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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO GERAL

2.1. Zonas húmidas naturais e zonas húmidas construídas (ZHC)

2.1.1. Introdução

As zonas húmidas podem dividir-se em naturais e artificiais, ou construídas. São constituídas por sistemas em que a matriz sólida se encontra inundada ou saturada de água durante a maior parte do ano. As zonas húmidas naturais localizam-se normalmente em terrenos baixos, perto de fontes, rios e leitos de cheia. A saturação dos solos pode ocorrer por águas superficiais ou subterrâneas.

Os poros dos solos alagados estão preenchidos com água, em vez do ar que preenche os interstícios dos terrenos não alagados. O oxigénio é pouco solúvel em água e a sua difusão através do solo saturado não é suficientemente rápida para repor o gás consumido pelos microrganismos existentes no solo e para suprir as necessidades respiratórias das raízes da maior parte das plantas. Criam-se assim condições anaeróbias ou anóxicas (Brix, 1997), com excepção para uma pequena camada à superficial, em contacto directo com a atmosfera.

A generalidade das plantas terrestres não sobrevive muito tempo em terrenos alagados, nos quais existe uma vegetação típica dominante constituída por plantas bem adaptadas a solos saturados e com pouco oxigénio, designadas por macrófitas. As macrófitas têm caules e raízes com estruturas porosas, os aerênquimas, através dos quais a resistência ao transporte de gases é baixa e que permitem o fluxo de oxigénio desde as folhas até à ponta das raízes (figuras 2.1 e 2.2) (Deng et al., 2009; Møller e Sand-Jensen, 2008; Vymazal et al., 1998).

Através dos aerênquimas é transportado oxigénio desde as partes aéreas até às raízes da plantas e no sentido inverso são transportados e libertados na atmosfera subprodutos da respiração, metano e outros gases gerados no solo, que seriam tóxicos e prejudiciais ao desenvolvimento das plantas (figura 2.1) ( Brix, 1997; Colmer, 2003; Vymazal et al., 1998).

Com este sistema de transporte especializado, as macrófitas conseguem oxigenar a zona das raízes, criando pequenas regiões aeróbias na rizosfera, num ambiente que é globalmente anaeróbio. Isto origina ambientes físico-químicos diferenciados que permitem a instalação e desenvolvimento de uma grande variedade de microrganismos, em relação simbiótica com as plantas, que alteram os constituintes das águas poluídas utilizando-os para o seu crescimento e reprodução (Brix, 1997).

oxidação deste ião produz a formação de crostas avermelhadas (de ferro oxidado) sobre as raízes das macrófitas (figura 2.3), evitando a sua absorção por parte das plantas.

Figura 2.1 – Esquema ilustrativo do transporte de gases através das estruturas vegetais das macrófitas (adaptado de Vymazal et al., 1998).

Figura 2.2 – Corte transversal num caule de jacinto de água (Eichhornia crassipes), mostrando as zonas lacunares (aerênquimas).

Figura 2.3 – Raízes de macrófita (Lobelia dortmanna) com cor avermelhada devido à deposição de

hidróxido de ferro (barra=300 m) (Møller e Sand-Jensen, 2008).

A criação de ambientes diferenciados na rizosfera e no substrato sólido, assim como o desenvolvimento de microrganismos, que aderem à matriz sólida e às raízes das macrófitas, promovem a ocorrência de transformações químicas, físicas e biológicas nos poluentes da água, que é naturalmente depurada. Algumas macrófitas, como o junco Schoenoplectus, libertam substâncias com propriedades antibióticas, através das raízes (Brix, 1997), o que representa um contributo adicional para a eliminação de microrganismos patogénico e para o tratamento de água poluídas.

Nas zonas húmidas construídas (ZHC) para tratamento de efluentes procura tirar-se partido da capacidade auto-depurativa das zonas alagadas naturais, de forma optimizada e controlada, nomeadamente através da selecção de plantas macrófitas e de materiais adequados para a matriz sólida.

As macrófitas, podem, de acordo com a sua morfologia e fisiologia, dividir-se em macrófitas emergentes, macrófitas flutuantes e macrófitas submersas. Na figura 2.4 encontram-se fotografias de algumas macrófitas. Algumas das suas características são as seguintes (Kadlec e Wallace, 2009; Oliveira, 1995):

 Macrófitas emergentes – Encontram-se normalmente nas margens de lagos, lagoas e linhas de água. Estão enraizadas no solo, ficando as raízes e uma porção dos caules submersos, no entanto as folhas e a maior parte dos caules estão fora de água. As canas (Arundo donax L.) e caniços (Phragmite sp.), as tabúas (Thypha sp.), os juncos (Scirpus

sp.) e o lírio dos pântano (Ísis pseudocorus) são exemplos de macrófitas emergentes.

