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A prisão sem muros da Queer Theory nos contos dama da noite e o rapaz mais triste do mundo de Caio Fernando Abreu

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

ROBSON TEOTÔNIO DA SILVA

A ‘PRISÃO SEM MUROS’ DA QUEER THEORY

NOS CONTOS ‘DAMA DA NOITE’ e ‘O RAPAZ MAIS TRISTE DO MUNDO’ DE CAIO FERNANDO ABREU

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A ‘PRISÃO SEM MUROS’ DA QUEER THEORY

NOS CONTOS ‘DAMA DA NOITE’ e ‘O RAPAZ MAIS TRISTE DO MUNDO’ DE CAIO FERNANDO ABREU

Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre do Programa de Pós-Graduação em estudos da Linguagem (Literatura Comparada – Área de Concentração: Poéticas da Modernidade e da Pós-Modernidade).

Orientadora: Profa. Dra. Tânia Maria de Araújo Lima.

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FERNANDO ABREU

Mestrando: Robson Teotônio da Silva

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Profa. Dra. Tânia Maria de Araújo Lima

UFRN

_________________________________________ Prof. Dr. Lucrecio Araújo de Sá Júnior

UFRN

___________________________________________ Profa. Dra. Marta Aparecida Garcia Gonçalves

UFRN

__________________________________________ Profa. Dra. Renata Pimentel Teixeira

UFRPE

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Tolerar a existência do outro, e permitir que ele seja diferente, ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede. E essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.

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AGRADECIMENTOS

No longo trajeto de nossas vidas deparamos com muitas situações, às vezes boas, outras vezes más. No entanto, todas elas nos proporcionam valiosas experiências que levamos conosco por toda a nossa existência. É por meio dessas pessoas que aprendemos a valorizar cada momento ou instante vividos, em lugares diversos e com pessoas especiais. Entre essas pessoas especiais estão aquelas que convivem conosco desde o início de nossas vidas, tornando-se fundamentais pela força, atenção e, principalmente, pelo amor dedicado; outras, porém, encontramos a partir de um determinado momento, oferecendo companheirismo e amizade e outras mais, por vários outros motivos, como o auxílio, ensinamentos. Algumas se perdem no caminho, por motivo de viagens, ou por se sentirem melhor distantes de nós, outros se aproximam, ou se reaproximam e, assim, vão-se criando novos laços, movimentando, constante e naturalmente, o impressionante ciclo da vida. Por tudo isso, mesmo os mais distantes, não deixo de considerar importantes, por possibilitarem esse movimento contínuo, por permitirem e propiciarem sentido à vida, bem como todos os que ainda se encontram próximos a mim. A todos, dedico as próximas páginas deste trabalho e o esforço que desprendi para sua elaboração.

Principalmente, às minhas mães do coração e de toda a vida, Maria Boa Ventura de Oliveira, a quem tanto amo, e à inesquecível Luiza Boa Ventura de Oliveira (in memoriam).

A toda a minha família, pelo suporte e atenção em muitos momentos.

Ao professor Antônio Eduardo de Oliveira, pela honra de tê-lo como orientador no início desta jornada com as importantes contribuições, a confiança e a colaboração.

À professora Tânia Maria de Araújo Lima, por aceitar dar continuidade ao trabalho iniciado pelo professor Antônio Eduardo, contribuindo, de forma esplendorosa, para a conclusão desta dissertação.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, por tudo o que me acrescentaram.

Ao professor Lucrécio Araújo de Sá Júnior, pela ajuda prestimosa e disponibilidade para participar da minha banca examinadora.

Às professoras, Dra. Marta Aparecida Garcia Gonçalves e Dra. Renata Pimentel Teixeira, que aceitaram compor minha banca examinadora.

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SILVA, Robson Teotônio da. „A prisão sem muros‟ da Queer Theory nos contos „Dama da noite‟e „O rapaz mais triste do mundo‟. Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada – Poética da Modernidade e da Pós-Modernidade ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da linguagem - Departamento de Letras da UFRN. Rio Grande do Norte, 2013. 85 fls. Digitas.

RESUMO

Nesta dissertação, analisa-se sob uma perspectiva comparatista a relação entre os contos: „A

Dama da noite‟ e „O rapaz mais triste do mundo‟, de Caio Fernando Abreu, com o intuito de revelar, analisar, estabelecer diálogos sígnicos com a Queer Theory. Buscou-se, acima de tudo, fazer uma desleitura pautada na contextualidade discursiva da literatura pós-moderna. Objetivou-se, assim, justificar e esclarecer as inúmeras questões que surgem nas relações emblemáticas de personagens que estão presentes no texto e no contexto cultural, histórico e social. Destaca-se, ainda, que os enunciados de valor comparativo identificados nas obras, dadas às singularidades de cada uma delas, não possibilitam classificá-las, apenas, como

„figuras de retórica‟ das quais a comparação pode ser citada como exemplo. Nesse caso, elas servem para nortear os caminhos que possam levar a compreender melhor o paralelismo criado entre o mundo de valores e adjetivos binários sugeridos pela sociedade e tão bem retratados nas ideias e textos de Caio Fernando Abreu.

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SILVA, Robson Teotônio da. „A prisão sem muros‟ da Queer Theory nos contos „Dama da noite‟ e „O rapaz mais triste do mundo‟. Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada – Poética da Modernidade e da Pós-Modernidade ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da linguagem - Departamento de Letras da UFRN. Rio Grande do Norte, 2013. 85 fls. Digitadas.

ABSTRACT

In this dissertation, we analyze, in a comparative perspective, the link between the short

stories: „Dama da Noite‟ and „O Rapaz mais triste do mundo‟, of Caio Fernando Abreu. In

order to reveal, analyze and establish relevant dialogues with Queer Theory, it‟s important, above all, make a misreading guided in the discursive contextuality of postmodern literature. In order to justify and clarify the many issues that arises in the emblematic relationships of characters that are present in the text and in the cultural context, historically and socially. It also highlights the utterance comparative value identified in the works, given the peculiarities of each one of them, not being possible to classify them as 'figures of language' with which the comparison can be cited as an example. In this case, they serve to inspire the ways that may lead us to a better understanding of the parallels created between a world of the binary value and adjectives suggested by society and so well portrayed in the ideas and writings of Caio Fernando Abreu.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 9

1A TEORIA QUEER EM CAIO FERNANDO ABREU... 20

1.1 Pressupostos históricos e literários do final do Século XX... 20

1.2 A reciprocidade do encontro dialógico inter-humano... 24

1.3 Principais influências da crítica Pós-moderna/Pós-Estruturalista... 26

1.4 A teoria Queer... 29

2 CAIO A OBRA COMO EXPERIÊNCIA COLETIVA REVELADA NA ESCRITA 36 2.1Dama da Noite ... 43

2.2 O rapaz mais triste do mundo... 46

3 ABORDAGENS TEMÁTICAS DAS OBRAS... 51

3.1Alteridade ... 53

3.2 Estigmatização por não integração ao Status Quo... 58

3.3 Identidades de Gênero... 63

3.3.1 Sexualidade e reprodução... 66

3.3.2 Gênero x Sexualidade ... 3.3.3 Os papeis de gênero nos contos: „Dama da noite‟ e „O rapaz mais triste do mundo‟... 69 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 76

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O Pós-estruturalismo, muitas vezes, é confundido com o Pós-modernismo, o que se configura como um grande equívoco, uma vez que, não se pode, simplesmente, reduzi-lo a um conjunto de pressupostos compartilhados, a um método, a uma teoria, ou até mesmo, a uma escola ou época histórica.

