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O corpo aprende: Traços de caráter e aprendizagem

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REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN

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O corpo aprende:

Traços de caráter e aprendizagem

Resumo: Partindo de uma revisão da literatura a respeito da aplicação da Análise Bioenergética com crianças, pretende-se desenvolver a ideia de que o cuidado com o corpo, a consciência e as vivências corporais desde cedo na vida, podem ajudar a construir uma base segura para o desenvolvimento da aprendizagem, (re)organizando as suas construções e favorecendo uma prática psicocorporal estruturante de si mesmas.

Palavras-chave: criança, corpo, aprendizagem, Bioenergética, fluxo.

The body learns:

character traits and learning

Abstract: From a review of the literature regarding the application of Bioenergetics with children, we intend to develop the idea that the care of the body, consciousness and bodily experiences early in life can help build a secure foundation for developmental learning, (re)organizing their emotional structures and encouraging the practice of structuring themselves.

Keywords: child, body, learning, Bioenergetics, energy flow.

_____________________________________________________________________

Introdução

Sempre nos chamava atenção no trabalho psicopedagógico com crianças em consultório, o quanto elas nos traziam de informações acerca de suas demandas em seu próprio corpo, já podendo ser visualizadas algumas hipóteses diagnósticas, a partir de leitura corporal atenta durante alguns contatos, associada a outros dados trazidos por elas e por suas famílias.

Estendendo nossas observações para o ambiente escolar, também constatamos a fácil visualização no corpo das crianças de sintomas presentes em quadros de dificuldades de aprendizagem. Algumas se apresentam com postura corporal desalinhada em relação ao seu eixo ao sentar, por exemplo, e outras com respiração encurtada associada a inquietação motora, ou, ainda, sinais de desequilíbrio corporal bem evidentes.

A literatura pesquisada aponta para algumas relações possíveis entre a aprendizagem e o corpo, como lugar onde estão inscritas as primeiras experiências infantis que poderão interferir negativamente nesse processo em decorrência de impedimentos na fluidez de suas potencialidades. Paín (1988) e Fernández (1991),

Maria de Fátima Lucas da Silva 1 Fernanda Andrade Lima 2

1 Psicóloga pela Universidade Católica de Pernambuco (1975), com especialização em Planejamento e Coordenação Educacionais (2002) e Psicopedagogia (2006).

Especialista em psicologia Clínica na Abordagem Bioenergética pelo Libertas - PE. E-mail:

mafalusi5@gmail.com;

2 Psicóloga e Professora.

Especialista em Psicologia Clínica com ênfase na Análise Bioenergética pelo Libertas Comunidade. Certificated Bioenergetic Trainner (CBT).

Doutoranda em Psicologia – PE.

E-Mail:

Fernanda.horizonte@gmail.com.

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principalmente, trazem importantes contribuições para a ampliação de nosso olhar para essa questão, no tocante à aprendizagem como processo que ocorre a partir de uma sintonia entre inteligência, desejo, organismo e corpo.

Por sua vez, estudos desenvolvidos por Reich (1972), Lowen (1977) e, mais recentemente, por Rocha (2003), nos oferecem os recursos para se desenvolver um trabalho que favoreça a expansão do movimento da energia, o que pode ocorrer desde cedo, especialmente porque “... a criança é corporal e não está aprisionada em suas couraças como o adulto, ela se expressa” (ROCHA, 2010, p.17).

Neste artigo, procuramos mostrar que numa perspectiva preventiva, o trabalho corporal sistemático com crianças no ambiente escolar poderá representar um diferencial para uma construção efetiva das condições de fluidez de suas potencialidades. A Psicopedagogia tem se preocupado com essas condições e acreditamos que a Bioenergética pode oferecer importantes aportes para a ampliação de seu campo de atuação, numa etapa anterior à instalação dos impedimentos para que o fluxo energético esteja harmonizado em seu desenvolvimento.

Organismo, corpo e aprendizagem

A pessoa vive inteiramente no presente quando ocupa inteiramente o seu corpo. A consciência estende-se tão profundamente para dentro do corpo que a pessoa consegue sentir o pulsar da vida.

