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Camila de Oliveira Bittencourt Fonseca

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Academic year: 2023

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OS EFEITOS DA PRISÃO BRASILEIRA NO PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL DO ENCARCERADO

Camila de Oliveira Bittencourt Fonseca

1 RESUMO

Este artigo científico discute os efeitos da prisão brasileira na reintegração social do encarcerado. A pena privativa de liberdade e seu caráter reintegrador foram aclamados como a glória da questão penal, contudo, após a implantação do modelo prisional na França, os reformadores penais já o indicavam como fadado ao fracasso. Ademais, se pretende, ainda, compreender os efeitos produzidos pelo cárcere, a fim de que não se desprezem princípios constitucionais, como, o da dignidade da pessoa humana, tão violado nos cárceres do país. Para tanto, utiliza-se como fundamentação teórica as ideias de Bittencourt (2010), Foucault (2013), Mota(2011) entre outros pesquisadores.

Palavras-chave: Prisão. Reintegração. Encarcerado. Efeitos.

Brasil.

ABSTRACT

This scientific paper discusses the effects of the Brazilian prison in the social reintegration of the prison. The deprivation of liberty and its reintegrative character were hailed as the glory of the criminal proceedings , however, after the implementation of the prison model in France, penal reformers already indicated as doomed to failure. Furthermore, it also aims to understand the effects produced by the prison, so that not despise constitutional principles such as the dignity of the human person, so violated in the country's prisons. Therefore, it is used as the theoretical basis Bittencourt ideas (2010), Foucault (2013 ), Mota (2011) and other researchers.

Keywords: Prison. Reintegration. Imprisoned. Effects. Brazil.

I INTRODUÇÃO

O jus-puniendi, ou seja, poder-dever de punir é do estado e para contenção daqueles que transgridem as normas foi criada a prisão, estratégia ideal para este fim. Sabe-se, portanto, que este instrumento de punição não é contemporâneo e que há uma insistência desmascarada em utilizá-lo, contudo, do lado de fora das prisões avoluma-se a onda de criminalidade, desproporcionalmente às vagas disponíveis nos cárceres o que vem a agravar a complexidade da questão, entendida como descendente do sistema capitalista e, portanto como uma das expressões da questão social.

1 Estudante Pós Graduação pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano

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Diante dessa reflexão, emerge uma questão: A finalidade da prisão tem sido efetivada? Existe reinserção social nas prisões brasileiras? A partir desses questionamentos, este estudo tem como objetivo geral analisar os efeitos da prisão no processo de reintegração social do encarcerado.

A pesquisa se classifica da seguinte forma: Quanto aos fins é explicativa, por engrenar uma discussão sobre a relação prisão-reintegração e seus efeitos no encarcerado brasileiro. Quanto aos meios é bibliográfica, dada a necessidade de se recorrer a uma vasta literatura, entre livros, periódicos, artigos e revistas científicas.

Este estudo se faz de extrema relevância por permitir repensar se este instrumento punitivo tem cumprido suas reais finalidades. Ao lado disso, há de rediscutir o encarceramento brasileiro que é ainda um tema tímido nas discussões sociais, políticas e econômicas. Para isso, projeta-se também contribuições para este debate, como também sugestivas proposições para o tratamento da questão.

O tema em tela suscita duas principais observações, a primeira é que a prisão pretende transformar em “sociais” os “antissociais” tirando-os das comunidades livres e aglomerando-os com outros do mesmo perfil e a outra consideração é a deficiente aplicabilidade da execução penal. Esses são fatores que somam na produção dos efeitos da prisão nesse processo. Desse modo, constituem-se criminógenos, sociológicos, psicológicos e fomentadores da reincidência criminal.

Diante do exposto, para concretização deste estudo, inicia-se revisando literaturas sobre a evolução da prisão no Brasil, seguida do panorama atual e finalizando com uma visão geral dos efeitos da prisão brasileira no processo de reintegração social do encarcerado.

