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Infra-estrutura, crescimento e a reforma do Estado

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Academic year: 2017

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Infra-Estrutura. Crescimento

e

a Reforma do Estado

Armando Castelar Pinheiro

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1000080772

RESUMO

Este trabalho discute a importância da privatização, da reforma do aparato regulatório, e do desenvolvimento de novas fontes de financiamento para a expansão da infra-estrutura no Brasil.

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INFRA-ESTRUTURA, CRESCIMENTO E A REFORMA DO ESTADO!

Armando Castelar Pinheiro 2

1 -- Introdução

O Plano Real foi, sem dúvida, o acontecimento de maior relevo no cenário econômico nacional na década de 90. Seu sucesso não se restringiu à redução da inflação. O Real viabilizou um crescimento do PIB per capita de 12,1% em 1993-96, em contraposição a uma queda de 7,8% em 1981-92; uma substantiva redução da pobreza, com 13 milhões de pessoas cruzando a linha de pobreza entre 1993 e 1995; e a multiplicação do volume de investimento direto estrangeiro no país, que em 1996 atingiu o recorde de US$ 9,2 bilhões.

Esses avanços não resultaram apenas da perícia no manejo dos instrumentos da política macroeconômica. Também decisivas foram as reformas estruturais iniciadas na década passada, como a privatização, a abertura comercial e a desregulamentação. A redução da intervenção do Estado na atividade econômica, ainda em andamento, tem levado também a um substantivo aumento de produtividade e estimulado uma distribuição mais equitativa da atividade industrial entre as regiões do país.

A despeito desses resultados, o Brasil ainda não foi capaz de retomar a uma trajetória de rápido crescimento, nos moldes do que se registra no Leste Asiático, ou mesmo no Chile. De fato, a experiência dos dois últimos anos evidenciou que o país se encontra frente ao difícil desafio de conciliar o crescimento com a estabilidade de preços e o equilíbrio das contas externas. O maior empecilho continua sendo a recuperação da taxa de investimento, em particular a reabilitação e expansão da infra-estrutura.

A maioria dos analistas concorda que o Brasil não retomará o crescimento econômico sustentado enquanto o investimento em infra-estrutura não se elevar. Inclusive, a estabilidade dos preços pode depender em grande parte do crescimento da formação de capital em transportes, telecomunicações e energia elétrica, entre outros. Como colocado no Plano Plurianual de Investimentos (PPA), documento preparado pelo executivo e aprovado em 1995 pelo Congresso Nacional, "A manutenção da estabilidade não requer apenas uma gestão competente da política econômica de curto prazo. É necessário criar condições para maiores investimentos e para o aumento da competitividade dos bens e serviços produzidos internamente." O documento prossegue enfatizando que "A competitividade de produtos brasileiros dependerá ( ... ) de um substancial aumento dos investimentos em infra-estrutura, ... "

O objetivo deste ensaio é discutir algumas (mas não todas as) medidas necessárias para aumentar a formação de capital em infra-estrutura no país, um passo essencial para permitir a retomada do crescimento acelerado. Na próxima seção se discute o que ocorreu nos últimos anos

1 Trabalho elaborado para o Centro de Estudos de Reforma de Estado da EPGE-FGV.

2 Chefe do Departamento Econômico do BNDES e Professor da UFRJ e do Centro de Estudos de Reforma do

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com a formação de capital social básico no Brasil. Nas quatro seções seguintes se analisa a importância da privatização, do estabelecimento de um marco regulatório apropriado e de avanços nos setores financeiros e de seguros para se atingir o objetivo de aumentar a oferta e a qualidade dos serviços de infra-estrutura no país. Uma última seção conclui o trabalho.

2 -- O Investimento em Infra-Estrutura

A infra-estrutura proporciona serviços preciosos, freqüentemente insubstituíveis, a firmas e consumidores. 3 Sistemas de telecomunicação que funcionam adequadamente poupam tempo e

dinheiro e facilitam as transações comerciais. Cortes freqüentes no fornecimento de energia interrompem a produção e obrigam as firmas a investir na geração própria de energia elétrica, diminuindo a produtividade e aumentando os custos. Instalações portuárias obsoletas aumentam o custo de bens importados e diminuem a competitividade das exportações, reduzindo os benefícios para o país do comércio exterior. A conservação adequada de estradas e ferrovias reduz o tempo necessário para o transporte de bens e pessoas, evita acidentes e aumenta a vida útil do equipamento de transporte. De forma geral, "a formação de capital de infra-estrutura pelo setor público tem um impacto significativo sobre o desempenho e a produtividade do setor privado. "4

No Brasil, a condição da infra-estrutura é muito ruim, e continua a deteriorar, dada a ausência quase completa de manutenção. As estradas estão esburacadas, muito do maquinário ferroviário está canibalizado, as telecomunicações registram elevada demanda reprimida e apresentam um péssimo serviço, o risco de colapso ameaça o fornecimento de eletricidade, enquanto os portos continuam a oferecer um dos serviços mais caros e de pior qualidade do mundo. Neste sentido, a infra-estrutura ainda não se recuperou dos efeitos da "década perdida" de 1981-92, que teve como uma de suas piores consequências a drástica redução da taxa de investimento, que, a preços constantes de 1980, caiu de 23,3% do PIB nos anos setenta para 18,3% nos oitenta e apenas 14% do PIB em 1992. O investimento público, em particular, foi significativamente afetado, saindo de uma média anual de 7,4% do PIB em 1980-82 para 5,5% do PIB em 1991-93. A formação de capital em infra-estrutura, sob responsabilidade quase exclusiva do setor público, foi drasticamente reduzida. Os investimentos em energia elétrica, que em 1980 somavam U$ 4,6 bilhões, cairam para um décimo deste valor em 1993. No setor de transportes o declínio foi ainda mais marcante. Mesmo em telecomunicações, o crescimento nos gastos não acompanhou o do PIB.

