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Os skinheads não desfilavam na praça como ocorria com jovens alinhados com outros estilos. Por isso, alguns duvidavam da existência deles. “Skinheads no Nordeste do Brasil?”, questionavam alguns com um tom de ironia. Considerando o estereótipo do skinhead, como perseguidor de negros, mestiços e migrantes nordestinos, a ironia estava fundada no fato de que as minorias rechaçadas pelo movimento aqui são maioria.

Os primeiros skinheads se organizaram na Inglaterra na década de 1960 como uma reação da juventude da classe operária inglesa, numa situação de crise econômica e desemprego, à inserção de minorias éticas em postos de trabalho com remuneração inferior ao determinado pelos sindicatos. No Brasil, as primeiras manifestações do movimento skinhead foram reconhecidas, em 1970, em produtos como revistas, jornais e discos.

França (2010) relata a constituição do movimento skinhead brasileiro e suas dissidências a partir de São Paulo, inicialmente numa associação com uma facção de punks conhecida como punks do subúrbio. O encontro deu origem a um grupo denominado “carecas do subúrbio”. Eles inspiravam a agressividade corporal e a busca de um certo nacionalismo. Na década de 1980, esse grupo foi dividido, considerando a afirmação de valores distintos, como posturas nacionalistas, extremistas e neonazistas.

Uma das subdivisões, denominada Carecas do Brasil, é conhecida por rejeitar ideais neonazistas e racistas, ao contrário do grupo Poder Branco paulista, que faz uso da suástica e assume posturas preconceituosas contra negros e nordestinos migrantes. Segundo estudo de França (2010), os Carecas do Brasil ressignificaram as ideias dos skinheads ingleses aceitando negros e mestiços em seus grupos, afirmando sua identidade na luta pela construção de um país melhor para todos. Isso não anula a possibilidade de deflagração de ações violentas que não se enquadram em padrões de personalidade aceitos, como gays.

A fama de grupos alinhados com o estilo skinhead estava sempre presente, atuando no jogo de forças que organizava e dava sentido ao que era estar na praça Portugal. Muitos dos meus interlocutores tinham histórias para contar de encontros com jovens conhecidos como “carecas”. Bolinho de Arroz disse-me que por duas vezes precisou “sair correndo” da praça para refugiar-se no Shopping Aldeota, por ter sido avisada de que havia “carecas” na área determinados a bater em emos e headbangers. Satã também relatou reações a ameaças de

skinheads na praça.

Esses relatos estavam também na comunidade Praça Portugal no orkut. No tópico “Pêa muinta”, os membros da comunidade on-line contavam que um grupo “resolveu ir lá e quebrar todo mundo”: “bateram em emos, viados, metaleiros, estraterrestres, bêbados,

drogados, até nas plantas bateram....”. Reproduziram no tópico a fala dos agressores: “EI, C TA BEBENDO AQUI??!! NÃO PODE SEU MERDA!”.

A experiência do sentido de liberdade do lugar praça Portugal para os skinheads se dava com o repúdio ao desafio de normas estabelecidas socialmente: fosse a expressão homoafetiva, o consumo de bebida alcoólica ou substâncias ilícitas. De acordo com relatos que mencionam suas ações na praça, eles agiriam de forma violenta com a apresentação de argumentos a favor de uma moral conservadora.

Afirmando a existência e a atuação de skinheads em Fortaleza, havia um perfil atuante na comunidade Praça Portugal sob o pseudônimo de Skin, que falava em nome de um grupo filiado aos Carecas do Brasil. A foto apresentava uma imagem de dois homens de braços muito fortes, cruzados, numa postura ameaçadora, com uma tarja nos olhos para não serem identificados. O perfil interagia em tópicos que comentavam visitas de “carecas” à Praça. Num deles, Skin avisa:

[...] aqui em fortaleza so existe uma banca de Carecas Do Brasil-skinheads. estamos atraz desse falsos skinhead que andam dando uma imagem errada da gente. nao somos a favor de vcs,mais nao estamos nessa de sair tretando. so tretamos se for preciso. a nossa banca é desde 1989.

Em postagens, Skin reivindicava a existência de um único grupo de skinheads na cidade e negava que seu grupo fosse autor das ações violentas na praça Portugal. Desse modo, indicava a existência de falsos skinheads, como os posers apontados por emos e headbangers. A eles, Skin ameaçava: “vcs estao se passando por skins! sao falsos skins, nao sabe o que ser skin. skinhead é pra quem pode e nao pra quem quer ser! cuidado viu, agente nao curte pseudos”.

Em seu perfil na plataforma de redes sociais orkut, Skin apresentava um panfleto no qual dizia que os Carecas do Ceará são conservadores, defendem a moral de Deus, da pátria e da família. Afirmava, ainda, que seria dever de um “careca” zelar pela sociedade brasileira, com bons princípios, atos exemplares, defendendo a Nação. Em seus álbuns, apresentava panfletos com imagens e dizeres homofóbicos. Desse modo, expressavam intolerância para com a diversidade de estilos e seus comportamentos associados no lugar praça Portugal.

Satã afirmava não temer os skinheads. Comentando uma visita de um grupo de “carecas” à praça, jovens alinhados com o estilo teriam rodeado a área central dentro de um carro do qual faziam ameaças de violência física com uso de um megafone. Satã diz que os “playboys” teriam saído amedrontados após o apedrejamento do veículo.

No entanto, há outras versões para o mesmo episódio. “Botaram quem pra correr? Os caras deram duas voltas na praça bem devagar, frescando no megafone e vocês não fizeram

nada! Só os bixão! Eles ainda passaram depois, frescaram e a policia ainda tava lá, doido! Seus moles!”. As interpretações diferentes da mesma experiência não abalam as convicções de Satã. Ele afirma cheio de convicção que a praça Portugal é lugar da “mazela da periferia, e pra mexer com a negada tem que ter sangue no olho”. Portanto, avisa: “Se aparecer skin lá, cumpade, rola é sangue”.

Os estranhamentos dos usos feitos do espaço da praça Portugal por jovens alinhados com estilos diferentes e as tensões decorrentes do encontro dessas diferenças na praça Portugal apresentam-se como fatores que afastaram jovens seguidores de estilos que inauguraram os encontros de sábado no local, no início dos anos 2000. Jogadores de RPG e fãs da cultura pop japonesa, ou otakus, eram minoria entre os frequentadores de 2008 e 2009. Uma das estratégias de quem queria usar o espaço sem vivenciar essas tensões foi eleger horários e dias alternativos para os encontros.