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A PRECARIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: Os desafios e impasses da política de saúde frente ao avanço do neoliberalismo.

Angélica Luiza Silva Bezerra1 Eloise Cristina Pinto Macêdo2 Rita de Cassia dos Santos3

RESUMO: O presente artigo tem como finalidade analisar a precarização da política de saúde como consequência do processo neoliberal no Brasil. Destacamos a construção histórica desta política que possui um caráter universal, bem como, todo o processo que se encontra atualmente o Sistema Único de Saúde (SUS) frente à precarização e flexibilização em decorrência do desmonte de direitos socias.

Palavras-chave: Saúde, precarização, SUS, neoliberalismo.

ABSTRACT: The present article aims to analyze the precariousness of the health policy as a consequence of the neoliberal process in Brazil. We emphasize the historical construction of this policy, which has an universal character, as well all the way that is currently find the Unified Health System, regarding to the precarization and flexibilization due to the contempt of social rights.

Keywords: Health, precarization, SUS, neoliberalism.

1 Assistente social, professora do curso em serviço social pela Unidade Educacional Palmeira dos Índios Universidade Federal de Alagoas (UFAL)., doutora, e-mail: angelicamcz@yahoo.com.br.

2Graduanda em Serviço Social pela Unidade Educacional Palmeira dos Índios –Universidade Federal de Alagoas.

E-mail: eloiseemacedo@hotmail.com

3Graduanda em Serviço Social pela Unidade Educacional Palmeira dos Índios – Universidade Federal de Alagoas (UFAL). E-mail: rita00santos@hotmail.com

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1. INTRODUÇÃO

A seguridade social brasileira se constitui através da Constituição Federal de 1988, que busca assegurar a proteção social, o direito de bem-estar, o amparo e ajustiça social a todos os indivíduos, como afirma o artigo 194 da Constituição Federal: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, á previdência e á assistência social”(CF.1988).

Diante disso, é válido mencionar que a seguridade social é composta por três políticas:

saúde, assistência e previdência social, que possuem características distintas. Haja vista, que a política de assistência social possui um caráter seletivo, pois de acordo com o texto constitucional “assistência é para quem dela necessitar”, já a previdência social tem como particularidade a contribuição e está vinculada ao trabalho, e a política de saúde possui um caráter de universalidade, isto é, um direito de todo cidadão e dever do Estado garantir. Deste modo, a seguridade social é:

Relativamente a proteção social, o maior avanço da constituição de 1988 é a adoção do conceito de seguridade social, englobando as áreas da saúde, da previdência e da assistência. Além dessa inovação, há que se realçar a redefinição de alguns princípios, pelos quais foram estabelecidas novas regras relativas a fontes de custeio, organização administrativa, mecanismos de participação dos usuários no sistema e melhoria/universalização dos benefícios e serviços[...](MOTA,2005, p.142)

Desde sua implementação, a seguridade social passou por reformas significativas que representam contradições, pois, de um lado o trabalhador/cidadão é protegido socialmente, de outro favorece a reprodução do sistema capitalista ao evidenciar um aumento de setores privilegiados pelos serviços da previdência, da saúde e da assistência social promovendo, assim a privatização e mercantilização de alguns serviços sociais.

Com a perspectiva de favorecimento do mercado, a seguridade social está marcada por um contexto em que medidas de privatizações estão combinadas com a ação e intervenção do Estado. A tendência é a complementaridade das ações fortalecendo cada vez mais as organizações sociais (OS), as organizações filantrópicas, e as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) vinculadas à responsabilidade social das empresas e a nova roupagem do voluntariado. Como nos esclarece Silva: “A seguridade é relação social. Oculta e, ao mesmo tempo, revela os embates em torno do acesso aos bens, recursos e serviços socialmente produzidos” (SILVA, 2007, p. 138). O investimento e as

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reformas implementadas na seguridade social revelam as consequências da crise estrutural4 do capital, pois a redução da intervenção estatal e o aumento da privatização são um dos mecanismos para reduzir custos sociais ao passo em que potencializam a administração da desigualdade social provocada pela lei absoluta geral, da acumulação capitalista5. É uma das funções do Estado assegurar o controle e manutenção da força de trabalho ativa ou não. Sob a lógica neoliberal esta função é cada vez mais direcionada através do apelo à solidariedade social no âmbito da sociedade civil.

