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O século XIX também ficou conhecido pelos estudiosos do poeta florentino como o Século de Dante, e isso não foi à toa. A Revolução Industrial em curso na Inglaterra do século XVIII, impulsionou uma série de transformações sociais e urbanas que puderam ser sentidas naquele país e, mais tarde, na França de Napoleão II, que incorreram em movimentos na Arte que se contemplavam continuamente com a temática e a forma de escrita do poeta.

Neste sentido, William Blake, que nascera em 1757 e morrera em 1827, ou seja, na virada do século da Revolução Industrial para a Era Vitoriana, surgiu como expoente e também como precursor de movimentos nas Artes Plásticas e na Poesia, tendo vivido experiências da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa. Cláudio Willer

28 Disponível em: <http://www.italian.bham.ac.uk/research/dante.shtml> 29

Disponível em: <http://www.hull.ac.uk/dante/>

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Disponível em: < http://www.leeds.ac.uk/italian/centrefordantestudies.htm>

(2007), em seus estudos sobre o Gnosticismo na Arte, aponta uma citação de Hutin sobre Blake como um “poeta e visionário, que reencontrou as atitudes e as imagens mesmas do pensamento gnóstico: reencontram-se nele as mais fantásticas cosmogonias da gnose cristã” (HUTIN apud WILLER, 2007, p.162). Blake, no mesmo estudo, também é colocado como precursor dos movimentos realistas e decadentistas nas Artes Visuais e do movimento romântico da Literatura Inglesa, mesmo antes da geração de Lord Byron e Mary Shelley, conforme ilustra o trecho a seguir:

Por vezes ainda classificado entre os pré-românticos ingleses junto com Young, Chatterton e Macpherson, Blake, na verdade, foi um hiper-romântico pela defesa da liberdade de criação e da originalidade; e, principalmente, da imaginação como faculdade criadora, de modo semelhante a Coleridge ou Baudelaire. (WILLER, 2007, p.162)

Tal argumento, ajudaria a explicar a rejeição que Blake teve à sua obra em vida. Por sua temática, contrária às características do movimento posteriores à Revolução Industrial que procuravam no retorno à natureza a rendenção da beleza, Blake assumiu um papel reformista, escrevendo poemas ricos em uma iconografia própria que procurava a criação de uma nova mitologia. No primeiro trabalho explorado por Willer (2007): The

Everlast Gospel, Blake inicia uma crítica aos Evangelhos, conforme descreve a seguir:

Em The Everlasting Gospel, Blake interpretou o Novo Testamento de modo afim a um gnóstico marcionita, um adepto da separação total entre doutrina cristã e a lei mosaica. E de heréticos que viriam a encabeçar as rebeliões que precederam a Reforma Protestante, como Wycliff e Huss, nos séculos XIV e XV: os insurretos que combateram a hierarquia eclesiástica em nome do que proclamavam como verdadeiro ensinamento de Cristo, sustentando que a fé tinha que preceder o dogma. (WILLER, 2007, p.163).

Tal trabalho irá tornar-se contundente nas demais obras iniciadas por ele, chegando ao ápice em O Casamento entre o Céu e a Terra, que trata de uma suposta reconciliação surgida entre Deus e Lúcifer, onde temas como “a beleza da nudez feminina, a luxúria do bode e a fúria do leão serem manifestações de Deus.” (WILLER, 2007, p. 167).

Além de sua temática focada no além-mundo, há outras referências que o artista trouxe dos poetas italianos, que apesar de não exploradas por Willer em seu estudo, são evidentes o suficiente para serem exploradas aqui. A começar pelos símbolos e metáforas, no poema The French Revolution, em que ele usa a expressão “O Império Caiu! E agora o Leão e o Lobo terão fim” 32, mesmos animais usados por Dante para representar o Império e o Papado. As semelhanças não ficam só nas metáforas, a própria configuração dos personagens

na narrativa, onde seres míticos e históricos aparecem na mesma rede pode ser vista tanto em Dante quanto em Blake:

Em Blake, são encontradas divindades e entidades pertencentes ao âmbito de religiões e mitologias historicamente existentes: Jesus Cristo, Jeová, Lúcifer. Vêm em companhia de personagens históricos: Milton, Swedenborg, Newton, Locke, Jefferson. Mas predominam entidades não-existentes, no sentido de serem inéditas antes do poeta criá-las. Assim, nas quatro páginas de The Song of Los são mencionados os bíblicos Adão, Noé, Abraão e Moisés; os extra-bíblicos Brahma e Trimegisto; os historicamente reais Maomé, Newton, Locke, Rousseau, Voltaire; e os blakeanos Los, Urizen, Rintrah, Palamabrom, Har, Oothoon, Theotormon, Anthamon, Leutha, Enitharmon e Orc. Entidades e pessoas reais passam à condição de protagonistas ou figurantes do novo mito, em um sincretismo tipicamente romântico. (WILLER, 2007, p.180)

Desta, sem discutir as diferenças de estilo e língua, é notória a semelhança temática que Blake traz à sua obra com relação a Dante, mesmo que assumindo posições próprias, divergentes da doutrina católica ou da doutrina de qualquer outra Igreja.

No campo visual, Willer (2007) também expõe as obras de ilustração de Blake como semelhantes à produção das iluminuras anteriores ao invento de Gutemberg e à indústria editorial. Seus trabalhos gráficos tinham no estilo e na temática medieval, a referenciação que necessitava para dar corpo ao seu trabalho, mas o mais importante que deve ser extraído da obra desse artista, é sua visão particular de mundo, fruto de seus estudos da gnose e da própria produção de sua vida. De acordo com Willer (2007): “Ao sustentar a realidade de suas visões, Blake formulou uma poética do delírio.” (WILLER, 2007, p.184) e tal atitude fez com que sua sociedade o posiciona-se como louco; de forma a não só depreciar, como também rejeitar seu trabalho, no entanto, nenhum de seus estudiosos categorizados o incluiu em registros psiquiátricos e as principais mentes da cultura britânica do século de sua morte absorveram as tendências e espírito de sua época, representado em sua obra visual e literária. Não somente na Literatura e Pintura, mas também nas transformações sociais e políticas vindouras neste século de transformações.

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