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xepenẽ, (folhas não identificadas, de cheiro forte) 4 akukuto, colar de sementes

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Com a terapia xamânica correta, pode-se reverter a situação original de doença e, uma vez atingido o sucesso com a cura, este ex-doente passará a pagar sua “dívida” com os apapaatai “amansados” pelo resto de sua vida através da realização periódica de rituais endereçados a estes seres, nos quais são ofertados alimentos e belezas musicais e coreográficas. Se tudo for feito corretamente, nunca mais este ex-doente adoecerá por causa deste apapaatai aliado, somente outros poderão invadir seu corpo em busca de sua alma.

Todo este cenário da doença e da cura, da ética e da estética, de reciprocidade e perigos, pode revelar uma sociedade assolada por uma espécie de ditadura sobrenatural que a obriga a se conformar com aquilo que seu mundo oferece, não podendo desejar o que está para além de suas possibilidades. É verdade que a cosmologia Wauja tem sua face verdadeiramente política, aquela de uma política cósmica que funciona como um mecanismo controlador da sociedade. Mas os Wauja não controlam seus pensamentos por serem “dominados” por apapaatai, e sim porque prezam o

controle e a vigilância da sociedade122. E entretanto, o que o etnógrafo constata

na aldeia Wauja é que se trata de um povo sorridente, alegre, afeito às práticas amorosas e sexuais, gozador, sempre bem disposto. Um conflito claro que se pode facilmente reparar ali, está relacionado ao mundo e às coisas do kajaopa, visto como um pólo causador de ansiedade e, conseqüentemente, de doença. Os mais velhos são os que se mostram mais preocupados com o assédio de bens dos “brancos” nas mentes de seus jovens. A preocupação reside no fato de que é muito difícil manter o desejo sobre tais “coisas” sob controle e a doença passa a ser quase inevitável123. Desta forma, resta saber como

compreender esta polaridade: de um lado, o controle e a vigilância social e cósmica, de outro, a convivialidade e o prazer. Creio que as considerações finais desta tese trarão algumas pistas: o controle (prazeroso) dos perigos e paixões não significa sua eliminação, mas sua boa dosagem.

Procurei até aqui mostrar de que forma as práticas rituais entre os Wauja têm lastros profundos com o xamanismo, entendendo-se este universo em sua amplitude, aquele de uma ética-estética nativa, sua patologia e música. No próximo capítulo, pretendo aprofundar estes pontos no âmbito do complexo iamurikuma/kawoká. No sentido de adensar as informações sobre os Wauja, e situar melhor os informantes que colaboraram neste trabalho, apresento a seguir um quadro das relações de parentesco entre estes principais informantes e uma breve biografia de cada um.

122 A vigilância e a disciplina na socialidade Wauja serão trabalhados mais adiante.

Trata-se de um traço do ethos xinguano (ver Gregor, 1982; Menezes Bastos, 1990, este último autor dando grande importância à capilaridade da vigilância xinguana, referindo- se a ela como “a gnosiologia da Fresta no Sapé”).

123 Observei que sempre que um grupo de pessoas vai para a cidade, alguns voltam

doentes. A explicação que me deram é a de que eles devem ter comido algo contaminado, não por germes ou bactérias, mas sim pela manipulação destes alimentos feita por mulheres menstruadas: nunca se sabe se a cozinheira está ou não neste estado. O outro motivo, não menos importante, é o de que os viajantes passam muitas necessidades na cidade e sofrem por desejos irrealizados.

Breve biografia dos principais informantes (em ordem alfabética):

Aianuke – A mais extrovertida das filhas de Atamai, hoje com 30 anos. É casada com Iamalui, 31 anos, com quem teve 4 filhos homens. Fala muito bem português, gosta de conversar e de contar detalhes picantes sobre a vida dos outros. Até onde sei, é a única mulher na aldeia a usar um implante contraceptivo, pois não quer mais ter filhos, pelo menos por enquanto. É bem informada sobre vários assuntos relativos ao mundo dos brancos, mas não gosta de participar dos rituais e diz não conhecer muito da tradição local. Morou durante dois anos em Colider (cidade ao norte da TIX) com sua irmã que era casada com Megaron Mekragnoti, primeiro índio a administrar o PIX. Aianuke afirma que prefere viver na aldeia do que na cidade, e diz que pretende ficar sempre ao lado de sua mãe. Durante a curta separação de seus pais, tomou o partido de sua mãe e, juntamente com seu marido e filhos, acompanhou-a em Canarana. Atualmente está vivendo com Iamalui e os filhos no Posto de Vigilância do Batovi.