No que se refere à Saúde, uma das políticas que compõe o tripé da seguridade social, presenciamos um processo de conquistas e retrocessos no que se refere as condições de vida da população brasileira que vão desde a precarização da manutenção do que já existe enquanto serviço até a contratação de profissionais especializados conforme as necessidades do setor.

Desde os anos 1980, a saúde contou com a participação política da população6. Conforme Bravo, a “Saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estreitamente vinculada à democracia” (BRAVO, 2007, p, 95). Esta nova realidade que estava emergindo em torno da saúde tinha como um dos objetivos o direito universal a saúde e o dever do Estado retirando qualquer tipo de discriminação entre o assegurado e o não-segurado, seja no rural ou no urbano. Portanto, as ações e serviços de Saúde passaram a serem consideradas de relevância pública cabendo o Estado a sua regulamentação, fiscalização e controle em que a participação do setor privado deverá ser complementar.

Todavia, o retrocesso político do governo que se instaura no final da década de 1980 revelou incertezas sobre a implementação da Reforma Sanitária7, cabendo destacar:

a fragilidade das medidas reformadoras em curso, a ineficiência do setor público, as tensões com os profissionais de saúde, a redução do apoio popular face à ausência

4 A crise estrutural do capital, ativada desde 1970, torna-se inédita na história da humanidade por ativar os limites absolutos do sistema (MÉSZÁROS, 2002). Seus efeitos no Brasil foram expressivos a partir da década de 1990 com o “[...] tensionamento permanente entre a restituição do Estado democrático, com ampliação dos direitos e políticas sociais e sua materialização em contexto mundial de [...] reestruturação do capital em uma perspectiva neoliberal” (BOSCHETTI,2010, p. 65)

5 Para citar Marx: “Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta Geral, da acumulação capitalista” (MARX, 1984, p.

209).

6 Nos limites deste artigo, não é de nosso interesse trazer para a discussão a construção das lutas e os desafios que foram travados neste processo. Apensar da importância para o debate não aprofundaremos o marco fundamental para a discussão da questão da saúde no Brasil, realizada na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, Distrito Federal. Nosso interesse é trazer uma breve discussão sobre a atual tendência da saúde enquanto política pública.

7 Conforme Bravo, o Projeto de Reforma Sanitária, “[...] tem como uma de suas estratégias o Sistema Único de Saúde (SUS) e foi fruto de lutas e mobilização dos profissionais de saúde, articulados ao movimento popular. Sua preocupação central é assegurar que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte, pela saúde” (BRAVO, 2007, 101).

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de resultados concretos na melhoria da atenção à saúde da população brasileira e a reorganização dos setores conservadores contraditórios à reforma, que passam a dar a direção no setor a partir de 1988. (BRAVO, 2007, p.99).

Esta realidade contou com a abertura do ajuste neoliberal com o redirecionamento do Estado. Os avanços do texto constitucional deram lugar as necessidades do desenvolvimento capitalista na particularidade brasileira. A hegemonia neoliberal forneceu as bases para sucateamento da saúde mediante o aumento da mercantilização, parcerias e convênios com o setor privado, “[...] responsabilizando a mesma para assumir os custos da crise [...]”

(BRAVO, 2007, p. 100).

A partir do exposto, nos propomos a resgatar o processo de luta que culminou na construção política em torno da saúde brasileira e a precarização da saúde enquanto política pública no contexto neoliberal e suas principais tendências na atual conjuntura.

2. A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL.

De forma geral, falar de saúde nos remete a compreender o âmbito universal das políticas de saúde no contexto brasileiro. Por meio de um breve recorte histórico, veremos as mudanças nas políticas de saúde no Brasil, iniciadas principalmente após o Movimento da Reforma Sanitária, culminando na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição Federal de 1988.

Para compreender a política de saúde no Brasil, é fundamental refletir sobre suas bases desde a década de 1930, momento em que a saúde surge como questão social com a emergência do trabalho assalariado, exigindo do Estado uma intervenção sistemática e continua.

Durante os séculos XVIII e XIX, a assistência médica era voltada para a filantropia e para a prática liberal. Devido às transformações econômicas e políticas, apareceram iniciativas no campo da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de campanhas limitadas. No início do século XX, surgiram iniciativas de organização do setor saúde, que foram aprofundadas a partir de 1930.

