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4 ASPECTOS DO PENSAMENTO DE ROUSSEAU NA IDEIA DE SOCIEDADE

4.3 Vontade geral, virtude e razão pública

A partir do que foi exposto no tópico anterior, podemos levantar o seguinte questionamento: o que torna possível a legitimidade e a estabilidade no mundo moderno? Na perspectiva rousseaunina, a legitimidade e a estabilidade do mundo moderno só seriam possíveis se suas instituições políticas fossem genuinamente favoráveis à liberdade e ao autodesenvolvimento de todos os cidadãos. Este interesse na liberdade é a chave interpretativa para compreender Rousseau, pois, este afirma que: “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres”.344 Assim sendo, em um mundo social legítimo e estável, as instituições compartilhadas não são expressão de interesses sectários de um ou de vários grupos poderosos, como Rousseau acreditava que seria o contexto da Europa de seu tempo. Em vez disso, as instituições políticas através de suas políticas públicas devem garantir a liberdade e a igualdade de todos.345 Em outras palavras, as instituições são legítimas e estáveis desde que assegurem o interesse básico e fundamental da liberdade ou as condições para o autodesenvolvimento daqueles sobre quem exercitam a coerção.346

O que Rousseau defende nas partes I e II do CS, é que no regime legítimo democrático, a obediência, na verdade, é uma forma de auto-obediência porque as pessoas obedecem às leis que atribuem a si mesmas em razão do interesse na preservação da liberdade e das condições de autodesenvolvimento e autoaperfeiçoamento de suas faculdades ao longo do tempo. Daí, explica Rousseau, a vontade geral expressar precisamente esse desejo de todos por causa dos interesses compartilhados em nossa liberdade e autodesenvolvimento. É o fato desses interesses comuns que tornam possível a vontade geral; sem eles, a vida política, sob as condições da modernidade, não seria possível.

A vontade geral, portanto, só quer o que todos os cidadãos devem desejar. Por quê? Porque a vontade geral é o bem comum,347 entendido como condições políticas

344

CS, livro I, cap. IV, Pléiade, t. III, p. 357.

345

CS, livro II, cap. IX, Pléiade, t. III, p. 391.

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Cohen esclarece que a capacidade para a liberdade, em Rousseau, significa resistir às inclinações. Isto significa que a causa que determina a vontade é o julgamento, e o que causa o julgamento é a faculdade da inteligência, o poder de julgar, a suspensão das inclinações. Assim, a base da natureza do agente moral é a capacidade de agir como agente responsável. Por essa razão, renunciar à liberdade é como renunciar à capacidade de ser humano, de possuir direitos de humanidade e deveres (COHEN, 2010, p. 28).

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Glen Allen defende que a ideia da vontade geral é uma critério utilitarista: “a vontade geral é de fato nada mais que um critério para a decisão social, o critério do maior bem, do maior número, segundo o qual se assume que cada indivíduo deseja seu próprio bem” (ALLEN, 1961, p. 265). De acordo com Rawls, “Para

necessárias para a realização dos interesses comuns dos cidadãos sob as condições da liberdade e do desenvolvimento pessoal. A própria vontade geral não tem conteúdo, não faz sugestões tangíveis ou concretas sobre o que a vontade geral exige na prática: isso deve e pode ser determinado pelos cidadãos em conjunto.348 Desse modo, a vontade geral é uma maneira de descrever um conjunto de condições institucionais, isto é, condições propícias à liberdade e autodesenvolvimento de todos os cidadãos. Ela, a vontade geral, é sempre reta porque se confunde com a ideia de bem comum.349

Como demonstramos anteriormente, Rousseau não deplora o interesse proprio, pois trata-se de um fato inevitável da natureza humana. Neste sentido, em se tratando de legitimidade e estabilidade, todo pacto social deve reservar uma espaço significativo em sua realização. Mas, ele lamenta a manifestação de um certo tipo de interesse próprio, o que o leva a fazer a distinção entre forças produtivas e improdutivas do interesse próprio. Mas, quais os recursos que Rousseau fornece para desenhar essa distinção? Ele diz que “se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento da sociedade, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou . (...) e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir”. 350 Portanto, é unicamente em termos deste interesse comum que a sociedade dever ser governada.