 Macrófitas flutuantes – Estas plantas flutuam à superfície da água e têm a maior parte dos caules e folhas fora dela. Podem estar enraizadas no solo, como no caso dos nenúfares (Nymphaea sp.) ou não, como caso do jacinto de água (Eichhornia crassipes).

 Macrófitas submersas – Como a própria designação indica, estas plantas encontram-se abaixo da linha de água, embora os órgãos reprodutores estejam muitas vezes à superfície ou acima da água. Encontram-se na zona fótica a diversas profundidades, consoante a espécie, e podem ou não estar fixas ao leito. Exemplos de macrófitas submersas bastante conhecidas são a elódea (Elodea canadensis), fixa ao leito, e os limos (Potamogeton sp.), que flutua livremente.

Junco Canas Tabúa

Lírio dos pântanos Jacinto de água Elódea

Algumas macrófitas adaptam-se às condições de alagamento do solo, podendo ocorrer como macrófitas emergentes, flutuantes ou submersas. No entanto, há sempre uma ocorrência que é dominante, e é com base nessa que se classifica a planta (Kadlec e Wallace, 2009). A ocorrência de plantas macrófitas, é o melhor indicador visual para a identificação de terrenos alagados (Brix, 1997; Kadlec e Wallace, 2009; Verhoeven e Meuleman, 1999). No nosso país as mais vulgares são as canas e caniços, os juncos e as tabúas, também conhecidas por espadanas ou foguetes. As tabúas e o lírio dos pântanos são muito frequentes junto de linhas de água.

2.1.2. Mecanismos de adaptação das plantas a solos alagados

As plantas têm diversos mecanismos de adaptação e sobrevivência em solos alagados e sem oxigénio. O desenvolvimento de aerênquimas constitui uma das estratégias mais importantes (Colmer, 2003; Deng et al., 2009), tal como já foi referido anteriormente. Por outro lado, as raízes das macrófitas também consomem menos oxigénio na respiração do que as raízes das plantas terrestres, o que constitui também uma estratégia de sobrevivência em ambientes pouco oxigenados (Colmer, 2003; Gries et al., 1990).

Para além disto, a libertação de oxigénio para os sedimentos circundantes é feita essencialmente nas pontas das raízes, ou seja, nas zonas mais jovens e que vão perfurando o solo (Deng et al., 2009; Møller e Sand-Jensen, 2008). Este mecanismo permite às plantas levarem oxigénio a toda a raiz, sem o perderem ao longo do percurso, o que é possível devido a uma adaptação das plantas que se traduz no aumento da densidade das células que revestem as raízes, contribuindo para uma espécie de impermeabilização das mesmas (Smolders e Roelofs, 1996). Esta impermeabilização não ocorre nas pontas das raízes, permitindo as trocas gasosas e a absorção água e de nutrientes do meio circundante (Deng et al., 2009).

Nas raízes das plantas terrestres não existe uma barreira tão desenvolvida à perda radial de oxigénio e o gás acaba por se perder precocemente para o meio envolvente. No caso do meio ser pobre em oxigénio, como se verifica nos solos alagados, as raízes das plantas terrestres não sobrevivem muito tempo (Colmer, 2003; Deng et al., 2009).

Assim, as plantas macrófitas libertam oxigénio essencialmente através das pontas das raízes permitindo a sua respiração e desenvolvimento até zonas mais profundas dos solos e sedimentos alagados, nos quais não existe oxigénio e onde as raízes das plantas terrestres não

se conseguem desenvolver (Brix, 1997; Colmer, 2003; Deng et al., 2009; Smolders e Roelofs, 1996; Vymazal et al., 1998).

Para além da resistência à perda radial de oxigénio, a percentagem de vazios existentes nas raízes e nos caules das plantas macrófitas (figura 2.2) é superior àquela que existe nas plantas terrestres, embora tanto em plantas terrestres como em macrófitas, a percentagem de vazios aumente quando as plantas são sujeitas a ambientes pobres em oxigénio, o que revela alguma capacidade de adaptação, tanto das macrófitas como das plantas terrestres (Colmer, 2003; Møller e Sand-Jensen, 2008). Em plantas terrestres a percentagem de vazios das raízes varia entre 1 e 7%. Quanto as raízes se desenvolvem em meios pobres em oxigénio a percentagem de vazios aumenta e situa-se entre 2 a 22%. O milho (Zea mays) é das plantas que apresenta um maior aumento (Colmer, 2003).