(ALEXANDER LOWEN)

Segundo Ferreira (1993), a definição básica de aprendizagem diz:

Aprendizagem: s.f. Ação de aprender; aprendizado. / Tempo durante o qual se aprende. / Psicologia: Método que consiste em estabelecer conexões entre certos estímulos e determinadas respostas, cujo resultado é aumentar a adaptação do ser vivo ao seu ambiente. (FERREIRA, 1993, p.39).

Queremos compreender como, a partir do que se inscreve no corpo de uma criança, poderemos prevenir, através de um trabalho corporal, as intercorrências que poderão comprometer o fluxo natural das experiências na infância de modo a garantir a fluidez desse processo. Comecemos por situá-la no âmbito da relação organismo/corpo da criança que entra em contato com o outro, desde o momento em que a mãe, procurando atender às demandas de seu filho, incluindo, no oferecimento do leite de que ele precisa, um para além, como nos coloca Freud (1905/1990b), ideia que é ampliada por Aulagnier (1990), quando nos diz que é por causa desse para além que a criança desenvolve a aceitação de que poderá sair do estado de puro orgânico para encontrar a matéria-prima dos significados afetivos e culturais.

Ao nascer, a criança não distingue o que é dela e o que não é em seu estar no mundo, o que vai acontecendo pouco a pouco na relação com o outro, na medida em que a noção de corpo vai se construindo; para tal, será necessário que esse ser que nasce encontre um outro ser que lhe deposite e ofereça enunciados que o reconheçam como sujeito (AULAGNIER, 1990). Quando concebido, o feto é antecipado pelos pais como

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alguém que possuirá características próprias geralmente relacionadas aos seus desejos narcísicos; então, desde esse momento e durante toda a gestação, esse corpo que ainda nascerá é marcado por enunciados que o antecipam como sujeito e, ao nascer, os pais atualizam os seus ideais de acordo com as características desse bebê que chega. Então, o organismo abrigará o corpo que se constituirá a partir de suas experiências.

Distinguindo organismo de corpo poderemos compreender como este se constitui e relacioná-lo ao processo de aprendizagem. Organismo se refere a uma...

Já da constituição do corpo, farão parte os esquemas de ação e significação (plano de coordenação sensoriomotora), os afetos e a constituição do eu – esta, relacionada à primeira imagem identificatória com ele mesmo. Então, o organismo seria a infraestrutura sensorial e de inscrição do corpo, e o corpo o que domina a ação sobre os objetos e que será simbolizado através de um nome e do uso de um pronome (PAÍN, 1988, p.25).

Paín (1988) destaca que uma das condições internas da aprendizagem diz respeito ao “corpo como infraestrutura neurofisiológica ou organismo” (p.25); segundo essa autora, é pelo corpo que o sujeito manifesta sua rigidez, flexibilidade, forma de caminhar e de pegar os objetos e “é pelo corpo que se aprende e, a depender de suas condições – sejam constitucionais, herdadas ou adquiridas – estarão favorecidos ou retardados os processos cognitivos, especialmente os que se referem à aprendizagem” (p.25). O processo de aprendizagem e a construção do conhecimento e do pensamento ocorrerão a partir de uma sintonia entre inteligência (autoconstruída na interação), desejo (sendo desejo do desejo do outro), organismo (herdado, individual) e corpo (construído especularmente); quando surge um problema nesse processo é porque houve a submissão de uma dessas instâncias a outra, daí podendo surgir o aprisionamento das condições de utilização do potencial de forma plena. Além de Paín (1988), essa ideia é defendida também por Fernández (1991), ambas acreditando que a tendência ao pensamento de forma segmentada, conforme estimulado pelas escolas, privilegia aspectos que podem promover conflitos que reforçam o surgimento de impedimentos para que as aprendizagens sigam seu curso natural.