O impacto da falta de manutenção, expansão e modernização da infra-estrutura sobre a atividade econômica e o bem-estar social tem sido considerável. Somente 79% dos lares brasileiros são servidos pela rede elétrica, contra 87% na Argentina, e somente 78% e 64% da população urbana têm acesso à água tratada e saneamento básico, respectivamente. O Brasil possui um total de 704 km de estradas pavimentadas por milhão de habitantes, contra 14172 kmlmilhão de habitantes nos EUA, e 63 telefones por 1000 pessoas, um terço a menos do que na Argentina.5

3 Para uma discussão mais detalhada desta questão ver Bonelli e Pinheiro (1994), de onde alguns pontos da

discussão a seguir foram retirados.

4 A esse respeito, ver Berndt e Hansson (1991) e Israel (1992).

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Na sua condição atual, a insuficiência de infra-estrutura constitui uma barreira importante ao crescimento econômico. Uma ilustração clara desse problema são os brownouts observados em várias localidades da região Sudeste e o risco cada vez maior de um racionamento de energia elétrica. Nenhum fenômeno isolado poderia ser mais prejudicial para a economia do país. A eletricidade é um insumo vital para a indústria e muitas outras atividades econômicas. A falta de um fornecimento confiável de energia elétrica cerceia a produção, afasta investimentos e reduz a competitividade das empresas brasileiras nos mercados doméstico e externo. Em graus variáveis, o mesmo se pode dizer da oferta de telecomunicações, estradas, ferrovias e outros serviços públicos. A falta de capital social básico se toma ainda mais grave no contexto de uma economia integrada aos fluxos internacionais de comércio e investimento, como é hoje a brasileira.6 Além

disso, sem recuperar a infra-estrutura não será possível resgatar a enorme dívida social acumulada ao longo dos anos.

A carência de infra-estrutura não é um problema apenas no Brasil. Em todos os países em desenvolvimento este setor é percebido como em estado de "crise", no sentido de que a carência de oferta e a deterioração na qualidade dos serviços estão interferindo seriamente com o sucesso em atingir as metas de desenvolvimento. O Banco Mundial estima que a quantidade de investimento em infra-estrutura necessária nos anos 90 no Leste Asiático se eleve a US$ 1,5 trilhão. Para a América Latina, as estimativas do Banco são de necessidades médias anuais de 60 bilhões de dólares para o mesmo período.

Para o Brasil as estimativas são da mesma ordem de grandeza. Por exemplo, o PPA, que trabalha com uma taxa média de crescimento anual do PIB pouco abaixo de 5% a.a., prevê a necessidade de investimentos em infra-estrutura em 1996-99 de R$ 95,7 bilhões (em valores de abril de 1995), sendo R$ 13,4 bilhões em transportes, R$ 38,6 bilhões em energia e R$ 33,7 bilhões em telecomunicações, e R$ 10,0 bilhões para saneamento. Na média um total de investimentos pouco acima de R$ 23,9 bilhões (de abril de 1995), ou 26 bilhões de dólares ao ano.

Um conta simples permite ilustrar empiricamente a importância dos investimentos em infra-estrutura para a retomada do crescimento sustentado no Brasil. Em 1995, o Brasil investiu, a preços constantes de 1980, 16,6% do PIB, o suficiente para um crescimento a médio prazo de cerca de 4% a.a. Para o país crescer 5% a.a. precisaria investir cerca de 20% do PIB, o que em 1995 teria exigido que o investimento agregado do país tivesse sido R$ 25,9 bilhões mais elevado (cerca de US$ 28,2 bilhões mais alto)'? Vale dizer, dados os baixos níveis de investimento em capital social básico no país ao longo dos últimos anos (Ferreira, 1995), se o Brasil fosse capaz de cumprir as metas de investimento em infra-estrutura colocados no PPA, isto por si só já colocaria o país próximo a uma trajetória de crescimento do PIB de 5% a.a.

6 A abertura da economia é um importante estímulo para que um país expanda e melhore as condições de sua

infra-estrutura, na medida em que esta é um importante componente de sua competitividade. Assim, ao contrário do que usualmente se pensa, a abertura comercial também tem importantes efeitos sobre a eficiência dos serviços públicos. Para uma interessante digressão a esse respeito ver Ergas (1994).

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As metas de investimento em infra-estrutura para os próximos anos são ambiciosas e dificilmente serão atingidas sem mudanças no quadro institucional que prevaleceu nos últimos anos e que, em última instância, levou à deterioração do capital social básico do país apontada acima. Três problemas em particular se colocam: como elevar a participação do setor privado na provisão de serviços públicos, como estimular novos e significativas investimentos, e como garantir fontes de financiamento para esses investimentos que não o setor público? Estas três questões são discutidas a seguir.

