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CAPÍTULO 2. A abordagem dos parâmetros expressivos em dois Tratados do século

2.2 A abordagem dos parâmetros expressivos em Manuais de execução ao

2.2.5 Y L Kosovske: Historical Harpsichord Technique: developing La doucer du

toucher (2011)

Neste manual, a autora apresenta uma revisão de apontamentos de tratadistas desde o Renascimento tardio até o final do século XVIII, destacando os tópicos voltados para a técnica e execução cravísticas.

Iniciando as explicações sobre o toque, afirma que deve ser suave e requer do intérprete uma conexão íntima com a ação dos plectros nas cordas (KOSOVSKE, 2011, p.1). Ressalta também que o relaxamento – no sentido de não haver contrações e rigidez desnecessárias – é essencial para a obtenção de um toque suave e expressivo (KOSOVSKE, 2011, p.18). Mais adiante em seu trabalho, volta a afirmar que o cravista deve praticar o toque de forma a sentir a ação dos plectros beliscando as cordas. Para tanto, sugere que deve se manter os dedos próximos às teclas; o contato entre os dedos e as teclas permite o controle do momento em que o plectro pinça a corda produzindo o som e influenciando a sonoridade do instrumento. Desta forma, proporciona-se a delicadeza necessária ao toque cravístico (KOSOVSKE, 2011, p.47-49).

Referindo-se à dinâmica, a autora questiona se o cravo pode produzi-la e, como resposta, diz que sim e não. A resposta negativa será válida se imaginarmos um tipo de dinâmica equivalente ao que se produz no piano, com grandes contrastes de intensidade. Entretanto, se considerarmos que diversas ferramentas estão à disposição do cravista para que produza diferentes nuances de sonoridade, aí sim pode-se dizer que o cravo possui dinâmica (KOSOVSKE, 2011, p.64).

Ainda no tópico referente à dinâmica, a autora refere-se a uma citação de Robert Broderip (c.1758-1808), que afirma que a expressão é produzida controlando-se o tempo, de acordo com o estilo, atentando para os ornamentos, o toque e a sonoridade do instrumento em suas diferentes gradações de suave e forte68. Percebe-se, portanto, que de

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No original: Expression is produced by regulating the time, to the style of the music, by giving attention to

the graces and embellishments, by the touch, and by a judicious management of the tone of the instrument in its different gradations of soft to loud (BRODERIP,R., 1788 apud KOSOVSKE, Y. L.,2011, p.64).

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forma bastante clara e objetiva o tratadista conseguiu reunir os parâmetros considerados expressivos na execução ao cravo.

Desta forma, nota-se que a autora é contrária à ideia de que, no cravo, somente se possa obter uma “ilusão” de dinâmica, como apontam Schott e Metzger (vistos anteriormente). Neste sentido, afirma que “tocar com beleza e significado no cravo requer tanto um alto nível de habilidade técnica como imaginação artística. O perfeito equilíbrio destas qualidades torna o cravo um instrumento dinâmico e expressivo” (KOSOVSKE, 2011, p.66). Além disso, ao citar Broderip – que defende haver gradações de intensidade no cravo, mesmo que sutis – a autora confirma seu posicionamento.

No presente trabalho defende-se, também, este ponto de vista: o cravo não é desprovido de dinâmica; fazendo-se uma abordagem mais ampla do termo, pode-se considerá-lo um instrumento dinâmico (ainda que as gradações de intensidade estejam num espectro reduzido). No próximo capítulo, esta questão será abordada mais atentamente.

Com relação à articulação, Kosovske (2001, p.70) menciona que é frequentemente pensada em conjunção com os princípios da retórica, fraseado, ritmo e, principalmente, a expressão. Observa-se que, da mesma forma que nos demais textos analisados, a articulação é considerada como um parâmetro essencial quando se trata de expressividade na execução cravística. Prosseguindo sua explicação, afirma que a articulação se relaciona com a retórica no sentido desta ser a arte de comunicar efetivamente e convincentemente, com persuasão e eloquência. Com isso, a articulação estaria ligada ao discurso musical, auxiliando a criar ênfase em certos pontos, respiração e clareza, exigindo uma boa compreensão do texto musical pelo intérprete. Em suas palavras, “Articulação está no núcleo (core) da execução expressiva ao cravo” (KOSOVSKE, 2011, p.71).

Da mesma forma que Kroll, a autora relembra que o uso de arpejos no cravo pode ser útil em termos expressivos. Para ela, em virtude do tempo de decaimento ser curto (há pouca sustentação sonora no cravo), o intérprete pode preencher os vazios sonoros e burlar este efeito por meio da utilização dos arpejos. Afirma, ainda, que tal recurso mostra-se eficiente não só para preencher o som mas, também, pode ser executado em diferentes

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direções e com toques distintos, realçando harmonias e produzindo contrastes, proporcionando efeitos expressivos (KOSOVSKE, 2011, p.90).