Reforçando a ideia dessas autoras encontramos ressonância disso no que nos diz Aulagnier (1990) e Violante (2001) a respeito da relação psique-soma e a atividade sensorial, desde os primeiros momentos de vida de uma criança; desde cedo ela organiza seu conhecimento a partir das informações que lhe chegam pelo olfato, pelo tato, pelo paladar, pela audição e pela visão, utilizando-se do corpo do outro para constituir sua própria imagem. É a experiência somática sendo metabolizada em experiência psíquica. Ainda nessa linha de pensamento podemos dimensionar, a partir daí, a importância das primeiras inscrições no corpo, das experiências infantis que, não favorecendo a plenitude da fluidez de suas potencialidades, poderão representar falhas na capacidade do pensamento. Segundo Aulagnier (1990), nesse sentido, o corpo é considerado um mediador entre duas psiques – a própria e a materna e entre a psique e o mundo.

[...]estrutura material que conserva a estabilidade do ser humano através de uma programação reguladora ... é capaz de registrar as coordenações sensório-motoras adquiridas de modo a que sejam utilizadas pelo sujeito de maneira automática ...é uma memória de funcionamento (PAÍN e JARREAU apud FERRARI e SORDI, 2009, p.210)).

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Fernández (1991) nos leva a refletir sobre os riscos de não nos atermos à importância do corpo no contato da criança com o simbólico em sua vida, quando nos diz:

O corpo também é importante quanto à transmissão de ‘enseñas’1.Em geral, a escola apela somente ao cérebro, crianças com braços cruzados, atados a si mesmos. Essa era a proposta: amarrar-se o corpo para deixar apenas o cérebro em funcionamento, desconhecendo e expulsando o corpo e a ação da pedagogia.

Ainda hoje encontramos crianças que estão atadas aos bancos, a quem não se permite expandir-se, provar-se, incluir todos os aspectos corporais nas novas aprendizagens (FERNÁNDEZ, 1991, p. 63-64).

Facilmente podemos associar essa realidade às condições de alienação de si mesmo e dos outros, de fragmentação e dissociação da ação e de falta de recursos para o indivíduo se responsabilizar por suas atitudes e/ou pelas relações que estabelece no mundo, apenas assumindo ‘tarefas’ que lhe atribuem socialmente; daí decorrem dificuldades relacionadas ao processo de aprendizagem que não só podem ocorrer em relação aos conteúdos formais, mas aos que permeiam todos os movimentos que a criança faz na vida. Em relação a essas condições, Reich, no início do século XX, desenvolveu sua teoria, tentando compreender doenças e neuroses humanas que geram a imobilidade vital e emocional e nos paralisam diante da vida. E amplia essa compreensão para o entendimento de que o corpo contém a história emocional do indivíduo, construída por ele a partir das relações iniciais estabelecidas com todas as pessoas que cuidaram dele, enquanto bebê, e que foram se aprofundando ao longo da vida. Nesse percurso, as situações que geraram medo e ansiedade podem também gerar uma rigidez corporal, inibindo as relações do indivíduo com o meio que o cerca. E serão esses sentimentos que poderão estrangular um crescimento e de uma aprendizagem saudável; instituindo-se a separação entre o pensar, o sentir e o agir, teremos a base para uma estrutura de caráter neurótica, segundo esse autor.

Ao identificarmos relação estreita entre o pensamento dos autores, citados inicialmente, com o que Reich nos propõe a partir de sua teoria, vemos a possibilidade de ser ampliada a nossa leitura quanto ao que pode ser estimulado nas crianças de seu potencial a partir do corpo; se considerarmos que suas histórias estão inscritas nele, uma vez trabalhados desde muito cedo, lhes será favorecida a restauração do fluxo energético e o retorno disso ao aparelho cognitivo será mais favorecido diante das ameaças que se interponham no seu processo de desenvolvimento. Quando se refere a fluxo energético, Reich (1972) o conceitua como a circulação da energia que nos chega por estarmos plantados na energia cósmica, em consonância com o universo onde nos encontramos. Segundo ele, o corpo possui um campo energético que se alonga durante a expansão e se retrai na contração; quando essa energia vital não flui, surgem bloqueios no corpo, represamentos, ocorrendo o mesmo com as emoções, associados a limitações de ordem corporal na respiração e na mobilidade (hiperatividade/imobilidade), por exemplo. A Análise Bioenergética nos tem oferecido ferramentas importantes para facilitar o funcionamento mais espontâneo das pessoas, através de exercícios que lidam com sua energia, fazendo fluir a energia pelo corpo todo, flexibilizando grupos musculares contraídos e tensionados, e ampliando os seus movimentos e as possibilidades de se pacificarem com suas emoções perturbadoras, trabalhando ainda a atenção e a concentração, ajudando a manutenção da saúde. Ao representar um importante instrumento para se

1Enseña – palavra que no espanhol designa insígnia. Na língua portuguesa insígnia quer dizer símbolo, emblema, divisa; sinal distintivo dos membros de uma associação, irmandade ou grupo.