3 -- Privatização

A privatização tem sido percebida por inúmeros países, desenvolvidos e em desenvolvimento, como a solução para a "crise" por que passam seus setores de infra-estrutura. De acordo com algumas estimativas recentes, no período 1984-95 foram privatizadas 547 empresas de infra-estrutura, em 86 países, totalizando receitas de 357 bilhões de dólares. Além disso, encontram-se em andamento em 82 países cerca de 600 projetos privados greenfield em infra-estrutura, abrangendo recursos superiores a 300 bilhões de dólares. Os países em desenvolvimento, em particular, têm recorrido à privatização da infra-estrutura como um meio de suprir sua carência de capital nessa área, respondendo por metade das privatizações e 70% dos novos investimentos.8

A privatização pode contribuir para o aumento da oferta de serviços de infra-estrutura de quatro formas diferentes:

[1] Redução dos custos de investimento. Um fato pouco conhecido é que no Brasil a taxa de investimento a preços correntes é superior àquela a preços constantes de 1980 utilizada na discussão acima. De fato, em 1995 ela foi de 19,2% do PIB. A diferença entre as duas taxas reflete o fato de que os bens de investimento estão 15,7% mais caros que os demais bens da economia, relativamente ao observado em 1980. Esta diferença, que chegou a 39,4% em 1990, tem caído desde 1993 em função da abertura comercial, da privatização e da queda da inflação. A privatização é uma política chave para reduzir ainda mais esses preços. De fato, já se observa nas privatizações de empresas e obras essa redução dos custos do investimento.

[2] Aumento da produtividade do capital e dos novos investimentos em infra-estrutura: Os portos brasileiros são um bom exemplo de que é possível elevar substancialmente a oferta de serviços de infra-estrutura apenas com aumentos de eficiência e pequenos investimentos. Estimativas do Banco Mundial indicam que a economia que pode ser realizada com uma gestão mais eficiente da infra-estrutura pode chegar (na média dos países em desenvolvimento) a 1 % do PIB ao ano.

[3] Cobrança de tarifas mais eficientes do ponto de vista social: Uma política inteligente de fixação de preços não apenas ajuda a financiar a operação dos serviços de infra-estrutura como ainda estimula seu uso eficiente pelos agentes econômicos. Um bom exemplo é a cobrança de pedágio em estradas e a redução dos subsídios cruzados entre ligações interurbanaslinternacionais e locais, que levarão a uma utilização mais eficiente desses serviços. A cobrança de tarifas é fundamental também para o financiamento dos investimentos; essas, segundo estimativas do

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Banco Mundial, poderiam gerar receitas suficientes para financiar até 60% dos investimentos em infra-estrutura de que necessitam os países em desenvolvimento.

Ainda que a privatização venha a contribuir nesse processo, muito ainda tem de ser feito a nível de setor público e no debate econômico e político sobre este assunto para que se obtenham as transformações necessárias nessa área. O Estado deu reiteradas provas, no passado, de sua inabilidade na fixação eficiente de preços para os serviços de infra-estrutura, frequentemente dando prioridade a objetivos de política macroeconômica ou utilizando-os na perseguição de políticas sociais que ex-post mostraram-se totalmente inadequadas. Como bem postulado por Winston (1991: 114), no contexto da infra-estrutura de transporte:9

"Surpreendentemente, a crença de muitos economistas de que os gastos públicos em infra-estrutura devem ser substancialmente aumentados não se baseia em princípios de eficiente fixação de preços e investimentos. Ao invés, parece ser baseada em observações pessoais ou na suspeita de que a sociedade tende a investir insuficientemente em

infra-estrutura, já que esta é considerada um bem público. Ambas as perspectivas impediram que muitos economistas e políticos se convencessem das vantagens, supreendentemente grandes, e realizáveis, de uma fixação de preços e investimento eficientes.( ... ) Estas vantagens aparecem porque aeroportos e estradas são caracterizados por sistemas de preço que não refletem o custo econômico e por decisões inadequadas durante a sua concepção, que resultaram num custo mais elevado de uso. (. .. ) Uma política eficiente de infra-estrutura pode ainda complementar os efeitos benéficos trazidos pela desregulamentação dos transportes para a concorrência e para a operação das firmas, bem como aplacar as fontes primárias da atual insatisfação com a desregulamentação. "

[4] O setor privado é hoje um melhor risco de crédito que o setor público. A participação privada tem viabilizado operações de financiamento que não ocorreriam de outra forma, pois as normas do Banco Central, da política econômica e da própria gerência do risco bancário muitas vezes impedem o financiamento a entidades públicas. Além disso, a cobrança de tarifas pelo setor privado gera receitas que podem ser utilizadas como garantias em financiamentos para o setor.

Um bom exemplo de como a privatização atua por essas 4 vias é a reabilitação e operação de estradas como a Rodovia Presidente Dutra e a Rio-Juiz de Fora. A privatização das rodovias viabilizou a cobrança de pedágio, após investimentos iniciais de reabilitação, que além de estimularem um uso mais judicioso dessas vias permitiram a tomada de empréstimos pelas novas concessionárias, os quais serão usados para aprofundar o processo de reabilitação e expandir a capacidade de tráfego a um custo econômico certamente inferior ao que se observaria se essas obras estivessem sob responsabilidade do DNER.

4 -- Reforma Regulatória

Para que a privatização exerça todo seu impacto sobre a oferta e a qualidade dos serviços de infra-estrutura é necessário que ela seja sustentada por um marco regulatório adequado. Isto é particularmente importante no caso de projetos greenfield. Para isto, uma profunda reforma

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regulatória, já em andamento, deverá ser levada a cabo, tomando o aparato regulatório no Brasil mais adaptado às mudanças observadas nos últimos anos na tecnologia, no tamanho e na estrutura do mercado e na propriedade das empresas. Em especial, é fundamental implementar uma regulação que evite os problemas que levaram à estatização dos setores de infra-estrutura na primeira metade deste século.

