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Vivências do exílio: entre reformas universitárias e “revoluções latino-

CAPÍTULO 1 A TRAJETÓRIA INTELECTUAL DE DARCY RIBEIRO

1.3 Vivências do exílio: entre reformas universitárias e “revoluções latino-

Com o golpe militar de 31 de março de 1964, e com seus direitos políticos

cassados pelas forças de repressão após a promulgação do AI-1, Darcy Ribeiro parte para

o Uruguai ao lado de outros integrantes do governo de João Goulart, se asilando na

capital, Montevidéu.

Logo que chegou no Uruguai, quase sem ter tempo para pensar no exílio, Darcy

Ribeiro foi procurado pelo Reitor da Universidade da República, na época única do

Uruguai, que de pronto lhe propôs uma entrevista para contratá-lo como professor de

Antropologia da Faculdade de Humanidades e Ciências, em regime de dedicação

exclusiva. O que de fato acabou acontecendo, com o adicional de Darcy Ribeiro ter sido

nomeado presidente do seminário de reformas da universidade:

O seminário foi a tarefa mais gratificante que tive. (...) Eu o organizei com base na estrutura da Universidade de Brasília, dividindo os 45 professores e estudantes avançados que dele participaram em três grupos: ciências básicas e humanidades, faculdade de tecnologia aplicada, órgãos complementares. Abri o seminário com umas cinco conferências sobre a estrutura das universidades, comparando-as e as opondo ao projeto da UnB. (...) Minhas conferências introdutórias foram publicadas num texto resumido, muitas vezes editado em vários países da América Latina. Acabaram sendo publicados na íntegra no meu livro La universidad

latinoamericana, editado na Venezuela, no Chile no México, cujas edições

Brasileiras têm o título A Universidade Necessária. Nele estão as minhas idéias, geradas na invenção de Brasília, aprofundadas pelas meditações do exílio e pela experiência de reforma das universidades do Uruguai, da Venezuela e do Peru125.

123 Ibidem, p.681.

124 GOMES, Mércio Pereira. Op.cit., p.51. 125 RIBEIRO, Darcy. Op.cit., 1997a, p.361-2.

Ao comentar o seu exílio uruguaio Darcy Ribeiro disse: “Como se vê, meu longo

exílio no uruguaio, se não foi de flores, também não foi de espinhos”; e complementa:

Entrei logo em convivência com intelectuais uruguaios, sobretudo o grupo da revista Marcha e os amigos de Angel Rama e de Eduardo Galeano, um meninão já jornalista profissional. Junto com eles planejei e produzimos uma bela e lúcida

Enciclopédia da cultura uruguaia, que me permitiu tomar o pulso da

intelectualidade do país126.

Além do mais, Darcy Ribeiro tinha bastante liberdade para viajar para aonde

quisesse, com um passaporte uruguaio que recebera. Só não podiam viajar para o Brasil.

Mas para a Europa foi algumas vezes, uma delas para dialogar do Juscelino Kubitscheck

para traçar estratégias que forçassem a ditadura a convocar eleições diretas para a

presidência do Brasil. Viajou para a União Soviética e, em outra viagem foi para Cuba, ter

duas conversas muito importantes sobre um contragolpe no Brasil: a primeira delas com

Che Guevara, e a outra com Fidel Castro:

A conversa com Che, cordialíssima, na cobertura do edifício onde ficava seu ministério, cheia de livros e de objetos pessoais, foi também duríssima. Ele não se arredava da idéia de que só a guerrilha levaria à revolução. Tratava-se de ter peito para as primeiras semanas. Depois a coisa fluiria, como se fosse um canal, da serra ao poder. Eu insistia na idéia contrária, de que havia, ao menos para países como o Brasil, outros caminhos mais eficazes. (...) A segunda conversação importante que tive foi com Fidel, nua praia próxima de Havana. (...) E ali começamos a conversar. Repetiu-se o mesmo diálogo que tive com Che Guevara. Cordial e mais firme ainda. Fidel expondo suas convicções e ponderando que um certo componente político era indispensável, mesmo para viabilizar a guerrilha. (...) Vi então que não podia convencê-lo nem ele me convencer-me127.

