• Nenhum resultado encontrado

ACERVOS CONSULTADOS

E: Você unicamente, só?

FF: Sim.

ESA: O Rui Paz não estava lá para tocar?

FF: Não, acho que não. Mas ele não tocava viola, o instrumento dele era... não sei se ele não estaria em França, porque lá ele foi estudar música para o conservatório de Paris. É capaz de lá estar, já não o posso perguntar porque ele morreu.

192 FF: Não, não tenho muito essa memória, não. Nem sei se seria só eu a tocar viola ou se teria mais alguém. Talvez pudesse perguntar a outros que lá estavam, mas agora, neste momento não sou capaz de responder.

ESA: Uma das coisas que me chama a atenção nesse evento é o seguinte, como havia a censura tão grande, não é? Mas o evento teve uma repercussão. Mesmo o jornal que estava ligado à situação teve que noticiar o facto, não foi assim?

FF: Sim.

ESA: Mesmo que resumidamente?

FF: Sim, sim. Houve um comunicado feito pelo patriarcado alguns dias depois a contar o que se lá passou. O qual nós, as pessoas que tinham lá estado, um grupinho mais pequeno que fazia parte mais da comissão organizadora, respondeu colocando... respondeu ponto por ponto, emendando, retificando as coisas que estavam mal explicadas ou desvirtuadas no comunicado que foi escrito pelo patriarcado. Estes documentos acho que estão aí para qualquer lado, eu tinha isso. Portanto, houve um documento, um comunicado do patriarcado dizendo o que se tinha passado, mas depois nós achamos que aquilo estava cheio de incorreções, de interpretações falsas. E nós respondemos ponto por ponto, e emitimos outro comunicado dizendo que... acompanhava o outro, mas pondo em contraponto... ah... pondo as coisas no lugar certo. Pondo as coisas no lugar certo, ponto os “pontos nos is”, como se costuma dizer. As reações, as reações mais fortes foram por parte da imprensa ligada ao regime. Há um editorial do Correio da Manhã, três dias ou quatro dias depois, nos chamando de traidores, dizendo que aquilo que se passou lá foi uma traição, e uma traição... Por quê? Porque em vez de defendermos o esforço de guerra que Portugal está a fazer, enfim, para defender as colónias, etc., entramos por um caminho que não tem nada a ver com a defesa do ataque, enfim. E não foi o único. Houve outro jornal, não sei se... ou o Jornal das Novidades, agora é só ir à procura dos jornais da época... Mas onde, provavelmente, também denunciaram a nossa atitude, dizendo que atentava contra a unidade da pátria, que é una e

indivisível, o velho slogan da pátria una e indivisível. Portanto, foram várias as reações por

parte da imprensa pública autorizada na época.

ESA: Em relação à saída da igreja, depois da vigília. Vocês saíram em paz? Tinham forças de segurança lá? Tinha gente da PIDE a vigiar, ou não?

193 FF: Não, porque as coisas foram feitas com certo secretismo. Não foi difundida, né? Não foi divulgada a iniciativa. Portanto, não notamos que a saída, sei lá, 5h30 da manhã, como foi para aí escrito, mas não notamos que houvesse gente lá a ver como nós íamos, ou ver quem saía ou quem lá estava e etc. Não reparamos e nem demos conta que houvesse presença de pides à saída dessa vigília. Como dávamos conta em outras situações, não ligadas a, digamos, manifestações de católicos progressistas ou cristãos progressistas, como se queira chamar. Mas onde havia, por exemplo, sessões públicas de músicas, como houve no Coliseu, onde nós sabíamos que depois dessas sessões vinha a polícia atrás de nós, a seguir-nos os passos, irem atrás de nós a sabermos onde nós íamos, etc. A nos acompanhar e a tomar atitudes intimidatórias... Eu lembro de uma vez ou duas ocasiões, que sabíamos...

ESA: E entre essas atitudes intimidatórias que possam ter havido, alguém foi chamado para interrogatório, alguma coisa do gênero?

FF: Na sequência dessa vigília? Não sei, não sei.

ESA: Mas do grupo mais próximo a vocês, não?