No entanto, mesmo não se tratando de um período histórico específico, não se pode deixar de afirmar que, de algum modo, o Pós-estruturalismo apresenta uma continuação no tempo e, também, uma transformação e transição do paradigma do estruturalismo, configurando-se, muito mais, como resposta filosófica ao que se diz científico.

Por esse motivo, talvez, possa parecer melhor referir-se ao Pós-estruturalismo como um movimento de pensamento, um sistema teórico composto por diferentes formas de prática crítica, marcado pela modificação constante e profunda de paradigmas, cuja análise textual deixa de ser formal e estilística, para se tornar mais ampla e condicionada ao texto e ao contexto cultural.

Nele, os processos de significação contínuos e centrais, sugeridos pela proposta anterior do estruturalismo, dão lugar à flexibilidade e à incerteza. Com isso, não se poderia mais admitir falar de sistematização, pois, o Pós-estruturalismo rejeita qualquer tipo de exemplo nesse sentido. Daí então, ele passa a considerar o processo de significação, basicamente, como indeterminado e instável, passando a questionar os axiomas e abandonando a ênfase que antes os considerava imutáveis e verdadeiros.

Tudo isso acontece em virtude dos novos contornos delineados pelos movimentos sociais, culturais e de caráter fortemente literário, bastante marcados pelo hibridismo estético dos gêneros literários, que passaram a privilegiar as pesquisas informais, pautadas, quase sempre, em conflitos existenciais, políticos e comportamentais.

Como resultados dessa nova tendência, surgiram novas técnicas de comunicação e de transmissão poética e literária, cuja força retórica passou a residir, sobretudo, na necessidade de individualização das condições de vida, do culto ao eu e às felicidades privadas e subjetivas, acarretadas pela individualização da sociedade.

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pós-colonial, pós-marginal ou „pós-orgia‟, como preferiu chamar Baudrillard, “reporta-se a um momento, no qual se exaltavam todos os modelos de representação e de anti-representação” (BAUDRILLARD, 1992, p.9).

O pós-estruturalismo tornou, então, o sujeito livre, autônomo e autocentrado, focalizado num mundo social constituído pela linguagem, que deixava de ser mera representação para tornar-se parte integrante e central da definição e constituição da sua realidade cultural.

E não é outro o sentido que Foucault atribuiu ao conceito de homem moderno de Baudelaire. Ele discorre em sua obra „As palavras e as coisas‟ que as ciências humanas são, em parte, projeções das ideias observadas no final do século XIX, quando passam a ser tratadas do ponto de vista da descontinuidade, porque pressupõem a ideia de representação.

A representação, porém, não é, simplesmente, um objeto para as consciências humanas, mas, como se acaba de ver, o próprio campo das ciências humanas, e em toda a sua extensão; ela é o soco geral dessa forma de saber, aquilo que a torna possível (FOUCAULT, 1987, p. 472).

Segundo o pensador referido, o ser humano (sujeito) não parece mais estar preso à história:

Uma vez que ele fala, trabalha e vive, acha-se, no seu próprio ser, inteiramente misturado às histórias que não lhe são nem subordinadas nem homogêneas. Pela fragmentação do espaço por onde se estendia continuam ente o saber clássico, pelo enrolamento de cada domínio, assim libertado, sobre o seu próprio devir, o homem que surge no início do século XIX é um

ser „desistoricizado‟ (FOUCAULT, 1987, p. 478-479).

Talvez por esse motivo, a partir desse período, os textos de tessitura literária tragam em suas configurações traços de monólogos narrativos com características urbanas, resultado dos controles sociais normativos que arrefeçam a sociedade ao culto do consumismo, individualismo e hedonismo, práticas cada vez mais ligadas à noção da existência humana e baseadas na felicidade fugaz da subjetividade, em que o homem deixa de ser um simples reflexo da imagem criada sobre ele e passa a refletir a imagem que será criada a partir dele mesmo.

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Linguística, da Filosofia, da Sociologia, da Psicologia e da Psicanálise, todas baseadas na produção de mulheres escritoras.

Posterior a isso, os críticos passaram a tentar buscar identificar, sem sucesso, uma escrita caracteristicamente feminina, que marcasse a diferença da escrita dominantemente masculina. Diante da impossibilidade da concretização de tal objetivo, os estudos literários de gênero passaram, desde então e simplesmente, a observar as mulheres, não apenas como escritoras, mas como leitoras e, também, personagens de autores, tanto masculinos como femininos.

Consequentemente, os pesquisadores viram-se obrigados a ampliar a produção dos discursos literários, levando-os a uma constante e gradativa transdisciplinaridade em suas reflexões, abordando novas questões, tais como: origem de classe, etnia, nacionalidade e orientação sexual.

Assim, o propósito maior das questões literárias passou a ser a „desconstrução‟ da tradição literária, principalmente, aquela relacionada ao modelo masculino, heteronormativo, cristão, burguês e de cultura predominantemente branca.

Diante de tudo isso, a contribuição de Jacques Derrida mostrou-se de extrema importância para a construção das bases dos pilares do pensamento pós-estruturalista, pois as propostas sugeridas pelo desconstrucionismo foram bem recebidas durante os anos da década de 1970, tornando-se um novo modelo de análise e interpretação dos discursos literários.

Essa nova perspectiva proposta por Derrida combinou-se, em 1977, com os ideais da chamada „esquerda‟ norteamericana, na qual o modelo ideológico da desconstrução gerou novas ondas de movimentos e de bases teóricas, que funcionaram como fortes golpes na sociedade daquela época.

Nesse mesmo período, surgiu nos Estados Unidos, na década de 1990, a Queer Theory, também enfatizada nos estudos feministas da pesquisadora Judith Butler, sobre a

crítica estadunidense e diretamente relacionada aos Estudos Culturais e ao Pós-estruturalismo francês, tendo como principais referências teóricas as ideias dos franceses Foucault e, mais uma vez, Derrida.

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pela perspectiva de oposição e contestação, com intuito de questionar, problematizar e procurar discutir o universo cultural de um grupo excluído de uma sociedade centralizadora e heteronormativa.

Dentre suas concepções, destacou-se, principalmente, a inexistência de identidades de gêneros fixos, capazes de determinar o que cada pessoa é, em relação a sua „conduta‟ sexual, surgindo, assim, o termo pós-teoria estruturalista denominado Queer Theory.

Desde então, a teoria Queer passou a contar com a adesão e produção de inúmeros intelectuais engajados a este crescente movimento que, em meados da década de 1990, passaram a usar o termo para descrever trabalhos fundamentados em novas propostas e perspectivas teóricas, atenuando, de forma significativa, o impacto ao status quo que o antecedia e sem romper com a política de identidade da teoria, assumindo, ainda, um caráter unificador e assimilador, que buscava a aceitação e a integração das mais variadas posições

„excludentes‟ do sujeito na sociedade.

Com isso, a Queer Theory propõe, entre outras coisas, explicitar e analisar os processos de constituição social e cultural, a partir de uma perspectiva comprometida com os grupos socialmente estigmatizados, buscando, dessa forma, compreender a formação das identidades socioculturais, aceitando a ambiguidade, a multiplicidade e as diferenças, como formas de pensar a cultura, o conhecimento, o poder e, pricipalmente, as relações sociais.