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fazer a leitura de comportamentos não-verbais, propicia meios de se prevenir, a partir de um trabalho sistemático com crianças, ao longo das etapas de escolaridade básica, dificuldades relacionadas à aprendizagem, uma vez que pode atuar, além dos aspectos emocionais, também sobre aspectos de ordem cognitiva e psicomotora (organização tempo-espacial, memória, atenção/concentração e percepção) subjacentes ao desenvolvimento das competências linguísticas e matemáticas, ajudando-as a liberar a energia que impede que essas instâncias funcionem em condições de maior qualidade de produtividade.

Os traços de caráter e a aprendizagem

O destino da raça humana dependerá das estruturas de caráter das crianças do futuro.

(WILHELM REICH)

Essa relação mente (psique) e corpo (soma), desde a antiguidade até os dias atuais, tem sido objeto de reflexão e de estudos, inicialmente pelos filósofos e hoje pelos cientistas, buscando um entendimento acerca da natureza dos sentimentos e emoções e da sua ligação e localização no corpo. Assim, já no século V a.C., filósofos que acompanhavam Platão em suas reflexões, relacionaram o cérebro às funções mentais; pouco a pouco, ao longo dos séculos, foi ampliada a compreensão dessa relação e, no século XVII, Descartes faz o primeiro registro sistemático entre mente e corpo, passando a influenciar fortemente a ciência e a filosofia com suas ideias. Segundo ele, a alma racional é uma entidade distinta do corpo e faz contato com ele por meio da glândula pineal, através da qual fazem trocas nos dois sentidos, se afetando mutuamente, mas mantendo uma separação entre as substâncias corporal e mental. Antônio Damásio, no século XIX, chama a atenção para esse aspecto dualístico, vendo que o organismo interage com o ambiente como um conjunto, não havendo exclusividade nessa interação, nem da mente, nem do corpo; segundo ele, a mente seria o resultado da interação do organismo com seu ambiente físico e social e, por sua vez, o ambiente também seria influenciado pelas ações desse organismo.

Para Reich (1972) a ligação entre mente (psique) e corpo (soma) existe através do princípio do funcionamento comum das emoções bioenergéticas e são constituídas da mesma substância e pertencem ao mesmo universo, à mesma dimensão, são produtos energéticos. A relação entre eles não é de causa e efeito como pensa a ciência e a medicina mecanicista ou de um espírito que habita um corpo por um período, como acreditam os místicos, mas é funcional e, acima de tudo, energética. Reich (1972) evidenciou em sua obra, o quanto as atitudes mecanicistas e místicas impediam um conhecimento adequado do funcionamento do universo e da natureza, numa perspectiva de avançar na direção de encontrar soluções para os grandes problemas da humanidade; para ele, a estrutura biopsíquica do ser humano é o meio pelo qual passam todas as funções naturais, internas e externas, antes de se tornarem pensamento. Podemos identificar no pensamento de Reich um enfoque globalizante da personalidade, ancorando-se numa preocupação de compreender a pessoa de forma integrada e não de encontrar possíveis fatores patogênicos ou em sugerir medidas para prevenir o que pode promovê-los.

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Reich (1972) nos apresenta o corpo como um sistema energético, que contém a história emocional do indivíduo e é constituído a partir das relações que ele estabelece, inicialmente com seus pais ou com seus cuidadores quando bebê, e são aprofundadas ao longo de sua vida. Durante esse percurso, as experiências que envolvem medo e ansiedade, podem provocar tensões corporais que podem limitar o movimento natural do fluxo energético e comprometer a respiração e as expressões emocionais; tais experiências podem estar relacionadas à repressão moral que inibe os afetos e colaboram para a manutenção da rigidez nas atitudes de caráter.

