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Você está muito bem – é ótimo quando as pessoas não se preocupam com seu próprio

peso

(Por que a crítica é mais forte que o elogio)

“Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca vão me ferir”, diz uma expressão muito conhecida em inglês.

Mas essa afirmação, na verdade, não resiste a uma análise, não é mesmo? Em primeiro lugar, o ferimento causado por um osso quebrado é evidentemente extremo e, por isso, não devia ser usado como base para a dor. Em segundo lugar, se críticas e insultos não machucam, por que existe esse ditado? Não existe uma máxima semelhante que diga: “Facas e espadas podem me cortar ao meio, mas marshmallows são inofensivos”. O elogio é muito bom, mas, sejamos honestos, a crítica fere.

À primeira vista, o título desta seção é um elogio. Na verdade,

dois elogios, porque enaltece tanto a aparência quanto a atitude.

Mas é improvável que a pessoa a quem a frase se dirige a interprete como tal. A crítica é sutil e requer certa análise porque contém uma afirmação implícita. Apesar disso, é a crítica que torna o elemento mais forte. Esse é um dos inúmeros exemplos de um fenômeno que nasce do funcionamento de nosso cérebro:

a crítica tem mais peso que o elogio.

Se você adotou um novo corte de cabelo, contou uma piada para um grupo ou fez qualquer outra coisa desse tipo, não importa quantas pessoas elogiem sua aparência ou riam de sua piada: são os que hesitam antes de fazer um elogio ou rolam os olhos estranhamente que vão atingi-lo e lhe causar mal-estar.

O que acontece nesse caso? Se é tão desagradável, por que nosso cérebro leva a crítica a sério? Existe um mecanismo neurológico que explique isso? Ou é apenas um fascínio mórbido por comentários desagradáveis, como a necessidade bizarra de arrancar uma casquinha ou cutucar uma ferida? Há, logicamente, mais de uma resposta possível.

Para o cérebro, coisas ruins são em geral mais potentes que as boas.34 No nível neurológico mais básico, a força da crítica pode se dever à ação do hormônio cortisol. O cortisol é liberado pelo cérebro como reação a acontecimentos estressantes: é uma das substâncias químicas que desencadeiam a reação de luta ou

fuga e amplamente considerado a origem de todos os problemas causados por um estresse constante. Essa liberação é controlada principalmente pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), uma complexa conexão entre as áreas neurológicas e endócrinas (isto é, reguladas por hormônios) do cérebro e do corpo que coordenam a reação geral ao estresse. Antigamente, se acreditava que o eixo HPA era ativado em resposta a qualquer acontecimento estressante, como um súbito barulho muito alto.

Mas pesquisas posteriores revelaram que ele era mais seletivo e só podia ser ativado sob determinadas condições. Hoje, uma teoria afirma que o eixo HPA só é ativado quando um “objetivo”

é ameaçado.35 Por exemplo, se você está passeando calmamente e um cocô de passarinho cai sobre você, é uma coisa irritante e negativa por razões de higiene, mas, provavelmente, não ativará a reação HPA, porque “não ser sujado por um passarinho” não era um objetivo consciente. Mas, se o mesmo passarinho o atingir quando você caminha para uma entrevista de emprego importante, possivelmente vai desencadear a reação HPA, porque você tinha um objetivo definido: ir a uma entrevista de emprego, impressionar seu entrevistador e conseguir o emprego.

E agora essa expectativa foi frustrada. Muitas escolas de pensamento discutem como se vestir para uma entrevista de emprego, mas “uma generosa camada do produto digestivo de

um pássaro” não está entre as recomendações.

O “objetivo” mais evidente é a autopreservação. Assim, se seu objetivo é se manter vivo e ocorre algo que possa causar sua morte, o eixo HPA vai ativar a reação ao estresse. Esta é uma parte da razão por que se acredita que a reação HPA responde a qualquer coisa: os humanos podem sofrer ameaças em qualquer lugar.