Ao emendar o Capítulo da Ordem Econômica, aprovar leis regulando os setores de infra-estrutura e criar novas agências regulatórias, o governo, como em qualquer reforma regulatória levado a termo em outros países, tem se orientado por quatro objetivos:

[1] Maximizar as eficiências técnica e alocativa na produção e comercialização desses serviços, problema dificultado pela presença de monopólios naturais (cada vez em menor número) e importantes assimetrias de informação. Os instrumentos de que o Estado dispõe para este fim estão agrupados no que se convencionou chamar regulação de detalhe. Esta inclui itens como as regras de fixação e correção de tarifas (qual o nível inicial, como e quando corrigir, que índice usar para incorporar a inflação, regular por taxas de retomo ou price caps, e no caso deste último, fazê-lo individualmente por produto ou para uma cesta de serviços); estrutura e grau de verticalização do setor (desmembrar ou não as estatais e em quantas firmas, facilitar ou não a entrada de outros concorrentes em cada segmento do mercado, etc.); e regras de interconexão com as firmas detentoras de monopólios naturais que, em dependendo do grau de verticalização permitido, podem ou não ser concorrentes dos novos entrantes.

[2] Atender às prioridades sociais. Além da eficiência técnica e produtiva, a regulação de detalhe deve buscar o que se convencionou chamar de eficiência distributiva, que consiste em ponderar diferentemente o excedente do consumidor e o lucro das empresas nos cálculos de bem estar subjacentes às definições regulatórias (privilegiando aquele em detrimento deste). Essas prioridades sociais muitas vezes se estendem à atribuição de diferentes pesos também aos interesses de diferentes consumidores, como é o caso de telefonia e eletricidade rurais, por exemplo. Este objetivo usualmente tem enorme peso na definição da regulação de detalhe e tem ini.bido em muitos casos a instituição de políticas tarifárias mais eficientes do ponto de vista técnico e alocativo, explicando em grande medida a opção por tarifas uniformes e pouco sensíveis aos custos de fornecimento. 10

[3] Dar transparência ao aparato regulatório. Um dos principais objetivos da reforma regulatória nos setores de infra-estrutura deve ser obter a separação das atividades de comercialização, regulação e desenho da política setorial, que hoje se superpõem sem qualquer transparência e grande conflito de interesses. As atividades comerciais devem ficar sob a responsabilidade das empresas a serem privatizadas. A regulação será definida em lei e administrada por uma agência regulatória com algum grau de autonomia em relação ao governo, como ocorre hoje com o Cade. O desenho da política setorial deverá ser uma atribuição do ministério setorial. O grau de independência da agência regulatória irá refletir o quanto a regulação será influenciada pela política setorial.

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[4] Estimular o investimento. Elevar a formação de capital em infra-estrutura é um dos principais objetivos de qualquer reforma regulatória no setor. Para isto é necessário que a regulação de detalhe seja definida de forma a dar uma trajetória de rentabilidade para esse investimento condizente com os riscos associados a cada projeto. Além disso, é necessário atuar também sobre a chamada a regulação básica, que inclue:

• Os limites da agência reguladora na fixação da regulação de detalhe. Por exemplo, pode o órgão regulador alterar as regras de fixação de tarifas ou impedir uma empresa de atuar no setor?

• As restrições a mudanças nas leis e normas que definem os poderes do órgão regulador. Por exemplo, basta um decreto presidencial ou é necessária a aprovação do Congresso para reduzir ou ampliar os poderes da agência reguladora?

• Que instituições existem para garantir que esses limites sejam efetivamente respeitados, e a quem recorrer para dirimir divergências quanto à interpretação das leis e normas da regulação?

A experiência internacional mostra que pouco adianta implantar uma regulação de detalhe bem desenhada e impor limites à interferência do governo na regulação dos setores de infra-estrutura se não há instituições que façam com que esses limites e regras sejam de fato respeitados. Sem essa segurança as empresas se sentirão pouco estimuladas a fazer elevados investimentos. Para isto, um Judiciário eficiente e independente é fundamental.l1

Obviamente estes objetivos estão presentes em todos os países, mas a importância atribuída a cada um deles tende a variar consideravelmente de um caso para outro. Nos países desenvolvidos, que têm uma boa distribuição de renda e onde já se atingiu o serviço universal para a maior parte dos serviços públicos, a preocupação maior está em se obter as eficiências alocativa, técnica e distributiva, entendida essa como o esforço de transferir para os consumidores uma parcela significativa dos ganhos auferidos com o progresso técnico e o aumento de produtividade. Nos países em desenvolvimento, por outro lado, uma grande parcela da população ainda não tem acesso aos serviços de água, esgoto, telecomunicações, eletricidade etc. Assim, o objetivo maior é estimular o investimento, de forma a atender à demanda reprimida e permitir o acesso dos mais pobres aos serviços públicos mais básicos.

A privatização e o estabelecimento do marco regulatório necessitam ser complementados por uma ativa e abrangente política pró-competição para atenuar duas importantes vantagens competitivas que terão as atuais estatais (antes e após a sua venda).

Primeiro, qualquer incumbente leva vantagem sobre novos entrantes por já ser conhecido do público, já ter uma larga base de clientes (imediatamente após o fim do monopólio, todos os clientes) e ou ser verticalizada ou já ter um modus operandi de interconexão plenamente

desenvolvido com clientes e fornecedores. Por exemplo, é óbvio que por já estar operando com as teles estaduais, a Embratel terá vantagens em relação a novos competidores no mercado de

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longa distância.12 É importante perceber que o "jogo" começa com os clientes utilizando a (ex -)

estatal, e que há custos em trocar de fornecedor (nas telecomunicações, por exemplo, se não houver portabilidade dos números de telefone a troca de operadora implicará em custos adicionais para o usuário que podem inibir muitas trocas.)