Ademais, teórica e metodologicamente, os estudos referentes a Queer Theory ganharam notoriedade e importância em vários estudos e pesquisas, entre eles a Literatura que, cada vez mais, procurava relacionar-se ao meio social no qual estava inserida, por propor um novo modelo para as novas propostas pós-estruturalistas, entre elas a da heterogeneidade cultural, que busca entender as diferentes realidades sociais por meio das novas formas de criações literárias, aceitando as diferenças de todas as ordens e exigindo de todos um pouco mais de alteridade e respeito ao diferente.

Entende-se, portanto, que grande parte desse cenário deve-se à filosofia pós-estruturalista que intensificou a coexistência de valores, caracterizando-se, principalmente, pela ruptura com o tradicional, que passou a considerar o pensamento dicotômico, bastante problemático, como tema a ser problematizado pelas várias áreas dos saberes.

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movimentos sociais de caráter fortemente libertário, outras expressões ideológicas se destacaram neste período, podendo-se citar, entre elas, a „Contracultura‟.

Diante disso, tornou-se cada vez mais justificada a necessidade de compreender como as relações de conflitos sociais, baseados nos princípios da Queer Theory, estavam, cada vez mais, presentes em obras literárias definidas como nova tendência literária pós-estruturalista.

Assim, com as crescentes discussões e produções em torno de novas propostas ideológicas e diante da diversidade e multiplicidade temática promulgada pelos estudos Queer¸ mostra-se claro e de fundamental importância o objetivo de encarar a diferença, não

apenas como uma „categoria‟ a ser analisada, mas também, como um problema a ser enfrentado na concretude das relações institucionais, sociais e culturais, pois, entendida a diferença, ora como alteridade ora como divisão, surge como aspecto importante a ser refletido, especialmente pelo sujeito que a enfrenta, a possibilidade de que é preciso estar sensibilizado ou atingido por ela, para poder compreendê-la.

Com isso, é possível encontrar, na reflexão filosófica, a ideia de que, “na procura de uma ordem para o mundo, o predicado (o que é dito sobre uma coisa) foi confundido com o

atributo (o que uma coisa tem uma parte do que a coisa é)” (EIZIRIK & COMERLATO, 1995, p. 97). Isso significa que, para definir-se algo, precisa-se saber o que ele representa para poder, enfim, relacioná-lo a outras coisas, na tentativa de explicitar suas distinções. Essa reflexão também vale para as pessoas e é, portanto, a base do recorte da diferença, que organiza, limita lugares, compõe ordens lógicas e dá significados.

Diante disso, justifica-se a necessidade e o propósito de compreender como as relações de conflitos culturais atreladas aos princípios da Queer Theory têm estado, cada vez mais, presentes nas obras literárias, definidas como nova tendência literária pós-estruturalista, mesmo sendo, muitas vezes, duramente criticadas por apresentarem temáticas relacionadas a subjetividades de gêneros, aspectos relacionados a questões de alteridade, entre outros mais, que fragmentam as estruturas da verdade das condutas morais e éticas.

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questão de uma suposta estética „alternativa‟, ou seja, anticonvencional, antiditadura militar, e por que não dizer „marginal‟.

A memória da ditadura militar brasileira se impõe como um problema fundamental para a crítica literária. Em um país em que as heranças conservadoras são monumentais, e as dificuldades para esclarecer o passado são consolidadas e reforçadas, o papel de escritores, cineastas, músicos, artistas plásticos, atores e dançarinos pode corresponder a uma necessidade histórica. Enquanto instituições e arquivos ainda encerram mistérios fundamentais sobre o passado recente, o pensamento criativo pode procurar modos de mediar o contato da sociedade consigo mesma, trazendo consciência responsável a respeito do que ocorreu (GINZBURG, 2007, p. 43-44).

Como indica Jaime Ginzburg, na citação supracitada, os traumas vivenciados pela sociedade, em todas as esferas culturais, concentraram-se, em grande parte, no período militar, entre 1964 e 1985. Talvez por esse motivo, possa-se, facilmente, explicar as motivações que levaram esses autores a escrever, denunciar e publicar obras capazes de expressar suas angústias, anseios e experiências em muitos relatos literários, buscando, assim, legitimar a condição de seres livres e singulares, muitas vezes marginalizados pelo autoritarismo político, social e cultural do período.

Evidentemente, toda essa postura antiditadura militar por eles adotada, foi também, fortemente influenciada pelas ideias progressistas propostas pelo movimento denominado

„Contracultura‟1, já citado anteriormente que se baseava, sobretudo, em defesa da liberdade de expressão, pois, o ambiente cultural dos anos sessenta, tanto nos países europeus como americanos e também no Brasil estavam marcados por um sentimento de crise de valores.

Assim, preocupada com este mundo em constantes transformações, a Literatura vem tentando suscitar um interesse cada vez mais crescente, na comunicação cultural e transcultural de valores, reafirmando inúmeras e constantes contribuições às diferentes manifestações que ocorreram no universo cultural e literário da História do Brasil.

Dentre as inúmeras contribuições observadas nesse contínuo processo de mutação cultural, ressalta-se, em particular, a participação de Caio Fernando Abreu, com obras que se desenvolveram além do convencionalismo de qualquer ordem, destacadas por apresentarem

1Contracultura recebe a seguinte definição de Larry Wizniewsky: “Produção artística (música, cinema, teatro,

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uma escrita densa, forte e impactante, mas também com o objetivo de se impor diante do modo de produção de contos e romances convencionais. Caio poderia ser compreendido, em decorrência de tudo isso, como um representante de inventores dessa nova forma narrativa no Brasil.

Nas obras do escritor, a questão principal estava sempre centrada no homem (sujeito), muito mais do que no período ou geração que ele poderia representar. A suposta estética

„alternativa‟, ou mesmo „marginal‟, estava atrelada à questão do „abordamento‟ das fronteiras de gêneros, tão comum à produção ficcional do autor, chegando a provocar uma discussão abrangente sobre a nova forma de gênero a ser apresentada.

Nesse sentido, Caio passa a ser visto como uma espécie de pioneiro dessa nova forma de narrar e fazer literatura. Ele começa, então, a idealizar personagens que, posteriormente, a crítica diria fazerem parte da chamada escrita „pesada‟, em razão de abordar situações em que os personagens estavam envolvidos com drogas, prisões, relações homoafetivas, ou mesmo, em razão de apresentarem comportamentos não-convencionais.

A paranóia descrita nos cenários urbanos das obras do autor, juntamente com a forma como se davam as relações humanas, retratadas entre seus personagens pareciam ser o que ele considerava como mais lúcido, a oferecer aos leitores que pensavam numa literatura questionadora de um mundo injusto e cada vez mais comum.

Utilizando a prosa como principal procedimento narrativo para suas criações literárias, Caio passou a evidenciar temáticas próprias, que retratavam as experiências vivenciadas por uma sociedade oprimida e marcada pela repressão, violência e censura, cujos personagens caracterizavam-se, quase sempre, pelo desencanto e insatisfação com a realidade contextual da época, que os tornava clandestinos em uma estrutura sociocultural baseada na dominação, e essa criação é apresentada, muitas vezes, sob a ótica voltada à interioridade.

O que talvez resulte desses contos e produções, além da considerável inovação da utilização de personagens marginalizados, principalmente, os inseridos na realidade das relações homoafetivas, é a proposta de provocar uma discussão cultural sobre um mundo paralelo, muitas vezes escondido e ignorado pela sociedade, por representar o „segredo‟ de algo que jamais poderia ser revelado em público, apesar de sempre existir.