Entretanto, os humanos são seres complexos, e uma consequência disso é que eles se apoiam nas opiniões e reações dos outros humanos num grau considerável. A teoria da autopreservação social afirma que os humanos têm uma motivação profundamente arraigada para manter sua posição social (continuar sendo amados pelas pessoas cuja opinião valorizam). Isso dá origem à ameaça de desvalorização social.

Especificamente, qualquer coisa que ameace a posição ou imagem de alguém interfere no objetivo de ser amado e, portanto, ativa o eixo HPA, liberando cortisol no sistema.

Crítica, insulto, rejeição, zombaria – tudo isso atinge e pode causar dano à autoestima, em especial se feitos em público, o que interfere no objetivo de ser amado e aceito. O estresse que isso causa libera cortisol, que tem muitos efeitos fisiológicos (como um aumento na liberação de glicose), mas também tem efeitos diretos sobre o cérebro. Sabemos que a reação de luta ou

fuga aumenta nossa concentração e torna nossas memórias mais vívidas e evidentes. Junto com outros hormônios liberados, o cortisol pode fazer com que isso aconteça (em graus variáveis) quando somos criticados; isso nos leva a sentir uma sensação física real que nos sensibiliza e enfatiza a memória do acontecimento. Todo este capítulo se baseia na tendência do cérebro a passar dos limites quando busca ameaças, e não há nenhuma razão real que explique por que isso não incluiria a crítica. E, quando algo negativo acontece e o sentimos em primeira mão, produzindo todas as emoções e sensações relevantes, o hipocampo e a amígdala provocam o entusiasmo de viver e acabam estimulando emocionalmente a memória e sua capacidade de armazenamento.

Coisas boas, como receber um elogio, também produzem uma reação neurológica através da liberação de oxitocina, que nos faz sentir prazer, mas de uma maneira menos forte e mais transitória. A química da oxitocina significa que ela é eliminada da corrente sanguínea em cerca de cinco minutos; o cortisol, ao contrário, pode durar mais de uma hora, talvez duas, por isso seu efeito é mais persistente.36 A natureza efêmera do prazer pode parecer uma ação hostil da natureza, mas coisas que nos causam um prazer intenso por longos períodos tendem a ser bastante incapacitantes, como veremos mais tarde.

É fácil, mas ilusório, atribuir tudo o que acontece no cérebro à ação de determinadas substâncias químicas, e isso é algo que a neurociência predominante relata com frequência. Vamos analisar outras possíveis explicações para essa ênfase na crítica.

A novidade também desempenha um papel. Apesar do que sugerem certos comentários on-line, a maioria das pessoas (com algumas variações culturais, admite-se) interage com outras de uma maneira respeitosa em razão das normas de etiqueta social. Gritar insultos contra alguém na rua não é algo que pessoas respeitáveis façam, a menos que eles sejam dirigidos a guardas de trânsito, que, aparentemente, estão dispensados dessa regra. Consideração e agradecimentos são a norma, como dizer obrigado ao caixa que lhe entrega o troco, embora o dinheiro seja seu e ele não tenha o direito de ficar com ele. Quando alguma coisa se torna a norma, nosso cérebro, que prefere novidades, passa a eliminá-la com mais frequência através do processo de habitualidade.37 Algo está acontecendo o tempo todo; então, por que gastar recursos mentais preciosos concentrando-se nisso quando é mais seguro ignorar?

Como elogios leves são o normal, a crítica tem mais impacto simplesmente porque é atípica. Uma única expressão de desaprovação em meio às risadas da plateia se destaca porque é muito diferente. Nossos sistemas de visão e atenção se

desenvolveram para se concentrar na novidade, na diferença e na “ameaça”, todas elas tecnicamente materializadas na pessoa insatisfeita na plateia. De maneira semelhante, se estamos acostumados a ouvir “muito bem” ou “bom trabalho” como banalidades, alguém dizer: “Você foi uma merda!” será mais chocante, porque não acontece com frequência. E devemos valorizar a experiência desagradável para descobrir por que ela aconteceu e poder evitá-la da próxima vez.