II A EVOLUÇÃO DA PRISÃO NO BRASIL

A evolução da prisão no Brasil se dá com o “descobrimento” desta nova colônia pelos portugueses em 1500. A ambição de fazer do Brasil uma “réplica” de Portugal, caracterizava todas as iniciantes linhas da história brasileira. A exploração da terra e a colonização dos nativos são vestígios históricos que dão conteúdo de igual forma à origem da prisão, se tornando marcas que não desvaneceram facilmente do interior das prisões.

Índios e negros, nesse contexto, foram os primeiros sujeitos a serem cruelmente penalizados e ainda hoje, aproximadamente cinco séculos depois, o quantitativo de negros no interior nas prisões ainda é bastante acentuado.

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Ainda na Colônia, após a descentralização de poder provocada pela divisão da colônia em capitanias hereditárias, começam a vigorar as Ordenações Afonsinas (1446- 1521). Sucessivamente, surgem outras duas: Manuelinas (1495-1640) e Filipinas (1603- 1916). Esse período das ordenações é findado com a edição, em 1830, do Código Criminal do Império.

É, portanto, a partir dessa contemplação das ordenações que as funcionalidades da prisão serão compreendidas, pois havia de se considerar que a carga histórica e jurídica dessas ordenações veio a incidir sobre as prisões coloniais, que se distanciavam em muito da concepção moderna de prisão.

A prisão nada mais era do que um espaço para aqueles que estavam em estágio de julgamento, e para os condenados que aguardavam a execução da sentença, a forma de punir de fato extrapolava os muros desses lugares, como as execuções públicas, açoites, mutilações, degredo e penas de morte.

Tem-se no Brasil Colônia a construção de um presídio no Rio de Janeiro, a Cadeia Velha, conforme caracterizou Roig (2005, p. 29):

No Rio de Janeiro Colonial, gozava de especial destaque a Cadeia Velha, edificada em 1672 para o recolhimento de sentenciados e desativada em 1808 para servir de hospedaria para os membros da Corte de Dom João VI, recém-foragidos de Portugal.

Todavia, em 1830, com o Código Criminal do Império, as penas de morte, galés e desterro ainda permaneceram no cenário punitivo, representando uma desigualdade bem originária brasileira, pois serviam para os escravos.

A prisão se torna, ainda neste ano, o fim pleno da punição e podendo ser simples ou com trabalho. Nessa perspectiva, criou-se uma comissão a fim de elaborar um plano para a implantação dessas formas de prisão, através da iniciativa da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional cujos objetivos eram melhorar as condições no interior desses lugares. O quadro interno era, assim descrito por Motta (2011, p. 93-94):

[...] mau cheiro, o que leva a compará-lo ao lugar pior do que o das feras: “no interior das salas sente-se um cheiro insuportável de cigarro, suor, latrinas e de toda sorte de imundícies, que tornam semelhante prisão mais horrível do que o deve ser a habitação dos mais ferozes animais”. [...].

De maneira geral as prisões do Período Imperial segundo o Ministro de Justiça, Nabuco de Araújo estavam em “um estado geral crítico” (MOTTA, 2011, p.117). O trabalho, objeto tão defendido por alguns críticos e reformadores, ausentou-se em muitas realidades prisionais, a superlotação e as condições sanitárias e higiênicas eram alguns dos elementos da realidade carcerária.

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No âmbito penal, novas diretrizes foram traçadas, criou-se, preliminarmente um código penal que contemplasse todo o caráter punitivo republicano. Nesse sentido, em 1890, o código é implantado e a pena privativa de liberdade torna-se a coluna axial da punição. Além disso, estabelece um caráter que viria a ser revolucionário, o viés ressocializador das prisões.

A conjuntura mundial formada após a 2º Guerra Mundial permitiu que o crescimento econômico industrial se generalizasse. O Brasil, nessa perspectiva, até então era um país agrário, todavia a inclinação desse movimento industrial contemplava inclusive os países subdesenvolvidos propiciando a entrada do país no circuito da industrialização.

