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Dos 38 questionários distribuídos aos/as educadores/as da escola, colaboradores da pesquisa, 29 foram devolvidos. Entre esses, 06 de participantes que negaram em suas respostas a existência de práticas de violência com esse caráter, ou seja, afirmaram que não vivenciaram situação de violência em função de práticas discursivas alusivas às marcas da diversidade sociocultural na unidade de ensino. Os outros depoimentos assinalaram sentidos dessa natureza.

Ao serem interpretados os discursos dos(as) educadores que haviam respondido as questões fechadas, foram examinadas contradições. Em alguns deles, os sentidos de suas respostas não se apresentaram condizentes com os seus relatos produzidos no mesmo questionário. Já que assinalaram que não houve atos de violência constituída por efeitos discursivos de pertencimentos socioculturais no interior da instituição escolar. Mas, no texto de seus depoimentos, quando instados a redigir um relato acerca dessa situação, suas materialidades linguísticas expõem efeitos de atitudes comportamentais de violência simbólica ou de bullying face à intolerância com as diferenças de indivíduos ou de grupos sociais na escola.

Em conformidade com essa perspectiva, refletiram-se os sentidos dos enunciados descritos a seguir. Essa sequência linguística do(a) educador(a) 17: Apesar de não ter presenciado essas situações no ambiente escolar, tenho conhecimento que elas ocorrem. E

esse enunciado do(a) educador(a) 18: Em linhas gerais, o indivíduo já é feito para se adequar ao meio ambiente em que vive. Então, essas diferenças sociais e culturais dentro da escola não devem ser levadas em consideração para o desencadeamento da violência.

No primeiro texto, o(a) educador/a, apesar de haver afirmado que não havia vivenciado situação de violência oriunda de efeitos discursivos relativos a traços identitários, ele/a mesmo afirma conhecer ocorrências dessa prática na escola. É possível assegurar que, para esse/a participante, só seriam válidos os sentidos de acontecimentos que por ele/a fossem presenciados. Afirmação verificada na expressão: [...] não ter presenciado. Entretanto, o termo apesar de, recurso linguístico de concessão que remete a efeitos discursivos de ditos que se tornaram dizíveis no relato, expõe a contradição do(a) educador/a. Corrobora com essa percepção a expressão: tenho conhecimento. A sua investigação, associada com os demais recursos linguísticos do enunciado, em especial com apesar de, seus sentidos indiciam que o/a docente vivenciou discursivamente situações de violência consoante com o que lhe foi solicitado, ou seja, produção de violência por modos de subjetivação ou marcas de identidades sócio-históricas e culturais nas relações interpessoais na instituição escolar.

O discurso do/a segundo/a profissional também apresenta sentidos possíveis de traduzir a existência de atos violentos produzidos pela mesma razão. No entanto, de acordo com a sua concepção, essa vivência não deve preocupar os profissionais da educação. Posicionamento observado nestes recursos linguísticos: [...] o indivíduo já é feito para se adequar ao meio ambiente em que vive. Dos sentidos desses itens linguísticos se depreende a compreensão de que as diferenças sócio-históricas são percebidas na narrativa enquanto estáveis, fixadas, determinadas. Concepção que colabora com a instituição de relações conflituosas e, através dessas, a produção de violência nos espaços escolares, segundo discursivizações de estudiosos que tratam das diferentes teorias sobre o multiculturalismo na educação, como (CANDAU, 2000; 2008) e (MOREIRA, 2008).

O relato expressa que o/a docente compreende que são constituídas práticas de violência em função da (in)tolerância com traços de identidades sociais, históricas e culturais presentes na escola. Entretanto, os dessa modalidade de violência são acomodados pela própria vivência entre os pares, segundo a percepção do/a depoente. Igualmente, é possível abstrair efeitos discursivos indiciando que alunos/as sofrem retaliações, discriminações, preconceitos, exclusões. Porém, esses/as se adaptam aos modos com lhes subjetivam, mesmo que atitudes atinentes a essas práticas lhes inferiorizem, espoliem, ofendam, violentem. Conforme essa ótica, os profissionais da unidade de ensino devem assistir a tudo isso sem

intervir. Neste sentido, a instituição não estaria também praticando violência contra esses/as alunos/as?

Os sentidos do discurso desse/a participante são confrontados com os fundamentos de estudos das Ciências Sociais da Pós-Modernidade, ao conceberem o sujeito como inacabado, logo, em constante situação de construção, esta produzida através da linguagem. Com esta perspectiva, os discursos, os modos de subjetivação, as práticas discursivas, as técnicas de governamentalização dos sujeitos também são construtos sociais, produtos inacabados. Assim, é função da escola questionar as discursivizações que constroem identidades e diferenças nas instituições sociais e, por elas, os sujeitos são subjetivados e subjetivam outros.

