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Atividade financeira e moeda: análise da experiência do conjunto palmeiras em Fortaleza-CE.

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Academic year: 2017

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RESUMO

O CONSELHOMONETÁRIONACIONAL(CMN) REGULA O ACESSO E FISCALIZA AS ATIVIDADES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS QUE PARTICIPAM DOSISTEMAFINANCEIRO NACIONAL(SFN). ESSE CONTROLE DOSFN É ESSENCIAL, POIS O SISTEMA FINANCEIRO É SUSCETÍVEL A CRISES DE CONFIANÇA E SAQUES EM MASSA, E AINDA INSTRUMENTALIZA POLÍTICAS MONETÁRIAS COM O INTUITO DE CONTROLAR ÍNDICES INFLACIONÁRIOS. UM DOS MECANISMOS DE CONTROLE INFLACIONÁRIO É A EMISSÃO DE PAPEL MOEDA, SENDO QUE, DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988, A INCUMBÊNCIA DE EMITIR, CONTROLAR E REGULAMENTAR A MOEDA OFICIAL É EXCLUSIVA DAUNIÃO. NO ENTANTO, VÊM CRESCENDO EXPERIÊNCIAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, NA QUAL SE ENCONTRAM REDES DE PRODUÇÃO E CONSUMO, ALÉM DE MEIOS ALTERNATIVOS DE PAGAMENTO. O OBJETIVO DESTE ARTIGO É ANALISAR A EXPERIÊNCIA NO BAIRROCONJUNTOPALMEIRAS, NA CIDADE DEFORTALEZA, CEARÁ, SUA ESTRUTURA, SEUS PROJETOS,

E ESPECIALMENTE A EMISSÃO DA MOEDA SOCIAL DO BAIRRO

(PALMA, P$), BEM COMO UM PROJETO DE MICROCRÉDITO E FINANCIAMENTO PARA OS MORADORES LOCAIS, VERIFICANDO SE HÁ POSSIBILIDADES DE INTEGRAR TAIS PRÁTICAS AOSFN, UMA VEZ QUE, ATÉ ENTÃO, SÃO ATIVIDADES QUE DEVERIAM SER EXERCIDAS PRIVATIVAMENTE POR INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

PALAVRAS-CHAVE

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ECONOMIA SOLIDÁRIA,

MOEDA, MEIOS DE PAGAMENTO, CONJUNTOPALMEIRAS

Uinie Caminha e Monique Figueiredo

ATIVIDADE FINANCEIRA E MOEDA: ANÁLISE DA

EXPERIÊNCIA DO CONJUNTO PALMEIRAS EM FORTALEZA-CE

ABSTRACT

TheNaTioNalMoNeTaryCouNCil(CMN) regulaTes aNd CoNTrols The aCTiviTies of fiNaNCial iNsTiTuTioNs whiCh parTiCipaTe iNNaTioNalfiNaNCialsysTeM(sfN). suCh CoNTrol is CriTiCal siNCe The fiNaNCial sysTeM if suCepTible To CoNfiNdeNCe Crisis aNd Massive wiThdrawls, aNd yeT eNgages MoNeTary poliCies aiMiNg aT CoNTroliNg iNflaTioN raTes. oNe of The iNsTruMeNTs To CoNTrol iNflaTioN is The issuaNCe of CurreNCy siNCe, aCCordiNg TofederalCoNTiTuiTioN of1988, The iNCuMbeCy of issuiNg, CoNTrolliNg aNd regulaTioN The offiCal CurreNCy if exClusive of TheuNioN. however,

several experieNCes of“solidary eCoNoMy” iN whiCh produCTioN aNd CoNsuMpTioN NeTworks are fouNd, iN addiTioN To alTerNaTive MeaNs of payMeNT. The sCope of This arTiCle is To aNalyse The experieNCe of

“CoNjuNTopalMeiras” iNforTaleza, Ceará, iTs sTruCTure, iTs projeCTs aNd speCially The issuaNCe of The soCial CurreNCy of The Neighborhood(palMa, p$),

as well as a MiCroCrediT aNd fuNdiNg projeCT for loCal resideNTs, verifyiNg if suCh experieNCe CoMplies wiTh ThesfN rules siNCe suCh aCTiviTies are oNly allowed To fiNaNCial iNsTiTuTioNs.

KEYWORDS

NaTioNalfiNaNCialsysTeM, “solidaryeCoNoMy”,

CurreNCy, MeaNs of payMeNT, “CoNjuNTopalMeiras” *

FINANCIAL ACTIVITY AND CURRENCY: ANALISYS OF THE EXPERIENCE OF “CONJUNTO PALMEIRAS” IN FORTALEZA-CE

INTRODUÇÃO

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legisla sobre suas atividades, submetendo-as às finalidades previstas pelo art. 192 da Constituição Federal, qual seja: “promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade, garantindo o funcionamento do sistema e prin-cipalmente a implementação das políticas econômica e monetária do país”.

Com a fundação do Banco do Brasil, em 1808, iniciou-se a história da disciplina monetária no país. A motivação preponderante para a criação do Banco do Brasil foi o Estado necessitar de um ente que financiasse, através da emissão de moeda, a máquina pública. O início do sistema bancário no Brasil foi marcado pela ausência de delimitações entre as atribuições e funções do Banco do Brasil, emissor da moeda de curso forçado, e o Tesouro. Consequentemente, as políticas monetárias aplicadas não preveniram os consideráveis índices de inflação, desvalorização da moeda e desorga-nizaram o sistema monetário.

Esse quadro de economia instável fora, todavia, encontrado não só no Império, mas também na República. A desordem orçamentária e a desregrada emissão de moeda desequilibraram a economia, a ponto de ser imprescritível a urgente institui-ção de uma autoridade monetária, com poderes exclusivos para orientar, controlar e regularizar a circulação da moeda. Diversas iniciativas precederam a criação do Banco Central, em 1964. Porém, a falta de autonomia e independência dos órgãos aos quais se atribuía a função de guardião da moeda fez com que o objetivo de esta-bilizar o sistema financeiro fosse adiado.

Daí surgiu o Banco Central do Brasil, em 1964, pela Lei 4.595 de 31 de dezembro, a qual reformulou o Sistema Financeiro Nacional. Atualmente, contem-pla a Constituição Federal, em seu artigo 164, caput, que a prerrogativa de emissão de moeda, pertencente à União, é exercida pelo Banco Central do Brasil em cará-ter de exclusividade.

Todavia, no Brasil (também em outros países) tem-se fortalecido a chamada economia solidária ou socioeconomia solidária, que é uma forma paralela de pro-duzir, comercializar e ofertar crédito em desenvolvimento. Não pretende o presente artigo debruçar sobre essa economia dita solidária, em si, mas a possível presença, nesse tipo de economia, da emissão e circulação de uma moeda local, chamada de social.