A passagem acima é fundamental para o argumento que Rawls apresenta nas LHPP. Nela, Rousseau reafirma sua ideia de que todas as pessoas, em virtude de sua humanidade, têm um interesse básico no livre auto-aperfeiçoamento. Isto, no entender de Rawls, é congruente com a perfectibilidade, capacidade exclusivamente humana descrita pelo pensador de Genebra no DOI. Neste sentido, a perfectibilidade é uma parte essencial do que nós somos. Portanto, conflitos de interesses são contigentes, pois existe uma

Rousseau, o bem comum (que é determinado pelas condições sociais necessárias para que realizemos nossos interesses comuns) não pode ser definido em termos utilitaristas” (LHPP, Rousseau III, §1.2, p. 229).

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Rousseau afirma que “há comumente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta se prende somente ao interesse comum; a outra ao interesse privado e não passa de uma soma das vontades particulares. Quando se retiram, porém, dessas mesmas vontades, os a mais e os a menos que nela se destroem mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral” (CS, livro II, cap. III, Pléiade, t. III, p. 371)

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Rousseau assinala que “a vontade geral é sempre certa, mas o julgamento que a orienta nem sempre é esclarecido. É preciso fazê-la ver os objetos tais como são, algumas vezes tais como eles devem parecer-lhe e mostrar-lhe o caminho certo que procura, defendê-la da sedução das vontades particulares, aproximar a seus olhos os lugares e os tempos, por em balanço a tentação das vantagens presentes sensíveis com o perigo dos males distantes e ocultos. Os particulares discernem o bem que rejeitam; o público quer o bem que não discerne. Todos necessitam, igualmente, de guias. A uns é preciso obrigar a conformar a vontade à razão, e ao outro, ensinar a conhecer o que quer. Então, das luzes públicas resulta a união do entendimento e da vontade no corpo social, daí o perfeito concurso das partes e, enfim, a maior força do todo” (CS, livro II, cap. VI, Pléiade,, t. III, p. 380).

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necessária conciliação entre os interesses dos particulares.351 Rousseau vai ainda mais longe ao asseverar que há também uma simetria natural entre os interesses dos indivíduos e o bem comum da comunidade política, ou seja, os indivíduos não poderiam ter interesses diferentes da comunidade porque a comunidade não tem outros interesses além dos interesses dos particulares.352

O resultado de todo esse processo é surpreendente, pois até o burguês está sujeito a unidade: Como exatamente? Com base na análise precedente, está claro que Rousseau não pensa a vontade particular e a vontade geral como duas formas diferentes de vontade ou duas formas diferentes de querer. Ambas são compreendidas como vinculadas estreitamente ao exercício do poder político. Mas, fundamentalmente, são expressões do nosso interesse básico no livre aperfeiçoamento.353

A imagem de uma unidade burguesa é um ideal distante para Rousseau, visto que certos sistemas de crenças, como por exemplo, a ganância capitalista e o fanatismo religioso, têm o efeito de obscurecer o que a busca real e autêntica do interesse próprio exige. Embora compartilhemos um interesse subjacente em nosso livre aperfeiçoamento, encontramo-nos divididos sobre como alcançar tal condição, pois nossas crenças, ou melhor, nossas doutrinas abrangentes, em razão da forte exigência na tomada de decisões imediatistas, nos arrastam para o que nos é mais vantajoso, reforçando a visão de que o nosso próprio bem é inconciliável como o bem dos outros. Enfim, o cumprimento do interesse próprio é um jogo de soma zero.354

351

Em nota à tradução brasileira do CS, L.G. Machado observa que “não se supõe, pois, para que se estabeleça a vontade geral, qualquer acordo consciente e deliberado. Mesmo no concerto tácito ou não preparado das opiniões particulares (necessariamente discordantes, posto que correspondendo a impulsos individuais e a interesses privados), ela emerge natural e espontaneamente , pois que subjaz em todas as consciências capacitadas a exprimir-se” (ROUSSEAU, 1973, p. 53).