Juscelino Kubistchek (1956) adotou o conhecido lema “50 anos em 5” somando a este o Plano de Metas; Jânio Quadros(1960) é eleito presidente, porém logo depois renuncia e quem assume é João Goulart (1961) com o Plano Trienal. Consolida-se no Brasil outra face de sua história, a ditadura militar consagrando uma postura tecnocrática e submissa aos organismos financeiros externos; já em 1964, Castello Branco assume o Brasil e o que marca seu governo é o arrocho salarial. Essa breve contextualização histórica de 1960 a 1980 não sinaliza uma disposição dos governos para o âmbito penal, havia uma motivação para o viés econômico e a perspectiva social não eram contemplada, o país subtraía-se nas suas ações sociais, o que fazia enaltecer a desigualdade do retrato brasileiro.

Posterior a isso surgem pequenas iniciativas e é no Estado Novo (1937-1945), que o Código Penal de 1940 sofre alterações significativas convertendo o viés tecnocrático em humanização das penas tendo, em 1984, como sucessora e contribuinte deste processo a Lei 7.210, atual Lei de Execução Penal assumindo como parte da finalidade das penas a reintegração social do encarcerado.

Essas reflexões sobre a evolução da prisão no Brasil promovem um entendimento mais exato sobre como o seu desdobrar pretendeu punir e na concepção atual regenerar o encarcerado. Trata-se, pois, do estudo das causas da prisão e como elas ainda são pensadas atualmente diante de sua finalidade.

III O PANORAMA ATUAL DAS PRISÕES BRASILEIRAS

Brasil tem hoje déficit de 200 mil vagas no sistema prisional: população carcerária atual é de 564 mil; há 20 anos, eram 126 mil presos. Levantamento mostra que há 280 detentos para cada 100 mil habitantes (G1- GLOBO, 2014).

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Prisões brasileiras são 'um inferno', diz Barbosa em Londres: Diante de uma plateia de mais de 250 pessoas na Universidade King's College, em Londres, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, classificou as prisões brasileiras como "um inferno" e creditou a precariedade do sistema prisional à falta de vontade política de governantes locais. Luís Guilherme Barrucho. Prisões brasileiras são 'um inferno', diz Barbosa em Londres (BBC BRASIL EM LONDRES, 2014).

São rompidas as grades e desmascarado o interior das prisões brasileiras. No texto acima, estão títulos de jornais anunciando o caos prisional que muitos estados brasileiros vêm exibindo: Maranhão, Espírito Santo, Ceará, São Paulo, Porto Alegre, Rondônia, Rio Grande do Norte, Amazonas. O Brasil é o 4º país no ranking dos 10 países com maior população prisional ficando abaixo dos Estados Unidos da América 2.228.424, da China 1.701.344, Rússia 676.400 e o 3º maior de população prisional somado àquele quantitativo dos que estão em prisão domiciliar, agrupando um total de 711.463 presos.

Numericamente, a prisão brasileira, é apresentada pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), também como superpovoada. Além dessas informações agregadas, estão, por exemplo, o perfil do preso brasileiro, quanto, por exemplo, à escolaridade:

178.554 detentos têm o ensino fundamental incompleto; 67.381 detentos apresentam o ensino fundamental completo; 31.017 detentos possuem o ensino médio completo; 49.521 detentos são apenas alfabetizados; 26.091 detentos são analfabetos.

Outra informação contida nos relatórios é a faixa etária: 32% dos detentos têm entre 18 a 24 anos; 27% dos detentos apresentam idade entre 25 a 29 anos; 18% dos detentos estão com idade compreendida entre 30 e 34 anos; 15% dos detentos possuem de 35 a 45 anos; 6% dos detentos possuem idade entre 46 e 69 anos; 1% dos detentos têm idade de 60 anos; 1% não foi informado.

Outra característica é a raça/etnia, que segundo, o Mapa do Encarceramento: os jovens do Brasil:

Diante dos dados sobre cor/raça verifica-se que, em todo o período analisado, existiram mais negros presos no Brasil do que brancos. Em 2012 havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra.

Constata-se assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de negros encarcerados. (BRASIL, 2015).

Esse retrato em números revela um quadro carcerário ainda desigual. Observa- se que o interior das prisões é, ainda, ocupado por aqueles de baixa escolaridade o que vem a excluí-los do circuito econômico em consequência das muitas exigências de qualificação profissional do sistema capitalista. O projeto neoliberal deu extensão à ineficiência do Estado diante da questão e tornou-se um pretexto a mais para que as ações fossem mais minimizadas.