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Ajoukuma – Filho de Katsiparu, hoje com 33 anos. Durante sua reclusão pubertária, sofreu de uma doença (não sei se por causa das ervas que lhes são ministradas neste período) que lhe deixou seqüelas físicas, tendo ficado com uma perna mais fina que a outra. No entanto, isto não o impede de participar dos jogos de futebol, assumindo, na maioria das vezes, a função de juiz. Casado com Autuiawalu (27 anos) com quem tem duas meninas e um menino, mas segundo me informaram recentemente, sua esposa foi embora para a aldeia Aruak juntamente com seus irmãos, todos filhos do falecido chefe Yawala, enquanto ele resolveu ficar na aldeia Piulaga com sua mãe. Ajoukuma é bastante habilidoso no desenho com canetas e papel, e obtive dele vários dos desenhos que aparecem nesta tese. Tornou-se pajé há alguns anos e, segundo ele, não por vontade própria. Segue um breve relato de Ajoukuma a respeito de sua iniciação xamânica.

"Para mim não foi bom. Não foi por vontade minha, eu não queria ser pajé. Eu fiquei doente, onça pegou, porque eu queria comer alguma coisa, não me lembro, peixe ou beiju, não tinha, fiquei querendo, não tinha comida, o apapaatai ianumaka me pegou, entrou no meu corpo. Fiquei doente, doente. Apapaatai chegou para mim e chamou "vamos andar", aí eu corri, voltei para casa, saí de novo correndo, correndo com apapaatai, o tempo passava. Meu tio, Itsautaku, veio falar comigo "que está acontecendo?", aí expliquei para ele "não, o apapaatai está me pedindo para correr", e o tio falou "então eu não vou te curar, não vou fazer pajelança, nada, o apapaatai que está pedindo para você correr, eu só vou te dar fumo", e me deu charuto. Me deu hoka, então eu sabia fumar cigarro de pajé, corria, então virei pajé. Meu tio me deu remédio para dar para apapaatai adaptar, então apapaatai ficou meu amigo, por isso até hoje estou com o apapaatai que adaptou em mim, acostumou, ficou amigo. Por isso, sou pajé, não foi minha vontade, o apapaatai que me procurou. Ninguém mais arrumou remédio para mim, ficou assim."

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Arapawa – Filho de Itsautaku, hoje com 26 anos, é casado com Maisa (21 anos), filha de Atamai. Têm 1 filho homem, e ela estava grávida quando saí da aldeia em 2002. O casamento não parecia ir bem, pois, segundo as fofocas locais, ele era muito ciumento. Arapawa estudou algum tempo em Canarana e hoje é professor contratado pela prefeitura para dar aulas na aldeia.

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Aruta - É um homem de aproximadamente 73 anos, filho de pai Mehinaku e mãe Wauja. Nasceu e foi criado na aldeia Wauja, mas conhece bem as histórias contadas pelos Mehináku. É conhecedor da maioria dos mitos e é cantor principal de muitas festas, dentre as quais de kaumai e yawari. Sua performance durante as narrativas míticas é muito apreciada, juntando crianças, filhos, genros e noras à sua volta124. Estes momentos proporcionam muitas risadas entre a audiência que também participa relembrando passagens esquecidas ou corrigindo alguma confusão na informação dada por ele. Estes foram os poucos momentos em que pude presenciar o que Ellen Basso (1985) identificou entre os Kalapalo por what-sayer, os comentadores. Aruta é casado