FF: Sobre essa vigília... não, não sei, não sou capaz de dizer. Eu fui uma vez à polícia para interrogatório, mas foi na altura... nem sei se me perguntaram sobre a Vigília da Paz, mas acho que não. Foi na altura em que o padre Felicidade estava preso, nós lemos na missa um papel a exigir a libertação dele e tudo o mais, e a denunciar a injustiçada prisão dele. Depois assim... foi uma vez que fui interrogado pela polícia. Foi só uma vez, de resto...

ESA: Em que ano foi? E foi aqui mesmo em Lisboa ou em algum outro lugar?

FF: Não, foi no Barreiro. Portanto, estava eu no Barreiro, foi em 1969 ou 1970.

ESA: Antes dessa vigília?

FF: Ah...precisava eu agora comparar as datas. Só quando eu chegar a Óbidos é que posso tirar essa dúvida. Tenho fotocópia de todo o questionário, tirei do meu dossiê da PIDE, pedi fotocópia disso, está lá o original. E eu tenho uma fotocópia dizendo... com esse interrogatório de respostas. E, portanto, aquilo foi uma notícia de 1970. Suponho que tenha sido depois disso, porque eu já estava no Barreiro, estava numa outra casa. Sim, acho que foi depois

194 disso é que foi o interrogatório. Tenho que ver se há alguma pergunta em que eles se referiram...

ESA: Isso é depois da vigília [porque ele está a me mostrar uns documentos]?

FF: Que se refiram expressamente a vigília... suponho que não. Mas as atitudes que nós tomávamos, sobretudo depois do caso do Padre Felicidade Alves [a celebração do casamento e as denúncias feitas por Felicidade] teve uma repercussão enorme, e continuou, e continuou, e continuou, e nós nas missas, nas homílias, denunciávamos as situações, e às vezes no fim das missas, para não poder nos acusar de estarmos a aproveitar, digamos, o púlpito para difundir coisas políticas. Nós aproveitávamos as vezes o fim da missa para ler qualquer comunicado referente a cristãos presos ou a acontecimentos que tivessem se passado sobre a Guerra Colonial e etc. Mas... não sou capaz de dizer agora. Depois eu vou procurar nesse meu dossiê, ver se eles me fizeram alguma pergunta a respeito da Vigília de São Domingos.

ESA: E em relação à Cantata da Paz, você gravou em disco quando?

FF: Depois da vigília, depois disso, então gravei em 1970. Tinha gravado em 1969 um pequeno disco... de cinco rotações. Depois, em 1970 gravei um LP que chama Canções da Cidade Nova, onde eu incluí a Cantata da Paz. Mas não incluí o poema completo como nós cantamos na Vigília de São Domingos. Porque... para já porque era muito longo e eu ia ter que cortar algumas referências, algumas quadras, então eu cortei aquelas que eventualmente pudessem ter alguma conotação mais religiosa, digamos assim. Uma vez que o disco se destina a um grande público, um leque variado de ouvintes e de um público variado. E, por isso, eliminei algumas das quadras, por uma questão de público alvo, e por uma questão de não prolongar demasiado a música. Porque um LP tinha doze músicas, e não interessava que uma só ocupasse uma parte substancial da gravação.

ESA: E como foi a combinação com a Sophia para que isso fosse gravado?

FF: Não, não entrei em contacto com a Sophia. Limitei-me a, portanto, fazer uma escolha de algumas quadras só. Não sei se já não o teria dito ou não, francamente não me recordo. E eventualmente hei de ter dito. Imagine agora, a posterior ter-lhe dito: “Sophia, cantamos isso na Vigília de São Domingos e eu queria gravar, será que autorizas?”. Provavelmente hei de ter falado isso. Provavelmente. O mais natural é que o tivesse dito, obviamente. E tivesse comunicado que ia gravar.

195 ESA: E quando saiu em disco, como foi a difusão para o público? Teve algum tipo de resposta do público em geral? De associarem isso com a guerra colonial...?

