediato”. Poucos dias de consumado, o golpe retirou Furtado da Superintendência, cassou seus direitos políticos e colocou em seu lugar um militar. Com efeito:

Se, durante a vigência do regime democrático, a instituição da SUDENE recebeu críticas de alguns dos opositores à sua aprovação, na medida em que fortalecia o poder do Governo Central na Região, com o Golpe, e, sobretudo a partir de 1966 com o AI-3, quando os Executivos estaduais passam a ser indicados pelo Governo Central e referendados pelas Assembléias Legislativas estaduais, o poder do Governo Central torna-se supremo, a despeito das formalidades federativas mantidas durante o regime militar. (...) Já não havia mais ambiente para debates e críticas, que seguramente viriam novamente, ainda que de outro lado. A SUDENE torna-se correia de transmissão

dos interesses do Governo Militar – governo sustentado por aquelas mesmas forças que ampararam o Golpe – não havendo mais mecanismos, portanto, de sintonia entre representantes estaduais e o povo. O órgão perde, portanto, seu caráter autônomo democrático de debater e planejar soluções às questões que afetavam as dimensões sociais e econômicas da Região, tornando-se executor de decisões tomadas fora dela, embora sintonizadas com interesses econômicos, agora nacionais (COSTA, 2016, p. 93-94).

No campo, segundo Ribas, além da perseguição aos movimentos camponeses, houve um redirecionamento dos investimentos e, ao invés do que estava proposto na época da gestão de Celso Furtado, o regime seguiu “a mesma organização perversa daquela já existente na região, com concentração de terra e produção monocultora voltada ao mercado externo (...) era o padrão conservador militar de expandir a fronteira agrícola sem reforma agrária, sem a inclusão dos nordestinos do Semiárido” (COSTA , 2016, p. 94-95, Apud Araujo, 1997). Em suma, ocorre no regime ditatorial o “aprisionamento da SUDENE pelas classes dominantes nacionais” (Ibidem , 2016, p. 95). Com relação à industrialização do Nordeste, as ações dos governos militares não se apresentam diferentes daquelas adotadas para a industrialização da região, uma vez que “o Nordeste engrena e passa a seguir a dinâmica econômico-nacional, por outro, o quadro de misérias permanece inalterado” (Ibidem, 2016, p. 95). Nesse sentido, mesmo aumentando significadamente o número de parques indústrias no período do regime com o sistema 34/18, “o crescimento industrial pelo qual passou o Nordeste, seguindo agora de perto a dinâmica nacional, fez-se à custa de intensa concentração de renda em âmbito nacional” (Ibidem, 2016, p. 98).

De todo modo, se esse modelo de investimento não beneficiou a melhoria de vida dos nordestinos em geral, certamente beneficiou os políticos que estavam no poder, pois o grande investimento na região estava em perfeita harmonia com as pretensões das principais lideranças conservadoras baianas, com destaque para Luis Viana Filho e Antonio Carlos Magalhães. Nesse sentido, foi no governo de Luiz Viana Filho que teve início o processo de industrialização no estado, consolidando-se enquanto importante parque industrial com o seu sucessor: Antonio Carlos Magalhães. Não é difícil de imaginar como a abertura desses parques industriais foi amplamente utilizada por esses para aumentar seus respectivos capitais políticos.

Nesses anos, a Bahia assistiu a um grande crescimento econômico durante a ditadura civil-militar brasileira, com médias acima da nacional. Os baianos testemunharam a criação do Centro Industrial de Aratú (CIA), já nos primeiros anos do regime, do Porto de Aratú e do Polo Petroquímico de Camaçari, na segunda metade da década de 1970. Diante da abertura de um número expressivo de indústrias, a Bahia apresentou uma taxa de crescimento superior à média nacional. Todavia, não foi somente na capital e Recôncavo que se beneficiava da política de desconcentração industrial e desenvolvimento regional dos militares, pois foram empreendidos grandes projetos pelo interior do estado, dentre os quais vale destacar: a interiorização dos centros industriais, criados nas principais cidades do interior baiano (SPINOLA, 2001); as hidrelétricas na região do Rio São Francisco e o Porto de Ilhéus no sul do estado; a construção de rodovias, ferrovias que interligavam a Bahia a distantes estados da federação.