As próprias macrófitas também se adaptam e aumentam a percentagem de vazios dos seus tecido quando são sujeitas a ambientes mais redutores. Em situação de solos arejados a percentagem de vazios das suas raízes varia entre 8 a 43% e quando sujeitas a falta de oxigénio varia entre 15 a 52% (Colmer, 2003).

O caniço (Phragmites australis) é das macrófitas que tem mecanismos de adaptação a solos alagados mais desenvolvidos. Apresenta as maiores percentagens de vazios nas raízes, tanto em solos arejados (43%) como em solos alagados (52%) (Colmer, 2003) e é também aquela que consome menos oxigénio na respiração (Gries et al., 1990). Para além disto, a

Phragmites australis é das macrófitas que maior capacidade fotossintética apresenta,

captando mais CO2 atmosférico e libertando mais O2 na rizosfera do que a maior parte das macrófitas (Huang et al., 2010). Isto explica a sua grande resistência e adaptação a terrenos alagados, assim como a sua predominância em ZHC para tratamento de efluentes.

Através dos aerênquimas é transportado oxigénio desde as partes aéreas até às raízes das plantas e no sentido inverso são transportados, e libertados na atmosfera, subprodutos da respiração, metano e outros gases gerados no solo, que seriam tóxicos e prejudiciais ao desenvolvimento das plantas (figura 2.1) ( Brix, 1997; Colmer, 2003; Vymazal et al., 1998).

Através do oxigénio libertado pelas raízes das macrófitas, e também pelas acção oxidativa de microrganismos existentes na rizosfera, oxidam-se espécies químicas que seriam tóxicas. É o caso do Fe2+, do Mn2+ e do S2- que são tóxicos para as plantas (Otte et al., 1989; Smolders e Roelofs, 1996; Ye et al., 1997).

No caso da existência de F2+, que é solúvel em água, a libertação de oxigénio pelas raízes leva à formação de precipitados de FeOOH, o que funciona como um mecanismo de defesa das plantas, impedindo-as de assimilar o Fe2+. A formação de compostos de ferro sobre as raízes é um fenómeno facilmente detectável, pelo seu aspecto avermelhado, devido ao aparecimento de ferro oxidado, enquanto que as raízes sem crostas de ferro são brancas (figura 2.3) (Batty et al., 2002; Brix, 1997; Møller e Sand-Jensen, 2008; Otte et al., 1989).

A formação de crostas de ferro oxidado verifica-se com maior intensidade próximo das extremidades das raízes, local onde se liberta maior quantidade de oxigénio (Møller e Sand-Jensen, 2008), e durante a época de maior desenvolvimento das plantas, particularmente ao nível foliar, que normalmente ocorre durante o Verão. O desenvolvimento das folhas favorece a realização da fotossíntese e a produção de oxigénio, que será levado a todas as partes das plantas, incluindo as pontas das raízes.

À medida que as raízes vão crescendo vão ficando cobertas pela crosta de compostos de ferro que se vão depositando. Alguns investigadores são de opinião que esta crosta contribui para diminuir as perdas radiais de oxigénio das raízes (Møller e Sand-Jensen, 2008; Smolders e Roelofs, 1996), mas também pode criar dificuldades à absorção de nutrientes pelas raízes das plantas (Otte et al., 1989).

Estes compostos de ferro, que se formam e depositam sobre as raízes das macrófitas, constituem superfícies adicionais para adsorção e precipitação de fósforo e de outros poluentes, como metais pesados. Juntamente com os compostos de ferro podem formar-se precipitados de alumínio, podendo formar-se posteriormente fosfatos de ferro e de alumínio (Batty et al., 2002; Otte et al., 1989), contribuindo para a remoção de fósforo das águas.

Otte et al. (1989) estudaram a influencia da presença de compostos de ferro nas raízes das macrófitas na sua capacidade de assimilação de Zn e de Cu. Verificaram que as raízes da macrófita Aster tripolium L. que tinham desenvolvido crostas de FeOOH adsorviam maiores quantidades de Zn, do que as raízes onde não se tinham formado compostos de ferro. Verificaram ainda que a quantidade de Zn adsorvido estava directamente relacionado com a quantidade de compostos de ferro depositados sobre as raízes, o que não se verificou para o caso do cobre. A crosta de compostos de ferro não funcionou como um barreira à assimilação de cobre pela planta nem se verificou correlação entre a quantidade de FeOOH e a quantidade de cobre presente nas raízes.