Como objeto de estudo foi escolhido o Conjunto Palmeiras, bairro periférico situado na cidade de Fortaleza, Ceará, onde há a emissão e circulação de uma moeda social denominada de palma (P$).

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Alguns mecanismos vêm sendo criados com o objetivo de oferecer a uma parce-la da popuparce-lação serviços financeiros, sejam por meios oficiais – como a criação do Banco Popular e dos Correspondentes Bancários –, ou não oficiais – iniciativas das pró-prias comunidades que possuem dificuldades em obter acesso ao Sistema Financeiro oficial. Destaca-se, dentre elas, a experiência do Conjunto Palmeiras. Lá, por iniciati-va da Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras (Amoconp), foi fundado, em 1998, o chamado Banco Palmas. Não se trata de uma instituição financeira no estrito sentido da palavra, mas de uma entidade constituída com a finalidade de impulsionar a economia local através do método de fomento (Movimento Monetário Mosaico, MoMoMo), promover a inclusão social, o bem-estar e oferecer alternativas para os problemas socioeconômicos.

Para viabilizar essa iniciativa foram criadas linhas de financiamento e concessão de crédito para os moradores do bairro, como, por exemplo, o “Palmacard”, um car-tão de crédito local. Além disso, outra medida adotada foi a criação da moeda social palma (P$), com uso local, indexada e lastreada pelo real (R$).

Diante dessas considerações, buscou-se desenvolver uma pesquisa para respon-der aos seguintes questionamentos: há guarida no nosso ordenamento jurídico, notadamente no texto constitucional e na legislação infraconstitucional, que torne legal a prática de emissão de moeda solidária? Estaria de acordo com o conceito de moeda solidária a experiência vivenciada no Conjunto Palmeiras? A experiência de emissão da moeda palma fere o Sistema Financeiro Nacional?

Neste artigo, tem-se como objetivo geral analisar o fato concreto sob o aspecto da legislação vigente, questionando a compatibilidade da experiência e o Sistema Financeiro Nacional e, como objetivos específicos: analisar o surgimento da moeda; analisar o Sistema Financeiro Nacional, sua história, composição e estrutura; obser-var a compatibilidade da moeda social com os preceitos constitucionais relativos ao Sistema Financeiro Nacional.

Quanto aos aspectos metodológicos usados foi realizado através de um estudo descritivo-analítico, desenvolvido através de análise bibliográfica aprofundada, baseada em trabalhos publicados sob a forma de livros, revistas, artigos, dissertações, teses, publicações especializadas, imprensa escrita e dados oficiais publicados na internet que abordassem direta ou indiretamente o tema em análise, e de forma específica em relação ao Sistema Financeiro Nacional, bem como sobre economia solidária. Além disso, fizemos uma pesquisa de campo através de coleta de dados, observação direta no banco local, entrevista estruturada com os funcionários e, por fim, aplicação de questionários de forma presencial a moradores do bairro.

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que busca descrever, explicar, classificar e esclarecer o problema apresentado; e explo-ratória, uma vez que procura aprimorar ideias, buscando maiores informações sobre a temática em foco.

Para fins didáticos, o presente artigo divide-se em quatro seções, distribuídas na da seguinte forma:

A primeira seção aborda o surgimento da moeda como meio de trocas, sua evolu-ção, características e importância. Na segunda seevolu-ção, apresentamos uma análise do Sistema Financeiro Nacional (SFN) – este como fruto de uma evolução histórica, na qual tem, como principal ator, a eleição de um único instrumento efetivo para as tro-cas, a moeda – e demonstramos a composição do SFN, seus benefícios e possíveis ações contra a ordem econômica.

A terceira seção é dedicada exclusivamente à economia solidária, suas caracterís-ticas e prácaracterís-ticas no Brasil e no mundo, bem como a exploração do conceito de moeda social, suas limitações e práticas.

Na última seção, trataremos do caso concreto (objeto de análise), sua adequação ao que se denomina de economia solidária e moeda social, e, consequentemente, a compatibilidade ao Sistema Financeiro Nacional.

Ao final, expomos as derradeiras considerações de nosso estudo, refletindo sobre a importância de uma regulação sobre o tema em análise e a fiscalização pelo Banco Central.

1 MOEDA

Diversas correntes teóricas se propõem a justificar se o surgimento da moeda1 resul-tou de um processo espontâneo ou por criação do Estado.

Esse debate teórico demonstra a importância do papel da moeda na evoluída sociedade, pois sendo ela o instrumento basilar do mercado, da globalização e do avanço tecnológico, não seria possível imaginar a vida econômica da sociedade sem a sua existência.

Por isso, constantemente deverá ser explorado (e reafirmado) o seu conceito e importância, uma vez que novos comportamentos econômicos surgem e nem sem-pre estão em conformidade com a realidade jurídica existente.

1.1 ORIGEM E CONCEITO

Em um retrospecto histórico, observa-se que o homem primitivo buscava saciar suas necessidades imediatamente, inexistindo a preocupação de acumular os bens ou mesmo atribuir a eles valores determinados.

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naturais, ou porque trocar os excedentes era mais prático do que partir para a busca do que estava faltando.

Essa simples permuta satisfazia, de forma direta, uma necessidade imediata. Nesse fato social, contudo, existia um obstáculo: a dificuldade de coincidir o bem abundante de um com a escassez do outro.

Em uma pequena sociedade, essa dificuldade era provavelmente superada, mas com o crescimento e natural evolução das relações através do contato com outras sociedades, a solução para viabilizar o câmbio seria a aceitação de determinado bem, o qual, no momento, não necessitava, mas o qual, posteriormente, poderia ser tro-cado facilmente por ser objeto de comum apreciação.

Com isso, um bem estimado/ útil por determinada sociedade era eleito como dinamizador das permutas, mas ele variava no tempo e entre os grandes grupos sociais, dependendo do que cada cultura apreciava como bem útil.

Outro ponto há de ser observado nessa dinâmica social. Para atingir a efetivação das trocas, os membros não desejavam apenas a autossatisfação (o exclusivo interes-se pessoal), eles buscavam, também, satisfazer a necessidade do outro a fim de possibilitar a permuta.

Como medir o valor dos bens? Não existia a padronização dos valores, mas como o bem Sal era facilmente negociado, a relação se perfazia. Diante desse con-texto socioeconômico, surge, então, a moeda, que poderia ser qualquer objeto estimado por determinado grupo social, e por isso era escolhido para integrar nas/ as relações,2nas quais se encontra presente a urgência de satisfação própria e alheia,

como unidade monetária.