Os jornais da Bahia e alguns de circulação nacional evidenciam que no início da década de 1970 emerge uma reivindicação das elites políticas baianas para a criação do Polo Petroquímico, que seria instalado anos mais tarde em Camaçari, região metropolitana de Salvador (Jornal A Tarde, Tribuna da Bahia, O Globo, 1970). Nessa perspectiva, para Dias, no que toca ao projeto de desenvolvimento industrial, a elite política baiana esteve todo o tempo em sincronia com os militares. Entretanto, um ator político se harmonizou como nenhum outro: Antonio Carlos Magalhães. Neste ínterim:

Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro investia no desenvolvimento industrializado e na urbanização de áreas despovoadas, o carlismo se fortalecia como bloco empreendedor da oligarquia-burguesa do país. Se forem considerados os dados sobre a industrialização e a urbanização nas décadas de 1960 e 1970, quando a influência do carlismo na Bahia já era notada e crescia vertiginosamente, é possível perceber a sincronia desse grupo político com o modelo econômico vigente. (...) Antônio Carlos Magalhães foi exemplo de sintonia e sincronia com o pensamento conservador e o planejamento das metas em todos os governos da ditadura. O carlismo condensou em si os temas centrais que deram suporte ideológico àquela autocracia e, para garantir a integração na Bahia, foi aparando as arestas internas durante as mudanças, porventura ocorridas, eleições proporcionais ou nas sucessões presidenciais (DIAS, 2016, p. 64 e 69).

É nesse cenário que ACM é indicado ao governo do estado, para substituir Luiz Viana Filho. Deste modo, Antonio Carlos deixa o cargo de prefeito condecorado como o prefeito do século e se fortalece como liderança da recém-fundada ARENA (DANTAS NETO, 2006). Ao mesmo tempo, Antonio Carlos se consolida como político de grande prestígio junto ao alto escalão militar, uma das razões que o leva a ser indicado para o cargo mais disputado no estado pelo presidente militar Emilio Garrastazu Médici: governador (DIAS, 2016). É nesse momento que ocorre a primeira viagem de Médici a Bahia, enquanto líder nacional, contando com a presença de Antonio Carlos na comitiva presidencial. A passagem de Médici pela Bahia se mostra como uma importante fonte para analisar o otimismo propagado pelo regime e a atenção especial dos militares ao estado, inclusive a suas narrativas regionalistas.

Em 22 de maio de 1970, quando o crescimento da economia baiana passa a se consolidar, ocorreu a tão esperada visita do presidente militar Emilio Garrastazu Médici à Bahia241. A viagem mostra-se sintomática da relação de sua elite política conservadora com o regime, revelando o grande prestígio e atenção que a Bahia recebeu dos militares. Segundo os jornais da época, a visita era aguardada com grande entusiasmo pelos baianos, pois se tratava de sua primeira passagem pelo estado. Os periódicos anunciavam há meses a expectativa e preparação com o evento, que teria como principal motivo a inauguração de duas grandes avenidas recém-construídas na capital baiana. As vias receberiam os nomes dos antecessores de Médici, a Avenida Presidente Costa e Silva e Avenida Presidente Castelo Branco, era uma homenagem do prefeito de Salvador e futuro governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, aos ex-presidentes militares.

O jornal O Globo publicou a notícia da visita do presidente Médici em Salvador, com o título: “Presidente Médici aclamado nas ruas pelo povo baiano”. Na publicação anunciaram que o presidente desembarcou em Salvador às 10 horas, em companhia de D. Scylla, “que realizava um sonho de conhecer a Bahia”. Além da primeira dama, estavam na comitiva que saiu de Brasília “os chefes dos Gabinetes civil

241 Os jornais baianos anunciavam há meses a possível visita do presidente militar à Bahia (Jornal A

e Militar e do SNI, o futuro governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, e o deputado Rui Santos”. Em sua chegada, diversas autoridades baianas esperavam Médici e sua comitiva no Aeroporto Dois de Julho, dentre os quais o governador Luis Viana Filho, o vice-governador Jutaí Magalhães, o ex-ministro Carlos Simas, o Presidente do Tribunal de Justiça, e de toda a bancada da ARENA, “ao todo, umas 100 personalidades cumprimentaram o presidente no Aeroporto” 242.

É nítido o otimismo243 nas publicações dos jornais O Globo, A Tarde e Diário de Notícias com a Bahia em anos do regime. O crescimento econômico e a rápida industrialização que sofreu o estado estavam no cerne desse otimismo. Eventos como a instalação do Centro Industrial de Aratu, a construção do Porto de mesmo nome e a futura criação do Polo Petroquímico de Camaçari passam a ser motivos de orgulho dos baianos e gratidão aos governos militares. Esse otimismo vivido em mais de uma década leva a elite política conservadora da Bahia – que estava no poder desde o golpe civil-militar de 1964 – a projetar o estado como uma das principais economias da federação. A Bahia se tornava uma referência para os estados brasileiros, por em poucos anos ter crescido em uma média maior que a nacional e por consolidar em menos de uma década como um dos maiores parques industriais do Brasil. Nessa perspectiva, corroboramos com a leitura de José Dias, ao afirmar que:

A vocação brasileira para o progresso se constituiu num slogan da ditadura, e o convencimento disso pela sociedade pareceu inevitável naquelas circunstâncias. Essa motivação contagiada de confiança nas potencialidades do povo e do território brasileiro permeou a classe dirigente brasileira e difundiu-se, também, na Bahia. Sendo, também, uma região onde o sentimento de pertencimento tinha uma significação importante, não foi difícil associar o ufanismo da baianidade com o sentimento de brasilidade. Na Bahia, esse sentimento se regionalizou sem perder sua referência global, pois, ao mesmo tempo em que a baianidade se orgulhava das tradições culturais mais específicas, buscava a integração (do) país (DIAS, 2016, p. 68).

