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VIVÊNCIAS E ANDARILHAGENS: A FAMÍLIA E SUAS ORIGENS

Mapa 2 Circularidades dos ciganos no RN

2 FOGO: SOBRE OS CIGANOS E SUA DIVERSIDADE EXISTENCIAL

3.1 VIVÊNCIAS E ANDARILHAGENS: A FAMÍLIA E SUAS ORIGENS

Na garimpagem das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa, pudemos compreender a diversidade de possibilidades presentes no universo desses agrupamentos. Nosso primeiro bloco de perguntas versou sobre a história da vida do seu povo, da sua família.

Para Astro, que se afirma Matchuano, a história do seu povo (informação verbal)43 é contada a partir dos seus pais:

Sou filho de (José ou Yhoser) Ivanovichi, o neto de Voino Ivanovichi. Ambos, pai e avô são ciganos, que pertencem ao clã ou família vithia machuawa, portanto, matchuwanos, que são ciganos vindo da França e da Iugoslávia. [...] Meu vô veio para o Brasil adentrando por Belém, passou pelo Maranhão e chegou a Recife, pousando no Rio Grande do Norte passou pela Bahia Minas Gerais no qual meu pai nasceu neste estado e foi batizado no Rio de Janeiro residiu em São Paulo, Brasília e Goiânia. Mas foi

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em Natal RN que fez sua primeira Eslava de São Jorge44 e morava em no bairro Santos Reis logo depois foi para bairro Petrópolis próximo a maternidade Januário Cicco e alguns de seus netos estudaram no colégio de padre na Ribeira, nesta época minha vó fazia seus atendimento na Ribeira no Cais do porto atendendo os estrangeiros que aqui chegavam [...] Logo depois foram morar em Fortaleza e variava para Recife ficando por alguns anos no bairro de Casa Amarela. [...] Meu avô adentrou no Brasil por volta de 1902, e 1920, por aí assim. Meu vô quando veio da Iuguslávia era tenente ou coronel do exército daquele país. Veio para aqui, e se instalou no Brasil e aqui nasceram outros tios meus que estão espalhados por todo o país. Então eu tenho parentes meus desde o Maranhão, Pernambuco, Ceará, Brasília, Goiânia Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo.

A fala do cigano Astro ilustra, a partir de sua narrativa, a compreensão que temos do cigano como um ser nômade e em constantes circularidades no espaço territorial, quando traça um percurso da sua família nas constantes viagens e mudanças. Esses familiares vieram de outro continente e estabeleceram contatos e moradia mesmo que temporárias, por diversos estados e capitais do Brasil. Também ilustra as constantes mudanças de bairros no interior da cidade do Natal. Esse fenômeno ainda é presente entre os ciganos do interior, pois observamos que costumeiramente, circulam entre vários bairros e diversas casas numa mesma cidade.

No mesmo sentido, Lua, nossa entrevistada que se denomina Roraronê narra (em informação verbal)45 sua história que é parte da recordação que teve de seu pai e das histórias de pessoas da sua família.

Sou Romí Roraronê por parte de meu pai que casou com uma gadji mas como minha vó não aceitava, o casamento foi arruinado e acabou em separação. Naquela época, não era comum casamentos entre ciganos com gadje. Mas hoje, a Romá não tem dificuldade de aceitar filhos de rom com gadji ao contrário do que pensam. Meus avós vieram de Portugal e fundaram a cidade de Guarabira, segundo minha tia. De lá trouxeram a imagem de Nossa Senhora da Luz para o Brasil. Tanto é que na igreja matriz de Guarabira existe um banco dedicado à família Costa, que são parte dos meus familiares.

Como podemos perceber, a narrativa da entrevistada é uma afirmação de sua identidade rom, romi, para o feminino, e que descende de uma família Roraronê que vieram da península ibérica, contribuindo no estado da Paraíba, com o povoamento da cidade de Guarabira, apresentando uma prática confessional de

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A eslava de S. Jorge é um culto de tradição Rom em que o pai reparte com os familiares, um pão embebido em vinho tinto como forma de distribuir entre eles a prosperidade, a benevolência para todos.