A moeda é um ativo padronizado como meio liberatório, é um “mecanismo ‘ideal’ que preconiza a padronização dos pagamentos em termos de uma dada unida-de” (Castro, 2005). “Ideal” porque lhe é abstraída qualquer relação com o material físico que a compõe, podendo ser expressa por qualquer meio/ bem, o qual será padronizador de pagamentos e não de trocas.

Há duas teorias distintas sobre o que vem a ser moeda e suas características: a metalista e a nominalista. O conceito metalista,3conhecido também como

bulionis-mo, atribui que o índice de riqueza ou poder de uma nação baseia-se na quantidade de metais preciosos possuidos.4

Com a evolução do sistema financeiro, a equivalência entre a moeda circulante com o metal ouro desfez-se aparentemente por completo, sem o sistema monetário deixar de funcionar. Atualmente, o sistema monetário não está intrinsecamente liga-do com a sua reserva de ouro, portanto, percebe-se que a teoria metalista teve seu sentido e respaldo apenas no passado.

Em contraposição, encontra-se a teoria nominalista5 que dissemina a ideia que a

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o material da moeda não constitui valor econômico, na verdade, é uma criação do Estado (instrumento financeiro) dotada de poder liberatório.

Diversos ramos do direito tratam do valor nominal da moeda. Para o Direito Civil, Empresarial e para a Economia, o valor nominal “é o valor que o poder estatal competente atribui à moeda nacional e que é inscrito em cada peça monetária” (Camargo, 2002). Já Latécio Jansen (2000) entende, com base no Direito Monetário, que essa expressão refere-se “ao princípio segundo o qual a moeda nacio-nal (isto é, o valor nominacio-nal) é o fundamento de validade de todas as normas monetárias no ordenamento jurídico considerado”.

Discussões à parte, o importante é enfatizar que para a teoria nominalista, o valor da moeda não está correlacionado ao valor do material que a constitui. Logo, segundo essa teoria o metal ouro, engrandecido pelos metalistas, não possui o con-dão de embasar todo o sistema monetário; os nominalistas admitem o abandono do ouro como parâmetro na fixação do valor do dinheiro.

Para um dado objeto ser denominado de moeda, torna-se irrefutável observar se tal elemento é aceito por determinada coletividade e se desempenha as funções de instrumento de troca, meio de pagamento, reserva de valor e denominação comum de valores; não sendo cogente que tal elemento seja um metal precioso.

1.2 MOEDA X DINHEIRO

Em qualquer relação existe a necessidade de salvaguardas, as garantias entre as par-tes. Se hoje, em uma sociedade mais evoluída e institucionalizada, ainda existe essa preocupação com as garantias nas relações, bem mais forte era no início das rela-ções econômicas.

Com efeito, a escolha de uma unidade monetária trouxe a devida dinâmica para as relações econômicas na sociedade. Todavia, para uma interação comercial maior, a moeda deveria ser aceita não apenas por um determinado grupo, mas por toda a sociedade de forma erga omnes. Para isso, deveria ser a moeda instituída por normas, pois, assim, seria a única na sociedade e apreciada de forma absoluta.

A dinâmica econômica da sociedade evoluiu a ponto de a unidade monetária pre-cisar ser algo imposto pelo poder normativo. Surge então o dinheiro, como fruto de uma necessidade social, com reconhecimento político e juridicamente instituído (normas).

Pode-se deduzir a diferença entre a moeda (gênero) e o dinheiro (espécie): a pri-meira como qualquer bem eleito para viabilizar as permutas, e esse último como o bem eleito e instituído com força normativa por aquele que tem o poder vinculante de eleger a moeda oficial.

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A moeda oficial tem outra característica, o chamado curso forçado, que é o regi-me monetário da inconversibilidade do papel-moeda; o curso forçado faz prevalecer a expressão nominal do instrumento monetário, impedindo, assim, a conversão em seu lastro.

Vale explanar os questionamentos sobre a origem do dinheiro: se foi natural/ espontâneo ou instituído por criação estatal.

Sobre a primeira hipótese, Menger afirma que o surgimento do dinheiro resultou de um processo natural e despretensioso na sociedade. O Estado entrou em cena após o surgimento das moedas cunhadas, como garantidor da pureza e do peso das pedras utilizadas para o cunho das moedas, bem como para coibir as possíveis falsificações:

A origem do dinheiro (que deve distinguir-se das moedas cunhadas) é, como temos visto, de todo natural e, por conseguinte, só em raros casos pode-se atribuir a influências legislativas. O dinheiro não é uma invenção estatal nem produto de um ato legislador. (...) O fato de que umas determinadas mercadorias alcancem a categoria de dinheiro surge espontaneamente das relações econômicas existentes, sem que sejam precisas medidas estatais. (...) De onde se depreende que os bens que alcançaram essa especial categoria de dinheiro tenham variado nos mesmos povos durante épocas distintas e também tenham sido diferentes, dentro de uma mesma época, entre diferentes povos.6

Knapp, por sua vez, defendia de forma contrária essa corrente teórica. Demonstra em sua obra ter o Estado aptidão para determinar o que é dinheiro, entretanto, não é considerado dinheiro a moeda por ele emitida, mas as que por ele são aceitas:

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Knapp entende que a moeda do Estado (dinheiro) é almejada por todos, e lembra que, em uma disputa judicial, o credor será ressarcido com a moeda aceita pelo Estado.8

Independente de o surgimento do dinheiro ter sido natural ou espontâneo, outra dificuldade precisaria ser superada na sociedade em desenvolvimento mesmo com a instituição da moeda oficial: as consequências maléficas geradas pela permissão de livre cunhagem da moeda.

Havia, até então, uma disponibilidade da moeda oficial no mercado, uma vez que, ao necessitá-la, o indivíduo poderia levar o metal para “bater moeda”, de igual modo sucedia com os bancos, depositários de riquezas e livres autônomos emissores da moeda.

Essa prática culminou em uma economia insegura, cuja abundância ou escassez da moeda era impossível de mensurar por existir uma produção incalculável. Logo transpareceram divergências entre a liberdade “privada” da criação monetária e a urgência pelo monopólio estatal na emissão do dinheiro.

As experiências com a emissão privada da moeda mostram a ausência de garantias e a extrema insegurança nos sistemas, devido ao fato de o Estado não possuir o con-trole absoluto da emissão e da circulação da moeda. A proibição da emissão privada é o resultado da evolução satisfatória do dinheiro (moeda oficial) e da organização polí-tica, econômica e social.

2 SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

A abordagem teórico-conceitual da seção anterior sobre as peças fundamentais desse trabalho (dinheiro e moeda) se formou com o propósito de adentrar na definição, história e estrutura do Sistema Financeiro Nacional.

