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De acordo com Pavis (2007), a oposição entre a forma fechada e aberta serve como um meio cômodo de comparar tendências formais de construção da peça e seu modo de representação. Desse modo, após ter apresentado as formas do drama, enquadro minha peça (Você se lembra) na categoria aberta do drama.

A peça surgiu de uma vontade de refletir a respeito da incomunicabilidade. Os personagens da peça são seres humanos que transitam entre a solidão e a incomunicabilidade. Com a modernidade o ser humano passou a representar um papel individual na sociedade. Minhas personagens são o anti-herói, vivendo em um cotidiano banal, na repetição. De repente parecem acordar, passando a questionar seus hábitos, sua vida, o próprio sentido da vida.

A incomunicabilidade não incomodava esse falso herói, por ter se tornado parte natural de sua vida (o casamento reduzido às conversas banais, à flor de todos os dias ou o bolo de todos os dias, generalidades da vida cotidiana). As personagens acreditando em

seus pequenos ideais de felicidade fecham-se para o mundo e não vivem mais do que a saga de todo ser vivo: nascer, crescer, proliferar e morrer.

Mas algo acontece com A e C e faz com que essas personagens comecem a se perguntar sobre seus passados, como se elas vivessem uma vida que já não existe há muito tempo. Um passado feliz? Como se a flor ou a bicicleta fossem uma âncora com essa felicidade que já não mais existe. Mas no desenrolar da trama fica a dúvida se esse passado era realmente feliz ou se algo aconteceu. Esse marido que agora só se importa com as crianças ou o que aconteceu com a bicicleta? Ele vendeu, quebrou? O que a flor e o bolo representam? São perguntas que ficam suspensas no ar, não existe uma resposta definitiva, cabe ao leitor imaginar o que aconteceu na vida dessas personagens recortadas em pequenas cenas repetitivas.

A falta de comunicação coincide com a falta do que comunicar. É o caso das personagens B e D, se encontram em uma vida sem sentido e absurda em que nenhum caminho é satisfatório, sempre a mesma monotonia, as mesmas ações e funções cotidianas. Essas personagens não acordaram, continuam seguindo a saga de todo ser humano: nascer, crescer, proliferar e morrer.

Dessa forma, para debater a respeito da incomunicabilidade, criei uma peça desconexa, fragmentada, em que o enredo é ambíguo. A peça é composta por 4 quadros que formam a unidade básica, cada um contém 10 pequenas cenas. Cada quadro responde por si só, mas existe uma ligação entre o 1° e o 3° quadro, assim como o 2° e 4°. Essa relação existente entre os quadros nos fornece informações para criarmos uma linha do tempo, são apresentadas informações do passado e do futuro das personagens. A peça foi criada de trás pra frente, o futuro é apresentado primeiro nos quadros 1 e 2, depois o passado nos quadros 3 e 4.

Jogando com as repetições as ações se integram, cada quadro do passado desencadeia as ações futuras. As unidades de espaço e tempo não são homogêneas, as ações de desenrolam, depois retornam como se fosse um “Ping-Pong”, um vai e vem constante.

O enredo se funda em uma troca conversacional em que a situação é insignificante, mas que as implicações traduzidas pela fala são fortes, pois permitem intervir conflitos, alianças, rancores, etc. A peça é formada por diálogos não realistas e o sentido da peça se constrói progressivamente, sem que nada seja dado de imediato. Em relação à forma que a informação é passada, de acordo com Ryngaert (1995) seria privada, ela é passada discretamente, tomando o aspecto de uma verdadeira conversação.

A primeira informação fornecida é o título, você se lembra, o qual se torna ambíguo, pois não existe pontuação, cabe ao leitor decidir se trata de uma pergunta ou uma afirmação. A peça nos deixa em dúvida, o titulo pode se enquadrar nas duas situações. O título é comentado durante o decorrer da peça. A intenção é deixar o leitor à deriva, capaz de criar sua própria interpretação.

A segunda didascália que nos é fornecida é o nome das personagens. Nesse caso são adotadas letras (A, B, C, D), novamente deixa o leitor sem informação suficiente para criar uma identificação. As personagens podem ser do gênero masculino ou feminino, nada é fornecido, nem as idades, aparências, etc., cabe ao leitor, ao desenrolar do texto, identificar os gêneros. Defini quatro personagens, ao invés de duas, porque foi a forma que escolhi para retratar as diferentes pessoas da sociedade, em casos e situações que se repetem. Vivemos uma vida calcada pela subjetividade e incomunicabilidade que aflora em todos os seres humanos da contemporaneidade. Para mim não bastava simplesmente retratar apenas um casal, mas sim mostrar ao leitor que essa situação está presente em muitas relações. É claro que isso poderia ser expresso em apenas um casal, como a forma de uma lupa na sociedade, focalizando o casal para retratar meu pensamento, mas o que acontece é que eu como dramaturga, escritora, tenho licença poética para criar a obra da forma que me parecer melhor. Desse modo são quatro personagens.

Em relação às outras didascálias, nada é fornecido. Nenhuma indicação de lugar ou sobre o tom das falas, nenhuma sugestão de figurino ou adereço, nada consta de especificações. É possível notar que os diálogos são contaminados pela narrativa ou descrição, existem indicações que poderiam constar nas didascálias, como por exemplo, a personagem B trazendo a flor ou a personagem D trazendo o bolo, etc. Todas as indicações da peça estão formadas no diálogo. A peça não contém qualquer rubrica, com o intuito de não “fechá-la”. Meu interesse foi criar uma peça possível a várias interpretações, apenas dependendo da escolha do encenador.

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