FF: Hoje a música que mais vezes — quando eu vou cantar aqui ou acolá — que mais pessoas identificam como minha, como o meu ex-libris é essa: a Cantata da Paz e também a Cantilena [baseada no poema de Sebastião da Gama], que fala de um rouxinol, um pássaro que cortaram as asas e o bico e que não pode voar nem cantar. É, são estas duas: a Cantilena e

Cantata da Paz. E muitas vezes me pedem para cantar a Cantata da Paz. Ah... a repercussão

que teve o disco... A censura exercia sobre os discos depois de saírem. Embora houvesse mentalmente uma certa censura, a pessoa quando ia gravar alguma coisa não ia gravar coisas que sabiam que implicavam a apreensão imediata dos discos. Portanto, havia já uma pré- censura, uma pré-selecção, antes de pensarmos o que é que iríamos gravar. Mas o que é facto é que, tantos os discos do Zeca Afonso como de outros, como este meu também, aconteceu que depois muitos exemplares foram apreendidos. Foram apreendidos por quê? Porque ali estavam a Cantata da Paz e o Porque [também poema da Sophia].

Todos aqueles que continham para o poder e para a censura matéria mais do que suficiente para não difundirem, e para impedirem que houvesse a difusão de músicas subversivas, entre aspas. Portanto, foram muitos e muitos discos apreendidos, que quando chegavam às lojas dos discos e... “Disco do Padre Fanhais, está aí?”... e os donos das casas eram obrigados a entregar os discos que tivessem. Meus, do Zeca, de quem fosse. Eram assim que as coisas se passavam. Agora, as coisas tiveram repercussão sim porque tudo aquilo que nós cantávamos, tentávamos que viessem ao encontro das aspirações mais profundas das pessoas. E portanto era... e sabíamos muitas vezes, quando cantávamos em público, nas poucas vezes que conseguíamos furar a censura e furar a vigilância da PIDE. Porque música era um factor de agregação, era um factor de... estabelecia uma fraternidade grande entre todos. E um espírito de grande rebeldia e de consciência que as coisas tinham que mudar. E um espírito muito grande. Chamaria hoje, se fosse em outro contexto, de um espírito santo. Havia como que uma coisa superior a soma de todos que estávamos ali. Ainda hoje, nas tantas vezes que estamos a cantar, e no fim as pessoas gostam e batem palmas. Há qualquer coisa que a canção, que o poema, que a música, que todos criamos de novo, que é superior a soma de todas as pessoas que estão ali presentes.

ESA: Sim, tem um efeito transcendente.

FF: Um efeito transcendente, um espírito. Noutra altura, eu se tivesse lá chamava de Espírito Santo.

196 ESA: Agora, por favor, você pode me contar sobre a gravação do poema “Porque” da Sophia de Mello Breyner?

FF: Sim, portanto, eu fui convidado para fazer um LP em 1970. E tinha que arranjar repertório para esse LP, e falei com um amigo meu, o Francisco Fernandes, dizendo que tinha esse convite, tinha algumas músicas que queria gravar, e perguntei se ele tinha outras músicas que eventualmente ele pudesse sugerir para a gravação. E ele disse-me que tinha um poema da Sophia de Mello Breyner que se chamava “Porque”. Tinha feito uma música para esse poema. Fui à casa dele, ouvi a música e gostei. E disse: “Posso gravar isso?”. Ele disse: “Podes, claro que podes”. Depois falei com a Sophia também, dizendo: “Posso gravar?”. Tinha a intenção de gravar, acho que teoricamente ou legalmente não é preciso autorização escrita da pessoa. Quer dizer, comunica-se. É uma questão de ética, de cortesia, mas acho que não é necessário. Mas pronto, eu comuniquei à Sophia que ia gravar o “Porque”. E... pronto, o “Porque” e a “Cantata da Paz” passou a integrar o disco que chama “Canções da Cidade Nova”. E foi esse contexto muito simples, que eu tinha que arranjar repertório para o LP, que me levou a falar com o Francisco Fernandes. De resto, neste LP há outras músicas com outros poemas que não são da Sophia, mas que tem também música do Francisco Fernandes. Pelo menos mais duas ou três. Portanto, assim, computei esse repertório para gravar esse LP.

ESA: E a Sophia foi aos seus shows, tem essa lembrança?

FF: Não, não, nunca foi. Suponho que não.

ESA: Ela não estava curiosa, ou só comprava o disco?

FF: Nem sei se comprou ou se não. Imagino que devo ter-lhe dado um disco, que era o mínimo que se podia fazer, obviamente. Imagino que sim. Mas não creio que ela... não era uma pessoa, suponho eu, enfim... não me parece que... não me dei por conta que alguma vez ela tenha estado nos espetáculos e nem que tivesse participado... Não sei, acho que não.