2.1 DA MOEDA AO SISTEMA FINANCEIRO

A estrutura facilmente percebida e a razão de ser do que se denomina “sistema finan-ceiro” desenvolveu-se (definindo competências, ramificações e normas) no transcorrer do tempo. Contudo, o apelo ao seu surgimento possui uma ligação intrínseca à ante-rior criação do seu substrato (moeda) e o papel que esse último assumiu na sociedade. Como bem afirma Raphael Castro (2005), em tempos remotos (anteriores à ins-tituição monetária), a figura dos bancos já era percebida, logicamente, despossuída da estrutura e infinitos serviços observados na atualidade.

Inexistindo a diversidade de formas de atuação dos bancos, restava-lhes, portan-to, exercer o papel de guardião (local seguro) dos objetos considerados valiosos por aqueles que optavam por sua preservação. Com a instituição normativa do instrumen-to oficial liberatório (o dinheiro) houve um engrandecimeninstrumen-to do papel dos bancos.

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cogita a ideia da diversidade de bancos, mas a interligação com o instituto do dinhei-ro: meio legal e oficial para a liberação de obrigações pecuniárias (Castro, 2005).

A intervenção do Estado foi pertinente para o direcionamento e limitação da moeda em circulação. Nesse momento, verifica-se o início do que hoje chamamos de Sistema Financeiro, não sendo este apenas um conjunto de instituições, mas “a gra-dual intromissão normativa na instrumentação prática dos processos circulatórios da produção do dinheiro” (Castro, 2005).

É exatamente a organização estrutural adicionada à legislação (regras do jogo) o que resulta no sistema financeiro. Pode-se afirmar que a moeda e sua circulação tornaram-se assuntos próprios do Estado, geridos por meio de normas, as quais determinam a forma como os agentes devem se comportar em cada segmento econô-mico. O Estado assumiu, indiscutivelmente, a posição de condutor das regras do jogo econômico, apresentando como aliados o tempo e a legislação para o fortalecimento das instituições.

A interferência regulatória do ente estatal no setor monetário pôde ser aprimo-rada no decorrer do tempo, sendo eficaz para a ordem econômica buscada pelas sociedades modernas.

2.2 COMPOSIÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E ORDEM ECONÔMICA

A atuação do Estado no âmbito econômico-privado prevista pela Constituição de 1988 é resultado da evolução do ordenamento jurídico pátrio. É possível classificar o atual Estado de neoliberal, uma vez que, ao preocupar-se com fatores sociais, ele afasta-se do modelo constitucional clássico liberal, tornando-se um modelo híbrido ao unir valores públicos e privados.

A nova Constituição mescla premissas de Estado Liberal e do Intervencionismo Estatal, pois, ao passo que assegura a livre iniciativa e a concorrência, regula as ações do mercado, e cria a possibilidade de o Estado ingressar na economia e definir quem poderá, também, atuar nos segmentos econômicos.

Eros Grau (1998) acentua que o princípio da livre iniciativa seria um desdobra-mento da liberdade, que por sua vez é descrita como “a sensibilidade e a acessibilidade às alternativas de conduta e de resultado”.

Luiz Alberto Araújo e Nunes Júnior, referindo-se à livre iniciativa, acrescentam que:

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O princípio da livre iniciativa, contudo, não é absoluto, pois há previsões de limi-tações dos critérios e situações nas quais nem todos poderão adentrar nas infinitas organizações econômicas. Previsões negativas na legislação priorizam, mesmo não parecendo à primeira vista, o bem-estar social, ao permitir apenas aos considerados responsáveis e qualificados a exploração de alguns segmentos econômicos.

Têm-se, por conseguinte, as limitações postas à atuação do próprio Estado na economia (artigos 173 e 175 da CF); a existência do monopólio legal (artigos 176 e 177 da CF) e do monopólio natural; além dos casos que necessitam da autorização estatal prévia, dentre eles, destaquem-se as instituições financeiras e assemelhadas.10 Com efeito, o parágrafo único do art. 170 da CF prevê a relativização do prin-cípio da livre iniciativa: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Da mesma forma, apresentam-se as considerações do autor Eros Grau: “... o que mais importa considerar, de toda sorte, é o fato de que, em sua concreção em regras atinentes à liberdade de iniciativa econômica, o princípio, historicamente, desde o Decreto d’Allarde, jamais foi consignado em ter-mos absolutos”.11

A Carta Maior de 1988 separou a Ordem Social da Ordem Econômica e a esta agregou o Sistema Financeiro Nacional (SFN) (Título VII), estruturando-o a fim de promover o desenvolvimento e o equilíbrio do País, prevendo sua regulação por meio de leis complementares.

Há no ordenamento jurídico diversas leis dispondo de forma específica sobre as instituições que estruturam o SFN, sendo a Lei 4.595/64 a que dispõem sobre a constituição do Sistema Financeiro:

Art. 1º O Sistema Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela presente Lei, será constituído:

I - do Conselho Monetário Nacional; II - do Banco Central do Brasil; III - do Banco do Brasil S.A;

IV - do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico; V - das demais instituições financeiras públicas e privadas.

Pertinente se faz, portanto, tecer algumas considerações sobre cada inciso do artigo supracitado.

O Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão colegiado no âmbito do Ministério da Fazenda, é composto, atualmente, do Ministro da Fazenda, do Ministro do Planejamento e Gestão e do Presidente do Banco Central do Brasil.

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desenvolvimento harmônico da economia nacional, bem como a coordenação das polí-ticas monetária, orçamentária, creditícia, fiscal e da dívida pública (interna e externa).

O Banco Central do Brasil (Bacen), autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, é responsável por conceder12 autorizações às instituições financeiras a fim

de que possam funcionar no País, instalar ou transferir suas sedes ou dependências, inclusive para o exterior, serem transformadas, fundidas, incorporadas ou encampa-das, praticarem operações e terem prorrogados os prazos concedidos para funcionamento, alterarem seus estatutos e alienarem ou, por qualquer outra forma, transferirem o seu controle acionário.

Dentre as alterações trazidas pela Constituição de 1988, pode-se destacar o cará-ter inegociável, intransferível e sem ônus das autorizações para o funcionamento de novas instituições, e a obrigação de elas preencherem os critérios para ser possível a permissão de funcionar no país na forma da lei do sistema financeiro nacional, quais sejam, os diretores da pessoa jurídica devem ter capacidade técnica, reputação iliba-da e comprovar capaciiliba-dade econômica compatível com o empreendimento.

Por sua vez, o Banco do Brasil (BB) é constituído como sociedade de economia mista vinculada ao Ministério da Fazenda; atualmente, o BB funciona como agente financeiro do Tesouro Nacional, recebendo tributos federais, pagamentos e supri-mentos do orçamento da União, de acordo com orientação recebida do Ministério da Fazenda. Além dessas atribuições ele executa a política de preços mínimos de produtos agropecuários e financia atividades predeterminadas como prioritárias pelo governo.

