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O termo voluntarismo surgiu ao final do século XVIII nos Estados Unidos, consubstanciado a um projeto de independência e, a posterior formação de um estado nacional americano livre, sobretudo, no que se referia à interferência política,

econômica e religiosa da sociedade vigente. Com a criação das treze colônias norte- americanas, deu-se início ao processo de autonomia e emancipação dos seus cidadãos frente às questões de ordem social.

As colônias da Nova Inglaterra, como eram comumente chamadas, transformou- se no local onde essa prática do voluntariado rapidamente ganhou notoriedade e adesão por parte da população, convertendo-se posteriormente num princípio de ordem moral.

Os puritanos ingleses, os quais estiveram presentes como a principal representação dessa nova nação oriunda daqueles que pretendia uma espécie de Nova Inglaterra e que, surgia assentada nos ideias do progresso e da modernidade caracterizando-se pelo arrojo e pelo vanguardismo projetado nas suas decisões, como a liberdade religiosa e a autonomia política teve a influência de diversos grupos sociais, dentre eles, os que passariam a ser formados pelo conjunto das associações. O secularismo das suas ações foi a grande bandeira do período.

[...] Eles foram os emigrantes revolucionário-idealistas por excelência. Em termos religiosos, foram dissidentes radicais: não-conformistas por profissão e individualistas militantes por temperamento. Em termos cívicos e seculares, representaram as forças da modernização que iriam moldar a cultura americana (BERCOVITCH apud BAÍA, 1988, p. 144)45

45 BAÍA, Anderson da Cunha. Associação Cristã de Moços no Brasil: um projeto de formação moral,

intelectual e física (1890-1929). 2012. 214f. Tese (Doutorado em Educação). Belo Horizonte: UFMG, 2012.

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No caso particular das associações, percebeu-se que a formação desses grupos independentes trazia em si, a mística de valores como liberdade e respeito ao próximo, na resolução das mais variadas questões pertencentes à ordem do cotidiano. Sob a ótica dessa afirmação passaram a ser criadas associações voluntárias na América para todo e qualquer tipo de problema que vinha a ser diagnosticado. O que na Europa era um contraponto ao antigo regime, na América passou a ser redefinido como a aquisição de um direito social por parte dos seus cidadãos.

Ao viajar à América em princípios do século XIX, já com o processo de independência consolidado, o historiador francês Alexis de Tocqueville, logo notou que, as associações foram criadas naquele contexto com o propósito voltado para a organização e o fortalecimento das suas instituições sociais tendo como princípios fundamentais, o voluntarismo e a livre iniciativa dos seus indivíduos. Temas como liberdade e autonomia política que prescindiam o processo de escolha pelo sujeito por uma determinada agremiação coletiva funcionavam como uma prerrogativa irretocável no conceito norte-americano de sociedade do período em análise.

A viagem de Tocqueville aos Estados Unidos em 1831 é emblemática. Ele arranjou uma desculpa para a viagem, mas, em verdade, foi movido pelas inquietações que fervilhavam na França quanto aos rumos que a utopia democrática tomava naquele país, ao mesmo tempo que foi cotejá-la com o outro lado do Atlântico (WARDE, 2000, p.38-39)46

Associar-se a qualquer tipo de entidade coletiva significava sob a visão daquele conceito, portanto, uma maior liberdade de ação. Liberdade esta que foi sendo trilhada como resultado de uma relação de cumplicidade histórica entre o povo e as suas instituições sociais. O que acabou se diferenciando na dinâmica das relações, não era o objetivo inicial, mas sim a maneira como as incompatibilidades eram avaliadas e, como um grupo de pessoas reunia-se baseado no estabelecimento de um conjunto de decisões que iam de encontro às lacunas provocadas pela ineficiência das políticas públicas essenciais ao funcionamento e ao ajuste da vida comum. Dentre todas elas, as associações religiosas acabaram por assumir a primazia das mais importantes manifestações públicas nos Estados Unidos. Essas associações tornaram-se o marco fundador da história norte-americana.

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É pautado por este tipo de evidência que tentaremos compreender a transposição desse novo tipo de modalidade associativa para o Brasil e o que, de fato nos apropriamos no que concerne à singularidade dos problemas observados na conjuntura social brasileira. Como o país tentou se adaptar ao nível de exigência e organização das associações voluntárias? Qual o nível de aceitação e penetração dessas instituições perante as nossas classes sociais? De que maneira essas instituições conseguiram ser introduzidas e aos poucos se tornar uma opção frente ao espectro das nossas entidades coletivas? São esses os questionamentos que tentaremos nos aproximar ao longo da discussão que fundamenta este capítulo.