Na década de 1920, foram realizadas tentativas para a expansão da saúde pública por todo o país. A reforma Carlos Chagas, em 1923, buscou a ampliação do atendimento à saúde por parte do poder central. Neste período, houve ainda à criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPS), que ficou conhecida como Lei Elói Chaves. As CAPS eram subsidiadas pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados. Eram organizadas por

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empresas, de maneira que só os grandes estabelecimentos tinham condições de mantê-las.

Os benefícios eram equivalentes às contribuições e previam: a assistência médica-curativa e fornecimento de medicamentos; aposentadoria por tempo de serviço, velhice e invalidez, pensão para os dependentes e auxílio funeral. Dado a isto, mudanças que ocorreram no Brasil a partir da década de 1930, obtiveram como parâmetro o processo de industrialização, a redefinição do papel do Estado e o surgimento das políticas sociais. O cenário dos anos 1930 permitiu o surgimento de políticas sociais nacionais que correspondessem às demandas da questão social de modo orgânico e sistemático. A saúde especialmente precisava ser enfrentada de modo mais aprimorado.

A política de saúde proferida nesse período possuía caráter nacional, organizada em dois subsetores: o de saúde pública e o de medicina previdenciária. O subsetor de saúde pública foi prevalecente até meados de 1960 e centralizou-se na gênese das condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e, prioritariamente, para as do campo. Já Para Oliveira e Teixeira (1986:61-65), o modelo de previdência que norteou os anos 30 a 45 no Brasil foi de orientação contencionista, ao contrário do modelo inclusivo que dominou o período anterior (1923-1930).

A Política Nacional de Saúde foi definida no período de 1945-1950. Em 1948, com o Plano Salte, que abarcava as áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia: a Saúde foi posta como finalidade fundamental. A situação da Saúde da população, no período de 1945 a 1964 (com exceções dos anos 50, 56 e 63, em que os gastos com saúde pública foram mais propícios), não foi possível acabar com o quadro de doenças infecciosas e parasitárias e as altas taxas de morbidade e mortalidade infantil, como também a mortalidade geral. O período ditatorial no Brasil foi significativo para a afirmação de uma linha de desenvolvimento econômico-social e político que passou a nortear o país. A política social, no período de 1974 a 1979, apresentou maior eficácia no enfrentamento da “questão social”, a fim de canalizar as reivindicações e pressões populares.

É importante destacar o processo de lutas realizado pelo movimento da reforma sanitária, no qual reunia pessoas que trabalhavam na saúde e a população, nesse movimento houve questionamentos sobre as condições da saúde da classe trabalhadora, principalmente durante as décadas de 1970 a 1980, algumas das propostas eram democratização do sistema, participação da população, universalização dos serviços; a defesa do caráter público etc. É válido salientar sobre o movimento da reforma sanitária:

(...) este movimento teve como princípio uma crítica á concepção de saúde restrita à dimensão biológica e individual, bem como a afirmação da relação entre organização social, organização dos serviços de saúde e prática médica, tendo como fundamento a determinação social da doença para se pensar o processo de trabalho em saúde (VASCONCELES, 2007 p.76).

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Como fruto deste processo em 1986 sucede a oitava conferência de saúde, realizada nos dias 17 a 21 de março na cidade de Brasília, sendo citada por diversos autores como marco histórico na construção do SUS- Sistema Único de Saúde, sobre isso é relevante destacar:

(...) Nessa conferência, que contou com a presença de mais de quatro mil pessoas, evidenciou-se que as modificações no setor da saúde transcendiam os marcos de uma simples reforma administrativa e financeira. Havia necessidade de uma reformulação mais profunda, com a ampliação do conceito de saúde e sua correspondente ação institucional (...) (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER. 2005, p.78).

Ainda sobre a conferência, de acordo com o Nataline:

(...) com ampla participação, discute a situação da saúde no país e aprova um relatório com recomendações de descentralização, participação popular e eficiência da gestão local. Essas recomendações passam a constituir o projeto da reforma sanitária brasileira. A proposta da reforma para reorientar o sistema de saúde é a implantação do SUS- sistema único de saúde.(NATALINE, 2002: p.165)

Diante do exposto podemos compreender a importância do movimento da reforma sanitária no Brasil tendo como marco histórico a 8ª conferência de saúde, que obteve um papel essencial na construção do Sistema Único de Saúde (SUS), este tem como finalidade a universalização e a democracia, com os princípios de equidade, integralidade;

resolutividade; gratuidade para toda a população brasileira, isto é, uma saúde pública de qualidade.