O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), uma empresa pública federal vinculada ao Ministério da Fazenda, tem como principal objetivo financiar, em longo prazo, os empreendimentos que contribuam para o desenvolvimento do País.

Quanto às demais instituições financeiras cabe transcrever os artigos 17 e 18 da Lei de Reforma Bancária de 1964:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

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O controle e a emissão da moeda oficial no país, como já dito, são ofícios exclu-sivos do Estado/ União, como ditado pela CF/88 em seu art. 164 e pelos artigos 8º, 9º e 10º da lei 4.595 de 31/12/1964.

A Lei 4.595/64 atribui ao Banco Central a emissão de moedas oficiais; o Bacen, contudo, é subordinado ao comando do Conselho Monetário Nacional que permite e dita a quantidade do numerário posto em circulação.

No Brasil, a cunhagem ou impressão da moeda oficial é realizada, exclusivamen-te, pela Casa da Moeda, não sendo, ainda, o momento da emissão e circulação, posto que somente quando o Banco Central do Brasil entrega as cédulas ou moedas metá-licas ao banco, perfaz-se a emissão/ circulação.

A exclusividade para a emissão de papel-moeda bem como a legitimidade para a imposição de curso forçado em determinado território são aspectos do poder polí-tico. A razão da atenção legislativa e política dada ao meio circulante deve-se ao fato de que ele seja expressão de riqueza e, em consequência, de poder.

Como o dinheiro representa poder, será poderoso, também, quem possa produ-zi-lo e impor sua utilização dentro de um dado espaço. Por isso, há a preocupação de controlá-lo e distribuí-lo ao público, a fim de evitar a concentração de riqueza para pequena parcela da sociedade e até mesmo um desequilíbrio econômico.

Que o sistema financeiro seja uma forma de intervenção estatal, por meio de normas permite que as relações financeiras, que envolvem circulação de dinheiro, tenham segurança jurídica.

Comprova-se tal afirmação, bem como a amplitude do sistema financeiro, o fato de o dinheiro estar entrelaçado à vida das pessoas, sendo apenas os interessados pela ciência econômica a questionar e entender como se dá a sua existência, emissão e dis-tribuição. A atenção mundial se volta a essas questões, quando surge um fato econômico que impossibilite a devida circulação da moeda a ponto de interferir nas transações econômicas básicas e essenciais da sociedade.

2.3 FUNÇÕES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Instituições e instrumentos financeiros (meio de transferência de recursos dos ofer-tadores aos tomadores) compõem um conjunto sistemático que, por meio das regras (normas), tornam um sistema financeiro eficiente ao permitir a liquidez dos ativos no mercado.

O Sistema Financeiro Nacional pode ser dividido em subsistemas: o normativo e o operativo.13O primeiro exerce a função de regular e fiscalizar todo o sistema

median-te o poder normativo das autoridades monetárias; o segundo é constituído de atores do mercado financeiro,14as instituições.

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fundo, ou seja, aqueles que não detêm de recursos suficientes para alcançar o consu-mo desejado.

Logo, a possibilidade de expandir os portfólios através do Sistema Financeiro diversifica os investimentos dos poupadores, diluindo os riscos do negócio. Em vez de investir toda sua reserva econômica em apenas em um determinado mer-cado, o poupador poderá escolher, dentre variadas opções, os mercados melhores para investir.

Em decorrência da ampliação do leque dos investimentos, há uma redução do risco, pois, caso não haja retorno em investimentos, os bons resultados nos outros poderão compensar as possíveis perdas.

A maior liquidez do sistema resulta na maior facilidade de que um ativo financei-ro seja tfinancei-rocado (negociado) por outfinancei-ros ativos, bens ou serviços.

Seguindo a mesma linha, o compartilhamento de informação persegue um pro-blema enfrentado nos mercados, denominado assimetria da informação ou informa-ção assimétrica.

No financiamento direto (quando o poupador e o tomador negociam entre si) con-cretiza-se um investimento eficiente somente se o investidor souber como sua renda será empregada pelo tomador, para avaliar a possibilidade de retorno do empréstimo. Ao lhe ser negada a informação correta pelo tomador, o investidor poderá decidir de forma ineficiente, realizando um negócio prejudicial para si e para o mercado, existin-do, então, a assimetria da informação.

No caso de haver o envolvimento de intermediários financeiros (financiamento indireto), como nas transferências de fundos, o banco cuida de internalizar e com-partilhar os riscos de um possível não retorno do capital, por meio de, por exemplo, contratos, critérios exigidos aos possíveis tomadores, juros, e outros.

Portanto, é possível afirmar que a regulamentação do sistema financeiro visa dis-ponibilizar informações essenciais aos investidores, controlar a oferta da moeda, e permitir o melhor funcionamento do próprio sistema financeiro.

A regulação do sistema financeiro tem, no aspecto geral, como fim último, o equilíbrio econômico, cujo objetivo é impedir a probabilidade de crises financeiras. Desta forma, este sistema poder realizas sua principal função, proteger a economia e sociedade.

2.4 CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA

O Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição Federal de 1988, res-guarda algumas garantias, como a ordem econômica. Isso porque, no mundo capitalista que busca incessantemente o acúmulo de riquezas, constatam-se ações no sentido de alcançar mais facilmente o que de fato importa na atualidade: o dinheiro.

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ou obter o pretendido, é voltar-se contra o Sistema Financeiro Nacional, o que carac-teriza crime por afetar a sociedade com um possível desequilíbrio econômico.

2.5 BEM JURÍDICO

O direito penal, por si, protege os bens jurídicos (corpóreos ou incorpóreos) das relações sociais. É, de fato dificultoso, o controle formal como resposta imediata nas ações criminosas no âmbito econômico, pois elas estão inseridas em um universo de possibilidades, sofisticação e inteligência.

Um ramo específico, denominado Direito Penal Econômico, trata das condutas lesivas à ordem econômica e, em consequência, ao Sistema Financeiro Nacional.

Indaga-se: qual seria o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal Econômico? Se o Direito Penal Clássico indica as condutas (fatos) proibidas e suas referidas sanções, não existindo crime sem lei anterior que o defina, seguiria a mesma linha a tutela do Direito Penal Econômico?

Segundo Knut Amelung, a sociedade é como um sistema global e o direito um sub-sistema que interage com os demais sub-sistemas para garantir a sua existência. O direito penal é central para garantir tal sobrevivência porque mantém seu equilíbrio por meio das sanções. Desta forma, prossegue o autor, considera-se “delito” tudo aquilo que impeça o eficiente funcionamento do sistema, e “bem” jurídico, por sua vez, as “fun-ções necessárias para a conservação do sistema social”.15

Para Winfred Hassemer, o que importa na individualização do bem jurídico é o seu valor subjetivo e seu papel “com as variantes dos contextos sociais nos quais ele aparece”.16

Para o Direito Penal Econômico a tutela não recai sobre um fato previamente descrito ou previsto, mas na própria ordem econômica e seu equilíbrio. Assim tudo aquilo que tentar produzir lesões na ordem deverá ser (repelido) alvo de sanções.