Uma outra e menos óbvia vantagem das empresas incumbentes é o fato de que os funcionários e dirigentes das agências regulatórias que estão sendo criadas devem ser por muitos anos recrutrados entre empregados, ativos ou aposentados, dessas empresas. Dado o forte traço corporativo que caracteriza o funcionamento dessas companhias, é de se esperar que as estatais sendo privatizadas gozem de tratamento favorecido pelo órgão regulador.13 Este último problema

contribui para tornar ainda mais complexa a decisão sobre o grau de independência e a amplitude da discrição regulatória que deve ser concedida a essas agências. Isto porque o risco de captura, que já é alto dada a grande disparidade de tamanho das empresas, com os setores sendo pelo menos inicialmente dominados por uma única fornecedora, atinge níveis preocupantes em função deste vínculo entre funcionários de empresas e reguladores. 14

Por outro lado, a independência da agência reguladora é fundamental para reduzir a incerteza associada ao ambiente regulatório, e permitir a efetiva separação entre as atividades de desenho da política setorial e regulação. A solução para esse impasse parece passar por agências independentes mas com reduzida amplitude regulatória, com as regras sendo definidas de forma bastante detalhada na lei e se permitindo muito pouca flexibilidade aos reguladores, a exemplo do que acontece no setor de telecomunicações no Chile ou, de forma ainda mais radical, na Nova Zelândia.

Não obstante, a recuperação dos níveis de investimento em infra-estrutura não requer apenas a privatização da operação comercial e a definição de um marco regulatório que dê rentabilidade e reduza o risco associado à operação de projetos de infra-estrutura. Para se viabilizar projetos greenfield é preciso também que se atraiam novos tipos de investidores e se desenvolvam instrumentos financeiros compatíveis com as características desses investimentos. Esta questão é tratada a seguir.

5 -- O Financiamento

Como em outros países latino-americanos, durante a primeira metade deste século a maior parte do capital em infra-estrutura no Brasil pertencia a companhias estrangeiras. A má qualidade da regulação resultou na estatização dessas companhias. Desde então, e como em outros países, a infra-estrutura entrou para a esfera de responsabilidade do setor público, sendo financiada basicamente com verbas orçamentárias. Grande parte do surto de investimento das décadas de 50 e 60, por exemplo, foi bancada com empréstimos tomados pelo Estado junto a instituições multilaterais de crédito. Durante a década de 70, com a expansão do crédito bancário aos

12 Não obstante, dada a reputação ruim de que goza a maior parte das empresas de telefonia no Brasil, essa

vantagem será parcialmente mitigada pelo appeal dos novos entrantes, em especial se forem firmas conhecidas e de

boa reputação internacional.

13 No caso do petróleo, por exemplo, esses privilégios vêm sendo inclusive inscritos no texto da lei.

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governos de países em desenvolvimento, grandes projetos de infra-estrutura também foram financiados com esses recursos.

Com a crise da dívida externa e a crise fiscal que seguiu a esta essas fontes de recursos secaram. Nada indica que isso vá mudar nos próximos anos. Pelo contrário, a necessidade de servir a dívida pública deve limitar a disponibilidade de recursos fiscais para investimento, ampliando o gap entre a demanda e a oferta por serviços de infra-estrutura. Conforme aumenta esse déficit de serviços cresce também a necessidade de buscar recursos junto ao setor privado.

A forma mais comum de financiamento privado para projetos de infra-estrutura é o "project finance", isto é, o financiamento arranjado especialmente para um projeto particular. 15 O

objetivo principal de um "project finance" é viabilizar o crédito para um projeto que seja inteiramente "non recourse" para seus executores, isto é, que não dê, ou limite fortemente, o direito de regresso dos credores contra outros ativos dos proprietários ou concessionários responsáveis pelo projeto. Para isso, normalmente o "project finance" é associado à criação de uma companhia com propósito específico (uma "Special Purpose Company", ou SPC). Os credores têm como única, ou pelo menos principal, garantia de seus empréstimos o fluxo de receitas e os ativos da

spc.

Há três fatores que dificultam um project finance em infra-estrutura:

[1] Os retornos relativamente baixos, que resultam dos empreendimentos serem capital intensivos e se situarem em setores com preços regulados, com poucas possibilidades de um upside. Como com outros investimentos privados, os acionistas em projetos de infra-estrutura exigem um retomo compatível com os riscos envolvidos. Sirtaine (1994) estima que seja possível atrair capital de risco privado para investimentos em utilidades públicas se estes oferecerem um retomo sobre o patrimônio líquido de pelo menos 17%. Um projeto com retomo abaixo deste nível mínimo dificilmente seria capaz de atrair recursos privados, a menos que tivesse um risco muito abaixo do usual. O "project finance" procura resolver esse problema com uma elevada participação de empréstimos no financiamento, usualmente na faixa de 80 a 85% do investimento total, permitindo alavancar o retomo sobre o capital dos acionistas:

"This explains why the share of equity in the financing of a BOT 16 project remains small: besides the wish from sponsors to limit their commitment into the project, the small share of equity is also due to the fact that for private sector investors to meet required equity returns, it is necessary to leverage the financing and to maximize the tenor of the debt." (Sirtaine, 1994, p. 18).

[2] A cláusula de non-recourse limita o risco dos acionistas, mas toma essencial a garantia de um fluxo estável de receitas, suficiente para cobrir os custos operacionais e servir as dívidas da

spc.

De fato, em projetos BOT esse é o risco mais crítico do ponto de vista dos credores, e muitas vezes se requer que o próprio governo garanta um mínimo de receitas.