124 O filme “The Storyteller”, feito por Emiliene Ireland junto com a BBC, tem Aruta

com Iulamalu (com cerca de 65 anos), uma das principais chefes de huluki, “grupos rituais de trocas”, na aldeia, bem como uma ótima ceramista, assim como Aruta. Tiveram 5 filhos, todos homens, fato que poderia ser uma desvantagem, visto que a regra de residência prevê que os genros devam morar com o sogro durante os primeiros tempos de casado. Porém, devido a posição de Aruta no grupo, suas noras é que vieram morar em sua casa, à exceção de Iakupe, mulher de Tupanumaka, que não se adaptou entre as mulheres da casa, e voltou a viver com sua mãe. Hoje, por causa da idade, o chefe da casa não é mais Aruta e sim seu filho Ulepe que tem aproximadamente 45 anos, e é um dos cinco pajés da aldeia. Em minha primeira estadia na aldeia, os Wauja estavam de mudança de uma aldeia velha para a atual, e a casa de Aruta foi a primeira a ficar pronta, o que no mínimo significa que há uma boa organização do trabalho entre os moradores, talvez pelo fato de serem todos filhos e netos e não genros. Sua casa ocupa uma posição intermediária no traçado da aldeia, isto é, fica entre as duas facções políticas mais evidentes. Aruta é um homem muito ativo, passa horas do dia no mato, na roça ou pescando, está sempre indo ou vindo, raramente está sem fazer nada. Quando em casa, conserta o telhado, produz cestos, máscaras ou panelas de barro. Várias pessoas se referem à ele de forma carinhosa, sempre lembrando algo engraçado que ele tenha feito ou dito. Em 1998, foi meu principal informante.

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Atakaho - Irmão mais novo de Iutá, hoje com 42 anos. É cantor, flautista e especialista nas festas de wakure e kagapa. Casado com Waru (com 35 anos), com quem teve 8 filhos: 4 homens e 4 mulheres. Providenciou espontaneamente uma demonstração destas festas para que eu pudesse gravar e fotografar quando estive na aldeia em 1998.

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Atamai - Chefe da aldeia junto ao mundo dos brancos, filho do antigo chefe Malakuiawa, e irmão por parte de pai de Iutá, o chefe cerimonial da aldeia. Por exercer esta função de “primeiro ministro”, ou “embaixador das relações

exteriores”, sempre me hospedei em sua casa. Atamai tem hoje cerca de 60 anos, é casado com Pakairú, mulher Trumai de aproximadamente 58 anos. Possuem oito filhos, dos quais 6 são mulheres e 2 homens. Apesar de não se considerar mais o chefe da casa, pelo fato de, após ter contraído catarata e glaucoma, não poder mais contribuir para o sustento da casa pescando e caçando, mantém-se efetivamente como o sênior de sua casa. A visão deficiente o deprime muito e é a causa de muitas alterações em seu humor. Esta oscilação de humor é mal vista na aldeia, pois, de modo geral, não apreciam instabilidades emocionais nas pessoas. Quando adolescente, Atamai teve problemas reumáticos e foi viver no Posto Leonardo para receber assistência, tendo então sido “adotado” por Orlando Villas Boas durante alguns anos, ocasião em que aprendeu português e conheceu sua atual esposa. Além de sua doença, Atamai estaria seguindo as orientações de seu pai, pois, como Atamai não era o filho primogênito, e nem filho da principal esposa de Malakuiawá, seu destino já indicava que não poderia assumir uma chefia como a que seu irmão mais velho acabou por assumir. Este tipo de estratégia, de mandar algum dos filhos viver na cidade ou, naquela época, no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta, viver no posto de vigilância, representa a possibilidade dos xinguanos se instrumentalizarem para uma convivência menos desfavorável frente à sociedade envolvente. Sua chefia ainda hoje é contestada por muitos, mas ninguém parece habilitado a assumi-la. Recentemente soube que ele e sua esposa haviam se mudado para Canarana para que o filho mais novo, hoje com 13 anos, fosse estudar (há uma segunda versão desta viagem relatada na biografia de Pakairú). No entanto, já me informaram que, a pedidos da comunidade e também do presidente da FUNAI, ele retornou à aldeia e reassumiu seu cargo de chefia.

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Atsule – Filha mais velha de Atamai, hoje com 41 anos. É casada com Karito (ver biografia a seguir) com quem teve 7 filhos, e vive na mesma casa que seus pais. Diferente de outras irmãs que também vivem ali, assume uma postura de sênior, permanecendo mais tempo em casa, e executa menos

tarefas domésticas que elas. De modo geral, à exceção de Pakairú, as mulheres desta casa não costumam participar dos rituais, e algumas poucas vezes vi Atsule cantando no centro da aldeia. Ela também foi uma de minhas informantes para “assuntos domésticos”, aqueles mais voltados para a alimentação e o cuidado com as crianças.