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torno do preconceito, em torno de qualquer rejeição à representação do „diferente‟. Essa era uma marca dele, não apenas diante da vida, mas também nas obras de sua autoria. Sobre a literatura brasileira, considerada por muitos, até então, comportada e imutável, o autor em estudo não poupou críticas, nem muito menos se mostrou neutro diante da real situação em que ela se encontrava e afirmou ao Jornal „Movimento‟:

Uma literatura rica é uma literatura multidirecionada. Afinal, o que é tal

„realidade brasileira‟? É mais a Selva Amazonas, os sertões de Minas, os pantanais matogrossenses, a fronteira com a Argentina, as metrópoles alphavilleanas, as favelas cariocas? Há lugar para o trabalho de João Antônio, cobrindo uma faixa dessa realidade – mas há lugar, também, para a pesquisa formal de Nélida Piñon; como há lugar para a poesia simples de Adélia Prado e os requintes do concretismo. A necessidade é de uma maior abertura, não só por parte da crítica e da imprensa, como também dos próprios escritores, em relação aos outros [...] Como dizia minha avó, não se deve pedir pêssegos às pitangueiras (ABREU, 1976, p. 27).

Pode-se perceber claramente, nas afirmações proferidas por Caio, a indignação do autor quanto às críticas advindas daqueles que não conheciam suas obras, ou mesmo não se identificavam com as temáticas nelas contidas. Para ele, a maneira encontrada para a construção de uma nova sociedade estava diretamente vinculada à superação de valores arcaicos, tradicionais e conservadores, que aprisionavam a maturidade cultural brasileira.

Esses valores, quase sempre estavam vinculados à cultura da língua européia, trazidos por colonizadores que tornaram a produção cultural e literária da América Latina um simulacro, com objetivo de assemelhar o seu modelo único e ideal, que era a tradição literária eurocêntrica.

O que o escritor e crítico da literatura brasileira, Silviano Santiago (2004), caracterizou como forma de criação literária atrelada a valores „entre-lugar‟2, uma forma de arte colonizada, que é sempre remetida a um modelo superior e que não tem originalidade - presente em suas raízes genuínas - reconhecida com o devido valor, porque mantém o permanente compromisso de se aproximar do modelo eurocêntrico.

Evitar o bilinguismo significa evitar o pluralismo religioso e significa também impor o poder colonialista. Na álgebra do conquistador, a unidade é a única medida que conta. Um só Deus, um só Rei, uma só Língua: o verdadeiro Deus, o verdadeiro Rei, a verdadeira Língua. [...] Esse renascimento colonialista - produto reprimido de uma outra Renascença, a

2

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que se realizava concomitantemente na Europa - à medida que avança apropria o espaço sócio-cultural no Novo Mundo e o inscreve, pela conversão, no contexto da civilização ocidental, atribuindo-lhe ainda o estatuto familiar e social do primogênito. A América transforma-se em

cópia, simulacro que se quer mais e mais semelhante ao original, quando sua

originalidade não se encontraria na cópia do modelo original, mas em sua

origem, apagada completamente pelos conquistadores (SANTIAGO, 2004,

p. 14)

Logo, não se pode negar, contudo, que o próprio Caio dava pêssegos às pitangueiras, ao tentar um „entre-lugar‟ na literatura e na sociedade brasileira, comprometido com a realidade sociocultural. Apesar de tudo, entender, aceitar e, muitas vezes, concordar com tudo o que foi escrito por ele em suas obras pode parecer um desafio.

No entanto, uma vez aceita essa condição, pode-se desfazer qualquer pretensão conclusiva sobre suas reais pretensões textuais, pois talvez se tenha como objetivo principal diante das temáticas inovadoras presentes nos contos objetos deste estudo, aceitar sem preconceitos as ambivalências culturais do universo no qual o autor se encontrava inserido.

Assim, este trabalho, no âmbito dos estudos comparados, propõe analisar as temáticas da alteridade, status quo e identidade de gênero, existentes no corpus literário dos contos

„Dama da noite‟ e „O rapaz mais triste do mundo‟, ambos presentes na obra „Os dragões não conhecem o paraíso‟ de autoria de Caio (2010), buscando, assim, atrelar tais temas à proposta literária da Queer Theory, na tentativa de ressaltar a importância da Literatura, como forma de ilustração e complexificação da discussão dos pressupostos analíticos das manifestações sociais, culturais e políticas.

Com o propósito de entender os resultados ou as consequências da conjunção entre literatura e sociedade como „estruturas‟ complementares, este trabalho buscou propor, a partir da análise das obras supracitadas, uma explicação argumentativa que possa justificar a proposição paralela, dialética e temática analisada pela forte concepção e ênfase à Queer Theory, tendo em vista a possibilidade que permite aos estudos comparados investigar um

mesmo problema em contextos literários distintos, através da análise comparativa e contrastiva.

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reconhecer a existência de eventuais semelhanças e/ou diferenças, mas também, de percebê-las dentro de um mesmo continnum, ou seja, a partir de elementos fundamentais que ligam as propostas aos mesmos vieses criticoliterários.

Para facilitar essa tarefa, no que diz respeito à metodologia, este trabalho busca pontuar os aportes teóricos comparatistas, com o objetivo de transmitir com mais clareza, questões relevantes dentro da temática da alteridade, status quo e identidade de gênero, levando-se em conta as particularidades de cada texto como corpus desta dissertação.

Para tanto, este trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, foram traçados os pressupostos históricos e literários, na tentativa de contextualizar a literatura a partir do final do século XX até as últimas décadas, fazendo uma apresentação das principais correntes teóricas, marcadas pelo hibridismo estético dos novos gêneros literários, em oposição à questão do cânone. Ainda nele, procurou-se elucidar a importância da Queer Theory no processo dos estudos literários contemporâneos, privilegiando conceitos como transculturação e multiculturalismo, enfatizados, principalmente, pela maneira de expressar categorias de gêneros, caracterizadas pela perspectiva de oposição e contestação dos valores heteronormativos.

Nesse sentido, cabe citar autores como: Judith Butler, Ella Shohat, Susan Sontag, Stuart Hall, Fredric Jameson, Terry Eagleton entre outros, todos, críticos literários e ativistas preocupados em enfocar a problemática questão pós-estruturalista de heterogeneidade cultural nas relações sociais contemporâneas.

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do mundo‟, acompanhada da descrição dos personagens e tomando como referência características que revelam e identificam as particularidades de cada um deles.

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1.1 Pressupostos históricos e literários do final do Século XX

Apesar de muitos teóricos afirmarem não existir um marco inicial para o período pós-modernista, por não aceitarem que, definitivamente, foram abandonados os ideais do pensamento moderno, ainda assim, pode-se dizer que houve certa ruptura com os laços que prendiam, de alguma forma, a realidade atual a ele. Essa ruptura talvez não tenha mesmo um marco específico, como muitos queriam, no entanto, ela se torna muito mais latente na sociedade pós-guerra que, pouco a pouco, passou a buscar algo, a partir do fortalecimento de sua identidade.

O homem, do final do século XX até o início deste século, mudou consideravelmente o modo de pensar e ver o mundo, passando a reconhecer e a aceitar as variadas formas de representações socioculturais presentes na sociedade da qual faz parte. Atualmente, como resultado desse grande esforço, pode-se dizer que ele se tornou um ser de identidade híbrida, vivendo sob o signo da pós-modernidade.

O sujeito pós-moderno, conceptualizado não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma „celebração móvel‟: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2005, 12, 13).

Dentro dessa nova sociedade sugerida pelos ideais pós-modenos, o homem deixou de fazer parte de um organismo „uno‟ e passou a ser projetado de forma fragmentada, transformando-se em um híbrido cultural e sendo obrigado a assumir várias identidades dentro de um ambiente totalmente provisório e variável, estando sujeito a formações e transformações contínuas em relação às formas em que os sistemas culturais o condicionavam.