Acerca dos delitos econômicos, o Código Penal Brasileiro limita-se a prever alguns artigos,17 (ao invés de o Direito Penal Econômico ter sido plenamente exposto no

atual código ele foi fragmentado em leis especiais).18

Pimentel (1973) define o Direito Penal Econômico como “o conjunto de normas que tem por objeto sancionar, com as penas que lhe são próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas, ofendam ou ponham em perigo bens ou interes-ses juridicamente relevantes”.

A Lei 7.492/86 tem como o bem jurídico tutelado, a proteção do Sistema Financeiro Nacional contra lesivas condutas, exemplificando 22 tipos penais, dentre eles, divulgação de informação falsa; gestão fraudulenta e temerária; apropriação ou desvio de bens móveis; remuneração sobre operação de crédito ou de seguro; insti-tuição financeira não autorizada que efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do País.

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indissociáveis, indubitavelmente, suas regras constitucionais e esparsas buscam uma sociedade livre, justa e solidária.

3 ECONOMIA SOLIDÁRIA

Um dos focos da ciência econômica é responder a questionamentos advindos da difi-culdade de alocar bens e distribuí-los entre os grupos sociais de maneira eficiente. Isso porque um dos desafios na vida em sociedade é determinar a melhor utilização dos recursos para a produção de bens e serviços essenciais à vida do indivíduo, que, por sua vez, possui desejos e necessidades ilimitadas.

No liberalismo, o próprio mercado regula as questões econômicas, decidindo assuntos sobre o quê, como e para quem deverá ser destinada a produção dos bens. Contrária a essa realidade de economia de mercado, há a chamada economia centra-lizada, na qual é o Estado que comanda e decide as principais questões econômicas. Com efeito, as sociedades, em sua maioria, não seguem rigidamente nenhum dos dois tipos de organização econômica (de mercado ou centralizada); o Brasil, por exemplo, segue a economia de mercado, entretanto, a sua autodeterminação é limi-tada e, nesse limite, encontra-se o Estado, executando o papel de regulador normativo supervisor e protetor da ordem econômica.

3.1 CONCEITO DEECONOMIASOLIDÁRIA

A economia solidária, a despeito de ter nascido no interior do capitalismo, contra-põe-se aos valores da economia de mercado e da economia centralizada.

Existe, na literatura, certa dificuldade em conceituar a economia solidária; alguns autores mesclam seu conceito com o da autogestão, do cooperativismo, da economia informal ou economia popular, que são possíveis modos de organizar a economia soli-dária. É possível citar a definição de economia solidária trazida por Luis Razeto na seguinte perspectiva:

Uma formulação teórica de nível científico elaborada a partir e para dar conta de conjuntos significativos de experiências econômicas (...) que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades econômicas.19

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Alguns defendem a hipótese de não haver uma exclusão proposital por parte do mercado e nem mesmo do Estado (ante à falência de suas políticas públicas). A exclu-são neste caso seria uma espécie de autoexcluexclu-são. Os “excluídos” teriam, portanto, uma visão negativa das instituições financeiras, por acreditarem que os serviços por elas prestados não condizem com sua posição econômico-social.

But passive discrimination may be one explanation: when a financial institution caters to the middle class, it may exclude the poor. Some slum dwellers in Chennai told me they felt uncomfortable entering a bank; they were awed by the better educated and better-dressed bank clerk.21

Da passagem transcrita depreende-se um sentimento de que o sistema bancário, com seus custos, não estaria ao alcance daqueles limitados financeiramente. Considere o fato de os indivíduos de classe baixa preferirem tomar empréstimos de pessoas físi-cas, até mesmo de agiotas, sem mensurar que, nesses casos, os custos tornam-se mais elevados do que se o empréstimo fosse contraído em uma instituição financeira.

Diversas são as formas utilizadas com o fim de praticar a economia solidária. Dentre elas, podemos citar: as empresas autogestionárias, que são geridas pelos pró-prios trabalhadores no mesmo patamar de igualdade; as finanças solidárias, como um novo mecanismo de aquisição de créditos (tais como cooperativismo de crédito, organizações de microcrédito e microfinanças, fundos solidários, moedas sociais, bancos alternativos, sociedades de garantia); os clubes de trocas, onde as pessoas fazem escambos e utilizam uma moeda social válida apenas naquele local; as redes de colaboração solidária, das quais participam produtores e consumidores dispostos a fomentar a sua comunidade através do consumo local e produção responsável.

3.2 ECONOMIASOLIDÁRIA NOBRASIL E NOMUNDO

Dificilmente se poderá identificar o surgimento da economia solidária no Brasil, uma vez que sua prática, em diversas ocasiões, é equiparada a terminologias, tais como, ter-ceiro setor, economia social, economia informal, economia popular ou cooperativismo.

Oportuno é tentar, brevemente, relacionar tais termos a uma característica pró-pria possível de diferenciação. O mais comum é confundir economia solidária com economia social; essa última seria a designação dada juridicamente a algumas organi-zações, tais como, cooperativas, mutualistas, fundações e associações. Quando essas expressões de economia social ganham força política de transformação com visível desenvolvimento econômico, surge a noção de economia solidária. Percebe-se que a economia solidária é uma forma de solidariedade mais atualizada e, porque não dizer, uma economia social regulada.

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local, espontaneamente, unem-se a necessidade e as habilidades existentes, criando um ambiente econômico com as experiências populares em que, muitas vezes, há o apoio do Poder Público.

Em um plano mais restrito, encontra-se a economia informal, a qual é desenvol-vida em uma base individual, não articulada com a sociedade local. São atidesenvol-vidades econômicas pessoais informais visando o sustento familiar.

Por fim, o terceiro setor, herdeiro de uma tradição anglo-saxônica, mantém rela-ção estrita com a prática filantrópica, sem fins lucrativos (non-profit organizations).

O certo é que na prática todas essas figuras apresentam características semelhantes, além de estar à margem do Estado e do mercado ou, em alguns casos, relacionarem-se a estes. Dessas práticas não se retira o mérito de serem, também, uma forma de aloca-ção de recurso e distribuialoca-ção de riqueza.

Tem-se, no governo brasileiro, todavia, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), instituída em junho de 2003, com suas competências estabelecidas pelo Decreto n. 5063, de 8 de maio de 2004; diante disso, o movimento denominado economia solidária é con-siderado, ainda, uma nova faceta econômica.