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Aulahu - Filho de Itsautaku, hoje com 35 anos, é casado com duas irmãs que são filhas de Iatuná, com quem reside. Com a primeira esposa, chamada Yumakumalu (31 anos) tem 4 filhas, e com a segunda, Kahalá (27 anos) tem 2 meninos. Apesar das duas esposas serem irmãs, havia um certo desconforto, pois a mais velha reclamava da falta de atenção de Aulahu para com ela e este me relatou que estava muito difícil manter o casamento com as duas. Fala relativamente bem português (viveu um tempo sob a guarda de Joan Richards em Canarana) e conhece bastante bem as histórias e mitos de seu povo, muitos dos quais diz ter aprendido com seu pai e com seu sogro, a quem chama de tio. Não é comum para um homem de sua geração fazer tais relatos, e mesmo que conheçam os mitos, não se sentem autorizados a contar. Este não parece ser o caso de Aulahu, pois sempre esteve bem à vontade em narrar suas histórias, ao menos para mim.

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Ianahim - Filho de Itsautaku, hoje com 30 anos. É o “agente de saúde” da aldeia e já ocupou o cargo de professor da escola que os Wauja improvisaram no início dos anos 90. Homem muito esperto, inteligente e comunicativo, diferente de outros de sua geração, se manifesta na roda dos homens nos finais de tarde sempre que acha necessário, e é ouvido com muita atenção por todos. Está constantemente interessado em aprender coisas novas e tem grande fluência no português, além de ser dos poucos que sabe escrever em Wauja. Sempre muito simpático e envolvente, é casado com duas mulheres, a primeira é neta de Aruta, chamada Hekenpelu (25 anos), com quem tem 4 filhos, 1

homem e 3 mulheres. Sua segunda esposa, Matawitsa (21 anos), é neta de Atamai, e eles tiveram um filho que nasceu com problemas de saúde, vivendo desde que nasceu, em 1999, no Rio de Janeiro, onde foi adotado por uma família. Em 2002, sua segunda esposa estava grávida. Durante alguns anos Ianahim, esposas e filhos viveram no Posto Leonardo e depois na cidade de Canarana, período em que trabalhou como agente de saúde ligado à FUNASA. Atualmente voltou a viver na aldeia, morando com seu pai.

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Iatuná - Irmão de Iutá, com cerca de 55 anos. Casado com Kamiru, (filha de pai Kuikuro e mãe Yawalapití), hoje com cerca de 51 anos. Eles têm 9 filhos, 4 mulheres e 5 homens. Iatuná é o responsável pelas festas de iniciação masculina, pohoka, e feminina, kaojatapa. É também flautista e cantor. Conhecedor de muitos mitos, fez questão de demonstrar para mim partes da festa de pohoka, na qual várias pessoas tomaram parte cantando e dançando, e narrou-me o mito de origem desta festa.

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Itsautaku - Principal pajé da aldeia, hoje com cerca de 62 anos. Foi iniciado no xamanismo por Takumã, chefe Kamayurá. Casado com Punuto, cinco anos mais nova que ele, têm juntos 11 filhos: 6 mulheres e 5 homens. Sempre muito ativo, trabalha todo o tempo. Tem passado grandes períodos trabalhando na fazenda do Stênio, juntamente com alguns de seus filhos. Com este tipo de atividade, a família tem adquirido bens valiosos, como motor de barco, barco, antena parabólica, televisão, e mais alguns aparelhos, tais como gravadores, toca cd e tudo o mais que passa a ser necessário, como gerador, combustível e pilhas. Itsautaku é “dono” de vários rituais, dentre os quais iamurikuma, kawoká, tankuwara, sapukuyawá, kagapa, atujuá. Ele também já foi flautista de kawoká, porém, após ter adoecido e se tornado “dono” de kawoká, nunca mais tocou as flautas. Conhecedor da mitologia Wauja, sempre se mostrou muito disposto a me contar os mitos que lhe pedi. Pertence à facção oposta à

da chefia atual e, apesar de seus constantes esforços em patrocinar os rituais de que é “dono”, tem certa dificuldade em se impor frente à comunidade, pairando sempre a possibilidade de ser acusado de feitiçaria.