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Paralelamente a isso, tem-se o Artigo 88, da LEP, ironicamente, decreta como segue a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984:

O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados) (BRASIL, 1984).

Em 2013, o Estado do Maranhão tornou-se notícia nacional e internacional, quando a Central de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ) de Pedrinhas, o maior presídio localizado na capital, São Luís, tornou-se palco de uma das maiores rebeliões do país, na qual morreram mais de 60 presos, de forma bárbara e cruel, sendo torturados e decapitados uns pelos outros.

Desse modo, em outubro do mesmo ano, foi decretado o estado de emergência nas prisões do Estado. Para isso, foi deslocada a Força Nacional de Segurança a fim de suprimir as tentativas de fugas e as violentas rebeliões que vinham acontecendo. O cenário era o mesmo, superpopulação, problemas estruturais, condições higiênicas e sanitárias deploráveis e uma novidade que diversas vezes é camuflada, a corrupção.

Nas prisões de Vila Velha no Espírito Santo, estado localizado na região sudeste do país, o retrato se repete, nas celas, o deslocamento dos presos é quase uma maratona:

ficar em pé, sentado, deitado, dormir, acordar, são atividades diárias que dependem da ordem de revezamento dos presos, cuja organização é feita por eles mesmos, uma vez que não há espaço para todos. É dividido o espaço e compartilhadas doenças advindas das condições sanitárias e higiênicas abomináveis.

No Nordeste, no Estado do Ceará, há celas sem luz e sem água e que já foram interditadas pela vigilância sanitária. Não se tem avanços, não se tem novidades, mas um Estado omisso e uma prisão falida.

Recentemente, disparou outro alarme no caos prisional, dessa vez o Estado foi o Rio Grande do Norte. Eram presos comandando de forma bastante organizada ataques e rebeliões generalizadas, foram 4 ônibus queimados e algumas exigências sinalizadas, como a supressão de práticas ainda torturantes, maus-tratos e a retirada, especificamente, da diretora de Alcaçuz.

Em São Paulo, na Penitenciária de Taubaté, foi criada em 1993 a maior facção criminosa já existente, o PCC (Primeiro Comando da Capital) a fim de vingar a morte dos 111 detentos no Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, pelas tropas de choque da Polícia Militar. A facção tornou-se uma poderosa organização criminal e desde então tem se alastrado por todo o país.

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Em 2014, O Estado vive uma onda de violência dentro das prisões paulistas obrigando o governo federal a se posicionar com urgência, dando origem a algumas abordagens superficiais da questão e não se apropriando das raízes da fúria criminal o que favorece a continuidade do estado de ineficiência.

Em 2009 foi relatada pela CPI Carcerária a realidade do Estado Mato Grosso do Sul onde os presos dividem espaço com porcos:

A situação do presídio é calamitosa: a água é escassa e não há energia elétrica. Os presos alojam-se em barracas improvisadas, cobertas com lonas, instaladas em área aberta, ou se ajeitam, em redes, embaixo de árvores. Dezenas de presos dormem na pocilga com porcos que pertencem a agentes penitenciários. O esgoto escorre a céu aberto e há lixo jogado por todo lado. (CPI, 2008).

Em 2013 os presos de Florianópolis, no Estado de Santa Cantarina, comandaram também ataques do lado de fora das prisões e seis anos após a CPI, a situação ainda se repete. Há um descontrole generalizado.

O consenso entre ressocialização e prisão brasileira tem se mostrado incompatível. Ressocializar em meio a condições desumanas é o maior desafio da justiça criminal, ou anula um ou gera o outro, de maneira comparativa ao câncer: ou retira-se o órgão comprometedor, ou desfalece todo o organismo penal. Nesse sentido é necessário que a compreensão não esteja resumida na prisão em si, todavia é imprescindível pensar nos efeitos dessa prisão no processo de reintegração social do encarcerado.