Encontra-se, em processo de aprovação, o Projeto de Lei n. 93/2007, o qual visa a criação de um Conselho Nacional de Finanças Populares e Solidárias (Conafis), que será, caso seja aprovado, uma espécie de Conselho Monetário Nacional (CMN) dos Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário (BPDS), controlando e regulando as redes de economia solidária e suas ações.

Seria, então, um sistema financeiro transversal direcionado ao segmento de finan-ças populares e solidárias, em outras palavras, o projeto de lei complementar tem como propósito a não submissão e controle ao e pelo Sistema Financeiro Nacional.

Movimentos tendentes a divulgar, regular, apoiar e instituir formas de economia solidária no Brasil e no mundo são facilmente encontrados, pode-se citar o Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs),22 a Rede Intercontinental de

Promoção da Economia Social e Solidária (Ripess), e a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES). No âmbito municipal criou-se na estrutura da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) uma célula de Economia Solidária (Fortaleza, 2009).

Em todo território nacional, cerca de 1.250.000 de pessoas são beneficiadas por iniciativas solidárias, e o Ceará é o segundo Estado com maior número de empreen-dimentos solidários no Brasil. A quantidade de envolvidos chega a 82.101 pessoas, segundo mapeamento realizado pela Superintendência Regional do Trabalho (Bonfim e Caminha, 2007).

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3.3 MOEDASOLIDÁRIA

Sobre a política adotada pelo sistema monetário, Strohalm (apud Burigo 2001) afir-ma que ela é baseada no artifício da carência crônica e epidêmica de dinheiro, visando proteger o seu valor dos riscos.Com efeito, a concentração de renda e a res-trição do crédito proporcionam a expansão de formas alternativas de organização financeira, de modo que, em algumas práticas de economia solidária, foram criadas moedas sociais.

Antes de adentrar na difícil conceituação e citar as características da moeda social (ou solidária), é oportuno esclarecer que ela se encontra inserida em uma modalida-de, e por que não dizer grupo, denominada de moeda paralela, mais especificamente no conceito de paramoeda que pode ser identificada como uma espécie transversal de moeda paralela.

As moedas consideradas paralelas são aquelas que substituem a moeda nacional em algum momento ou situação (até mesmo de forma generalizada, como, por exemplo, as moedas estrangeiras), uma vez que são unidades de cobrança e meios de pagamento diferentes das unidades de cobrança e dos meios de pagamento nacionais (Blanc, 1998). Ainda de acordo com Blanc, a categoria das paramoedas23 é utilizada

à margem da moeda nacional, portanto, ao invés de concorrer, complementa essa última, pois seu uso é limitado de alguma forma, como nos casos dos clubes de troca onde a utilização é restrita aos associados.

O maior questionamento sobre as referidas moedas paralelas é em quais condi-ções serão emitidas, circularão e serão utilizadas, além da competência daquele (ente, pessoa jurídica) que exercerá tal controle. Independentemente de qual seja a moeda paralela, esta dependerá, de alguma forma ou sob algum aspecto, da moeda nacional e do Estado, no que tange ao estabelecido pela legislação, como trata a afir-mação de Carvalho (1992), o que expressa o aspecto de subordinação da moeda paralela à moeda nacional: “Os agentes podem criar substitutos perfeitos para a moeda apenas na extensão em que a autoridade monetária estiver de acordo em garantir a sua retaguarda”.

Ao se criar uma moeda local busca-se adaptá-la às circunstâncias e necessidades de um lugar específico, a ponto de ela ter finalidade diversa do pretendido pelo modelo capitalista, ou seja, essa moeda terá uma função social.

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Algumas experiências com moeda alternativa tiveram a inteligência de aplicara teoria da oxidação da moeda, por meio da qual as moedas eram estimuladas a circu-lar sob pena de perder o seu valor com o passar do tempo, uma vez que a redução do seu valor era programada e isso desestimulava seu acúmulo.

A teoria da oxidação foi defendida fortemente pelo economista Silvio Gesell (apud Burigo, 2001); esse autor considerava a poupança um mal para a economia por desestimular a circulação monetária e gerar problemas como a recessão e a concen-tração de renda.

Adotaremos a definição de Soares a qual afirma que a inclusão social dos econo-micamente despossuídos não é o único objetivo da moeda social. Ela também visa a estimular valores sociais, evitando o acúmulo de capitais.

A moeda social é uma forma de moeda paralela criada e administrada pelos seus próprios usuários, logo, tem sua emissão na esfera privada da economia. Ela não tem qualquer vínculo obrigatório com a moeda nacional e sua circulação é baseada na confiança mútua dos usuários, participantes de um grupo circunscrito por adesão voluntária.24

Qualquer definição sobre a moeda social não se distancia do aspecto contratual (convenção) encontrado nessa prática, entre os atores envolvidos, com o intuito de utilizar a moeda para atingir o consumo de bens e serviços, impenetráveis naquele determinado local.

Com efeito, a moeda social deverá circular dentro de certos limites, ou seja, entre um grupo limitado de usuários, como meio de circulação de bens e serviços, para o crescimento local, pois essa é uma atividade econômica provedora de bem-estar, e seu valor (lastro) será estipulado pela força do trabalho dos indivíduos que compõem o grupo.

Segundo Marusa Freire (2007),25 a moeda social cumprirá sua função de

com-plementar a moeda nacional ao “circular em círculos”, ou seja, circular em contornos territoriais limitados e em grupos determinados (closed loops). Ela afirma, também, que muitos sistemas de moedas sociais falham nesse sentido, levando essa prática ao insucesso, a ponto de provocar efeitos monetários, necessitando da intervenção do banco central.

A incidência de juros ou intenção de lucros fere a essência da solidariedade pro-posta pela moeda, uma vez que isso impediria o desenvolvimento de uma economia solidária com lógica capitalista. Espínola Soriano26 (2001) ratifica a impossibilidade

de juros: “ao afirmarmos que a imposição de juros sobre o circulante é uma posição eminentemente política, com as moedas sociais e as trocas ela é descartada”.

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a estatal, pois a confiança entre os participantes é o que move a economia. É diferen-te do que ocorre com a emissão de moedas paralelas emitidas pelas instituições financeiras, pertencentes ao Sistema Financeiro e amparadas pelo Estado.

Em todas as análises sobre a emissão e circulação de moedas sociais depara-se com o aspecto legal da prática, que desagua em um impasse, pois a maioria dos paí-ses, inclusive o Brasil, não possui qualquer disposição legal proibindo essa prática comunitária com meio de troca próprio.

No Brasil, há leis, inclusive a Constituição Federal de 1988, que determinam o monopólio estatal da moeda corrente, a obrigatoriedade de aceitação da moeda nacional para o pagamento de dívidas, taxas e impostos. Além disso, há leis que pre-vêem crimes por falsificação da moeda nacional, os quais já foram analisados neste artigo. Outro ponto a ser mencionado é a ausência de tributação sobre essas práti-cas econômipráti-cas.