Talvez, por esse motivo, seja possível afirmar que o movimento da pós-modernidade, realmente tenha surgido das rupturas com a modernidade, que provocaram mudanças de perspectivas nas artes, na literatura e, principalmente, nos valores socioculturais.

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culturas homogêneas, fazendo com que ele, considerado agora pós-moderno, pudesse adotar um „simulacro do individualismo‟, pelo qual lhe fosse possível transitar entre dois pólos distintos, o do „eu interior‟, que procura saber quem ele é e o exterior, relacionado à sociedade à qual ele pertencia e que o fazia interagir com o meio no qual se encontrava inserido.

Consequentemente, em virtude disso e dos inúmeros questionamentos feitos ao pensamento moderno/estruturalista e às culturas homogêneas, cresceu significativamente o movimento „excêntrico‟ e a valorização dos grupos denominados „marginais‟. A partir daí, os silenciados pelo cânone, como minorias étnicas e de gêneros, começam a questionar suas posições em relação ao poder normatizador.

No final do século XX, em virtude desses novos contornos delineados pelo movimento social de caráter fortemente literário, influenciados também pelo movimento da

„Contracultura‟, bastante marcado pelo hibridismo estético dos gêneros literários, impulsionados principalmente, pela concepção de identidade, podem-se perceber algumas transformações por influência desse descentramento, pois, em meados desse mesmo século, partes dos escritos literários passaram a ser reabilitados sob a acepção de uma convenção discursiva baseada na necessidade de responder a uma „expectativa‟, daquilo que o leitor gostaria de ler.

O termo hibridismo, anteriormente empregado, passou a sugerir a ideia de uma

„modalidade mista‟, um tipo de transgressão aos modelos clássicos existentes, tornando possível o surgimento de novos modelos e formas literárias que passariam a considerar as pesquisas informais, baseadas em conflitos existenciais, políticos e comportamentais na imitação da realidade sociocultural vivenciada naquele período.

Essa mudança de eixo, verificada principalmente em relação ao cânone, ultrapassou as fronteiras das transformações essenciais do campo cultural, passando a refletir fortemente na literatura. Isso de deu em função da fragmentação, também no âmbito social, que provocou um descentramento do sujeito exigindo uma interpenetração dos discursos.

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As tendências multiculturalistas, intensificadas a partir da década de 1980, passaram a promover o descentramento cultural, uma forma de desafio para os ideais das democracias liberais, fortemente apoiadas nos princípios da igualdade, que buscavam respostas às inúmeras e crescentes reivindicações, baseadas na etnia, na religião, na sexualidade, no gênero ou em qualquer área de identificação cultural.

A questão do multiculturalismo extremamente complexa, entre as lutas pela afirmação do direito à diferença e os processos de globalização, aumentaram as desigualdades e excluíram cada vez mais aqueles que de várias maneiras já estavam à margem da sociedade. Começou, então, a existir a preocupação com a valorização dos produtos culturais locais e sua relação com as demais culturas, sem influências hegemônicas.

Sob a influência de uma nova concepção pós-moderna, surgiram novas técnicas de comunicação e de transmissão poética e literária, cuja força retórica residia, sobretudo, na necessidade da individualização das condições de vida, do culto ao „eu‟ e às felicidades privadas e subjetivas, acarretadas pela individualização da sociedade. Disso resultou um sentimento de „descontração‟, de autonomia e de abertura para as existências individuais. Foi então que, a partir do final da década de 1970, a noção de pós-modernidade fez sua entrada no universo intelectual, buscando qualificar a diversidade cultural das sociedades, antes ignorada.

Percebeu-se, com isso, que se estava, portanto de uma sociedade mais diversa, mais facultativa, cada vez mais heterogênea. A partir daí, o neologismo pós-moderno passou a salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade com o modo de funcionamento social e cultural da sociedade. Iniciava-se, então, uma rápida expansão do consumo e da comunicação de massa; o enfraquecimento das normas autoritárias e disciplinares; e um surto de individualização.

O momento parecia sugerir a emancipação dos indivíduos em face dos papéis sociais e das autoridades institucionais tradicionais, promovendo expectativas em torno de normas sociais mais flexíveis, mais diversas e da ampliação de uma gama de opções pessoais.

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Provavelmente, tenha sido por esses motivos que os textos de tessitura literária, eminentemente pós-modernos, como os exemplos que foram objetos desse estudo, tragam em suas configurações traços de um monólogo narrativo de características urbanas, resultado dos controles sociais normativos que lançaram a sociedade ao culto do consumo, do individualismo e do hedonismo, práticas cada vez mais ligadas à noção da existência humana e baseadas na felicidade fugaz da subjetividade.

Por esta e outras razões, a crise de identidade do homem pós-moderno parece, portanto, estar diretamente ligada à submissão a determinadas identidades impostas pelas noções homogêneas de normatização cultural. E, independente de quaisquer que sejam as razões, o resultado disto se vê na possibilidade de o homem ser visto como produto da internacionalização das relações econômicas, inseridas em um amplo processo fragmentário, no qual ele não consegue mais sentir-se representado no ambiente em que se encontra inserido.

Assim, na constante necessidade de sentir-se representado, ele se volta para si, buscando encontrar-se na perspectiva de conseguir estabelecer a relação de interação entre ele (sujeito) e o meio do qual faz parte, como será observado nos exemplos dos personagens das obras aqui analisadas, estando, cada um deles, devidamente inserido em seus contextos literários específicos, podendo fomentar a discussão sobre a temática da alteridade, a ser abordada no terceiro capítulo.

Logo, torna-se impossível, também, deixar de observar sob o viés da subjetividade, a noção de homem, nas perspectivas do pensamento pós-moderno que parecem estar ligadas, principalmente, na relação „sujeito/objeto‟, cujo conhecimento é resultado da razão e consciência do indivíduo sobre sua própria existência, na qual a linguagem é usada como instrumento e meio de expressar ideias, funcionando como essência de tudo.

Desse modo, a subjetividade passa a funcionar como forma de caracterizar a possibilidade de o indivíduo solitário refletir a respeito de uma experiência vivida restritamente à sua individualidade. Contudo, contrária a essa ideia e na perspectiva da intersubjetividade, o conhecimento não depende mais, única e exclusivamente, da consciência de existência de cada indivíduo, mas das outras pessoas.

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consciência, ou seja, “eu só sou consciente da minha própria existência, a partir do momento em que o outro consegue me ver como ser existente.” Desse modo, pode-se afirmar que, segundo o pensamento hegeliano, “buscamos em nós mesmos o outro e os outros procuram em nós a eles mesmos”, estabelecendo uma dependência entre ambos, parecendo que o sujeito se completa no outro e, não apenas, em si mesmo.

Não se pode, porém, precipitar as conclusões, com base, exclusivamente, na linha do pensamento hegeliano, pois não parece plenamente aceitável a ideia de que, para existir é imprescindível e necessária a aceitação do outro, visto que os motivos são bem claros, uma vez que valores de transcendência não podem ser substituídos por valores da simples aceitação, pois a simultaneidade de tendências e a consequente falta de referências externas e internas mais sólidas não podem gerar um vazio de identificações e de ideais capazes de cumprir a função de integração ou reintegração, que deveria sustentar uma consistência, para si e para o social, da autoimagem ou processo de autoconsciência.