15 A discussão a seguir é parcialmente baseada em Sirtaine (1994).

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[3] Empreendimentos BOT em infra-estrutura apresentam riscos elevados, que precisam ser adequadamente cobertos. Os dois principais, menos relevantes em projetos tradicionais, são o risco de construção e o risco político. O risco de construção inclui o risco de que o projeto não seja executado no prazo previsto, que os custos de construção excedam o previsto ou de que a a planta física não seja construída como planejado. A fase de construção é aquela de maior risco pois usualmente projetos inacabados não têm valor de mercado (e.g. uma estrada semi-construída). Além disso, nessa fase não há geração de receitas, de forma que ao aumento de custos se soma a perda de receitas. Já o risco político inclui risco de greves; instabilidade do regime político; expropriação; mudanças na visão do governo sobre BOTs; mudanças no aparato regulatório que afetem negativamente o projeto; impostos mais altos; restrições às exportações dos bens produzidos; e restrições à importação de insumos. Enquanto o risco de construção acaba com a conclusão do projeto, o risco político se estende por toda a sua vida útil.

A efetiva utilização do "project finance" para viabilizar o financiamento de novos projetos de infra-estrutura no Brasil passa pela capacidade do país atrair novos investidores e de desenvolver instrumentos financeiros adequados para essas operações. Vejamos esses pontos um de cada vez.

5.1 -- Os novos participantes

Os principais candidatos a investir em novos empreendimentos em infra-estrutura são os investidores estrangeiros e os fundos de pensão. Outros potenciais investidores são as empresas encarregadas de implementar o projeto, os fornecedores de equipamentos, grandes clientes, grandes fornecedores de insumos, e os governos locais,I7 Quanto ao capital estrangeiro, o início da privatização do setor elétrico, de ferrovias e de telecomunicações (CRT) tem ilustrado o interesse desses investidores na infra-estrutura brasileira, respondendo por parcelas significativas das receitas da privatização nesses setores. Os fundos de pensão brasileiros, também, têm estado atentos às possibilidades que se abrem nessa área. Essas são instituições detentoras de grande volume de recursos, e que têm um perfil ideal para financiar investimentos em infra-estrutura, pois têm baixo risco de liquidez e desembolsos previsíveis e a longo prazo. Contudo, e não obstante o interesse tanto dos estrangeiros como dos fundos de pensão, seu maior envolvimento em novos projetos de infra-estrutura tem esbarrado até aqui na maior atratividade dos juros altos, na ainda curta história de estabilidade macroeconômica e na ausência de um marco regulatório bem definido. 18

A criação de fundos mútuos de infra-estrutura é outra forma de alavancar recursos e diminuir os riscos em investimentos privados nessa área. Os investidores comprariam cotas de um fundo, que por sua vez investiria em diferentes projetos, seja com aporte de capital ou empréstimos. Os fundos poderiam se especializar em um setor ou compor uma carteira com projetos em diferentes setores. Os fundos de privatização, que têm crescido em número e tamanho conforme o PND avança na área de infra-estrutura, são um sinal de que há boas possibilidades por essa via. Ainda assim, dificilmente os investidores aplicarão nesses fundos se

17 A participação dos governos locais, porém, deveria ser tal que pudesse ser liquidada uma vez completa a fase de

construção do projeto e este entrando em operação comercial.

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os projetos em si não forem devidamente cobertos de garantias para os diversos riscos. Note-se, também, que o financiamento através de fundos mútuos, com ampla participação de investidores nacionais, reduziria o risco político do empreendimento.

Ainda que não seja exatamente um novo participante, o Estado deverá voltar a investir mais significativamente em infra-estrutura com o avanço das reformas administrativa e tributária, que devem liberar recursos para obras e outras aplicações de capital. Em especial, o setor público deverá continuar desempenhando um papel fundamental em setores cujo retomo social é bem maior que o privado, como água, saneamento, transporte urbano de massa, estradas viscinais, etc. Assim, é importante ter em mente que nem todos os setores têm a capacidade de obter financiamento privado e cobertura de custos com cobrança de tarifas como os de telecomunicações e energia elétrica.

Três outros fatores devem levar a uma participação ainda relevante do Estado na viabilização de projetos de infra-estrutura:

[1] A presenca de extemalidades positivas, que justificam a intervenção do Estado para garantir que o setor privado não invista abaixo do nível considerado socialmente ideal.

[2] O grande volume de recursos envolvido, muito elevados vis a vis o tamanho do mercado de capitais brasileiro. Em muitos projetos BOT os custos totais excedem a casa do 1 bilhão de

dólares e atrair fundos suficientes é um grande desafio. Bancos de desenvolvimento como o BNDES devem ajudar a compor o financiamento desses projetos.

[3] Como já colocado, pelos elevados riscos envolvidos em novos projetos de infra-estrutura. O contraste entre o grande interesse de investidores estrangeiros e fundos de pensão na compra de ativos já em operação e a falta de interesse na execução ou financiamento de novos projetos sugere que o elevado risco associado à fase de construção é um obstáculo importante à maior participação privada no financiamento, via ações ou crédito, de projetos BOT. Mesmo nos países desenvolvidos investidores do mercado de capital não aplicam em um projeto até que sua operação se inicie. O Túnel do Canal da Mancha é a única exceção relevante a esse padrão. Tudo indica, portanto, que se for possível atrair investidores de mercado ou investidores institucionais será apenas nas fases finais do período de construção ou com o projeto já em operação.

5.2 -- Os novos instrumentos

No Brasil, a concessão de empréstimos a concessionárias de serviços públicos requer o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros, bem como de novas formas de garantia para os fundos investidos. Primeiro, porque o tempo de maturação desses empréstimos será maior que os períodos com os quais os bancos brasileiros, inclusive bancos de desenvolvimento como o BNDES, costumam trabalhar. Segundo, e talvez mais importante, porque as instituições credoras compartilharão muito dos riscos de regulação envolvidos na prestação de serviços públicos, os quais, em última instância, envolvem o comportamento do setor público.