A formação da Constituição Federal do Brasil, em 1988, assegura um marco da composição dos direitos sociais da população brasileira. A partir da Constituição Federal do Brasil de 1988, a política de saúde é reconhecida como uma política universal, direito de todo e qualquer cidadão e dever do Estado. Sendo assim, apontamos que no artigo n°196 da Constituição Federal está expresso sobre o direito a saúde:

Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e os serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Brasil.1988,p.188)

Perante o exposto, a política de saúde é direcionada a toda a população brasileira, possui um caráter universal, ou seja, qualquer cidadão tem direito a saúde. Sobreo SUS- Sistema Único de Saúde, destacamos:

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o arranjo organizacional do Estado brasileiro que dá suporte à efetivação da política de saúde no brasil, e traduz em ação os princípios e diretrizes desta política. Compreende um conjunto organizado e articulado de serviços e ações de saúde, e aglutina o conjunto das organizações públicas de saúde existentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional(...) (VASCONCELOS E PASCHE, 2012: p.531).

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Assim, o SUS se constitui enquanto um sistema, formado por instituições dos três níveis de governo (União, Estados e municípios). Sendo regulamentado pela lei orgânica da saúde – LOS através da lei 8.080/90 e posteriormente a lei 8.142/90.

Todavia o contexto em que foi construída a política de saúde com seu caráter universal foi também palco de sua desconstrução, pois a redução de direitos sociais e trabalhistas e as mudanças daí decorrentes favoreceram para que a saúde enquanto política também fosse alvo da redução e redimensionamento do Estado. Bravo (2007) destaca que apesar das declarações de adesão ao Sistema Único de Saúde (SUS) verifica-se o “[...] descumprimento dos dispositivos constitucionais e legais e uma omissão do governo federal na regulamentação e fiscalização das ações de saúde em geral” (BRAVO, 2007, p. 100).

Portanto, houve alguns obstáculos que comprometeram a possibilidade do SUS tal qual garante a Constituição, alguns deles são: o desrespeito ao princípio da equidade no que se refere aos recursos públicos, afastamento do princípio da indissolubilidade entre prevenção e atenção curativa entre outros. Além destes obstáculos o projeto da saúde preconizado nos anos 1980 está sendo regido pelas necessidades mercadológicas e privatistas.

A atual conjuntura que se evidencia a política de saúde corresponde a um momento de extrema contradição, com a ativação da crise estrutural quaisquer reivindicações mesmo que de forma parcial/pontual sugere desafiar o próprio sistema, deixando para os cidadãos um momento de extrema incerteza com a retirada dos direitos trabalhistas, da saúde e, consequentemente limitando o direito à vida.

Sob essas condições traremos no próximo item sobre a crise estrutural e sua consequência no padrão da política de saúde brasileira.

2.1 A PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: alguns apontamentos para a reflexão.

Atualmente o projeto de saúde está pautado com a articulação do mercado com bases na política de ajuste neoliberal que tem como principal tendência a garantia de serviços reduzidos e precários para quem não pode pagar e o atendimento do acesso do setor privado.

Este é um dos princípios da contensão de gastos no atual momento do capitalismo.

A nosso ver as políticas sociais das quais faz parte a saúde estão historicamente alicerçadas na necessidade de reprodução do capitalismo ao passo que viabiliza a manutenção da força de trabalho sempre disponível ao sistema. Portanto, as políticas sociais são um dos instrumentos que garantem a manutenção do sistema capitalista, elas são também funcionais à ordem. Todavia, ao ativar um tipo de crise diferenciada, o sistema do

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capital, através do Estado não conseguiu garantir de forma generalizada a manutenção do padrão dos direitos conquistados as duras lutas dos trabalhadores. Pelo contrário, os direitos dos trabalhadores/cidadãos, no atual momento histórico, tornam-se obstáculos para a saída da crise. Sendo assim, a redução das políticas sociais, como é o caso da política de saúde, não estão imunes das contenções dos gastos sociais em resposta a crise. Assim, a saúde enquanto política precisou assumir as características do desenvolvimento capitalista, ou seja, apesar da sua permanência do direito universal não contributiva, incorpora a lógica do mercado ao permitir o setor privado como um de seus parceiros, além do processo de privatização nos serviços fornecidos pelo SUS. O chamado desmonte da seguridade social corresponde a um conjunto de contradições em resposta à crise estrutural. Mas o que particulariza este tipo de crise ao subordinar a política de saúde aos ditames da lógica econômica?