197 ENTREVISTA COM NUNO TEOTÓNIO PEREIRA (POR ELOÍSA ARAGÃO)

LISBOA, 24 jan. 2014

ESA: Eloísa S. Aragão - Investigadora

NTPereira: Sr. Nuno Teotónio Pereira - Entrevistado E2: Irene Buarque (esposa de Nuno Teotónio)

ESA: O senhor poder comentar se recorda quando conheceu a Sophia de Mello Breyner?

NTPereira: Bom, foi na altura… no tempo do ditador Salazar, nós começamos a fazer umas reuniões de católicos que eram contra essas medidas... E... então foi quando começamos a nos conhecer melhor. E é muito activo nesse processo... foi o Tareco, o Francisco. Foi muito activo, falava com muitas pessoas, conhecia muita gente. Foi promover reuniões etc. Politicamente foi muito activo. E era mais do que ela claro, ela até não gostava muito, não era habitual dela escrever manifestos políticos, ela não fazia isso. E as suas opiniões sobre a ditadura do Salazar não me lembro de ter visto manifestos escritos por ela. Mas havia reuniões em sua casa, então ela participava activamente.

E havia uma... especialmente estou a lembrar agora sobre uma comissão que houve nessa altura, Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, onde havia uma polícia do ditador Salazar que era muito feroz e torturava pessoas em interrogatórios. Eu também fui preso uma vez, mais, fui três vezes... e então... lembro-me perfeitamente de quando foi o movimento do 25 de Abril, que naquela altura em Portugal houve uma carrada de presos políticos que o regime da ditadura tinha feito, e foram libertados. Foram libertados, e a certa hora foram divulgados os nomes para que as pessoas pudessem ir lá no presídio abraçar os amigos que estavam presos e estavam sendo liberados, e lembro-me de tudo isso.

Então, ela [a Sophia] também foi lá nessa festa de libertação. Foi a noite em que se abriram as portas da prisão e os presos políticos que estavam lá, incluindo eu, saímos para abraçarmos os amigos, a família e tudo isso. Esteve lá presente muito activa, muito afectiva e a abraçar todos aqueles que tinham sido torturados e que tinham estado presos, alguns muitos anos já.

ESA: O senhor se recorda da sua participação na “Velada de São Domingos” em 1 de Janeiro de 1969? Quando o senhor, ao lado da Catarina Pestana, Pedro Onofre e Francisco Solano de Almeida, foram falar com o Cardeal Cerejeira para ficar em vigília, protestando contra a guerra colonial? O senhor se recorda, pode falar a respeito?

198 NTPereira: Aconteceu uma coisa nesse ano, é que o Papa, já não lembro quem era.

ESA: João XXIII.

NTPereira: João XXIII declarou que, a partir dessa data, o primeiro dia do ano seria a comemoração da Paz. Bom, e portanto havia celebrações católicas em todo o mundo, a favor da Paz nesse dia 1 de Janeiro. E foi no ano em que ele fez essa declaração que um grupo de católicos aqui de Lisboa e de Portugal resolveu ir a uma celebração que houve na noite de 31 de Dezembro, na véspera do Ano Novo.

E então houve lá intervenções e o Cardeal Cerejeira, que era o bispo principal de Lisboa, fez o seu discurso, houve uma celebração religiosa, e quando acabou alguns de nós... Nós tinhamos combinado de continuar na igreja a fazer essa vigília. Porque achàvamos que Portugal estava em guerra, estava em guerra justamente porque havia torturas, prisões, muitos presos políticos e tudo isso.

ESA: E havia a guerra também em África.

NTPereira: Sim, e aqui em Portugal também uma situação de guerra, também aqui em Portugal. E então à saída foi um pequeno grupo. Quando o Cardeal Cerejeira ia a sair das portas da igreja de São Domingos, um pequeno grupo foi ter com ele e disse-lhe: “Olhe, nós vamos continuar aqui nessa vigília pela Paz porque o país está em guerra. E, portanto, precisamos... vamos discutir, vamos conversar, vamos prestar informações sobre essa guerra, porque essa guerra vai ter que acabar, não podemos continuar assim nessa situação”. E o Cardeal Cerejeira ficou muito surpreendido e disse: “Bem, tá bem, se querem continuar aqui então podem continuar. Mas aquele prior da igreja vai controlar as vossas discussões, vai controlar as vossas intervenções. Vai controlar, continua aqui para controlar”.