Por causa destas viagens, a ditadura brasileira pressionou o governo uruguaio, que,

por sua vez, limitou as viagens de Darcy Ribeiro, assim como fizera com quase todos os

outros exilados, dentre eles Brizola:

Eu, sendo professor da universidade, fiquei confinado em Montevidéu, com um carimbo posto no passaporte dizendo que o portador, saindo do país, não poderia retornar. Eu me tornara um apátrida, essa condição aterrorizadora para as empresas de navegação e aviação, que, o aceitando, correm o risco de passar anos com o passageiro a bordo, sem que ele possa desembarcar em lugar algum. (,...) Não pude

126 Ibidem, p.363. 127

ir nem mesmo a Buenos Aires, a vinte minutos de distância. Nem aos outros centros urbanos argentinos128.

A partir deste momento, com o suceder dos primeiros anos do exílio no Uruguai,

Darcy Ribeiro dizia se encontrar em uma situação “desesperante”:

[...] tanto que eu ocupava quase todo o meu tempo lendo livros de ficção científica para alimentar a fera de minhas frustrações. Li centenas deles. Também ia a casa de Brizola participar do circuito paranóico do exílio. Uns dez homens coexistiam ali, tensos, falando de um contragolpe que se tornava cada vez mais verossímil129.

O mais importante deste período no Uruguai é que, se antes, com a participação de

Darcy Ribeiro nos campos educacional e político no Brasil, “faltava-lhe tempo para

desenvolver qualquer trabalho de fôlego maior”

130

, o fato de não poder mais sair do

Uruguai levou Darcy Ribeiro a retornar às suas reflexões acadêmicas. Sobre isso o próprio

autor disse: Nunca vivi um período tão fecundo na minha vida

131

. E complementa:

O Uruguai foi para mim um exílio fecundo. Lá, nas longas horas que o exílio nos dava, estudei e escrevi muito. De fato, não tendo família que cuidar, nem velhos amigos que receber e visitar, nem obrigações sociais, (...), nem mesmo ativismo político, a sobre de tempo era imensa, para espreguiçar ou para trabalhar. O ambiente intelectual do Uruguai e da universidade era muito estimulante. E eu tinha gente (...) que ouvia pacientemente a leitura de meus textos. Foi também muito útil a biblioteca pública, onde encontrei toda a bibliografia que podia desejar sobre a América Latina132.

O que se confirma ao se analisar o conjunto de publicações que Darcy Ribeiro

concebeu nesse período:

Lá escrevi a primeira versão de O Povo Brasileiro, que abandonei para escrever uma teoria explicativa do Brasil, indispensável para que nossa história fosse compreensível e explicada. Resultou nos seis volumes de meus estudos de antropologia da civilização, todos escritos ou esboçados lá. Completei no Uruguai

O Processo Civilizatório e Os índios e a civilização, livro que eu me devia fazia

muitos anos. Lá também, para descansar do duro trabalho de elaboração desses livros teóricos, escrevi a primeira versão de Maíra133.

128 Ibidem, p.370. 129 Ibidem, p.371.

130 GOMES, Mércio Pereira. Op.cit., p.33. 131 RIBEIRO, Darcy. Op.cit., 1997a, p.363. 132 Ibidem, p.372.

Sobre a concepção o romance de Darcy Ribeiro mais reproduzido em todo o

mundo

134

, Maíra:

Estando eu carpindo meu longo exílio, encontrei como modo de fugir por algumas horas, diariamente, daquele desterro, escrever um romance Maíra, sobre minhas vivências nas aldeias indígenas. Nunca escrevi nada com tão grande emoção, mesmo porque meu tema ali era dar expressão ao que aprendi, no longo convívio com os índios, sobre a dor de ser índio, mas também sobre a glória e o gozo de ser índio. Enquanto o escrevi, eu estava lá na aldeia com eles. Era outra vez, um jovem etnólogo, aprendendo ver seu povo e a ver o meu mundo com os olhos deles135.

Essa premissa, comenta posteriormente o autor, o levou a escrever um livro que se

cobrava havia muitos anos: Os índios e a civilização, que juntamente com os esboços

sobre um livro que retratasse o Brasil, motivaram Darcy Ribeiro a compor o conjunto de

livros, que constituem a obra intelectual mais conhecida de Darcy Ribeiro, no mundo

todo, chamada de Estudos de Antropologia da Civilização, composta ao seu final por seis

livros, como já mencionado. Os que não foram finalizados entre os anos de 1964 e 1968,

que por sua vez correspondem ao período em que Darcy Ribeiro se manteve no Uruguai,

lá foram esboçados: “De fato, a obra antropológica de Darcy só amadureceu no seu

primeiro período de exílio, entre 1964 e 1968, precisamente quando era professor da

Universidade Oriental do Uruguai, em Montevidéu

136

.