A temática da crise atual do capitalismo expressa-se nas mais variadas perspectivas teóricas. Na literatura marxista – de crise orgânica8, como garantem Gramsci (MOTA, 2011) e Castelo (2013), à crise estrutural, segundo autores como Mészáros (2002); Antunes (2006) e José Paulo Netto (2011) –, é consensual o debate sobre sua severidade, abrangência mundial e o ineditismo das suas expressões, se comparada às crises anteriores, pondo cada vez mais em evidência as suas consequências sobre o trabalho e as políticas sociais, que oscilam em cada período de estagnação ou auge da economia.

No cenário da segunda metade do século XX, o capitalismo experimentou um tipo de crise inédita, no qual são cada vez mais difíceis os momentos de auge, como ocorreu no período fordista/keynesiano. O novo estágio que o capitalismo enfrenta com o estreitamento das margens de lucros provocado pela crise atual do capital é expresso pela severidade com que a classe trabalhadora é submetida ao aumento do desemprego e às formas de trabalho precárias.

O cenário da crise atual do capitalismo inicia-se no fim da década de 1960, quando o sistema capitalista começa a apresentar os primeiros sinais de declínio econômico. José Paulo Netto entende que

[...] o marco dos anos setenta não é um acidente cronológico; a visibilidade de novos processos se torna progressiva à medida que o capital monopolista se vê compelido a encontrar alternativas para a crise em que é engolfado naquela quadra (1996, p. 90, grifo nosso).

8 Para a autora, a atual crise do capitalismo é uma crise orgânica; o que a diferencia das outras crises é que ela não é apenas uma crise econômica, mas uma crise global ou societal. A ideia de crise global ou societal diz respeito

“ao conjunto de transformações econômicas, políticas, sociais, institucionais e culturais que interferem no processo de reprodução social, seja no sentido de incorporar potencialmente elementos ameaçadores da reprodução, seja no sentido de catalisar mudanças que permitam a reestruturação da reprodução” (MOTA, 2011, p. 88).

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Assim, esta crise não está mais restrita a uma esfera particular da produção, porém afeta a totalidade do sistema do capital em sua forma global; ela atinge tanto os países periféricos quanto os países de primeiro mundo. Com a queda das taxas de lucro, a produtividade já não é mais a mesma, aflorando uma série de problemas no campo social e econômico, com o acirramento da desigualdade social.

Até o começo do século XX, o capitalismo ainda conseguia superar suas dificuldades e barreiras, com o incremento de novas formas de gestão da força de trabalho, a depender das necessidades da produção e da acumulação. Esta nova realidade é expressa tanto do ponto de vista do capital – por perturbar o objetivo central do capitalismo −, quanto do trabalho – por impulsionar ainda mais a precarização do trabalho, o desemprego (ora em alta, ora estável), a flexibilização e o incentivo à informalidade e a precarização das políticas sociais.

A crise estrutural atinge a totalidade do sistema do capital tanto no âmbito universal (afetando todas as áreas da produção) como global (não atinge apenas alguns países ou conjunto de países). Para Mészáros, a novidade da crise manifesta-se em quatro aspectos principais:

(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica de habilidades e graus de produtividade etc.); (2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas as principais crises do passado); (3) sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir permanente, em lugar de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital; (4) em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no “deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua energia. (MÉSZÁROS, 2002, p.

796, grifo do autor).

Este tipo de crise não deve ser tida como catastrófica, mas sim como algo inerente ao capitalismo de expansão planetária, que põe novos potenciais ao desenvolvimento do capital, mas que contraditoriamente repõe os antagonismos de classe. Estas medidas colocaram retrocessos nas políticas sociais em especial a política de Educação, Previdência e saúde.

Os efeitos deste tipo de crise atingiram o Brasil no final dos anos 1990, uma das estratégias em responder aos efeitos da crise foi o desmonte das políticas sociais como condição para a privatização e a mercantilização dos serviços. Os direitos sociais conquistados são agora definidos pelo mercado. Neste processo, as organizações sociais ou cooperativas são colocadas para prestar serviço definidos pelo mercado que tem como objetivo os interesses do mercado em acumular riqueza.

