ANÁLISE CONJUNTURAL, v.24, n.7-8, p.15, jul./ago. 2002 Este texto pretende comentar, de forma breve,
situações em que avanços tecnológicos vêm interferindo nas organizações e, muitas vezes, no efetivo desenvolvimento do trabalho nas organizações.
A concepção de trabalho pode ser entendida como uma força exclusivamente humana, realizada por qualquer indivíduo, grupo, categoria profissional ou classe social cujo conteúdo e forma são determinados a partir das necessidades sociais a serem satisfeitas.
Dentro deste contexto, a influência da tecnologia na consecução do trabalho é freqüentemente um catalisador de soluções, mas também de problemas.
Tecnologia pode ser definida, genericamente, como um conjunto de conhecimentos e informações organizados, provenientes de fontes diversas como descobertas científicas e invenções, obtidos através de diferentes métodos e utilizados na produção de bens e serviços.1
Na sociedade capitalista, a tecnologia caracteriza- se por ser um tipo específico de conhecimento com propriedades que normalmente a tornam útil a quem a utiliza, pois instrumentaliza a experimentação, transformando conhecimento científico em aplicação técnica, ampliando e possibilitando a produção de novos conhecimentos científicos e influenciando, desta forma, transformações na organização do trabalho.
As novas descobertas e a utilização das inovações tecnológicas das últimas décadas têm deixado o mundo do trabalho muito mais interligado, rápido e diversificado e, conseqüentemente, menos previsível. Essas incertezas, somadas às do mercado, em compasso com as descobertas nas áreas de tecnologia de informações e robotização industrial, demonstram como conseqüência inúmeras mudanças que vêm ocorrendo no desempenho das atividades do dia-a-dia dos trabalhadores nas organizações.
Ainda nesse mesmo contexto, a denominada economia das nações vem exigindo uma forte e generalizada qualificação educacional e profissional a todos aqueles que pretendem estar dentro dos parâmetros hoje exigidos pelo mercado no que se refere à empregabilidade. Em contrapartida, avanços científicos e tecnológicos buscam incessantemente novos padrões de especialização das economias e a adoção de novos modelos da organização do trabalho.
TEMAS ESPECIAIS
Algumas influências da tecnologia na organização do trabalho
Silmara Cimbalista*
Essa é uma realidade que implica inevitáveis tensões sociais, acrescidas do fenômeno do envelhecimento da população que, juntamente com as mudanças na organização do trabalho, constituem, provavelmente, um dos maiores e mais estimulantes desafios colocados à sociedade contemporânea.
Após três séculos de predomínio da sociedade industrial, o trabalho tem assumido um conteúdo crescentemente intelectual, em contraposição ao trabalho braçal ou manual do modelo fordista/taylorista de produção. A informação transforma a importância do trabalho não material, contrapondo a idéia do trabalho transformando a natureza.
Uma diferente formatação da sociedade estaria construindo uma nova identidade social e individual, voltando-se para atividades de cunho comunitário e envolvendo diferentes formas de trabalho, como o voluntário.
Examinando-se a literatura e estudos recentes sobre a influência da tecnologia no trabalho formal, as conclusões apontam para o desafio em se repensar a diminuição da jornada de trabalho semanal, tendo em vista a melhoria no aumento do número de postos de trabalho e, conseqüentemente, a diminuição do desemprego.
Afora problemas de desemprego, uma outra variável, de grande influência nas organizações, é a dos conflitos entre trabalho e tecnologia. O desenvolvimento do trabalho por meio da tecnologia se dá normalmente nos momentos em que o trabalhador está utilizando-a como uma das ferramentas para a consecução de seu trabalho, e o conflito aparece quando ocorre algum tipo de erro anterior ou durante o uso do aparato tecnológico para a execução de suas atividades laborais.
Este conflito pode ser interpretado de diversas formas. A primeira interpretação, e mais óbvia, é a da falta de instrução e qualificação apropriada para o desenvolvimento do trabalho/tarefa; a segunda consiste na resistência ou rejeição ao uso da tecnologia, chamado também de luddismo, isto é, o trabalhador reage negativamente ao desenvolvimento de sua atividade, irrita-se ou até amedronta-se quando comete
*Mestre em Administração Pública pela FGV/RJ, técnica da equipe permanente desta publicação.
ANÁLISE CONJUNTURAL, v.24, n.7-8, p.16, jul./ago. 2002 algum erro na execução dos procedimentos da tarefa.
Tal atitude de pavor, em que o indivíduo se intimida em relação ao uso de equipamentos, é mais comum do que se possa imaginar. Esse comportamento se dá, comumente, devido ao excessivo rigor exigido no cumprimento de metas, ou à pressão exercida pelo chefe e colegas em relação às exigências de competitividade cada vez mais extenuantes tanto do mercado quanto da organização, sejam externas ou internas, ou à falta de conscientização por parte da empresa quanto à qualificação do empregado. A terceira forma é uma soma de conflitos, em que a variável qualificação e conhecimento se agrega à resistência à tecnologia e ao medo de perder o emprego.
Esta influência exercida pelos avanços tecnológicos no dia-a-dia dos trabalhadores não é recente; data da primeira revolução industrial, quando tem início o declínio do trabalho artesanal, sendo substituído pelo trabalho das máquinas nas fábricas, afetando, conseqüentemente, a mão-de-obra humana.
Entretanto, da metade do século XX aos nossos dias, a sociedade tem tentado se adaptar à velocidade e às influências que os fatores tecnológicos têm exercido no
NOTAS
1CORRÊA, Maíra Baumgarten. Tecnologia. In: CATTANI, Antonio David. (Org.) Trabalho e tecnologia: dicionário crítico.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 250.
2BIANCHETTI, Lucídio. Da chave de fenda ao laptop. Tecnologia digital e novas qualificações: desafios à educação.
Petrópolis: Vozes, 2001. p. 15-16.
cotidiano dos cidadãos e mais fortemente no desenvolvimento das atividades nas organizações.
Esses aspectos conflitantes são o reflexo do baixo nível de instrução e educação de um grande contingente da população trabalhadora brasileira, conseqüência da luta pela sobrevivência e do pouco investimento público em educação; estes fatores dificultam a absorção da utilização de novas tecnologias no processo de trabalho.
Este novo contexto exige de todos, particularmente da classe trabalhadora, destrezas e habilidades físicas, qualificando-a para trabalhar com tecnologias que privilegiam a capacidade de abstração que o analfabeto, o analfabeto funcional e o cyberanalfabeto se encontram na mesma condição: ou se alfabetizam para lidar com tecnologias digitais ou estarão colocando em risco sua subsistência.2
Os conflitos existentes entre trabalho e tecnologia sempre existiram e foram desenhados de acordo com seu momento histórico, mas hoje parecem estar mais evidentes no cenário atual, marcado pelo contexto criado pela globalização e pelas mudanças no mundo do trabalho. Refletir sobre esses fatos de forma articulada e buscar novas alternativas para se lidar com essa situação é o desafio com o qual se defrontam as sociedades.