A percepção desse/a participante ainda é reforçada pelos sentidos dessa materialidade linguística empregada em seu texto: [...] essas diferenças sociais e culturais dentro da escola não devem ser levadas em consideração para o desencadeamento da violência. Os sentidos desse enunciado reforçam a ideia de que o sujeito se acomoda à violência instituída por intolerância as marcas identitárias. Em seus itens linguísticos, se observam efeitos discursivos que colaboram com a naturalização, a invizibilização, o silenciamento de atitudes comportamentais dessa natureza, exercidas nos meios sociais, entre eles a escola. Por essa percepção, é possível depreender que agressor/a e agredido/a devem se situar no mesmo patamar e contra o/a primeiro/a, nenhuma providência deve ser acionada, já que ambos se adaptam as situações de violência experienciadas. O/a aluno/a agredido/a não se incomodará mais com a forma depreciativa como é subjetivado/a, enquanto que o/a agressor/a continuará agindo da mesma maneira com essa vítima e com outras, sem que nada lhe aconteça. De acordo com a percepção, indaga-se: qual seria, então, a função da escola, se ela não deve envolver essa temática em suas práticas discursivas e pedagógicas?

Os sentidos do discurso em destaque se encontram em dissonância com aqueles produzidos pelas normas e regras constituídas para serem adotadas pelas práticas discursivas da instituição escolar na sociedade contemporânea. Contrapõem-se também com os fundamentos adotados pela Justiça Restauradora (SAKMON, 2005), ao orientar que os conflitos sejam resolvidos através de mediação com diálogo e negociação. Na escola, recomenda-se que esse trabalho, apesar de não ser exclusividade, seja papel de um/a docente, já que se trata de um/a profissional que vivencia diretamente o cotidiano dos(as) alunos(as).

Os sentidos analisados do texto estão também em desacordo com os valores contidos nos documentos jurídicos de regulação e normas da educação brasileira em vigor. Eles regulamentam e/ ou normatizam as práticas discursivas e pedagógicas consubstanciadas em

atitudes de solidariedade, compreensão, democracia e direitos humanos. Neste sentido, destacam o respeito e a interação dos sujeitos com as diferenças sócio-históricas e culturais que compõem a nação brasileira, presentes nas unidades de ensino. Deste modo, as escolas devem atuar em consonância com os discursos da: LDB, dos PCNS, do Plano Nacional em Educação em Direitos Humanos, da Lei 11. 646 e de outros documentos, construídos para regulamentar a Educação e o ensino no Brasil.

Diante das reflexões feitas nas narrativas dos/as educadores/as nesta subseção, é possível indagar: de que maneira os sentidos dos textos jurídicos reguladores e normalizadores da educação e do ensino brasileiros são percebidos pela escola? De modo os estudos sobre multiculturalismo são reportados nas práticas da unidade de ensino?

Passam se examinar os relatos que apontaram situações de violência impulsionadas por modos de subjetivação relativos a pertencimentos da diversidade sociocultural. Assim, problematizaram-se enunciados que traduzem atitudes comportamentais de violência praticadas contra sujeitos educacionais posicionados por traços de: Orientação sexual; religiosidade; de gêneros; etnias ou cor. Além disso, foram refletidas, nesta etapa da dissertação, discursivizações em textos de participantes da pesquisa que traduziram outras matrizes identitárias não aludidas nas perguntas do questionário, mas, segundo sua ótica, se inserem nesse contexto.

Com essa perspectiva, os enquadres foram delineados considerando-se não só os sentidos dos discursos dos/as educadores, mas também estudos que compreendem que as discursividades são constituídas na relação poder e saber, (FOUCAULT, 2008a) nas instituições sociais.

Foram também estimados importantes enquanto sustentação teórica das análises dos depoimentos, estudos sobre estratégias de normalização e regulamentação das instituições sociais e de seus sujeitos. Essas que dão sustentabilidade aos modos de subjetivação e governamentalização dos sujeitos nos meios sociais. Através de métodos produzidos pelas sociedades das disciplinas e/ou pela sociedade do controle. Referenciaram ainda as problematizações as teorizações sobre violência, sobretudo as fundadoras, anômicas Maffesoli (1981, 1987) ou de resistência Foucault (2008b); e as definições e tipificações da violência produzida no meio escolar Charlot (2005), Debarbieux & Blaya (2002), Candau (2005).