Sua intenção inicial era motivada por preocupações tanto intelectuais quanto políticas. Ele queria escrever um grande livro sobre o Brasil, que explicasse a formação cultural e o desenvolvimento social do país para os próprios brasileiros, que expusesse as razões pelas quais o país não se consolidava em um desenvolvimento político-econômico permanente, que deixasse claro quais teriam sido as razões do recente golpe de Estado em abril de 1964, e que esse contra do atraso a que o Brasil ficara relegado em comparação com Estados Unidos e Canadá, países também de origem colonial. Darcy escreveu duas versões desse primeiro livro, fê-lo ser traduzido para o espanhol e levou-o ao prelo, desistindo na última hora, ainda com dúvidas sobre a validade do seu conteúdo. Essa obra, O

Povo Brasileiro, só foi publicada em 1995, depois de reescrito diversas vezes”137.

Insatisfeito com o conteúdo do livro que concebera sobre o Brasil, Darcy Ribeiro

se propõe não somente a reescrevê-lo, como a elaborar uma série de livros preparatórios

134 De acordo com o que conseguimos encontrar, são: quinze edições brasileiras, uma portuguesa, duas italianas,

três alemãs, duas francesas, uma espanhola, uma mexicana, uma polonesa, duas inglesas, uma hebraica, e uma húngara.

135 RIBEIRO, Darcy. Op.cit., 1997a, p.166. 136 GOMES, Mércio Pereira. Op.cit., p.33. 137

que permitissem com que se chegasse ao conteúdo que queria. Estes estudos preparatórios

foram, progressivamente, se transformando em novos livros:

Os cinco volumes dos Estudos de Antropologia da Civilização, que saíram entre 1968 e 1972, tanto em português como em espanhol (e depois em inglês, francês, italiano, alemão e outras línguas), foram O Processo Civilizatório, As Américas e a

Civilização, O Dilema da América Latina, Os Brasileiros, e Os Índios e a Civilização”138.

Esse conjunto de livros, os já identificados como os seus Estudos de Antropologia

da civilização, são a principal referência na obra de Darcy Ribeiro, para se entender o seu

pensamento sobre a América Latina, objeto deste trabalho. Para os quais nos voltaremos

mais a frente. O fato é que no Uruguai, sem poder sair do país, produzindo

compulsivamente obras de caráter literário e antropológico, sobre o Brasil e a América

Latina, é que Darcy Ribeiro diz ter descoberto a latino-americanidade: “Esses anos

permitiram que me tornasse latino-americano, através dos uruguaios, que me

domesticaram. Eu era um provinciano brasileiro, e eles me ensinaram a ser latino-

americano”

139

. Não somente por sua produção acadêmica, mas pela participação em

outras esferas intelectuais, como revistas, jornais, cafés, e reformas universitárias:” O

exílio político na América Latina abriu outros horizontes na carreira de educador de

Darcy”

140

. Mas, nas palavras de Guilherme Azevedo: “Darcy não suportava mais a

distância do Brasil e, no segundo semestre de 1968, decidiu retornar”

141

. De acrodo com o

relato do próprio Darcy Ribeiro:

Ao fim de quatro anos de confinamento em Montevidéu, eu não agüentava mais. Queria fugir de qualquer jeito. Cheguei até a negociar minha ida para a China por dois anos (...). Ia receber um laisser-paasser e voar quando mudei de idéia. Lendo as notícias dos jornais brasileiros sobre a Marcha dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, eu me perguntava o que é que eu estava fazendo no Uruguai, se os meninos estavam oferecendo os corações às balas. Contra a opinião de todos, especialmente de Jango e Brizola, que achavam aquilo uma temeridade, voltei. Chamei meu advogado, Wilson Mirza, e só pedi que avisasse a ditadura que eu iria desembarcar no avião tal, à hora tal, no aeroporto do Galeão. Não queria ser preso pelo oficial de dia, e sim pela ditadura, se essa fosse sua resolução. (...) No Rio, passei pelo aeroporto só com a advertência de que deveria procurar, no dia seguinte, a Ordem Política e Social. Fomos lá e eu respondi a um questionário tolo, com sins e nãos.