Partindo de princípios defendidos por Reich, Lowen (1990, 1994), sistematizou uma teoria do caráter, considerando as fases do desenvolvimento infantil de Freud, associando os elementos da dinâmica funcional e energética à constituição das defesas de caráter; ele nos chama a atenção para o quanto a criança necessita de experimentar ansiedade em seu desenvolvimento e para o cuidado de se analisar se há desproporcionalidade em relação à situação que a provocou, pois uma vez confirmada, haverá risco de instalação de estado crônico e fora de controle do ego. Os traços de caráter da criança poderão ser categorizadas a partir das ansiedades relacionadas à cada fase do desenvolvimento e não deverão ser consideradas como padrão, mas sim como referência para facilitar a compreensão a respeito do sofrimento que ela pode trazer; partindo da época em que ocorreu um provável trauma psíquico, poderemos ajudar a liberar a energia retida. Daí ser importante tentar encontrar formas de favorecer que esses traumas não se instalem e deixem marcas para toda a sua vida; uma dessas formas é a que este artigo defende, pela via do trabalho corporal que lhe seja oferecido e que se incorpore às práticas cotidianas na escola, por exemplo, em meio às demais que já lhe oferecem tantos elementos que complementam o seu desenvolvimento.

Rocha (2003), ao desenvolver estudos fundamentados em conceitos básicos de alguns autores, tais como: Klein (1975), Aberastury (1992), Winnicott (1997), Reich (1972) e Lowen (1977, 1982 e 1985), elaborou teoria e técnica integrativa da psicoterapia corporal aplicadas ao universo infantil, combinando elementos da ludoterapia à análise caracterial e movimento energético relacionados ao brincar da criança, a partir da curva orgástica elaborada por Reich (1972). Essa autora chama a atenção para a necessidade de, no campo educacional, também ser desenvolvida uma prática que coloque o educador com papel ativo numa perspectiva de favorecer melhor direcionamento do fluxo energético das crianças, ajudando-as a “... mobilizar conteúdos saudáveis inerentes a seu processo de desenvolvimento psíquico” (2003, p.55). Segundo ela, tal prática proporcionará, como desdobramento, “... maior expressão dos afetos e/ou emoções da criança, propiciando a liberação da capacidade respiratória e, consequentemente, da aprendizagem” (2003, p.19).

A partir desses estudos, Rocha (2010, p.17) reforça a ideia de que se encontra subjacente na teoria e prática criadas por ela a ideia de que “... a criança é corporal e não está aprisionada em suas couraças como o adulto, ela se expressa”. Portanto, ela amplia as possibilidades de trabalho corporal com crianças, tanto para finalidades psicoterapêuticas como preventivas, se utilizando do brincar como recurso poderoso para reviver seus bloqueios emocionais e recuperar o fluxo energético que lhes impede sentir plenamente o corpo.

Embora não referido nos estudos de Rocha, encontramos aspectos relacionados a estes nas pesquisas e nos escritos de Robbins (1996), quando trata de suas descobertas, a partir de estudos sobre a Bioenergética em relação às mudanças energéticas que ocorriam no corpo ao serem feitos pequenos movimentos. Diz ele que “... à medida que a energia ativava diferentes partes do corpo, eu notava como a expressão da pessoa mudava.

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Tornou-se evidente que áreas energeticamente excitadas subjaziam aos conteúdos da consciência”. Ainda sobre esse tema, relacionando com as descobertas de Lowen (1985), Robbins (1996, p.50) refere:

Em Bioenergética, aponta-se uma sequência de desenvolvimento de certa forma similar [à relação da energia com processos de desenvolvimento previamente descrita por Freud em seus estudos] como fonte de progressão de um certo número de estruturas de caráter ... [a qual] ... é responsável por atitudes patológicas fixas que afetam negativamente a forma como percebemos e nos comportamos. Tanto a Psicanálise como a Bioenergética desenvolveram-se a partir da atenção dada à patologia. Ambas enfocaram a história das primeiras posições à medida que estas perturbavam o funcionamento posterior na vida.