242

O Globo, 22 de maio de 1970, p. 5.

243 Utilizamos o conceito de otimismo de Carlos Fico (1997), que revela que o regime nos anos do

“milagre econômico” difundiu o otimismo na sociedade marcado por uma perspectiva com o futuro do Brasil. O país caminhava para se tornar uma grande nação.

O discurso de Médici na Bahia é sintomático dos discursos nacionalistas e cívico-patrióticos difundidos pelos militares durante a ditadura civil-militar brasileira (MAIA, 2013; CORDEIRO, 2012). Juntamente com a propagação do ideário cívico- patriótico, o regime celebrava eventos que estavam ligados à história tradicional da nação. Nessa esteira, as comemorações do sesquicentenário da independência e a abertura dos portos mobilizaram as celebrações promovidas pelos militares, que teve seu auge nos anos do milagre econômico.

Para Cordeiro, os militares trataram de “recuperar uma determinada visão da história nacional, (...) da qual os intelectuais do regime no Conselho Federal de Cultura (CFC) ou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) foram importantes divulgadores”. A historiadora ressalva ainda que essa visão de história era “baseada na valorização dos grandes vultos nacionais; uma concepção de tempo linear, que unia passado, presente e futuro, de forma que o progresso aparecia como o destino manifesto da Nação; na exaltação de uma história-Pátria que cultivava a ideia do povo brasileiro como ordeiro e avesso a conflitos” (CORDEIRO, 2012, p. 89).

A história exaltada pelo presidente Médici na Bahia segue essa concepção apresentada por Cordeiro (2012). Seu discurso, pronunciado do Palácio Rio Branco, é revelador também do prestígio que o estado apresentou nesses anos, quando se torna uma das vitrines244 do regime e do milagre econômico vivido na primeira década de governo militar. Em sua fala, o presidente Médici reconhece que sua visita à Bahia o levava ao passado, aos quatro séculos de história, recorrendo inclusive ao principal evento cívico dos baianos: O Dois de Julho. Além disso, para ele, o estado representava o passado da nação, pois buscar a Bahia era descobrir o próprio Brasil. Médici encontra no estado um símbolo do otimismo, que aguardava com esperança o futuro da nação, uma vez que a Bahia, assim como todo o Brasil, esperava o grande amanhã. Aquelas grandes avenidas que tinha vindo inaugurar são usadas pelo presidente militar como metáfora para o caminho que estava sendo aberto para o futuro da Bahia e do país. Médici inaugurava os caminhos para a grande nação que se tornaria o Brasil.

244 Janaína Cordeiro em sua tese se refere à Bahia como uma vitrine do regime (CORDEIRO, 2012. p.

"Senhores”: Quero fazer, primeiro, a minha confidencia. Quero que saibam que não vim trazer. Deixem que, do balcão da História, na praça do povo, eu lhes diga que vim buscar. Eu vim buscar a Bahia. Eu vim ter à praça. Eu vim ver História. Vim ver o espírito do povo e a carne da terra. Eu vim ver a Bahia de todos os séculos, de todas as raças, de todos os credos. Vim ver a Bahia de sempre se entreabrindo ao amanhã. E, se nem ao menos esperei o Dois de Julho para vir aqui Presidente, é que o destino nunca antes me trouxera à Bahia. E se antecipei este encontro, que a vida até aqui me proibira, se me predispus a atravessar estes espaços e estes tempos de quatro séculos, que medeiam as duas capitais pioneiras, é que entendo que buscar a Bahia ê encontrar o Brasil — nas suas origens, na sua altivez, nos seus talentos, na sua vocação de liberdade, nas avenidas de seu futuro 245.