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36) conclui sua análise sobre a possibilidade de se contar com capItaIs privados para o financiamento de grandes projetos de infra-estrutura na Ásia afirmando:

"It will not be possible to finance ali BOT projects through capital market sources before new financiai instruments are created that solve the problem of finding financing instruments with a suitable risk-return combination for these toa risky projects. John Redwood (. .. ) calied on the financiai sectors in industrialized countries to develop new financiai instruments to facilitate BOT infrastructure projects in these countries: "We need new forms of risk-bearing instruments." This statement highlights first, that the main problem remains the excessive riskiness of the projects, and second, that financiai instruments development is even more urgent in developing countries, where most of the instruments available in developed countries have not been introduced yet. "

Tanto a necessidade de prover empréstimos com longas maturidades como as mudanças em termos de riscos que vão se operando ao longo da vida útil do projeto sugerem que a melhor forma de financiamento é através de títulos negociáveis no mercado de capitais, em lugar de empréstimos bancários tradicionais. A maior liquidez destes instrumentos permitirá que os investidores troquem de posição quando julgarem conveniente, reduzindo com isso o custo desses empréstimos. Há, porém, dois problemas com essa alternativa.

Primeiro, os bonds de países em desenvolvimento são usualmente emitidos a taxas flutuantes e com maturidades relativamente curtas, normalmente menos que 10 anos. No caso de projetos de infra-estrutura, porém, é necessário emitir bonds com longa maturidade (pelo menos 15 anos), tanto para elevar o retomo sobre o patrimônio líquido como para distribuir a amortização do principal ao longo da vida útil do projeto. A longa maturidade desses bonds aumenta seu risco e reduz ainda mais sua atratividade para os investidores potenciais. Há que se registrar, porém, a recente melhoria das condições de crédito para empresas privadas brasileiras, em termos do volume, das taxas e da maturidade dos créditos.

Segundo, instrumentos específicos de crédito necessitam ser desenvolvidos para a fase de implantação do projeto, onde os riscos são particularmente elevados e não há geração de receitas. Em particular, seria excessivamente arriscado iniciar um projeto sem a certeza de que há recursos disponíveis para financiar toda a sua implantação. Assim, nesta fase, o uso de bonds ou mesmo de ações exigiria que o total dos recursos fosse aportado de início. Isto significaria que os juros sobre esses títulos necessitariam ser pagos antes mesmo que os recursos fossem utilizados e que o projeto já estivesse gerando receitas.

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de um empréstimo há usualmente um período de carência em que os JUros podem ser capitalizados, algo que é difícil viabilizar com uma emissão de bonds.19

Uma forma de conciliar a concessão de empréstimos bancários para a fase de implantação com a rápida reciclagem desses recursos uma vez concluída a obra seria a utilização do Título de Participação em Receita, TPR, idéia que vem sendo discutida pelo BNDES há algum tempo. Os TPRs dão direito ao investidor de receber uma proporção da receita do projeto, que seria depositada em conta específica gerida por um trustee. Os TPRs podem ser uma forma de distribuir os riscos entre diversos tipos de investidores e, em particular, de atrair os fundos de pensão e de investimento para essa atividade.

Os TPRs poderiam ser emitidos ou no início do projeto ou como forma de pagamento parcial pelos créditos bancários concedidos para sua implantação. Para isso, porém, seria necessário criar um mercado que lhes desse liquidez, o que passa pelo desenvolvimento de fundos mútuos de infra-estrutura e um maior interesse dos fundos de pensão nesses títulos. Também se deveria permitir que os investidores estrangeiros aplicassem nesses papéis, tendo em vista que o mercado doméstico é pequeno em relação à dimensão dos projetos de que o país necessita.

5.3 -- Reformas no setor de seguros

O investimento em infra-estrutura, como observado acima, envolve um grande conjunto de riscos. 20 No passado, exatamente por que o Estado era o único disposto a assumir esses

riscos, o setor público acabou monopolizando os investimentos nessa área. A consequência foi que, com a crise fiscal, o país se viu privado de serviços públicos com a oferta e a qualidade de que se necessitava. Uma forma alternativa de lidar com esses riscos, como acontece em outros países, é desenvolvendo instrumentos adequados de seguros, permitindo um maior fluxo de investimentos privados para o setor. De fato, a experiência internacional mostra que a participação privada em infra-estrutura é muito intensiva em serviços sofisticados de seguros. Ainda que alguns tipos de seguros em project finance sejam caros e difíceis de achar, eles são um componente importante do pacote de financiamento.

O setor de seguros no Brasil passa por grandes transformações, com o fim do monopólio do resseguro do IRB e a entrada de grandes empresas estrangeiras, como no caso da associação da Aetna com a Sul América. A maior abertura do setor deverá contribuir para baixar os prêmios e aumentar a sofisticação e a qualidade dos produtos oferecidos. Esse processo se completará com a continuação da reforma regulatória do setor, não apenas com o aumento da competição, mas também com o fim de algumas superposições de responsabilidade entre o IRB e a Susep.

19 Em tese os bonds poderiam ser emitidos e negociados conforme os recursos necessários para o projeto se fizessem

necessários. Mas nesse caso há pouca flexibilidade (não seria possível atrasar o lançamento dos títulos). Além disso, uma estratégia como essa levanta problemas sérios quanto à senioridade das dívidas assumidas em diferentes emissões. A possibilidade de reinvestir os fundos arrecadados com uma única emissão também é improvável, pois exigiria um match perfeito com as necessidades de recursos do projeto, entre outros problemas.

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6 -- Observações Finais

A recuperação dos investimentos em infra-estrutura constitui um dos maiores desafios a serem enfrentados pelo Brasil nos próximos anos. Ciente deste fato, o governo lançou em 1995 um programa de investimentos em energia elétrica, transportes, telecomunicações e saneamento que prevê aplicações de capital de 26 bilhões de dólares por ano em 1996-99. A significância desses valores pode ser aquilatada pelas estimativas do Banco Mundial de que a América Latina como um todo necessite de investimentos anuais de 60 bilhões de dólares nessa área e os países do Leste Asiático (inclusive China) outros US$ 150 bilhões.