A autora também se alinha com as indicações de Kroll no que diz respeito à menção às notas defasadas (toque defasado). Kosovske (2011, p.93) descreve esta técnica como um recurso expressivo em que, embora as notas estejam escritas simultâneas, são tocadas defasadamente: normalmente a mais aguda depois da mais grave. Neste sentido, aponta que há indicações sobre o toque defasado em peças de Jacques Duphly (1715-1789) e Antoine Forqueray (1671-1745), respectivamente em Les Graces e La Sylva, La Léon e La

D’Aubonne, nas quais os autores explicam a forma de execução e os sinais utilizados para

indicar este tipo de toque.

Embora este recurso possa ser livremente utilizado pelo intérprete, independente da indicação na partitura, seu uso deve ser baseado em aspectos como o estilo da peça, seu caráter, etc. Como aponta Kosovske (2011, p.94), a maneira de utilizá-lo dependerá das habilidades expressivas do intérprete. Acrescente-se, então, o emprego do toque defasado como mais um recurso relacionado à expressão (na verdade, contido entre os tipos de toque), uma vez que modifica a sonoridade e, da mesma forma como os arpejos, promove contraste com as sessões nas quais não é empregado. No capítulo seguinte será feita uma análise deste recurso.

Com relação aos ornamentos, a autora apoia-se nas indicações de Daniel G. Türk (1750-1813), lembrando que eles possuem diversas funções, entre elas marcar notas da melodia, adorná-la, manter a atenção do ouvinte e, entre outras, reforçar a expressão das paixões e sentimentos 69.

Kosovske (2011, p.106) também aponta a importância dos silêncios na execução musical, os quais estão principalmente relacionados à articulação. Por meio deles pode-se obter mais expressividade, lembra a autora, uma vez que equivalem à respiração na

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“They contribute markedly to the adornment of the melody; they animate it and make tones more

cohesive; they sustain attention; they give greater emphasis (...) they strengthen the expression of the passions and feelings (…)” (TÜRK, D. G. apud KOSOVSKE, Y. L., 2011, p.99).

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linguagem, sendo utilizados para dar clareza e acentuar o que vem em seguida. Mais uma vez, nota-se que a autora enfatiza o parâmetro articulação – agora observado pela perspectiva do silêncio – no que se relaciona aos aspectos do discurso musical. De fato, é imprescindível para o intérprete fazer esta correlação entre o contorno da linha melódica (frases musicais) e a linguagem falada; tal abordagem facilita o emprego da articulação, proporcionando sentido ao que é executado e facilitando a transmissão de algum conteúdo aos ouvintes.

Examinando a questão dos dedilhados, a autora afirma que as sugestões propostas nos Tratados escritos entre o final do Renascimento até o termino do século XVIII têm como pano de fundo uma motivação: a de facilitar a expressão em música (KOSOVSKE, 2011, p.111). Como destacado na análise do Tratado de Emanuel Bach, de fato as indicações propostas não apenas abrangem aspectos técnicos, mas também expressivos. Prosseguindo, a autora ainda acrescenta que “conforto e conveniência são importantes na escolha do dedilhado, mas a declamação musical deve ser o fator primordial” (KOSOVSKE, 2011, p.112).

Relacionando a escolha do dedilhado ao estilo da peça – e abordando a questão dos dedilhados antigos – aponta que a intenção por detrás destes sistemas é a de proporcionar automaticamente articulações de duas a duas notas, apropriadas ao estilo do período em que foram criados. Assim, sua utilização na execução daquele repertório seria essencial. Para justificar seu posicionamento, argumenta que “da mesma forma que seria estranho usar dedilhados antigos para Chopin, também seria inapropriado usar somente a escola de passagem do polegar para o repertório virginalista” (KOSOVSKE, 2011, p.113). Percebe-se aqui que, contrariamente ao que muitos dos autores analisados anteriormente defendem, Kosovske considera essencial a aplicação dos sistemas antigos de digitação. Como já exposto, em parte concorda-se com seu posicionamento, uma vez que a utilização destes sistemas facilita a obtenção da articulação apropriada para o estilo; entretanto, no caso de extrema dificuldade de adaptação por parte dos alunos, nada impede que os mesmos procurem obter a articulação através de sistemas modernos ou, ainda, mesclando os dois sistemas. Lembre-se que, mais que uma questão de fidelidade histórica na execução, é

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preciso fazer com que as mãos e dedos estejam livres de tensões desnecessárias, o que pode prejudicar a sonoridade.

Finalizando seus apontamentos, a autora narra que ouviu pessoalmente do cravista Jacques Ogg que, ao invés de utilizar a expressão “dedilhados antigos”, ele prefere nomeá- los como “dedilhados expressivos” (KOSOVSKE, 2011, p.134-135). Embora esta seja uma observação pessoal e não represente que tais sistemas digitais devam ser necessariamente empregados em todas as ocasiões para o repertório específico, registra-se a relação apontada entre dedilhado e expressão, como tem sido destacado ao longo deste capítulo.