Médici, ao reconhecer o passado da Bahia, recorria aos nomes mais emblemáticos da política baiana, como Rui Barbosa e Otávio Mangabeira, assim como a símbolos da história da Bahia, como o Palácio dos Governadores, o Bonfim e os Fortes militares construídos pelos portugueses nos primeiros séculos de colonização. A velha Bahia era rememorada pelo presidente militar, juntamente com os seus filhos e monumentos mais ilustres. O general rememorava a velha Bahia para logo em seguida confrontá-la com a nova Bahia, a Bahia que a revolução de março fez surgir, a Bahia do regime, a Bahia industrial, a Bahia que erguia grandes obras, a Bahia do futuro, a Bahia que era grata aos militares. Médici apresenta-se como a continuidade, com aquele que levaria à frente os grandes feitos dos seus antecessores no estado, para seguir entregando ao povo baiano as diversas obras concretizadas pela revolução.

Quis, primeiro, falar ao coração do povo, do coração da Bahia velha. Deste balcão, onde ecoaram as vozes maiores da Bahia, deste balcão de Rui Barbosa e Mangabeira, deste palácio do primeiro Rio Branco, deste velho Palácio dos Governadores, vendo os olhos do Bonfim e a armadura dos Fortes que a defenderam sempre, quero falar à alma nova que sobe cada ladeira velha da Bahia. Irei depois conhecer a Bahia nova, que a Revolução de março fez nascer. Irei percorrer as duas grandes veias, a que a gente generosa desta terra chamou Castello Branco e Costa e Silva, para agradecer o sangue vivo que o grande coração daqueles estadistas trouxe ao corpo desta terra. E ao

245Discurso do Presidente Emílio Garrastazu Médici, Salvador, 22/05/1970

(Viana Filho, 1984, p. 117) Trechos extraídos da publicação: Viana Filho, Luiz. Petroquímica e industrialização da Bahia, 1967- 1971. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1984, 154 p.

entregar oficialmente ao povo as obras que ao povo já pertencem, ao descobrir os monumentos de meus antecessores, estarei renovando minha determinação, estarei encontrando novas inspirações, para bem cumprir a missão que a vida me confiou 246.

É interessante notar que, para Médici, a Bahia representava uma síntese do Brasil. Em vários aspectos seu discurso aproxima a realidade baiana com a brasileira, seja entre o urbano e rural, o trabalhador do campo ao operário, das ciências à indústria. O mar, o sertão, o recôncavo, a Baía de todos os Santos são tomados como símbolos do estado e do Brasil. Aliás, Médici vai além, equiparando o passado e o presente brasileiro ao baiano. Ali, em terras baianas, estava a síntese do passado nacional e o país do presente, que assistia ao crescimento econômico, que tinha pressa em crescer. Essa pressa, todavia, era acompanhada do culto ao passado. Surge aqui sua primeira, mas não única, referência à preservação dos legados do passado quando afirma que a Bahia era “a inspiração de várias sínteses de Brasil (...) a síntese entre a colônia quinhentista e a altivez emancipada que juntos estamos construindo”. A história da Bahia se confunde à do Brasil, pois para o presidente-general ali naquelas terras surgiram os principais ciclos econômicos do passado, como o pau-brasil, açúcar, mineração, pecuária. O passado da Bahia, em suas palavras, conectava-se com a Bahia da “industrialização” e da “petroquímica” 247

.

Em outro momento, Médici retoma o discurso nacionalista, o ideário cívico- patriótico, quando lembra os grandes eventos históricos do Brasil que ocorreram em terras baianas. Em sintonia com o estudo de Janaína Cordeiro (2012, p. 18), podemos dizer que o regime adotou um discurso nacionalista que se integrava com os heróis, festas cívicas e batalhas nacionalistas de regiões periféricas brasileiras, como o caso do Pará e da Bahia248. Segundo Cordeiro (2012), quando se aproximava a comemoração do

246Discurso do Presidente Emílio Garrastazu Médici, Salvador, 22 de maio de 1970 (Viana Filho,

1984, p. 117) Trechos extraídos da publicação: Viana Filho, Luiz. Petroquímica e industrialização da Bahia, 1967-1971. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1984, 154 p.

247 Todos os trechos citados diretamente ou indiretamente foram retirados do discurso do Presidente

Emílio Garrastazu Médici, O Globo, Salvador, 22/05/1970. Jornal O Globo, 22 de maio de 1970, página 5.

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Janaina Cordeiro se refere a esses eventos como regionais, contudo, observamos que no meio intelectual da Bahia os eventos como o Dois de Julho e a batalha da independência no estado é a data que melhor define o momento de ruptura com Portugal. Desde o início do século XX, segundo Sousa (2005), o IGHB defende a expulsão dos portugueses da Bahia como o principal evento da autonomia política nacional. Portanto, em vez de regionalista, entendemos essas comemorações e narrativas como

sesquicentenário da independência, no ano de 1972, diversos heróis e batalhas regionais foram rememoradas, a exemplo do Dois de Julho e Joana Angélica na Bahia. Dias (2016) contribui com esta visão, quando revela que “o marco da independência na Bahia

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