IV EFEITOS DA PRISÃO NO PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL DO ENCARCERADO

A prisão é o mundo do encarcerado cercado por grandes fortalezas e projetado para punir, prevenir e reintegrar, todavia já é valido afirmar que os efeitos da prisão extrapolaram o velho discurso de “reintegração social” desencadeando efeitos criminógenos, sociológicos, psicológicos, negativos diante do autoconceito do recluso e como consequência da soma destes efeitos a reincidência criminal. Nesse sentido, para compreender melhor estes efeitos utilizar-se-á duas principais proposições:

A primeira é a incoerência da prisão em transformar “sociais” os “antissociais”

devido ao caráter artificial da sociedade carcerária. Nesse sentido, torna-se estranho pensar que um local como a prisão possa transformar estes “perversos” em “sociáveis”, tal como sinaliza Bittencourt (2010, p.162) que “não se pode ignorar a dificuldade de fazer sociais aos que, de forma simplista, chamamos de antissociais se os dissocia da comunidade livre e ao mesmo tempo se os associa a outros antissociais”. Esta é uma incoerência muito bem articulada cujas expectativas positivas decorreram há décadas, tornando exaustivo atualmente concebê-la dessa forma.

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Partindo desse pressuposto, a prisão poderia ser uma utopia, um mito, todavia existe a outra proposição que insere como eixo central desta problemática, a finalidade ressocializadora/reabilitadora/reintegradora que a prisão assumiu, e esta acepção decorre das “condições materiais e humanas que tornam incansável o objetivo reabilitador”

(BITTENCOURT, 2010, p. 163). Esta, por sua vez, é uma argumentação menos radical que justifica o insucesso da prisão sustentado na deficiente aplicabilidade da execução penal.

Diante de ambas as proposições valida-se um fator: sua ineficiência. É nesse sentido que o encarcerado tornou-se o depósito das mazelas carcerárias e símbolo da prisão fracassada. Toda essa deficiência incide sobre os efeitos prisionais tornando-os marcas indeléveis na carga histórica do homem.

O efeito criminógeno (aquele que leva ao crime) da prisão é a irônica antítese da sua finalidade, ou seja, a prisão veio a ser a universidade do crime e este efeito atualmente é ainda mais latente, uma vez que há uma produção desenfreada de delinquentes.

Com relação a este fator, as críticas já não são tão recentes. Entre os anos de 1820 e 1842 já ressoavam nas discussões penais. E, em 1975, Foucault (2013, p. 251) na sua célebre obra Vigiar e Punir já o afirmava: “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crime e de criminosos permanece estável, ou ainda pior, aumenta”.

Nesse sentido, a subcultura carcerária se torna uma regra, e a comunidade gestada nesta subcultura, as facções, os bandos, a hierarquização de poder e a divisão desigual de tarefas impróprias a cumprir são todas comandadas pelos chefes das facções.

Essa organização interna torna sujeitos não só aqueles que povoam as prisões, mas uma rede articulada fora dos muros prisionais que inclui a família, dos presos, os bandos e os comandos de tráfico que interagem sem fronteiras nos presídios do Brasil. É como se a prisão se tornasse “a detestável solução, de que não se pode abrir mão” (FOUCAULT, 2013, p. 218).

Além deste efeito, há o sociológico que configura o encarceramento brasileiro e incide logo que o interno ingressa na prisão através do processo de prisionalização. Nesse contexto, reaparece a argumentação inicial que debate a irônica finalidade que a prisão assumiu que é a de retirá-lo da sua comunidade e depositá-lo em uma sociedade carcerária.

Esta é uma lógica irônica, uma vez que é “um meio artificial, antinatural, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador sobre o recluso” conforme Molina (1988 apud BITTENCOURT, 2010, p. 162), o que demarca uma abstração da sua real finalidade.

Goffman (1973 apud BITTENCOURT, 2010, p. 171), definiu a prisão como uma

“instituição total” que contraria a uma instituição qualquer, absorve exageradamente o tempo e o interesse do membro, “a tendência absorvente ou totalizante está simbolizada pelos

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obstáculos”, ou seja, a prisão tornou-se o limite entre ela e a sociedade, gerando mundos dissociados.