Se assim fosse, seria indispensável aceitar que as consequências desse processo são atitudes ligadas à desilusão, adotada pelo sujeito, que não considera mais o mundo como sua morada, fazendo da realidade existente, uma instância normativa da realidade ideal, ou, não podendo mudar, permaneceria imerso na ilusão, na simulação, característica maior do „eu‟ isolado, narcísico, infantil e excluído, caracterizando, nesse caso, os investimentos nos objetos ou nos outros que se caracterizariam pelas idealizações ou aceitação por parte do outro. Dessa forma, não haveria luta, confronto, alteridade.

1.2 A reciprocidade do encontro dialógico inter-humano

Como bem parece, a ideia agora não é mais fruto de projeção da mente, mas do uso da palavra, numa determinada comunidade, em práticas coletivas, em que a relação interpessoal ou intersubjetiva passa a ser produto da linguagem, vista agora não mais como um simples instrumento, mas como uma prática linguística de uso comum.

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princípios da existência humana, então, passam a ser monológico e/ou dialógico, respectivamente do „eu-isso‟ e/ou „eu-tu‟.

A relação dialógica „eu-tu‟ resguarda a alteridade e a individualidade dos participantes. A presença passa a ser justamente o momento de reciprocidade. O „tu‟ se dá na presença e não, na representação de um „eu‟. A relação é uma ação imediata. Quando o outro é considerado um objeto do „meu‟ uso, torna-se um isso. Existe, então, uma relação monológica, eu-isso.

O filósofo e escritor judeu de origem austríaca, Martin Buber conduz a uma reflexão clara sobre a forma como as pessoas se relacionam com os outros e com o mundo. Em sua obra „Eu e Tu‟, Buber tipifica as maneiras de o homem se relacionar com o homem e com o mundo em duas atitudes: Eu-tu e Eu-Isso. Segundo o autor citado, o homem é um ser de relação, visto que a relação lhe é essencial e o fundamento de sua existência. Para ele, “o mundo é múltiplo para o homem e as atitudes que este pode tomar diante do mundo também são múltiplas” (BUBER, 2001, p. 57).

A atitude é uma ação fundamental ou ontológica em decorrência da palavra pronunciada. O Eu de uma pessoa é diferente do Eu da outra. Essa diferença não significa que existem dois „Eus‟, mas que existem duas maneiras de o homem se relacionar com o mundo e com o seus semelhantes, que se sucedem continuamente.

É importante destacar que o pensamento de Buber é norteado pela sua percepção de transcendência. Sendo assim, para Buber (op.cit.), a ausência de um diálogo com o transcendente, que atribua sentido e conduza a vida do homem, provoca a irresponsabilidade para com o outro.

A reciprocidade é fundamental na relação Eu-Tu. Dela origina-se a responsabilidade como resposta ao apelo dialógico. Nesse sentido, a responsabilidade ultrapassa o nível da moral, para atingir um nível maior, sendo o nome ético da reciprocidade. Aqui o homem se encontra aberto para voltar-se para o outro ente, aceitando-o como um Tu.

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1.3 Principais influências da crítica Pós-moderna/Pós-Estruturalista

A partir dos inúmeros e diferentes princípios advindos das proposta ideológicas pós-estruturalistas, surgiram diversas correntes de pensamento que buscaram abranger todo o

vasto campo das discussões envolvendo o complexo universo das relações entre o homem e o mundo e com os que fazem parte dele, sobretudo, aqueles preocupados com refletir criticamente sobre os processos de produção de conhecimento e suas respectivas implicações para a vida humana.

Assim, celebrando a diferença, o dissenso, a não-conformação, a contestação, o pensamento crítico, o pluralismo e a crítica pós-moderna/pós-estruturalista começaram a investigar as formas pelas quais a linguagem, os discursos, as identidades, as representações, as narrativas, os conceitos e os paradigmas construíram verdadeiras estruturas sociais (de valores, crenças, ideias, saberes e comportamento) capazes de determinar o que se deve julgar como realidade, verdade, ou conhecimento, uma vez que esses nunca foram naturalmente dados.

Por essa razão, talvez, a única exigência presente nessas novas propostas de pensamento deveria ser pautada em perspectivas plurais, que compartilhassem o compromisso com a reflexão crítica, tida como fundamental para o resgate da responsabilidade humana sobre um mundo que, visivelmente, estava sendo construído socialmente a partir das diferenças.

Consequentemente, conscientes da importância na reprodução das assimetrias e desigualdades, sempre defendendo a ideia de que teoria e prática, não necessariamente nesta ordem, estavam diretamente relacionadas, autores pós-modernos/pós-estruturalistas, tais como Michel Foucault, Roland Barthes, Jacques Derrida, Julia Kristeva e outros contribuíram com o processo de ruptura que o pensamento moderno possibilitou, ao problematizar os significados pela valorização da instabilidade e da fragilidade dos processos de produção de sentidos.

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pensadores, a começar pelo filósofo francês Michel Foucault, pensador de difícil classificação e rotulagem que, devido ao vasto campo de interesses, acabaria reconhecido, sobretudo, como um grande crítico da modernidade. Entre as diversas intenções dele, estaria querer entender as condições históricas específicas da produção do conhecimento, interesse que não residia simplesmente no conteúdo do conhecimento por si só, e sim em compreender a relação orgânica entre os mecanismos de (re) produção e as práticas discursivas que o legitimavam.

Para ele, a produção do saber científico, ao constituir e consolidar as fronteiras de sua área de conhecimento funcionaria como um discurso que busca se universalizar para receber legitimação. Visto que, ao se tornar dominante, o discurso cria e fortalece posições privilegiadas em relação à autorização do próprio saber, o que lhe confere o poder de criar realidades, sujeitos e identidades, privilegiando uns e excluindo outros.

Segundo Foucault (1987), aqueles no topo das estruturas de poder procuram sempre usar o saber para perpetuar a ordem que lhes assegura posições privilegiadas, enquanto aqueles que aceitam os discursos da ordem estariam consentindo em ser dominados, pois rejeitam a possibilidade de mudança e abdicam do potencial de transformação.

Assim como Foucault (1987), o também francês Derrida (2004) é outro pensador que inspirou a crítica pós-moderna/pós-estruturalista, em especial na caracterização da realidade como discurso em sua proposta de desconstrução. A tradição do pensamento filosófico ocidental repousa sobre o recurso às dicotomias totalmente arbitrárias, visto que inexiste correspondência natural entre os elementos que as compõem. Para ele, os significados não seriam dados pela essência daquilo que se busca significar, mas por processos de diferenciação entre os elementos formadores das dicotomias.

Outros escritores importantes neste período de inovadoras propostas do pensamento são Roland Barthes (1982; 1993) e Julia Kristeva (2005, 1994), ambos enfatizavam a intertextualidade do discurso, afirmando que o mundo não era algo pronto e acabado. Para eles, a realidade, por ser produto da ação humana, seria um processo contínuo e aberto, suscetível de idas e vindas, releituras e interpretações novas, o que impediria entendê-la simplesmente como um produto fechado, uno, acabado e fixo.

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classificá-las ou compreendê-las. Assim, em meados do século XX, quando problemáticas surgidas fora da academia e, muitas vezes, em confronto com a dinâmica institucional sobre discussões de refutação das distinções hierárquicas entre cultura erudita e popular, passaram a enfatizar a experiência dos grupos sociais historicamente subalternizados e explorados.