Então, passamos toda a noite ali até de manhã cedo, e cada um dando o seu testemunho, falando daquilo que já tinha presenciado. De torturas nas prisões, a Guerra Colonial, a proeminência das colônias que Portugal era contra... E sobre a situação em África, então também falaram, que era preciso haver paz também nessas colônias em África, tinha que haver a independência das colônias, para se tornarem países próprios e independentes, e passamos a noite nessa discussão. Prestamos informações e falamos uns com os outros em voz alta e, de vez em quando, o prior da igreja, que estava lá de vigilância, fazia uma intervenção a dizer: “Não, nesse assunto não se pode tocar, nesse assunto não se pode falar”.

199 Mas continuávamos a falar, e ele teve que se render. A certa altura o prior calou-se, e nós falamos à vontade.

E eu creio que também estava lá nessa altura a Sophia. A Sophia também estava lá, também participou dessa vigília da Paz na igreja de São Domingos, em Lisboa.

ESA: E ela havia preparado o poema “Vemos, ouvimos e lemos”, não é? Poema que na versão original tem uma construção que faz uma espécie de ladainha, no rito católico...

NTPereira: É verdade, exatamente.

ESA: E vocês cantaram, enfim, pronunciaram e depois veio a se tornar a música “Cantata da Paz”, que o Francisco Fanhais gravou num disco em 1970.

NTPereira: Sim, sim. Exatamente, nessa altura nós tinhamos preparado a reunião e tínhamos falado com a Sophia e ela fez esse poema pela paz, que foi muito cantado lá, e depois continuou sendo muito cantado aqui em Portugal enquanto houve a ditadura: “Vemos, ouvimos e lemos”. E foi muito importante isso, muito importante.

ESA: À saída, o grupo saiu umas 5h, 5h30 da igreja... O senhor lembra se houve presença de policiais (pides) na saída, ou se houve algum tipo de perseguição/ameaça?

NTPereira: Houve a presença de pides, mas não fizeram nenhuma ameaça. Não prenderam ninguém, não fizeram ameaças, estavam calados, estavam ali a observar. Eles não tiveram coragem para fazer isso nesse dia, que era o dia dedicado à Paz, não tiveram coragem para fazer prisões políticas. Porque podia dar origem a muitos protestos, e depois a notícia ia para o estrangeiro e tudo isso, e a PIDE não quis fazer isso possivelmente até por ter recebido instruções do Cardeal Cerejeira.

ESA: Outro evento muito importante que o senhor também participou foi a vigília da Capela do Rato em 1972, não é?

NTPereira: Sim.

ESA: O senhor pode contar um pouco como é que foi? Parece que o senhor organizou a própria vigília da Capela do Rato?

200 NTPereira: Bom, vamos ver se eu me lembro. Eu me lembro da vigília, o motivo, a data... [tentando chamar o tema à memória]. Havia alguma data especial? Não me lembro...

ESA: Nessa vigília na Capela do Rato também houve o protesto pela independência dos países sob o domínio colonial português. Pelo que eu li, a repressão foi bem maior nessa vigília do que na de São Domingos.

NTPereira: Sim, sim, foi. Na primeira houve repressão, e passados uns anos então foi organizado... Como era o dia Primeiro de Janeiro, o dia da oração pela paz, então foi uma coisa organizada, em que a Sophia de Mello Breyner foi a principal organizadora.

ESA: Não, acho que na Capela do Rato foi a Conceição Moita, porque teve vários grupos, várias tendências, grupos clandestinos. Mas eram todos na maior parte católicos. Será que na Vigília da Capela do Rato a Sophia esteve presente? O senhor se lembra desse fato?

NTPereira: Olha, eu nunca ouvi falar muito da Sophia nessa vigília. Não me lembro, tenho que confessar que não me lembro.

ESA: E na Vigília na Capela do Rato, houve funcionários da repressão em algum momento?

Documentos relacionados