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1. INTRODUÇÃO

1.3 Vitamina A e DVA no binômio mãe-filho

Em gestantes, a vitamina A é importante para a gestação, para o crescimento, desenvolvimento e constituição de reserva hepática do feto e para o crescimento tecidual materno (SAUNDERS et al., 2001).

A vitamina A é transferida da mãe ao feto através da placenta, porém de maneira limitada, sendo que a concentração desta no sangue fetal é aproximadamente metade da encontrada na mãe (DANCIS et al., 1992). Tanto o retinol quanto seu precursor atravessam a barreira placentária e representam o único suprimento deste nutriente para o feto, sendo definido pela ingestão materna (MOGHISSI, 1981).

No início da gestação, durante o período de desenvolvimento do embrião e do feto, a ingestão de vitamina A materna deve ser controlada, porque tanto a falta quanto o excesso de vitamina A estão associados com defeitos congênitos. A ingestão insuficiente de vitamina A durante este período pode levar a abortos e anormalidades congênitas (UNDERWOOD, 1994).

A ingestão de altas doses de vitamina A durante a gestação parece ser teratogênica, sendo este assunto difícil de ser estudado em humanos. Rothman et al. (1995) concluíram que

um a cada 57 bebês nascidos de mulheres que tomaram suplementos de vitamina A pré- formada em dose superior a 10.000 UI/dia teve malformação atribuída ao suplemento. Por outro lado, Mills et al. (1997), em estudo similar, não encontraram associação entre a exposição periconcepcional a doses > 10.000 UI/dia e malformações do feto.

Recentemente, as recomendações nutricionais foram revisadas pelo Food and Nutrition Board do IOM (Institute of Medicine) e foram adotadas as Dietary Reference Intakes (DRIs), ou seja, ingestões dietéticas de referência, cuja abrangência é bem maior do que as RDA (Recommended Dietary Allowances), publicadas anteriormente (de 1941 a 1989) pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (COZZOLINO; COLLI, 2001). O quadro 2 apresenta as DRIs para mulheres, gestantes, lactantes e crianças até um ano de idade.

Quadro 2 - Recomendação e limite superior tolerável de ingestão de vitamina A (IOM, 2001).

Recomendação Limite superior tolerável

µgRAE/dia UI/dia µgRAE/dia UI/dia

Mulheres 700 2.300 3.000 10.0001

Gestantes 770 2.600 3.000 10.000

Lactantes 1.300 4.300 3.000 10.0001

Crianças 0- 6 meses 400 1.300 600 2.0002 Crianças 7-12 meses 500 1.700 600 2.0003

1 Se a infertilidade/anticoncepção garantida, suplemento em dose única de ≤ 200.000 UI. 2 Suplemento em dose única de 50.000 UI ou duas doses de 25.000 UI a cada seis meses. 3

Suplemento em dose única de 100.000 UI a cada seis meses.

A maioria dos países recomenda que a suplementação de vitamina A durante a gravidez seja evitada, examinando cada caso de acordo com o risco-benefício, levando em consideração o estado nutricional de vitamina A estimado ou aferido da gestante, a disponibilidade de alimentos fonte de vitamina A na dieta e suplementação supervisionada. Em áreas de DVA endêmica, a OMS recomenda a suplementação com doses diárias e

semanais que não excedam 10.000 UI e 25.000 UI, respectivamente (AZAÏS-BRAESCO; PASCAL, 2000).

Especialmente no final da gestação, o adequado estado nutricional em vitamina A materno e a adequada ingestão deste nutriente são importantes, pois nesta fase ocorre intensa transferência de vitamina A para o feto e o preparo para o parto e a lactação (UNDERWOOD, 1994).

Neste sentido, a principal conseqüência do baixo suprimento em vitamina A durante a gestação é o inadequado estado nutricional em vitamina A ao nascimento e nos próximos meses (AZAÏS-BRAESCO; PASCAL, 2000).

Ao longo do terceiro trimestre, o feto cresce rapidamente e parece apresentar necessidades semelhantes às do recém-nascido a termo, mesmo tendo dimensões inferiores. Como os estoques fetais de vitamina A são acumulados principalmente no terceiro trimestre de gestação, a deficiência materna nesse período pode repercutir de forma mais marcante sobre o estado nutricional de vitamina A do concepto (RAMALHO, 2003).

