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O PODER E SUAS MANIFESTAÇÕES

3. O ESTADO DE RORAIMA

6.2 O VOTO DO MINISTRO MENEZES DIREITO

Foi proferido na sessão plenária ocorrida no dia 10/12/2008, quando os Ministros do STF se reuniram para darem continuidade aos trabalhos suspensos na sessão ocorrida no dia 27/08/2008.

O Ministro Menezes Direito, ao longo das 60 laudas do seu voto, tal qual o seu colega Ministro Ayres Britto, deteve-se atentamente a todos os pontos invocados pelas partes, analisando-os minuciosamente, invocando, para isso, o

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<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=612760&tipo=AC&descricao=Inteiro %20Teor%20Pet%20/%203388>. Acesso em: 18 fev. 2012. O voto do Ministro Menezes Direito iniciou-se na página 359 e encerrou-se na página 418.

apoio de diversas ciências a fim de obter uma solução científica para o conflito social que emergia dos autos.

Neste sentido, solicitou estudo técnico ao IBGE acerca da situação fundiária dos indígenas. O mapa traçado pelo IBGE revelou a quantidade de terras indígenas no Brasil, a sua situação jurídica (delimitadas, homologadas, encaminhadas a registro de imóveis e regularizadas – exclusive as terras em estudo), a quantidade de terras ocupadas em Km², terras em áreas de fronteira, dentre outras. Em relação ao Estado de Roraima, identificou a quantidade de terras indígenas existentes, área total, população, etnias, densidade demográfica, proporção das terras (na forma percentual) em relação àquele Estado e ao Brasil. O Ministro apresentou ainda dados econômicos das populações indígenas no Estado de Roraima, inclusive com o giro financeiro anual estimado.

Recorrendo à Antropologia, citou o famoso antropólogo francês Claude Lévi- Strauss, como também o célebre antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, e, percorrendo o ambiente da História, colacionou fragmentos de Sérgio Buarque de Holanda, tudo isso para desvelar o universo indígena, concluindo pela necessidade de preservação das sociedades indígenas e pelo respeito às mesmas, tendo em vista que os indígenas são tão brasileiros como os não índios.

Com suporte técnico, asseverou que a proteção constitucional aos indígenas não é segregacionista, confiando que a decisão a ser tomada pela Corte Suprema saberia valorizar a viabilidade da comunhão e a integridade fraterna da diversidade cultural das terras brasileiras.

Com base em pressupostos técnicos e científicos, sem descuidar-se da sensibilidade que o caso requeria, o Ministro adotou uma posição conciliatória, visando espargir justiça, sem, contudo, alimentar conflitos, mas antes evitá-los.

contraditório e à ampla defesa, entendeu acertada a decisão que denegou o ingresso do Estado de Roraima na lide como autor/réu ou litisconsorte, aceitando-o apenas como assistente.

Em seguida, passou às questões de mérito. Embora tenha constatado que o processo demarcatório seguiu as normas infraconstitucionais em vigor, percebeu que em virtude da magnitude desta questão, confiar o laudo antropológico a apenas um antropólogo seria temerário, sendo mais recomendável reparti-lo entre três profissionais da área, o que facilitaria o debate da questão, mitigando a possibilidade de inclinações pessoais ou ideológicas macularem o processo. Todavia, entendeu que a subscrição do laudo antropológico por apenas um antropólogo não viciou o processo. Mas recomendou que, no futuro, os laudos fossem assinados por três antropólogos, pois essa era a forma mais condizente com o querer constitucional.

Apontou, ainda, a necessidade de oitiva, por parte do Presidente da República, do Conselho de Defesa Nacional, no caso de demarcação de terras situadas em áreas de fronteira. Entretanto, não visualizou, na abstenção ocorrida nesse caso, um fator apto a anular o processo. Nada obstante, no futuro, essa diretriz deveria ser seguida.

Pontuou ainda diversas pequenas irregularidades que não tinham o condão de anularem o processo, mas que deveriam ser observadas a fim de mantê-lo hígido e consonante com as disposições constitucionais. Assim, tendo como norte a Constituição, e ressaltando que ela era suficiente para a solução do conflito, recomendou a sua observância no processo demarcatório.

Assinalou que o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos pelos indígenas não é absoluto, podendo ser relativizado pela União, através de Lei Complementar. Tal usufruto também sofre restrições no que diz respeito à exploração de recursos hídricos, potenciais energéticos, pesquisa e lavra de recursos naturais, que ficam condicionados à prévia autorização do Congresso Nacional. A garimpagem e a faiscação são também dependentes de autorização dos órgãos competentes.