138 Ibidem, p.34.

139 RIBEIRO, Darcy. Somos todos culpados: pequeno livro de frases e pensamentos de Darcy Ribeiro / seleção e

organização de Eric Nepomuceno. – Rio de Janeiro: Record, 2001, p.165.

140 GOMES, Mércio Pereira. Op.cit., p.42. 141 AZEVEDO, Guilherme. Op.cit., p.682.

Instalei-me com Berta num apartamento emprestado, porque o nosso estava alugado, e vivi quase três meses feliz142.

Contente por poder retornar ao Brasil, participando de muitas recepções e festas,

Darcy Ribeiro disse ter se esbaldado, inclusive em dar entrevistas a jornais e revistas

falando bem do governo deposto e falando mal da ditadura: “Começou então a fazer

ataques públicos ao novo regime, através da imprensa. Uma provocação”

143

. A reação

militar, que fora tranqüila a meu retorno, foi áspera contra essas manifestações: “Certa

manhã, o general comandante do Primeiro Exército mandou um oficial com tropa armada

me prender no apartamento em que me instalei, na rua Toneleiros”

144

. Neste mesmo

momento acabava de sobrevir o ato Institucional no 5 (AI-5): “Mirza e outros amigos se

assanharam, me aconselhando, peremptórios, a sair do país urgentemente. Eu não admitia

voltar com minhas pernas para o exílio. Fui preso no dia seguinte à edição do ato”

145

:

No período em que ficou preso, no Rio de Janeiro, “A situação foi ficando ruim”:

“Eu preso, Berta sem poder trabalhar. As reservas foram ficando esgotadas. Raspamos o

fundo do tacho umas ações de banco que me restavam. O pior foi saber, depois que Berta

vendera sua máquina de escrever

146

. Enquanto isso Darcy Ribeiro, dentro da cadeia, como

maneira de fazer passar o tempo, decidiu registrar os fatos, condensando-os em uma

espécie de “Diário de Prisão”. Em um dos trechos Darcy Ribeiro diz:

Que fazer? Que perspectivas tenho? Não sei nada e não posso influir na decisão que eles irão tomar. Nesta posição passiva, só posso planejar minha atividades dentro de limites exíguos. Vejamos.

Primeiro. Ficarei no Brasil, volto a afirmar: não posso ajudar mais aceitando o convite para ir para a América, ou para qualquer outro lugar. O que cumpre, entretanto, é lhes impor minha presença. Esse é o preço maior que lhes posso cobrar: a duvidosa censura da opinião pública à prisão de um intelectual.

Segundo. Devo enfrentar o inquérito mantendo-me no que sou, sem nada que pareça bravata. Mas dando de mim a imagem que eu próprio tenho de mim: um brasileiro deliberado a lutar contra tudo o que se oponha ao desenvolvimento autônomo e sustentado do Brasil. Um brasileiro convicto de que pesa um veto sobre o nosso desenvolvimento: 1) os interesses do patronato mais retrógrado, sobretudo os 32 mil grandes fazendeiros; 2) a incapacidade e a venalidade do patriciado político nativo que dirigiu o país até agora e, tendo sido incapaz de conquistar o desenvolvimento, se tornou também incapaz de renovar sua própria ideologia liberal; 3) a tacanhez dos políticos militares, que são manobrados por interesses que desconhecem, servindo como custódios de uma ordem que eles

142 RIBEIRO, Darcy. Op.cit., 1997a, p.373. 143 AZEVEDO, Guilherme. Op.cit., p.682. 144 RIBEIRO, Darcy. Op.cit., 1997a, p.374. 145 Ibidem, p.375.

próprios desaprovam, mas se comprometendo e afundando-se cada vez mais no papel de mão repressora; 4) os interesses estrangeiros, sobretudo os norte- americanos, que têm, hoje, no Brasil, seu alterno, porque a condição essencial à preservação de seu âmbito mínimo admissível de hegemonia é manter-se como potência continental – é manter o Brasil subjugado à sua órbita de poder e aberto às suas empresas. (...) Não vale a pena estar escrevendo mais sobre esses assuntos que tantas vezes analisei. De prático, só fica a disposição de enfrentar o inquérito, assumindo as responsabilidades que me cabem pelo que eles chamam de caráter subversivo do governo passado, no que tange às reformas. No correr do inquérito, responderei a perguntas das autoridades que me julgarão e ficarei sabendo se o coronel pode encerrar o inquérito me libertando no período de julgamento ou, o que é mais provável, se o encerrará me mandando a outra prisão. A hipótese mais provável é um longo tempo de prisão. Se for assim, tratarei de aproveitar. A única forma possível é produzir mais livros, que se publicarão ou não147.