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Segundo Rousseau, “o soberano, sendo formado tão só pelos particulares que o compõem, não visa nem pode visar a interesse contrário ao deles, e, consequentemente, o poder soberano não necessita de qualquer garantia em face de seus súditos, por ser impossível ao corpo desejar prejudicar a todos os seus membros (...) e, também prejudicar a nenhum deles em particular” (CS, livro I, cap. VII, Pléiade, t. III, p. 363).

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É preciso não perder de vista a diferença entre o que Rousseau chama de vontade geral e vontade particular: “Os compromissos que nos ligam ao corpo social só são obrigatórios por serem mútuos, e tal é sua natureza, que , ao cumpri-los, não se pode trabalhar por outrem sem também trabalhar para si mesmo. Por que é sempre certa a vontade geral e por que desejam todos constantemente a felicidade de cada um, senão por não haver ninguém que não se aproprie da expressão cada um e não pense em si mesmo ao votar por todos? – eis a prova de que a igualdade de direito e a noção de justiça, por aquela determinada, derivam da preferência que cada um tem por si mesmo, e, consequentemente, da natureza do homem; a prova de que a vontade geral, para ser verdadeiramente geral, deve sê-lo tanto no objeto quanto na essência; a prova de que essa vontade deve partir de todos para aplicar-se a todos, e de que perde sua explicação natural quando tende a algum objetivo individual e determinado, porque então, julgando aquilo que nos é estranho, não temos qualquer princípio verdadeiro de equidade para guiar-nos” (CS, livro II, cap. IV, Pléiade,, t. III, p. 373).

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Rousseau argumenta que “Se, quando o povo suficientemente informado delibera, não tivessem os cidadãos qualquer comunicação entre si, do grande número de pequenas diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa. Mas quando se estabelecem facções, associações parciais a

A grande preocupação de Rousseau é expor que não devemos deixar que nossas crenças nos levem a uma visão de curto prazo. Não devemos deixar que nossas crenças minem a possibilidade das vantagens mútuas da coperação política. É fácil observar como esse erro se manifesta na prática política real: determinados cidadãos buscam se apropriar dos instrumentos do poder político para satisfazer os seus próprios interesses, mas são demasiados míopes para reconhecerem que, no meio plural, esta não é uma perspectiva sustentável ao exercício do poder político.355 Esses cidadãos desconhecem o fato de que esse comportamento sectário pode eventualmente virar-se contra eles. E, assim, ao assumirem posições que, por exemplo, prejudicam políticas públicas necessárias ao livre desenvolvimento de todos, serão forçados à liberdade.356 Apesar da linguagem inflamada, Rousseau revela grande intuição ao perceber a riqueza desse aspecto teórico.

O aspecto fundamental da lógica do argumento é a possibilidade de superação desse antagonismo existente nos interesses mais profundos que compartilhamos. Assim, torna-se inócua a dicotomia entre o solitário e o patriota. Em vez disso, a posição mais produtiva e relevante a ser adotada, é a que reconhece essa tensão na filosofia política de Rousseau entre o burgês e o cidadão. Entre aquele que persegue obstinadamente seus intereses próprios – que procura insistentemente se apropriar dos instrumentos do poder político –, e o potencial existente para a realização do bem comum, isto é, para a criação de condições e instituições propícias ao livre aperfeiçoamento de todos. A nosso ver, essa interpretação é mais produtiva e interessante porque as duas possibilidades nela presentes fazem parte do mesmo universo moral, ou seja, essa tensão entre o burguês e o cidadão tem lugar na esfera política da comunidade.

expensas da grande, a vontade de cada uma dessas associações torna-se geral em relação a seus membros e particular em relação ao Estado: poder-se-á então dizer não haver mais tantos votantes quantos são os homens, mas somente tantos quantas são as associações. As diferenças tornam-se menos numerosas e dão resultado menos geral. E, finalmente, quando uma dessas associações for tão grande que se sobreponha a todas as outras, não se terá mais como resultado uma soma das pequenas diferenças, mas uma diferença única – então, não há mais vontade geral, e a opinião que dela se assenhoreia não passa de uma opinião particular” (CS, livro II, cap. II, Pléiade, t. III, p. 371-372).