Este ensaio discutiu algumas reformas que se julga necessárias para que a meta de elevar o investimento em infra-estrutura no país seja atingida. Essencialmente, se analisou os efeitos de privatizar o estoque de capital existente e o que é preciso fazer para estimular a iniciativa privada a empreender novos projetos nesse setor. Em particular, se argumentou que dificilmente se atingirá o objetivo de melhorar a infra-estrutura do Brasil sem o estabelecimento de um aparato regulatório que dê rentabilidade e proteja o investimento e o desenvolvimento de instrumentos financeiros que permitam atrair novas fontes de financiamento.

Os últimos anos registraram avanços da privatização de serviços públicos, tanto a nível federal como estadual, emendas constitucionais extinguindo os monopólios públicos e um grande influxo de investimento direto estrangeiro no país, passos importantes na direção das metas propostas. Apesar disso, ainda há muito a fazer. Menos talvez na privatização, que deverá entrar mais fortemente nos setores elétrico e de telecomunicações uma vez concluída a venda da Companhia Vale do Rio Doce. Mas, no que tange ao desenvolvimento de um aparato regulatório moderno e à criação de instrumentos financeiros adequados para projetos greenfield em infra-estrutura, o progresso tem sido certamente menos notável.

Em certo sentido, o país permanece nessas duas áreas prisioneiro dos vícios do passado. No que tange à regulação, mantêm-se na prática uma visão de domínio do mercado pelas estatais, com poucos estímulos à competição. Além disso, as reformas em andamento poderiam avançar mais com relação ao estabelecimento de um aparato regulatório transparente, que distribua claramente as responsabilidades, dando sinais objetivos de quais as metas de cada instituição, sem o que é impossível avaliar o seu desempenho. Um exemplo desta falta de transparência reside na idéia de que cabe às agências regulatórias "planejar" seu setor. Da mesma forma, superestima-se a importância da regulação de detalhe vis a vis o desenvolvimento de uma boa regulação básica,

repetindo-se o erro do passado de dar pouca importância ao papel das instituições, com a suposição implícita de que o Estado será capaz de encontrar soluções pontuais para os problemas que surjam no futuro.

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inscrevendo-se no texto da lei regras bastante rígidas, a exemplo do que ocorre, por exemplo, no Chile. A política regulatória deve ser pautada também pela simplicidade, evitando-se procedimentos complexos que tomem as agências vulneráveis a assimetrias de informação e ao poder de barganha das concessionárias (dado pela essencialidade de seus serviços).21

Além dos motivos analisados no texto, há uma terceira razão para uma opção como esta: a tendência a que essas agências tentem se perpetuar, mantendo o status quo, em lugar de estimular a competição, até o ponto mesmo em que elas não se tomem mais necessárias. Aqui vale reproduzir a advertência de Stephen Littlechild:

"[C]ompetition is indisputably the most effective means -- perhaps ultimately the only effective means -- of protecting consumers against monopoly power. Regulation is essentially a means of preventing the worst excesses of monopoly; it is not a substitute for competition. It is a means of 'holding the fort' until competition

arrives." [Littlechild (1983, p. 7), como citado em Ergas (1994, p. 207)]

Da mesma forma, trabalha-se, equivocadamente a meu ver, com a suposição de que o capital estrangeiro e outros investidores importantes como os fundos de pensão terão por projetos greenfield de infra-estrutura o mesmo apetite demonstrado pela compra de estatais. Este raciocínio ignora que em novos projetos há riscos muito maiores, para os quais é necessário criar instrumentos que mitiguem a exposição dos investidores. Na ausência de avanços mais significativos nesse campo, corre-se o risco de perpetuar a exclusividade dos bancos públicos e instituições multilaterais como o BID e o Banco Mundial (que exigem o aval do Tesouro para grandes empréstimos) no financiamento da infra-estrutura. Enquanto maiores progressos não forem feitos nessa área, apenas um lado da equação, o do investimento, de fato será privatizado, enquanto o outro, o do financiamento, permanecerá majoritariamente sob responsabilidade do setor público.22

Há um último ponto que cabe registrar, que é o da dominância absoluta do setor de infra-estrutura pela visão de engenharia, privilegiando a execução de obras, em lugar do uso mais eficiente dos recursos existentes, esta também uma herança do período estatal. A análise das mudanças ocorridas nas empresas privatizadas mostrou que uma das maiores transformações foi cultural, saindo-se de uma percepção de que "fazemos o que há de tecnologicamente mais moderno, o cliente se quiser que venha comprá-lo", para outra que inicia o processo decisório pela identificação das necessidades dos clientes.23 Ainda que nas atividades operacionais esta transformação vá se dar naturalmente com a privatização, também o desenho da política setorial e da regulação (em menor escala) precisam dar maior atenção às engenharias econômica e financeira e aos aspectos comerciais dos setores de infra-estrutura.

21 Este ponto é lembrado por Ergas (1994, p. 207), que cita como exemplos práticos dessa política "price-cap regulation, auctions of scarce resources (such as radio frequencies), reverse burden-of-proof obligations (on firms suspected of predatory pricing), and last-offer arbitration for interconnect price.".

22 Esses problemas não são, obviamente, independentes. Na prática, o financiamento público funciona como uma garantia do governo aos investidores privados, em parte desempenhando o papel do mercado segurador e de um

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Referências

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Sweden, NBER Working Paper, No. 3842,1991,

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