Percebemos no exemplo norte-americano que, as associações voluntárias estavam muito mais voltadas a um princípio de participação conjunta do que a mera oposição entre Estado e sociedade, isto é, o que estava em jogo era a construção de um comportamento social que não se submetesse perante a ação quase sempre coercitiva de um poder legitimamente representativo, mas que em muitos casos acabava agindo de formal ilegal e por diversas vezes negligente.

O seu aparecimento remontou-se ao interesse com que um determinado grupo de indivíduos se reuniu e passou a convergir os seus objetivos e intenções em torno da elaboração desse tipo de agremiação, seja ela de caráter esportivo ou não e que, na sua totalidade, as suas deliberações estavam alçadas a um determinado tipo de lacuna social. Ao se reunirem através de seus membros, estas associações imputavam a si mesmas, a maneira como se definiam e como conduziam o seu aparato administrativo na resolução dos problemas centrais. Havia nessa perspectiva a objetividade em torno de um consenso, de que algo necessariamente deveria ser feito seja qual fosse o ramo de atuação dessa instituição. Contrariamente a nós, o fato dos Estados Unidos terem sido colônia de povoamento e não, de exploração, estabeleceu-se entre os seus indivíduos, um nível de envolvimento político muito mais esclarecido enraizando na sua própria condição existencial, os sensos de justiça e liberdade.

A forma como o estado americano surgiu e como consequentemente, se tornou autônomo, contribuiu de maneira fundamental na elaboração e na consolidação de uma consciência nacional. Consciência que tinha a exata noção dos seus deveres, mas que também era ciente quanto aos limites de poder que estavam estabelecidos dentro dos seus direitos.

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A grande preocupação republicana, no entanto, voltou-se principalmente para as dimensões e usos desse poder na medida em que passaram a surgir, como indicado a linhas atrás, associações voluntárias a todos os tipos de interesse e necessidade sociais.

Esse expediente de risco assumido pela validade dessas associações acabou de certa forma, confundindo em alguns aspectos, o trâmite das obrigações legais de cada vertente, ou seja, até que ponto, a interferência no quadro dessas obrigações estavam objetivamente definidas entre os dois lados da questão, qual seja, a sociedade civil através de seus cidadãos ou o estado como o símbolo maior representando em sua maioria, os interesses da classe política? Eis o ponto nevrálgico em torno dessa demanda social.

Como mais uma vez observado por Tocqueville (2001), o poder associativo reputava-se inicialmente pelo caráter da visibilidade. Visibilidade que estava agregada ao domínio de um modelo de ascensão social do qual o indivíduo era parte e ao mesmo tempo se ancorava no centro de uma determinada representação.

Embora, o próprio autor estabeleça que isso seja resultado de uma aquisição social, o sentido coletivo sempre se mostrou como o parâmetro principal no disciplinamento das ações e na busca dos seus direitos nas associações norte- americanas. Elas se auto intitulavam nos Estados Unidos, como os olhos e os ouvidos da nação.

A premissa é que, com base no exemplo norte- americano, seja qual for a ordem geral dos problemas encontrados nessas associações, percebemos a priori47, a constituição de um conceito universal que nos mostra que a sua essência estava pautada por ideias de civilidade e afirmação positiva perante o restante daqueles que compunham a totalidade dos seus quadros sociais.

[...] Foram uma das mais importantes e visíveis manifestações públicas dos Estados Unidos. Das congregações religiosas às associações fraternais, dos clubes aos hospitais, àquelas organizações foram poderosas, constituindo mais de 10% da economia norte-americana e oferecendo aproximadamente 15% de todo o emprego privado (NASCIMENTO, 2008, p. 209)48

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A princípio, aquilo que precede.

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Em termos mundiais, a ACM (Associação Cristã de Moços) e as associações escoteiras foram nesse sentido, a maior expressão de diálogo e intercâmbio cultural desse tipo de agrupamento organizacional no nosso país. Ambas tiveram um poder de penetração em todos os estados brasileiros, sem exceção, pois trabalhavam no homem, caraterísticas que estavam voltadas para a formação como um ser visto na sua integralidade. Como bem afirma Jorge Carvalho do Nascimento (2008) “elas se popularizaram bastante no Brasil prestando serviços que objetivavam o atendimento das necessidades físicas, intelectuais e espirituais para o conforto moral da juventude”.49

No entanto, é necessário ressaltar que, embora fossem associações de caráter voluntário, tanto a ACM quanto as associações escoteiras, ambas na Inglaterra foram criadas baseadas em outros objetivos e com, um nível de comprometimento social bastante adverso do nosso, no que pese ao conjunto de modificações que foram aqui estabelecidas, quando da chegada dessas instituições no país nas primeiras décadas do século XX. Enquanto uma nasceu como um serviço de utilidade pública, a outra foi criada com as suas atenções voltadas para a formação e o desenvolvimento do caráter da juventude através das regras que eram estabelecidas por um código de conduta fomentado através das suas práticas.