De forma análoga, Sykes (1958, apud GODOI, 2011, p. 142) qualificou o processo de “dores do encarcerado” ao apresentar:

Os traços característicos da cultura prisional e do processo de prisionalização, as privações de liberdade, de bens e serviços, de relacionamentos heterossexuais, de autonomia e de segurança constituíram as bases estruturais do desenvolvimento de uma cultura e de uma identidade específica ao ambiente prisional.

A partir dessa análise é possível afirmar os efeitos sociológicos da prisão e por consequente a falência da prisão colaborando para afirmações como a de Molina (1988, apud BITTENCOURT, 2010, p. 177): “por isso acredito que, de acordo com a experiência, a pena não ressocializa ninguém. E não ressocializa por que como, instituição, o cárcere não nasceu para ressocializar ninguém”.

Nessa lógica, outros efeitos da prisão são os psicológicos que começaram a ser observados quando dentro desses ambientes aumentava o quantitativo de psicose ainda no regime celular e isso suscitou algumas posturas investigativas de médicos diante da causa- efeito prisão-psicose.

Seelig chama de “reação explosiva à prisão” o efeito posterior à permanência nestes ambientes. Estes efeitos são “reações muitas vezes extremamente violentas que devem ser interpretadas como forma de comunicação, em um meio como a prisão onde a impossibilidade de comunicar-se é a regra”. (BITTENCOURT, 2010, p. 199).

Certamente, a prisão tal como foi pensada, já produziria efeitos desta espécie e quando observada sob uma funcionalidade deficiente, a única incidência lógica que pode vir a ter são os efeitos nocivos psíquicos que ela é capaz de produzir. Afirma Mora (1978 apud BITTENCOURT, 2010, p. 200), que: “Os que sofrem as penas privativas de liberdade por um longo período apresentam uma série de quadros que evidenciam claro matiz

“paranoide”. Entre esses transtornos, pode-se citar o complexo de prisão”.

O matiz “paranoide” do qual fala o autor, trata da existência de traços de contínua desconfiança e suspeição que apresentam os encarcerados diante dos outros além de desenvolverem um quadro de depressão, de falta de apetite, de comportamento agressivo, indiferente, inferior e de constante desinteresse por tudo que os cerca, inclusive a ideia de suicídio.

Os males do encarceramento incidem de igual forma no processo de retorno à sociedade, nas etapas finais que o encarcerado terá que enfrentar e nesse sentido observa- se como esses efeitos se avolumam, pois a preparação para este retorno é evidentemente

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fracassada o que torna dificultosa a entrada e permanência na sociedade. Este é, portanto, o efeito símbolo da falência da pena de prisão, a reincidência.

Essa é a marca mais devastadora que movimenta o sentimento de retorno ao crime, pois ao lado desta postura estigmatizante da sociedade, o ex-presidiário ainda é um considerável “perigo social” e devido a este status torna-se mais “seguro” evitá-lo, bloqueando oportunidades de emprego e tratando-o com indiferença, impossibilitando de uma vez por todas qualquer sucesso da reintegração social.

Nesse sentido, Pimentel (apud SIQUEIRA 2001, p. 66) colabora com a seguinte argumentação:

Ao sair do cárcere, após o cumprimento de uma pena mais ou menos longa, o sentenciado nada mais tem em comum com o mundo que o segregou: seus valores não são idênticos, como diversas são suas aspirações, os seus interesses e seus objetivos. A volta à prisão funciona como retorno ao lar, e assim se perpetua o entra e sai da cadeia.

Esse desencontro é a transparente imagem que justifica este último efeito citado, a reincidência. A obviedade do processo é que dentro do sistema capitalista inexiste emprego para todos, que dentro da lógica neoliberal há uma desregulamentação do fator trabalho e que consequente a ambos os fatores a classe marginalizada se forma. Nesse sentido, aquele encarcerado brasileiro encontra uma sobrevivente e intensa criminalidade do lado de fora e diante de um mesmo quadro não há outra opção senão percorrer novamente todo o circuito penal, uma vez que a sociedade não mudou.