Ambas enfatizavam a fixação que resultava do trauma.

Esse autor destaca o seu interesse pelos aspectos naturais do curso do movimento da energia, impressionado que estava no curso total do seu fluxo; segundo ele: “A vida repetidamente crescia contra o pano de fundo da transformação da energia... e ... diferentes áreas corporais, a seu tempo, davam tons diversos ao que estava acontecendo” (p.65), chamando a esse funcionamento de Fases do Ciclo Rítmico depois de ter se dedicado ao estudo de culturas primitivas, históricas e contemporâneas. Pela sua compreensão,

... dois tipos de fronteiras podem formar no corpo de uma pessoa uma quebra ou divisão do fluxo energético. Uma área retesada em razão de músculos contraídos, bloqueia o movimento de energia. Uma área relaxada, onde falta tônus à musculatura, a dissipa. Ambas impedem o fluxo de energia pelo resto do corpo e ressaltam a dinâmica de sua localização física no padrão total de funcionamento (p.78).

O pensamento desse autor reforça a ideia, já defendida pelos outros referidos neste artigo, de que há aspectos positivos a preservar, numa perspectiva de serem evitados bloqueios que gerem impedimentos para utilização plena do potencial de cada pessoa. Tal pode ser feito pelo estímulo ao trabalho corporal ainda na fase do desenvolvimento infantil, como forma de serem prevenidas as marcas que comprometem o pleno funcionamento do ser.

A partir dessa compreensão, já vimos desenvolvendo prática nessa perspectiva, dentro do ambiente escolar, com crianças de séries iniciais de ensino fundamental (1º ao 5º ano), há cerca de cinco anos, apresentando resultados positivos observados nas áreas de concentração da atenção e da respiração, utilizando exercícios bioenergéticos; esses resultados foram observados em situações que envolvem não somente as atividades de sala de aula, mas também durante as brincadeiras e jogos em momentos de lazer. Os objetivos desse programa foram, desde o início, ter as crianças sensibilizadas para um contato com seu corpo com a finalidade de desenvolver uma consciência de suas possibilidades e limites, além de estimular a capacidade de expressão oral das sensações experimentadas durante as vivências.

A estrutura do programa, inicialmente, tomou por base orientações de uma prática corporal de base puramente fisiológica, de equilibração corporal, com fundamentação em métodos relacionados à integração das estruturas humanas (Método Rolfing), à consciência pelo movimento (Método Feldenkrais), à reeducação postural global (RPG), Pilates e Yoga, extraindo-se deles propostas que favorecessem o conhecimento e o encontro das crianças com seu corpo, tomando consciência dos limites e possibilidades que ele oferece,

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descobrindo a sensibilidade escondida e sentindo os registros que a vida faz nele, a cada situação vivida. Ao longo do tempo, as propostas iniciais foram enriquecidas por conhecimentos e vivências na área de Análise Bioenergética e de Psicopedagogia, os quais ampliaram o alcance dos objetivos para algo que também poderia ter finalidade preventiva quanto a aspectos da formação de estruturas de caráter associadas às ansiedades necessárias de cada fase do desenvolvimento da criança. Assim, atualmente, as propostas, para grupos de dez a quinze crianças, integram os aspectos: movimento, expansão e contração, carga e descarga, respiração, alongamento, contato humano e trabalho lúdico, obedecendo a uma sequência que se utiliza dos princípios bioenergéticos de trabalho corporal aplicando exercícios que envolvem, principalmente, grounding e respiração, iniciando pelos pés e pernas e seguindo pela pélvis, tronco e braços, cabeça e pescoço e finalizando com uma proposta integrando todas as partes do corpo. Essa prática ocorre uma vez por semana, durante uma hora, sempre no início das atividades diárias.