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Rousseau pondera que “Assim como a vontade particular age sem cessar contra a vontade geral, o governo despende um esforço contínuo contra a soberania. Quanto mais esse esforço aumenta, tanto mais se altera a constituição, e, como não há outra vontade de corpo que, resistindo à do príncipe, estabeleça equilíbrio com ela, cedo ou tarde acontece que o príncipe oprime, afinal, o soberano e rompe o tratado social. Reside aí o vício inerente e inevitável que, desde o nascimento do corpo político, tende sem cessar a destruí-lo, assim como a velhice e a morte destroem, por fim, o corpo do homem” (CS, livro III, cap. I, Pléiade, t. III, p. 421).

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Rousseau entende que “é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa condição constitui o artifício e o jogo de toda máquina política, e é a única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos” (CS, livro I, cap. VII, Pléiade, t. III, p. 364).

Esse aspecto central do argumento de Rousseau parece sugerir que a ascensão do geral sobre a vontade particular ocorre de forma mais consistente no transcurso do tempo, pois as instituições tendem a transformar de forma equânime as visões de mundo e os valores dos indivíduos que vivem sob suas influências, ou seja, devem transformar a parcialidade instintiva em uma vontade de igualdade. Em certo sentido, isto explicaria o sentido liberal das instituições descritas por Rousseau nas partes I e II do CS, cujas características devem precisamente ter esse efeito. Em outros termos, a sociedade da vontade geral, cujos atos e políticas públicas são expressões genuínas da vontade geral, deve, de acordo com o princípio filosófico defendido por Rousseau, ser a vontade geral suprema nos corações dos cidadãos. Se as instituições educam, é razoável acreditar que os sistemas de crença não construtivas e sectárias serão transformadas pelo vínculo com elas.

Após essa breve caracterização do sentido e significado da vontade geral no corpus teórico rousseauniano, cumpre agora examinar a influência de Rousseau na formação da ideia de sociedade bem ordenada em Rawls, a partir da relação que este último estabelece entre seu conceito de razão pública e o conceito de virtude do primeiro.357

O que Rousseau chama de virtude,358 Rawls denomina de autonomia plena. Mas a estrutura de ambos os conceitos parece ser a mesma, isto é, a virtude e a plena autonomia são alcançadas nas ocasiões em que a vontade particular é subsumida sob a vontade geral. Em PL,Rawls assinala que a autonomia plena “ é realizada pelos cidadãos quando eles agem em conformidade com princípios de justiça que especificam os termos equitativos de cooperação que esses cidadãos dariam a si próprios, caso se deixassem representar de forma equitativa como pessoas livres e iguais”.359 Podemos, intuitivamente , querer ver nossa própria doutrina abrangente institucionalizada na estrutura básica, em razão de seus benefícios e em detrimento de todos os outros indivíduos. No entanto, a autonomia plena é a expressão do nosso compromisso com princípios e condições políticas e sociais que favoreçam o livre desenvolvimento pessoal de todos os cidadãos,

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Em seu artigo “Rawls on Rousseau and the General Will”, Brooke pondera que os princípios de justiça ralwsianos, que conectam autointeresse, imparcialidade e o foco nas regras gerais, são apresentados estruturalmente de forma análoga à noção de vontade geral de Rousseau. Ver Brooken, 2015, p. 419-430.

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Bignotto esclarece que não se pode perder de vista que, em Rousseau, não há um sentido único de virtude: “Há entre o indivíduo e o cidadão uma tensão que não parece ser inteiramente resolvida senão em momentos muito especiais da história. No Contrato Social, Rousseau investiga as condições em que esse encontro pode se dar de forma harmoniosa. Fora, porém, dessa configuração ideal, convivem no pensador genebrino dois modelos de vida que, sem ser excludentes, apontam para realidades bastante distintas. De um lado está a polis antiga com suas realizações; de outro, as pequenas comunidades familiares fechadas que realizam o ideal de autarquia” (BIGNOTTO, 2010, p. 109).