Em relação à Segurança Nacional, foi ventilado que esta não se limita às questões militares, sendo o conceito muito mais abrangente. Para ilustrar o seu raciocínio, citou a questão da malha viária, que é de fundamental importância para a defesa nacional. Por isso, impôs mais uma restrição ao usufruto indígena, ao deixar consignado que a expansão estratégica da malha viária, assim como a exploração de alternativas energéticas de índole estratégica e o resguardo das riquezas, também estratégicas, poderiam ser efetivados independentemente de consulta às comunidades indígenas que nelas habitassem, bem como à FUNAI.

No mesmo sentido deu-se com os empreendimentos militares, posto que a instalação de bases militares, postos, unidades e demais aparatos ou atividades das forças armadas, dentro das suas atribuições, assim como a atuação da Polícia Federal, poderiam ser realizadas sem consulta à FUNAI e aos silvícolas.

Ao tecer considerações sobre a dupla afetação das terras como indígenas e de preservação ambiental, mostrou ser plenamente possível e até reciprocamente vantajosa, entendendo que o meio ambiente é um bem de todos os brasileiros e de toda a humanidade, devendo ser bem protegido.

Ressaltou que os indígenas, em razão dos seus costumes e tradições, mantêm com a terra uma relação mais respeitosa, porém, como todo ser humano, está suscetível às vicissitudes da vida, podendo vir a degradar a natureza, como no caso dos danos ambientais provocados pelos indígenas no Parque Nacional do Araguaia, conforme relatou Maria Tereza Jorge Pádua em entrevista contida na obra organizada por Fany Ricardo, páginas 107 a 113.

Nessa ordem de idéias, o Ministro entendeu que as áreas das unidades de conservação encravadas em terras indígenas devem ser geridas pela União, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que é a autarquia federal competente para tal. Conquanto, deverá contar com a

forma opinativa. Ditos indígenas, no âmbito das áreas de conservação, poderão “realizar exclusivamente atividades de extrativismo vegetal, caça e pesca nos períodos e condições estipuladas pela administração” (p. 413). No entanto, a autarquia federal deverá levar em conta “as tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI.” (p. 413)

Quanto ao ingresso de não índios nas referidas terras, assentou que “Fica assegurado o trânsito de visitantes e pesquisadores nos horários e condições estipuladas pela administração” (413), isso tudo no interesse da preservação do ecossistema, pois o Ministro consagra a “preservação da natureza como bem maior de toda a humanidade”. Nas demais áreas, não afetadas à conservação ambiental, o ingresso, o trânsito e a permanência de não índios devem ser admitidos, desde que observadas as condições estabelecidas pela FUNAI, não sendo permitida a cobrança de quaisquer tarifas por parte dos indígenas. De igual forma, as estradas, os equipamentos públicos, as linhas de transmissão de energia ou quaisquer outros equipamentos e instalações públicas não sofrerão a incidência de tarifas.

O Ministro Menezes Direito, demonstrando bastante conhecimento da ligação do indígena com a terra, asseverou:

Não há índio sem terra. A relação com o solo é marca característica da essência indígena, pois tudo o que ele é, é na terra e com a terra. Daí a importância do solo para a garantia dos seus direitos, todos ligados de uma maneira ou de outra à terra. É o que se extrai do corpo do art. 231 da Constituição. (p. 377)

Consonante com esse princípio, o Ministro salientou os dispositivos constitucionais protetores dos direitos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas por eles, afirmando a imprescritibilidade e indisponibilidade das mesmas; a impossibilidade de arrendamento ou qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ali residente; a proibição da caça, pesca, coleta de frutos ou de atividade agropecuária ou extrativa por pessoas estranhas às populações indígenas locais.

Reafirmou a isenção de tributos sobre o patrimônio e a renda indígena, sobre o usufruto das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras por eles usufruídas.

Quanto à ampliação das áreas já demarcadas, o Ministro mostrou-se contrário, entendendo que sobre elas aplica-se a preclusão administrativa, de modo que referidas áreas não podem ser objeto nem de mitigação e nem de ampliação.

O voto do Ministro Menezes Direito reveste-se de fundamental importância para a pacificação das questões indígenas, pois, de maneira científica, deixa evidenciados os direitos desses povos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, ao tempo em que relativiza tais direitos, reafirmando a primazia do interesse público sobre tudo, inclusive, sobre as referidas terras, igualando índios e não índios sob a mesma medida, a brasilidade e os postulados constitucionais.