Ortega et al. (1997) estudaram mulheres espanholas no terceiro trimestre de gestação e mostraram que a ingestão e as concentrações séricas de vitamina A durante a gravidez influenciam a composição do leite materno. A suplementação semanal de vitamina A (4800 RE por semana durante 18 semanas) na gestação tem efeito positivo no retinol do leite materno (MUSLIMATUN et al., 2001) e no retinol sérico dos bebês aos quatro meses de idade (SCHMIDT et al., 2001).

Mulheres lactantes são também vulneráveis à DVA devido à grande quantidade de vitamina A que é secretada no leite. Se a ingestão não for suficiente para repor a vitamina que é transferida à criança através do leite, os estoques maternos podem ficar depletados

(HASKELL; BROWN, 1999). As recomendações de ingestão de vitamina A para lactantes podem ser observadas no quadro 2.

Segundo Haskell e Brown (1999), os bebês nascem com baixos estoques de vitamina A, independentemente do estado nutricional em vitamina A materno, devido ao fato da transferência de retinol pela placenta ser controlado.

O aleitamento materno exerce importante papel, possibilitando aumento das reservas corporais dos recém-nascidos (SAUNDERS et al., 2001). O conteúdo de vitamina A no colostro (3 a 6 dias) é alto e tende a permanecer expressivo no leite de transição (7 a 20 dias), estabilizando-se no leite maduro (em torno de 21 dias pós-parto) (VÍTOLO et al., 1999).

Sabe-se que o leite materno é a única fonte de vitamina A para o lactente em aleitamento materno exclusivo (VINUTHA et al., 2000) e que o conteúdo de vitamina A do leite humano é dependente do status de vitamina A da mãe (WHO, 1995). Assim, se o estado nutricional em vitamina A materno é pobre e o conteúdo de vitamina A do leite materno é baixo, o bebê pode ficar suscetível à DVA ainda nos primeiros seis meses de vida (BASU et al., 2003).

Em estudo realizado em West Java (Indonésia), Dijkhuizen et al. (2001) encontraram deficiência subclínica de vitamina A em 54% dos bebês de 2 a 10 meses de idade e em 18% das mães; os pesquisadores também observaram uma forte inter-relação entre o status de vitamina A da mãe e do bebê e a concentração de retinol do leite materno.

A primeira causa de DVA no lactente é a DVA materna. Mães de países em desenvolvimento são comumente deficientes por duas razões principais: elas têm uma alimentação pobre em vitamina A e passam um grande tempo de suas vidas amamentando (alta paridade e prolongado aleitamento). Crianças se tornam deficientes por duas principais razões: suas mães são deficientes, produzindo leite pobre em vitamina A e a alimentação

complementar destas crianças fornece um conteúdo muito baixo de vitamina A. Um terceiro fator contribuinte é que elas passam grande parte da infância doentes, com anorexia, má- absorção e catabolismo aumentado, o que piora ainda mais seu status de vitamina A (MILLER et al., 2002).

A manifestação clínica da deficiência geralmente ocorre após o desmame, quando a criança que já possuía reserva baixa ou ausente, devido à deficiência materna, passa a receber uma alimentação pobre em vitamina A e gordura. E como este é um período crítico em termos de estado nutricional, muitas vezes a DVA é associada à carência de outros micronutrientes. Além disso, episódios repetidos de diarréia e doenças infecto-parasitárias atuam como agravante à medida que interferem na absorção da vitamina A e aumentam sua necessidade (EUCLYDES, 2005).

A incidência de cegueira devido à DVA é quase exclusivamente limitada às crianças de 6 meses a 6 anos de idade, devido aos baixos estoques de vitamina A ao nascer, ao rápido crescimento e diferenciação celular durante os dois primeiros anos de vida; e também ao próprio metabolismo e turnover de nutrientes, mais intenso do que em pessoas de maior idade (OLSON, 1991). Contudo, os transtornos associados à deficiência desta vitamina não se restringem à cegueira. Como anteriormente citado, estão relacionados também ao aumento da morbimortalidade na infância (SOMMER et al., 1984; MILTON et al., 1987; MARTINS et al., 2004).