Importante destacar que esse programa também tem uma função pedagógica e educativa, a partir do aprendizado de possibilidades e de caminhos, pela via da assimilação de informações sobre si e dos seus pares;

formam-se novos hábitos e se expande a consciência, num sentido mais amplo. Quando valorizamos o corpo e utilizamos a mente para dar conteúdos e compreensão à criança, poderemos estar facilitando e contribuindo para uma aprendizagem mais efetiva, não só de conteúdos formais, mas da vida. E se pensarmos nos benefícios que uma prática que focaliza os princípios do grounding, definido por Lowen (1997, p.36) “como um processo energético em que um fluxo de excitação percorre o corpo, da cabeça aos pés”, ampliaremos ainda mais as possibilidades de serem oferecidos recursos que irão favorecer uma percepção corporal de conexão com o chão, um enraizamento, uma sensação de força e vida nos pés e nas pernas, com desdobramentos no desenvolvimento de sentimentos de segurança em seu estar no mundo.

Considerações finais

Somos o que somos; Somos o que sentimos;

Somos o que pensamos; Somos o que desejamos;

Somos o que fazemos; Mediados por gestos e movimentos Somos o nosso corpo.

(MADALENA FREIRE)

Quando focalizamos a questão mente-corpo, logo trazemos à tona múltiplas opiniões, quer de ordem religiosa, quer filosóficas, quer científicas, as quais nos mostram que, existindo desde a Antiguidade, ainda não reúne um consenso, mas possibilita múltiplos olhares que podem trazer benefícios ao ser humano, na medida em que apontam para alternativas que nos ajudam a fazer leituras mais inteiras desse corpo que nos constitui.

A relação entre os trabalhos clínicos desenvolvidos na abordagem bioenergética e os desdobramentos destes para a aprendizagem ainda têm sido pouco considerados de maneira mais específica pelas pesquisas científicas. Mas, temos observado sinais de que quanto mais seja assegurado às crianças um espaço de trabalho corporal sistemático, a partir do qual elas sejam levadas a uma conscientização corporal e a uma melhora de sua

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percepção de si mesma, tanto mais lhes será possibilitada uma ampliação das condições de fluidez de suas potencialidades nas dimensões do cognitivo, do psicomotor e do socioafetivo.

Desde o que se pode compreender do que nos deixou Reich (1972) e Lowen (1977, 1982 e 1985), aplicáveis ao universo infantil e, mais recentemente, o que tem descoberto Rocha (2003), a partir da sua teoria e técnica integrativa da psicoterapia corporal no atendimento infantil, associados os produtos desses trabalhos ao que Paín (1988) e Fernández (1991) referem acerca dos processos de aprendizagem e sua estreita relação com o corpo que também aprende, acreditamos que se pudermos sistematizar trabalhos que favoreçam atividades corporais numa abordagem Bioenergética, poderão ser melhorados sintomas de caráter tais como:

comportamento hiperativo ou dificuldade de se conectar o pensamento com dados da realidade, ou ainda tensão elevada no diafragma, como encontrados nas referências de caráter esquizóide, por exemplo. Ao criarmos essas propostas, poderemos oportunizar a restauração do fluxo energético e o retorno dele ao aparelho cognitivo será mais favorecido. Como no setting terapêutico já está comprovado que ocorre um desenvolvimento emocional e cognitivo a partir da utilização de práticas corporais, há possibilidade de que esse resultado também possa ocorrer no ambiente escolar onde seja adotada uma abordagem que inclua o trabalho corporal como meio de desenvolver recursos que ajudem o processo de aprendizagem a ocorrer de forma plena. A proposta deste artigo é ampliar as discussões em torno desse tema para, também ampliar essa prática em novos espaços de aprendizagem.

Procuramos destacar, então, as contribuições dos autores citados e a nossa experiência no campo pedagógico e ambiente escolar, para uma compreensão das possibilidades de exploração dos caminhos que o corpo oferece para potencializar o que naturalmente já trazemos em nossa bagagem. Ao sairmos do espaço que divide o conhecimento em caixinhas e dos esquemas preconcebidos, poderemos ampliar os recursos de nosso pensamento para o que pode ajudar a expandir ao invés de limitar, de expressar ao invés de reprimir, e crescer em plenitude, em todas as direções.

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Referências

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14, p.17-26, Dezembro/2022 – ISSN 2357-9692 Edição eletrônica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc Introdução Nesse artigo pretendemos demonstrar que na Terapia Familiar