O capítulo 2 discutiu que o funcionamento do cérebro tende a nos tornar um tanto egotistas, com uma tendência a interpretar e lembrar os acontecimentos de maneira a nos oferecer uma autoimagem melhor. Se esse é nosso estado padrão, o elogio só nos diz aquilo que já “sabemos”, ao passo que uma crítica direta é difícil de interpretar erroneamente e um choque para o sistema.

Se você se expõe, com uma apresentação, um material criado ou apenas uma opinião que julga valer a pena compartilhar, está dizendo essencialmente: “Acho que você vai gostar disso”. É visível que você está procurando aprovação. A menos que você seja excessivamente confiante, sempre há um elemento de dúvida ou a consciência da possibilidade de estar errado. Nesse caso, você está sensível ao risco de rejeição, pronto para buscar algum sinal de desaprovação ou crítica, em especial em relação a

algo de que você tem orgulho ou que lhe exigiu muito tempo e esforço. Quando você está pronto a buscar alguma coisa que o preocupa, tem maior probabilidade de encontrá-la, assim como um hipocondríaco é capaz de imaginar que sofre dos sintomas de doenças raras. Esse processo é chamado de viés de confirmação – nos concentramos no que estamos procurando e ignoramos qualquer coisa que não lhe corresponda.38

Nosso cérebro julga com base apenas no que sabemos, e o que sabemos se baseia em nossas conclusões e experiências, de modo que tendemos a julgar os atos dos outros com base nos nossos. Assim, se somos gentis e elogiosos só porque as normas sociais nos obrigam, será que todo mundo faz o mesmo? Em consequência disso, cada elogio que recebemos pode ser um tanto dúbio, porque não sabemos se é verdadeiro ou falso. Mas, se alguém nos critica, isso significa que somos ruins, mas tão ruins que alguém esteve disposto a contrariar a norma social para nos criticar. E, portanto, mais uma vez, a crítica tem mais peso que o elogio.

O elaborado sistema do cérebro para identificar e reagir a potenciais ameaças pode ter permitido à humanidade sobreviver a longos períodos na natureza selvagem e se tornar a espécie sofisticada e civilizada que é hoje, mas não sem reveses. Nosso intelecto complexo nos permite não só identificar ameaças mas

também antecipá-las e imaginá-las. Há muitos modos de ameaçar e assustar um ser humano, o que leva o cérebro a reagir neurologicamente, psicologicamente e sociologicamente.

Esse processo pode causar vulnerabilidades, das quais outros humanos podem, tristemente, se aproveitar, resultando em ameaças reais. Talvez você saiba o que é “negging”, uma tática usada por pick-up artists (espécies de guru que ensinam técnicas de sedução) quando se aproximam de mulheres e dizem algo que soa como um elogio, mas na verdade pretendem criticar e insultar. Se um homem aborda uma mulher e lhe diz o título desta seção, isso seria negging. Ou ele pode dizer algo como:

“Gosto do seu cabelo – poucas mulheres com o seu rosto arriscariam esse estilo”, ou “Normalmente não gosto de garotas baixinhas, mas você parece legal”, ou “Essa roupa vai ficar maravilhosa quando você emagrecer um pouco”, ou “Não sei como falar com as mulheres porque estou acostumado a vê-las através de um binóculo, por isso vou aplicar em você uns truques psicológicos baratos na esperança de abalar sua autoconfiança a ponto de você querer dormir comigo”. Esta última, a bem da verdade, não é uma frase típica dessa tática, mas, na realidade, é o que todos estão dizendo.

Entretanto, não é preciso ser tão desagradável.

Provavelmente, todos nós conhecemos o tipo que, quando uma

pessoa fez alguma coisa da qual se orgulha, imediatamente se concentra no que ela fez de errado. Por que se esforçar para conquistar algo por si mesmo quando se pode diminuir os outros para se sentir melhor?

É uma ironia cruel que, ao procurar por ameaças com tanto empenho, o cérebro acabe criando-as.

CAPÍTULO 4