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Assim, a saúde enquanto política é despolitizada, pois fica ausente o modelo de assistência à perspectiva da saúde coletiva como direito. O setor público em parceria com as organizações prestadoras de serviços coloca o “Estado como provedor, mas o exime da responsabilidade não só de prover tais serviços, como também, principalmente, de imprimir uma política reguladora da prestação destes serviços” (VASCONCELOS, 2009, p. 92). Além disso, o desmonte da política de saúde conta com o ajuste fiscal e cortes nos orçamentos que só piora as condições de existência da população. Deste modo, a precarização da política de saúde tem raízes na forma como o sistema do capital vem respondendo as consequências da crise estrutural. Sem precedentes na história, estamos submetidos às determinações do sistema do capital pois pela necessidade de lucro é reduzido o direito a saúde de forma equânime e de qualidade.

3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, fica evidente que o Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1990 com a entrada do neoliberalismo no Brasil, vem enfrentando dificuldades para efetivação dos seus serviços para todo e qualquer cidadão, visto que a tendência à mercantilização da política de saúde tem crescido no setor privado. O direito a saúde vem se tornando cada vez mais restrito a população, principalmente as pessoas que dependem de uma política de saúde pública, uma vez que a precarização dos serviços públicos garantidos pelo Estado, tem incentivado a focalização e objetivação da saúde.

Assim, destacamos o processo de reformas que a política de saúde vem sofrendo no decorrer dos últimos anos, devido ao avanço neoliberal, que visa o mercado e a garantia do funcionamento do setor privado. Sobre isso, podemos sublinhar segundo o autor Soares (2018, p.26) que:

Essa expropriação no âmbito do direito à saúde e da política de saúde atinge seu ápice a partir das alterações e proposições discutidas por Bravo, Pelaez e Pinheiro (2018): a aprovação da Emenda Constitucional 95, que institui o congelamento do teto dos gastos primários, impondo sobre o orçamento da saúde uma restrição que pode chegar a 640 bilhões, segundo estudo do IPEA (VIEIRA; BENEVIDES, 2016); a proposição dos Planos Populares de Saúde que está em vias de ser regulamentada;

a proposição de alteração na lei que regulamenta os planos de saúde no Brasil, a alteração na Política Nacional de Atenção Básica em Saúde e as alterações na política de saúde mental, precisamente na Rede de Atenção Psicossocial, que retrocede em aspectos fundamentais à reforma psiquiátrica [...]

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Portanto, as reformas contra a política de saúde são realizadas aos poucos, diminuindo atendimentos, orçamentos e/ou até seu congelamento por vinte anos, isso significa um grande retrocesso, pois o serviço público tornasse cada vez mais precário. A tendência é que a situação de precarização da política de saúde se agrave. Desta forma, os princípios basilares do SUS se tornam incompatíveis com a realidade brasileira. Segundo Soares:

na política de saúde mostra-se completamente antagônica ao projeto de Reforma Sanitária, ferindo de morte seus princípios basilares, principalmente três: a universalidade do acesso à saúde: quando impõe uma restrição orçamentária por 20 anos, [...] coloca em patamares jamais vistos o subfinanciamento do SUS num momento de aumento da demanda do sistema; quando abre espaço para a regulamentação de planos populares e defende abertamente a desoneração do SUS via oneração dos usuários no consumo de planos privados;[...]a publicidade do direito à saúde: massifica-se nos argumentos e proposições do Ministério da Saúde a ideia de que todos devem colaborar diante do colapso do financiamento do sistema. Na prática, a colaboração se daria via aquisição de um plano popular ou até mesmo a compra de um serviço de saúde numa clínica popular – como também vem sendo muito veiculado na grande mídia. Apesar da resistência do movimento sanitário, a população usuária do SUS tem se mobilizado pouco em defesa do direito público à saúde, evidenciando que o conteúdo de negação do direito e reprodução da ideia de inviabilidade do SUS, vem se colocando na ordem do dia pelos setores privados. [..]

a participação social: o controle social que, nos governos anteriores, já havia sofrido duros golpes num contínuo processo de desvalorização e marginalização em relação às grandes decisões da política de saúde - como a introdução das novas modalidades de gestão – passa a ser completamente alijado dos processos decisórios[...]

(SOARES. 2018, P.28).

Dado a isto, a saúde se torna mercadoria para o grande capital, sendo então o serviço precarizado como estratégia para inserção de planos populares.

REFERÊNCIAS

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Referências

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