De modo geral, os efeitos criminógenos, sociológicos, psicológicos e a reincidência são a herança cancerígena na vida do encarcerado, representam a violação

“civilizada” que um estado punitivo e de direitos fora capaz de gerir. Enfim, estes geraram as marcas indeléveis que cada encarcerado terá como peso na bagagem da sua vida e o fim do encarceramento pode simplesmente ser um recomeço infeliz de modo a negar que a reintegração social não passa de uma utopia.

V CONCLUSÃO

A prisão brasileira tem como carga histórica o “espetáculo do terror”. A conversão dos suplícios em uma refinada forma de punir solidificou suas reais pretensões.

No Brasil toda essa configuração penal foi afirmada, a projeção da prisão reintegradora foi o salto mais esperado do clamor humanitário, a resposta para o fim do terror aparece como alívio para aqueles “invisíveis marginais”. A ótica humanizadora do Estado diante da questão penal, portanto, não refreou os efeitos nocivos da prisão, pelo contrário fortaleceu o fracasso do seu fim.

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Enquanto isso, a prisão brasileira produz e reproduz efeitos criminógenos, sociológicos e psicológicos e tem como resultante a reincidência que faz o processo tornar- se inválido e inútil. Essa distorção da prisão e sua finalidade inflama o interior dos cárceres e torna-se o estopim da bomba para explosões de rebeliões, fugas e ataques internos e externos à prisão, confirmando o efeito criminógeno que esta assumiu e deixando todos vulneráveis ao sistema, resultado de uma forma usualmente dada ao tratamento da questão:

mais cárceres.

Diante disso, alguns doutrinadores defendem a extinção da prisão, outros, a expansão de penas alternativas, e há ainda aqueles defensores do método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) caracterizado por utilizar uma metodologia própria por meio da evangelização, oferecendo condições necessárias à reintegração social dos apenados e que tem apresentado resultados positivos em seus fins.

Dessa forma, a superposição do prevenir pelo penalizar deve ser a bandeira de um movimento geral que abarque estado e sociedade em favor de uma justiça social que anule toda e qualquer expressão de tortura pré e pós-cárcere e que estabeleça novos caminhos de recomeço para um país que consagrou marcas indeléveis ao homem encarcerado. Para isso, projetar políticas preventivas à criminalidade, políticas de conscientização social sobre a necessidade de inclusão, reintegração, geração de novas oportunidades para os egressos e expansão do método APAC e, como valor supremo, a prevalência dos direitos humanos é a maior ambição deste trabalho, combatendo veementemente o modelo prisional vigente por ser ele, um remédio cujos efeitos colaterais são extremamente nocivos ao homem.

REFERÊNCIAS

BBC - BRASIL EM LONDRES. Prisões brasileiras são 'um inferno', diz Barbosa em Londres: 29/01/2014. Disponível em :http://www.bbc.co.uk/portuguese/notícias /2014/01/140129 _barbosa_prisoes_londres_lgb. Acesso em: 22 de maio de 2015.

BITENCOURT, Cézar Roberto. Falência da pena de prisão causas e alternativas, 4. ed.

São Paulo: Saraiva, 2010.

BRASIL. Presidência da República. Secretaria Geral. Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil / Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretaria Nacional de Juventude. – Brasília: Presidência da República, 2015. 112 p. : il. – (Série Juventude Viva).

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______. Lei de Execução Penal n. 7.210, de 11 de julho de 1984.

CPI SISTEMA CARCERARIO – relatório final, 2008. Biblioteca Digital da Câmera dos deputados, 2009. Disponível em: http://bd.camara.gov.br.2009. Acesso: 25 abr. 2015.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Raquel Ramalhete. 41. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

GODÓI, Rafael. Para uma reflexão sobre os efeitos sociais do encarceramento. In: Revista Brasileira de segurança pública. São Paulo, 2011.

MOTTA, Manoel Barros da. Crítica da razão punitiva: o nascimento da prisão no Brasil. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2011.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Direito e prática histórica da execução penal no Brasil. Rio de Janeiro: Renavan, 2005.

SIQUEIRA, Jailson R. O trabalho e a assistência social na reintegração do preso à sociedade. Serviço Social & Sociedade. n. 67, ano 22– Especial. São Paulo: Cortez, 2001.

Referências

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