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Iutá – Também conhecido pelo nome de Mayaya, é o chefe cerimonial da aldeia, e tem aproximadamente 66 anos. É ele quem decide sobre as festas, possui grande conhecimento dos mitos e ritos de seu povo, e é o segundo filho do antigo chefe Malakuiawa. Contudo, este cargo originalmente não seria nem seu, nem de seu irmão mais velho, Kasuelê, que vive há muitos anos na aldeia Yawalapití. Seu pai escolheu como sucessor um primo de Iutá, chamado Iawala (também conhecido por Yakuí), que, após perder os pais, acabou sendo criado por Malakuiawa. O antigo chefe viu neste sobrinho as qualidades para ser seu sucessor, e foi para ele que dedicou maior atenção quanto à formação para a chefia, e não a Iutá. No entanto, pouco tempo depois que assumiu o cargo, no início dos anos 80, Iawala veio a falecer (a causa aparente foi a varíola, mas todos afirmam que ele morreu por causa de feitiço) ficando então para Iutá a responsabilidade pela chefia. Apesar de não ter sido diretamente preparado para o cargo, Iutá conviveu de perto com Malakuiawa, de quem aprendeu a tocar flauta kawoká e também todo o repertório de mitos Wauja. É casado com Ulusã, com cerca de 63 anos, com quem teve 4 filhos, 3 homens e 1 mulher. Durante minha primeira estadia na aldeia Iutá ficou doente, e só fui ter um contato mais estreito com ele nas demais vezes que voltei. A princípio ele se mostrou muito contrariado por eu estar gravando os cantos de iamurikuma e pedindo explicações para Kalupuku. Mas, como é um homem muito franco e direto, me confessou seu descontentamento, esclarecendo que é ele o “dono da aldeia”, e que portanto, é ele quem sabe e pode explicar os mitos e as músicas dos rituais, além de ser também um dos “donos” de iamurikuma que estavam patrocinando o ritual em 2001. Apesar deste contratempo inicial, ele me deixou claro que gostava de mim, aprovava nosso trabalho e que não estava triste, mas sim disposto a fazer todos os relatos necessários. Devo a ele grande parte do que exponho nesta tese sobre o iamurikuma. Há pouco tempo, fiquei

sabendo (através de um telefonema) que ele e sua família haviam se mudado para a aldeia Mehinaku, pois um de seus filhos estava sendo acusado de ser feiticeiro, principalmente pelas famílias da facção contrária à sua. Estas acusações já duram alguns anos, mas creio que, neste período elas devem ter se tornado mais freqüentes e graves. Neste período, seu irmão Iatuná assumiu a chefia. Contudo, creio que os ânimos esfriaram, pois ele e sua família estão novamente na aldeia Piulaga e, até onde sei, Iutá já reassumiu seu posto.

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Kalupuku - Irmã de Itsautaku (o pajé), neta do antigo chefe Topatari. Foi minha principal informante do sexo feminino durante toda a pesquisa. Tem aproximadamente 42 anos, 6 filhos e é viúva. Foi casada com um Kamayurá que foi executado há cerca de 10 anos, sob acusação de feitiçaria. Na época, estava grávida de sua filha mais nova. Vive atualmente em uma pequena casa que foi construída por seu genro Asalú (24 anos), filho do chefe Iutá e casado com Kayũ (18 anos). Somente sua filha mais velha, Kaminairu, de 26 anos, vive em outra casa com o marido, seus demais filhos residem com ela. É atualmente a maior especialista nos cantos femininos de iamurikuma, sempre liderando o grupo de cantoras, muita segura e precisa ritmicamente ao cantar um vasto repertório. Devo a ela todas as exegeses sobre os cantos de iamurikuma apresentadas nesta tese. Durante suas performances, sua filha menor (que nasceu com síndrome de down) permanece a maior parte do tempo a seu lado. É considerada uma das melhores ceramistas da aldeia, o que lhe confere uma certa independência econômica e prestígio. Apesar de falar pouco português, pudemos nos entender relativamente bem e, ao final, nos tratávamos como irmãs. Alguns homens, na tentativa de provocar em mim ciúme em relação a meu companheiro, sempre se referiam a Kalupuku como a possível namorada de Acácio na aldeia.

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