359

independetemente de suas crenças privadas ou do arranjo dos fins escolhidos. Neste sentido, Rousseau e Rawls estão trabalhando na mesma tradição, e suas respectivas filosofias, apesar de suas muitas diferenças, compartilham os mesmos objetivos: a liberdade e a igualdade.360

Essa afinidade entre Rousseau e Rawls é plenamente reconhecida por este último. Uma prova cabal desse vínculo fica evidente na seguinte passagem do PL: “a razão pública, com seu dever de civilidade (...), de certa forma é reminiscente do Contrato Social de Rousseau. Ele entendeu o voto como um ato que idealmente expressa nossa opinião sobre qual das alternativas é a melhor para promover o bem comum”.361 Assim, a razão pública é a razão dos cidadãos porque estes tentam explicar suas preferências políticas aos seus companheiros, de forma que todos possam endossar, levando-se em conta , em primeiro lugar, a moralidade religiosa ou filosófica privada de cada parte; em segundo, e mais relevante, o interesse de cada uma das partes em seu livre desenvolvimento. A razão pública, em outras palavras, é a expressão mais completa e essencial da plena autonomia, pois é preciso aprender a pensar e falar com referência ao bem comum, entendido como as condições institucionais que favorecem o autodesenvolvimento livre e universal, evitando a referência exclusiva aos princípios dogmáticos do sistema de crenças privado. Esta é a ação mais indispensável quando se trata da questão da estabilidade política. E é esta transformação psíquica tão essencial e almejada por Rousseau, que Rawls procura aprofundar.

Adotando visivelmente uma atitude roussseauniana em relação à questão da socialização política, Rawls acredita que as instituições bem ordenadas tendem a liberalizar as tendências autoritárias e dogmáticas das doutrinas abrangentes com as quais os indivíduos entram em contato. Em PL,362 descreve precisamente essa transformação salutar realizada pelas doutrinas abrangentes na fundamentação e viabilização da justiça e da

360

Patrick Ryley defende que Rousseau buscou estabelecer um ponto de equilíbrio entre a chamada liberdade moderna do indivíduo, que se exprime na ideia de vontade, e a igualdade característica da antiguidade, simbolizada no conceito de geral. (RYLEY, 2006, p. 127 ss).

361

Essa afirmação Rawls no PL (PL, VI, § 2.4, p. 219-220), expressa, de certa forma, a posição de Rousseau no livro IV.2.8 do CS: “O cidadão que consente todas as leis, mesmo as aprovadas contra a sua vontade e até aquelas que o punem quando ousa violar uma delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral: por ela é que são cidadãos livres. Quando se propõe uma lei na assembleia do povo, o que se lhes pergunta não é precisamente se aprovam ou rejeitam a proposta, mas se estão ou não de acordo com a vontade geral que é deles; cada um, dando o seu sufrágio, dá com isso a sua opinião, e do cálculo dos votos se conclui a declaração da vontade geral. Quando, pois domina a opinião contrária à minha, tal coisa não prova senão que eu me enganara e que aquilo julgava ser a vontade geral, não o era. Se minha opinião particular tivesse predominado, eu teria feito uma coisa diferente daquela que quisera; então é que eu não seria livre” (CS, livro IV, cap. II, Pléiade, t. III, p. 440-441).

362

estabilidade, situação que não passou despercebida aos olhos de Rousseau. Em outras palavras, em seu percurso teórico, mas precisamente de TJ para LP, Rawls compartilha essa visão essencialmente rousseauniana: que a estrutura básica constitui o indivíduo enquanto cidadão, e que, por extensão, a ausência de uma estrutura básica impede a emergência completa do sentido moral necessário à cidadania.

Na verdade, os princípios de justiça orientam eficazmente a conduta dos cidadãos, desde que publicamente promulgados, isto é, institucionalizados na estrutura básica. Nesta linha de raciocínio, Rawls afirma que “ a educação moral foi regida pelos princípios do direito e da justiça com os quais concordaria numa situação inicial na qual todos tivéssemos uma igual representação como pessoas morais”.363 Em seguida, reiteira que os princípios de justiça “regem as práticas de instrução moral em uma sociedade bem ordenada”.364 Portanto, segue-se que, para Rawls, assim como para Rousseau, ao viver-se