Teoricamente, a concentração de vitamina A no leite materno pode ser usada como um indicador de DVA em três populações alvo: mulheres (pela alta correlação existente entre leite e estoques hepáticos de vitamina A); lactentes e crianças de até três anos de idade (já que o leite é a maior fonte de vitamina A enquanto os alimentos complementares são normalmente pobres neste nutriente; portanto, sua concentração reflete a ingestão de vitamina A e também os estoques hepáticos). A OMS tem recomendado recentemente que as concentrações de

vitamina A no leite materno sejam usadas junto com outros indicadores para avaliar a prevalência da DVA e monitorar o impacto de programas de intervenção (WHO, 1995).

No leite humano, a vitamina A encontra-se principalmente na forma de ésteres de retinil, embora haja também retinol. A presença de lipase no leite estimulada por sais biliares do tubo digestivo contribui para a hidrólise desses ésteres, favorecendo a absorção da vitamina A, já que esta é menos eficiente que a absorção de adultos pela imaturidade do trato gastrointestinal (EUCLYDES, 2005).

A transferência de retinol da circulação para a glândula mamária ocorre via complexo RBP-retinol. Também pode ocorrer a transferência da vitamina A de origem dietética, diretamente dos quilomícrons (HASKELL; BROWN, 1999).

Em média, a concentração de vitamina A do leite de mulheres de países desenvolvidos é de 2,1 µmol/l (60 µg/dl) enquanto em mulheres de países em desenvolvimento é de 1,75 µmol/l (50 µg/dl). Estes dados são provenientes do estudo de Newman (1993), que reuniu 19 estudos feitos em países industrializados e 32 estudos em países não-industrializados (NEWMAN, 1993 apud UNDERWOOD, 1994; HASKELL; BROWN, 1999).

O conteúdo de vitamina A no leite materno varia conforme o estado nutricional de vitamina A da mãe e o estágio da lactação (MARTINEZ et al., 1997; ROSS; HARVEY, 2003). A concentração de vitamina A é maior no colostro, diminuindo significativamente (em média, 50%) conforme aumenta a duração do aleitamento (CHAPPELL et al., 1985; GROSS et al., 1998; MACIAS et al., 2001). Também há evidências de que o leite do começo da mamada contém menor quantidade de retinol do que o leite posterior (RIBEIRO; DIMENSTEIN, 2004).

Fatores como paridade, idade e estado antropométrico da mãe não mostraram associação com a concentração de retinol no leite materno (PANPANICH et al., 2002). Barua

et al. (1997) demonstraram que a concentração deste nutriente não é afetada pela idade da mãe, mas ao comparar grupos de níveis socioeconômicos diferentes, encontraram concentração maior de retinol no leite de mulheres de alta renda, o mesmo observado por Gebre-Medhin et al. (1976), ao avaliarem o leite de mães suecas e etíopes.

Dimenstein et al. (2003) estudaram as variáveis renda, escolaridade da mãe e peso ao nascer do bebê e estas não interferiram na concentração de retinol do leite, somente o estado antropométrico da mãe na gestação. No estudo de Ramalho et al. (2006), a DVA materna não apresentou associação estatisticamente significativa com as variáveis sociodemográficas escolaridade materna e renda per capita.

Em relação à idade gestacional, há controvérsias na literatura. Thomas et al. (1981) observaram maior concentração de retinol no leite de mães de prematuros, enquanto Melo et al. (2004) encontraram valor médio de retinol no colostro de mães a termo estatisticamente superior ao valor do leite de mães pré-termo.

Investigando a influência da inflamação nos níveis de vitamina A do leite materno, sendo a inflamação avaliada pelo nível de proteína C reativa e outras proteínas de fase aguda, Dancheck et al. (2005) concluíram que a concentração de retinol no leite materno e a proporção de puérperas com retinol no leite ≤ 1,05 umol/l não difere entre mulheres com ou sem inflamação, assim sugerindo que, como indicador do status de vitamina A, o retinol no leite materno é menos susceptível à variação causada pela infecção subclínica/inflamação do que o retinol sérico.

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