Negociando sua prisão, ou sua liberdade, Darcy Ribeiro utilizava o argumento de

que o melhor mesmo era os militares consentirem com sua liberdade, já que sua prisão

custava mais ao governo do que deixá-lo sair. Quando um Coronel lhes respondeu que

Darcy Ribeiro queria sair para continuar conspirando, como fazia no Uruguai. Darcy

Ribeiro respondeu que era assim, e complementa:

Mas minha conspiração era de intelectual que atua através de seus livros e estes eles não podiam impedir. Nem mesmo me mantendo preso, porque a própria prisão daria maior repercussão a meus livros, que já se encontravam nas mãos de editoras dos Estados Unidos, da França, da Argentina, da Itália e da Espanha. O procurador quis dessa vez envolver-me em frases globais que me definiam como marxista e comunista. Disse que eu era um herdeiro de Marx, que procurava sê-lo enquanto cientista social, porque Marx fora fundador das ciências sociais, mas assim como os físicos não são einsteinistas pelo fato de serem herdeiros de Einstein, eu também não era marxista. Evidentemente o argumento excedeu a capacidade de compreensão de ambos. (...) Caí então no papel de esclarecer que, sendo minha função a de ideólogo, e exigindo de mim mesmo uma conduta de patriota, não deixarei jamais de atuar, enquanto puder, sobre a juventude, sobre o clero e sobre os próprios militares, no sentido de ajudá-los a compreender a situação em que atuavam e exercer um papel patriótico de luta pelo desenvolvimento autônomo do Brasil148.

Na prática, para além de seu discurso retórico de enfrentamento à ditadura, depois

de alguns dias no Rio de Janeiro, foi levado para a Fortaleza de Santa Cruz e ainda depois

para a Ilha das Cobras – o quartel general dos fuzileiros navais –, onde ficou preso até que

por orientação do advogado, que lhe pediu que escrevesse uma carta ao “ditador do dia”,

correspondeu dirigindo um pedido a Costa e Silva no sentido de que este autorizasse a

emissão de um novo passaporte e lhe permitisse se exilar novamente, e poder trabalhar

147 Ibidem, p.384-5. 148 Ibidem, p.390.

como professor para sustentar sua família: “Precisava de um passaporte, cuja emissão só

ele, presidente, poderia autorizar. Concluí a carta com a velha saudação positivista:

“Saudações republicanas!”

149

.

Darcy Ribeiro vai a julgamento em um tribunal da Marinha, é absolvido, recebe o

passaporte assinado por Costa e Silva e, após ter passado a noite escondido no

apartamento do advogado, no dia seguinte á libertação, procura a embaixada dos Estados

Unidos, para obter um visto de entrada, já que tinha um convite para trabalhar na

Universidade de Colúmbia, como professor visitante. Retornando à casa do advogado,

busca alternativas para sair do Brasil. O Regime militar já havia determinado, novamente,

a sua prisão quando soube da presença, no Rio de Janeiro, de um antigo amigo, o

sociólogo venezuelano, José Augustin Silva Michelena, a quem chamou para uma

conversa:

Chamei-o à casa do Mirza e consegui através dele um visto consular para entrar em Caracas. Iria trabalhar como professor visitante na Universidade Central da Venezuela. Na mesma noite, fui para ao aeroporto com Berta e Zé de Catão, que ficou na fila por mim até o último momento. Aí entrei na fila e no avião. Voei para Caracas. Era meu segundo exílio150.

Na mesma semana, em que chegou na Venezuela, já em setembro de 1969, Darcy

Ribeiro foi falar com o reitor da Universidade Central de Venezuela – UCV –, que, de

pronto, o mandou me contratar como professor de antropologia. A isso se acrescentaram,

depois programas de pós-graduação sob sua coordenação, assim como a direção de mais

um seminário de renovação universitária, agora na própria UCV. Nas palavras de Darcy

Ribeiro, a partir do seminário: “resultou um diagnóstico acurado da universidade e um

plano de renovação estrutural a ser implantado em dez anos”; e complementa:

Essas duas proposições foram publicadas pela Universidade, num volume precioso de que saíram outras edições, consentidas e clandestinas, porque a procura era grande. Trabalhei também com a Universidade de Mérida, plantada numa encosta