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vertente religiosa ligada ao catolicismo. Com relação a sua família, Sol, cigano que se afirma Calon, esclarece (informação verbal)46, que:

Sou filho de João Paulo Tota, grande líder do nosso povo, de quem herdei a liderança. Nossa família sempre percorreu os estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e o Piauí. Sou da família dos antigos ciganos que chegaram no Brasil.

A fala do Calon demarca a presença de sua família em alguns estados do nordeste brasileiro e nos dá informações sobre a organização social do grupo, como por exemplo, o espólio do poder herdado pelo seu pai. Essa prática é ainda muito constante entre os Calon que observamos no percurso da nossa pesquisa.

Sobre a história da sua família, a cigana Estrela, em informação verbal, se auto afirma Kalderash, admitindo em entrevista que:

Somos descendentes dos Kalderashas, meu pai nasceu em Minas Gerais, em Uberlândia, registrou-se em Fortaleza - Ceará, onde viveu grande parte da vida. De família Iugoslávia e (Bósnia) chegaram ao Brasil na década de 1908. Seus pais já falecidos são enterrado em Fortaleza. Tenho uma vaga lembrança de meu avô, Pedro Martins, tinha cor clara, cabelos lisos e muito finos (característica dos kaldarachas) da Bósnia com nariz anuro e olhos pequenos de cor azulada e de estatura mediana. Adorava chapéu e fumar cachimbo com uma mistura de ervas finas. De vestimenta alinhadas e de muita qualidade usava camisas de seda coloridas. Os kaudarachas gostavam de vestir-se com glamour. Boêmio, frequentava muito as praias da Barra do Ceara, Ponte Metálica e praia de Iracema. Meu pai não fugindo à essa regra, gostava de vestir-se bem e sempre com seu chapéu de panamá, levou uma vida um tanto boêmia, seguindo este exemplo, teve alguns envolvimentos amorosos, separou-se da minha mãe e teve uma média de 25 filhos. Minha mãe não teve envolvimento nenhum além do meu pai. Ela falava que casamento era para a vida toda e com ele teve nove filhos.

O registro de Estrela, que se afirma Kalderasha, nos conduz também ao que costumeiramente temos de escrito na literatura sobre esse povo. Os Kalderashas apresentavam sua vaidade como demarcador de um grupo, ostentando a condição de boêmios -, fato este que causou nas representações dos povos sobre os ciganos, a impressão de serem todos, boêmios e errantes.

As falas dos entrevistados nos leva a compreender que diferentes situações de vida os conduziram a um lugar de onde falam. O espaço que ocupam no momento atual, e suas atividades que realizam a partir das condições que lhes

foram ensinadas pelo conjunto da família. De origens diversas, esses agrupamentos se estabeleceram sobre a égide de suas crenças, suas possibilidades, tendo como suporte, o que receberam de ensinamento por parte de seus antepassados.

A forma como narram suas histórias alude sempre à presença dos avós como elementos de antiguidade, origem e legitimação. Todos os entrevistados narraram suas formas de dispersões, partidas e chegadas a um lugar comum trazendo elementos estéticos e físicos como marcadores de diferenças culturais e a mobilidade é a marca de confluência entre si.

Figura 8 - Participação em atividade na UFRN - Roda de conversa

Fonte: (o autor).

Nesta foto, a participação de agrupamentos de ciganos na realização da atividade Roda de Conversa por ocasião da passagem do dia Nacional do Cigano do Projeto de Extensão Ciganos: Identidades, memórias e resistências, junto ao Departamento de Antropologia da UFRN, onde realizamos visitações em diversos acampamentos de ciganos em várias cidades do RN e culminamos com as atividades de comemoração do Dia Nacional do Cigano com apresentação de danças, exposições fotográficas e celebrações de cerimonias típicas dos ciganos das diversas etnias na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

3.2 OS SABERES SAGRADOS E A MEMÓRIA DE UM POVO: O PROCESSO