Muitos foram os movimentos pleiteando sua identificação e representação dentro do quadro cultural das reflexões de propostas de aceitabilidade social; as demandas feministas, de imigrantes de ex-colônias, de movimentos negros e homossexuais passaram a impulsionar empreendimentos científicos que começaram a questionar formas canônicas de compreender as desigualdades sociais. Logo, estes movimentos conseguiram impulsionar e renovar os Estudos Culturais, gerando subdivisões focadas em formas particulares de opressão, dentre as quais podemos destacar os Estudos Pós-Coloniais e a Teoria Queer.

Com relação aos estudos Queer, Michael Warner (2000; 2003) observou, no início da década de 1990, que o multiculturalismo quase sempre pressupunha uma organização étnica da identidade, que representaria os estudos relacionados às etnias, às classes e aos gêneros representando diferentes formas de opressão, por essa razão, a existência de movimentos sociais identitários, contrários às estruturas sociais hegemônicas que criam sujeitos como

„normais‟ e „naturais‟ por meio da produção de outros de comportamentos „estranhos‟ ou

„patológicos‟.

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1.4 A Teoria Queer

O termo Queer, que dentre os muitos significados pode ser traduzido por estranho ou excêntrico, foi também, por muito tempo, usado como adjetivo pejorativo dirigido a gays e lésbicas, uma forma de insulto, que sinalizava como ato de discriminação àqueles a quem era dirigido. Como afirma Mário César Lugarinho (2001, p. 36), “tenta dar conta nitidamente do excêntrico em termo de gêneros à medida que parte do princípio de que a orientação sexual

difere da identidade sexual e da sua própria sexualidade biológica”. Guacira Lopes Louro em seu „Um corpo estranho‟ conceitua o termo queer como:

Queer é tudo isso: estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito da

sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis,

drags. É o excêntrico que não deseja ser „integrado‟ e muito menos „tolerado‟. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o

quer como referência; um jeito de pensar e ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambigüidade, do

„entre lugares‟, do indecidível. Queer é um corpo estranho, que incomoda,

perturba, provoca e fascina. (LOURO, 2004, p. 7-8)

Contudo, no final dos anos sessenta, a expressão Queer passou a se constituir como forma de autoidentificação, uma maneira de expressar categorias de gêneros caracterizados, principalmente, pela perspectiva de oposição e contestação à existência de identidades de gêneros fixos, que tentavam, e, ainda tentam determinar quem e o que somos em relação à sexualidade.

No final dos anos 1960, os armários abertos e estudiosos de gays e lésbicas que havia até então permanecido em silêncio a respeito de sua sexualidade ou a presença da temática homossexual na literatura começaram a falar. (RYAN, 1999, p.115).

Consequentemente, em função disso, e também, como resultado dos Estudos Culturais e do Pós-estuturalismo francês, na década de 1990, nos Estados Unidos, surgia o termo pós-estruturalista literário denominado Queer Theory, cujo objetivo consistia em analisar, problematizar, transformar e motivar ações de uma minoria excluída da sociedade centralizadora e de base heteronomativa, propondo-se a romper com os espaços fixos e finitos da identidade, partindo do princípio de que a sexualidade não possui classificação baseada em aspectos exclusivamente binários (homem/mulher, macho/fêmea).

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influenciada por ideias liberais referentes à autonomia do indivíduo, iniciou a busca por condições favoráveis para expor a discussão da produção literária e cultual de grupos sociais tradicionalmente marginalizados e não reconhecidos pela cultura social dominante.

Isso, juntamente com as novas concepções resultado da ruptura com o estruturalismo, trouxe ideias liberais referentes ao indivíduo e ao conceito de comunidade, baseadas no princípio da uniformidade, exigindo, cada vez mais, a valorização de pontos antes não previstos pela tradição crítica literária, como as identidades étnicas e religiosas, ou as nacionalidades pós-coloniais, vindo a valorizar a realidade e os anseios de estudos locais e de grupos sociais específicos.

Logo, as demandas feministas, de imigrantes de ex-colônias, de movimentos negros e homossexuais impulsionariam empreendimentos científicos que colocaram em xeque as formas canônicas de compreender as desigualdades sociais. Assim, em um movimento que os impulsionou e renovou, os Estudos Culturais geraram subdivisões focadas em formas particulares de opressão. Segundo Preciado (2007, p.383):

A crítica pós-colonial e queer respondem, em certo sentido, a impossibilidade de o sujeito subalterno articular sua própria posição dentro da análise da história do marxismo clássico. O lócus da construção da subjetividade política parece ter-se deslocado das categorias tradicionais de classe, trabalho e da divisão sexual do trabalho, para outras constelações transversais como podem ser o corpo, a sexualidade, a raça, mas também a nacionalidade, a língua, o estilo ou, inclusive, a linguagem.

Ainda que a Queer Theory costume ser associada ao estudo do desejo e da sexualidade, nos últimos anos intensificaram-se as formas de estudos nesta linha, apontando para a articulação de múltiplas diferenças nas práticas sociais. Daí interpretações contemporâneas do queer, como uma resposta crítica a qualquer forma de imposição sociocultural e modelos heteronormativos de identidade, vêm sendo, cada vez mais, aceitas e associadas a esta teoria, resistindo à “americanização branca, hetero-gay e colonial do mundo” (PRECIADO, 2007, p. 400).

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assimilador que buscava a aceitação e a integração das mais variadas posições „excludentes‟ do sujeito na sociedade.

Com isso, os estudos queer passaram a constituir um corpus vasto e variado de empreendimentos dispersos em várias áreas do conhecimento, tais como: Estudos Culturais, Sociologia da Sexualidade, Antropologia Social, Educação, Filosofia, entre outras.

Atualmente, a Teoria queer vai além das teorias binárias; baseadas, exclusivamente, na oposição biológica de determinação dos genêros entre homens e mulheres, uma vez que os novos estudos passaram a englobar todos os demais grupos sociais, as chamadas minorias. Pode-se, até, afirmar que ela, atualmente, propõe, entre outras coisas, explicitar e analisar os processos de constituição social a partir de uma perspectiva comprometida com os grupos socialmente estigmatizados, buscando compreender a formação de suas identidades sociais, aceitando a ambiguidade, a multipliciade e as diferenças, como formas de pensar a cultura, o conhecimento, o poder e, pricipalmente, as relações sociais.

Ademais, teórica e metodologicamente, os estudos queer surgiram basicamente de várias investigações e pesquisas, em diversas áreas do conhecimento, entre elas na Literatura que, cada vez mais, procura relacionar-se ao meio social no qual ela está inserida, como forma de sugestão para novos modelos, baseados na proposta pós-estruturalista, de heterogeneidade cultural, que busca entender as diferentes realidades sociais através das novas formas de criações literárias.

Logo, perante esta proposta problemática envolvendo as discussões epistemológicas sobre as questões queer, muitas foram as contribuições de importantes pensadores como, Michel Foucault e Jacques Derrida, pois ambos discutiram e desmistificaram a hegemonia heteronormativa, preceito herdado de uma visão patriarcal, centrada no princípio da produção e reprodução.

Quando nascemos, chegamos a um cenário inventado previamente. Aqueles que não se encaixam nas categorias estabelecidas são demonizados ou tratados medicamente. Os teóricos queer, seguindo o trabalho de Foucault, tentam questionar esta demonização, normalização e tratamento. A chave do ativismo queer reside em puxar ao avesso as práticas de normalização (MORRIS, 2005, p. 41).

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científicos de aspectos normatizadores, como se pode observar em uma de suas afirmações, no qual ele diz: "Fala prolixamente de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não diz; denuncia os poderes que exerce e promete libertar-se das leis que a fazem funcionar." (FOUCAULT, 2005, p.14)

O texto aqui apresentado deixa clara a intenção de Foucault (op. cit.) de expor o tema da sexualidade, antes restrito e proferido apenas nos discursos de conhecimento científico e, estabelecido pela produção dos saberes dominantes, em que as identidades de gêneros eram estabelecidas pelos aspectos da „natureza‟ humana, limitadas e classificadas, na lógica binária do masculino e feminino, para passar a ser objeto de inúmeras possibilidades de reatualização de significado, ligada a uma lógica de relação social, própria e independente, livre de qualquer tipo de estigma normatizador.

Quanto à contribuição de Derrida (2004) para a Teoria Queer, esta pode ser resumida pelo seu conceito de suplementaridade e sua perspectiva metodológica de desconstrução. A suplementaridade, por estabelecer as diferenças como condição indispensável para a noção de significado e organização por meio de uma dinâmica de presença e ausência, ou seja, o que parece estar fora de um sistema já está dentro dele, pela própria ideia de „contrariedade‟. Em outras palavras, a ideia de „ser‟ está diretamente relacionada à de „não ser‟ e, nesse caso, o que é defendido como natural também pode ser considerado histórico.

Com base nesse princípio, para Derrida (op. cit.) a heterossexualidade precisa da homossexualidade para sua própria definição, de forma que um homem homofóbico pode ser definido, apenas, em oposição àquilo que ele não é: um homem gay. Esse procedimento analítico mostra o implícito dicotômico, que seria denominado de desconstrução, estando sempre, dentro de uma lógica binária e toda vez que se tenta quebrá-la, termina-se por reescrevê-la em suas próprias bases. De forma simplificada, a ideia central da desconstrução de Derrida é revelar o que não está revelado, ou seja, ler o texto de outra maneira.

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Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e o que não se diz; é preciso tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer, como são distribuídos os que podem e não podem falar que tipo de discurso é autorizado ou que forma de descrição é dirigida a uns e outros. Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apóiam e atravessam os discursos

A partir das importantes contribuições anteriormente apresentadas, outros teóricos como Eve K. Sedgwick (2009), David M. Halperin (1989), Judith Butler (2001) e Michael Warner (2003) começaram a empreender análises sociais que retomavam a proposta de Foucault, ao estudar a sexualidade como um dispositivo histórico do poder, que marca as sociedades ocidentais modernas e se caracteriza pela inserção do sexo em sistemas de unidade e regulação social.

Nas palavras do sociólogo Steven Seidman (2002), o queer seria o estudo "daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam a sociedade como um todo, sexualizando - heterossexualizando ou homossexualizando - corpos, desejos atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e instituições sociais" (SEIDMAN, 2002, p.13).

Logo, pode-se afirmar que os estudos queer sublinham a centralidade dos mecanismos sociais relacionados à operação do binarismo (presença e ausência), em todas as suas esferas como forma de organização da vida social contemporânea, dando mais atenção crítica a uma política do conhecimento e da diferença. A Teoria Queer e, consequentemente, os Estudos pós-estruturalistas são, portanto, resultados de teorias consideradas subalternas, que fazem uma crítica dos discursos hegemônicos na cultura ocidental.3

A origem remonta às mudanças profundas de meados das século XX, quando problemáticas surgidas fora da Academia e, muitas vezes, em confronto com a dinâmica institucional que passara a reger as disciplinas, foram reconhecidas pelos Estudos Culturais britânicos. Foram eles os primeiros a refutarem distinções hierárquicas que distinguiam cultura erudita e popular e a proporem investigações sobre a experiência dos grupos sociais historicamente subalternizados e explorados (MATTELART e NEVEU, 2004).

3

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Desse modo, os „Estudos subalternos‟ em oposição a certa corrente ortodoxa que se tornava hegemônica, ao mesmo tempo em que deixava de responder às demandas de grupos sociais de sua época, inicialmente operários, aos quais se somaram os imigrantes, negros, mulheres e homossexuais, chegaram a impulsionar projetos científicos que passaram a questionar formas canônicas de compreender as desigualdades sociais.

Logo, o diálogo entre a teoria queer e as propostas de organização social passaram a apontar para uma síntese de enfoques teóricos originados dentro, mas também fora, da normatização social tradicional do mundo ocidental, numa tentativa de articular teorias que incidem sobre vários níveis da ordem social: o micro (relativo a agentes individuais e suas interações), o médio (grupos, associações e movimentos sociais) e, em especial, o nível macro ligado aos processos de diferenciação, estratificação e integração social. A atenção queer aos processos de diferenciação e hierarquização passou a possibilitar a renovação de discussões clássicas sobre a dinâmica da mudança e da reprodução das relações sociais.

Nesse sentido, a Queer Theory passou a mostrar que identidades são inscritas através de experiências culturalmente construídas das relações sociais, de forma simplificada e puramente explicativa, tendo as categorias de raça, cultura e sexualidade como eixo formador e simultâneo de identidades hegemônicas e subalternas.

Desse modo, ela não retira mais o impulso crítico de uma oposição ou refutação social, mas de uma área particular e/ou específica de investigação, apresentada por uma proposta desafiadora, o desenvolvimento de uma análise da diferença constituída, mantida ou dissipada. Trata-se então, de um objetivo científico que teria, também, implicações políticas, pois permitiria compreender e contestar os processos sociais que utilizam as diferenças como marcadores da hierarquia e da opressão.

No Brasil, segundo Mário César Lugarinho (2001), o abandono do paradigma estruturalista dos estudos literários só se deu em meados dos anos da década de 1980, quando se começou a discutir a produção literária feminina a partir de uma teoria de gêneros.

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estilisticamente, diante da nova realidade enfrentada pela Literatura e pelas demais práticas artísticas, tornou-se necessário criar um novo traçado estético compatível com o novo contexto social, político e cultural.

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Antecipadamente, vale salientar, que não se pretende fazer aqui qualquer tipo de descrição biográfica sobre Caio Fernando Abreu (1948-1996). No entanto, considera-se importante ressaltar alguns aspectos peculiares, não apenas à sua biografia, mas também, ao contexto social no qual ele estava inserido, uma vez que as obras desse autor destacam bem o caráter testemunhal em relação à sua geração, que teve como pano de fundo uma sociedade que vivenciou períodos políticos conturbados, de repressão ditatorial, de surgimento de revoltas populares e de constantes manifestações culturais, entre elas, o advento da Contracultura que, por definição, buscava altercar valores centrais vigentes instituídos na cultura ocidental, tendo influenciado bastante as produções de Caio (2010).

Grande parte do que se fala a respeito da contracultura no Brasil está diretamente relacionado ao sentido crítico articulado por Caio (op. cit.), quanto à objetividade analítica. Para ele, portanto, o mundo moderno estaria caracterizado pela intensificação de um extremo paroxismo das situações de choque que terminam por produzir um novo tipo de percepção. No caso específico da contracultura isso, consequentemente, resultaria na elaboração de dois processos distintos, que Benjamin (1974) chama de erlebnis (experiência não transmissível de forma integral) e erfahrung (experiência compartilhável). Em relação à esfera da erfahrung, essas impressões que o psiquismo acumula na memória poderiam ser transmitidas integralmente, de geração para geração, por via de um narrador integrado em seu saber, exemplo do que ocorreria nas produções do autor aqui estudado.

Contudo, toda a experiência, por mais solipsista que possa parecer, é, ao mesmo tempo, ativa e passiva, constituindo a unidade do dado e do interpretável. Com isso, o que se poderia chamar aqui de contracultura compõe-se de uma comunicação, invenção, transmissão, descoberta, produção e criação.

Referências

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