Algumas declarações de Marusa Freire (2007) sobre moedas sociais merecem crítica, por deixarem transparecer uma fragilidade inaceitável do Banco Central do Brasil em face da existência de moedas sociais no País.

Afirma a Procuradora que “o Banco Central do Brasil está desenvolvendo um pro-jeto para estudar e avaliar os principais aspectos teóricos e práticos relacionados com as experiências de moeda social no mundo”, mais adiante declara que “o uso de moe-das sociais não é fenômeno novo nos países da Europa e tem sido tolerado pelos bancos centrais sob o argumento de que promove o desenvolvimento das economias locais; apesar de implicar maiores custos e maiores riscos para os detentores da moeda social”. A função do Banco Central do Brasil é ser o guardião da moeda nacional, impe-dindo que outras surjam. É certo que, como os bancos centrais da Europa, o Bacen também tolera o surgimento de moedas paralelas não reguladas. Essa postura inerte vai de encontro ao que um Banco Central eficiente deveria proporcionar: o fortale-cimento da moeda nacional.

4 O CASO DO CONJUNTO PALMEIRAS

O Conjunto Palmeiras, um bairro periférico da cidade de Fortaleza, Ceará, foi o pri-meiro a implementar um novo conceito de economia de maneira organizada. Com o início nos anos 1970, quando moradores de várias regiões da localidade foram desa-lojados em virtude de um plano de reordenamento urbano, buscou-se, para moradia, uma região afastada, ao sul de Fortaleza. Atualmente a população está estimada em cerca de 30 mil habitantes.

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obtidos, uma pesquisa realizada pela Asmoconp, em 1997, constatou que noventa por cento das famílias tinham renda familiar abaixo de dois salários mínimos, e que cerca de oitenta por cento da população economicamente ativa (PEA) encontrava-se desem-pregada (Silva Júnior, 2004).

4.1 CONSTITUIÇÃO DOBANCOPALMAS

Diante de tal situação, era necessário buscar alternativas para geração de renda no Conjunto Palmeiras. Assim, a Asmoconp iniciou com um projeto em 1998 ao qual deu o nome de Banco Palmas. Para isso, foi de suma importância o investimento de 2 mil reais os quais foram provenientes, segundo os funcionários do banco, da cooperação técnica alemã GTZ,27que, dentre suas atribuições, contribui financeiramente a fundo perdido para a criação de novos instrumentos financeiros.

Inicialmente, a criação desse projeto comunitário tinha como objetivo fomentar a economia local através de microcrédito para produção e para o consumo local, sem consultas cadastrais, comprovação de renda ou outras restrições impostas pelas ins-tituições convencionais; uma economia baseada somente na confiança e no conceito do cliente perante os demais moradores, uma medida da própria rede de trocas da economia solidária. Para tanto, criaram-se as linhas de microcrédito para incentivar a produção e, com a finalidade de elevar o consumo local, aventava-se a possibilida-de possibilida-de utilização possibilida-de um cartão possibilida-de crédito (Palmacard).

Percebe-se que, nesse início, ainda não tinha sido inserida a figura da moeda social; dessa forma os empréstimos e todos os serviços do Banco Palmas realizavam-se com a moeda nacional (real). Diante desse projeto de cunho econômico, a Asmoconp assu-miu uma postura híbrida: ao mesmo tempo em que almejava ideais sociais e comunitários, ela procedia por meio de uma lógica essencialmente mercantil.

Silva Junior (2004) salienta que o Banco Palmas passou a não permitir certas liberdades aos moradores, limitando o acesso à moeda apenas àqueles que cumpris-sem os critérios formulados pela Asmoconp: ficar sócio da entidade eparticipar das últimas reuniões: “No Banco, os desejos a serem atendidos são individuais. O acesso à sala do Banco Palmas é permitido se for para tratar da solicitação de crédito – não na condição de sócio-morador-cidadão, mas como cliente que poderá não ter sua demanda atendida”.

Como dissemos, na economia solidária pode haver uma moeda chamada de social. No Banco Palmas, ela recebeu a denominação palma, isso em 2002.

Entretanto, a introdução da moeda palma no bairro deu-se através da aplicação do Método Fomento, um dos métodos de promoção de desenvolvimento local inte-grado e sustentável do Movimento Monetário Mosaico (MoMoMo), que realiza uma espécie de “clonagem” de um valor monetário em moeda distinta.

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recurso financeiro doado pela Organização Intereclesiástica para a Cooperação ao Desenvolvimento (ICCO), visando a construção de um prédio para a Asmoconp. Essa quantia, conversão em moeda social, resultou em 102.604 unidades monetárias. Os valores em Reais foram destinados à concessão de crédito local e os valores em moeda social destinavam-se à realização de um projeto comunitário, ou seja, para o pagamento da mão de obra28 e compra de materiais nos estabelecimentos locais.

A dinâmica seria a seguinte: os empréstimos concedidos em reais aos empreen-dedores locais deveriam ser devolvidos em moeda local palma, recebida dos trabalhadores do projeto ao qual se destinou o capital inicial. Na realidade, essa medida era para impulsionar a circulação da moeda social, uma vez que “obrigava” os trabalhadores e empreendedores a receberem essa moeda. Em função da “adesão for-çada” (cerca de quarenta empreendimentos locais inicialmente), foi possível a aceitação das linhas de créditos em moeda palma e custear parte do pagamento da equipe de gestão da Asmoconp com a moeda do bairro.

Com efeito, para ser possível o crescimento da economia local, com circulação monetária e maior acesso a linhas de crédito, foi necessária a aquisição de mais recur-sos. Segundo Otaciana Barros, supervisora dos caixas do Banco Palmas, para conseguir recursos públicos, a saída foi criar uma Organização de Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), denominada Instituto Palmas, uma vez que o Banco Palmas como projeto da Asmoconp encontraria barreiras para a aquisição de recur-sos junto ao Poder Público. Conclui-se que o Instituto Palmas captaria recurrecur-sos e o Banco Palmas realizaria os empréstimos.

Nesse sentido, há dois tipos de empréstimos do Banco Palmas, concedidos da seguinte forma: o empréstimo para consumo é destinado a moradores de Palmas, e têm um limite de P$ 100,00 (cem palmas), sem cobrança de juros; o empréstimo para produção é destinado aos empreendedores cadastrados, com um limite de R$ 5.000,00.29Para ter acesso ao crédito, é necessário ser associado ou ter participado

das duas últimas reuniões; exige-se o preenchimento de um formulário no qual cons-tam os dados do requerente, o valor e a que se destina o crédito. Com esses dados, um funcionário da Asmoconp verifica a possibilidade da concessão (Saddi, 2004).

Essas práticas comerciais implantadas no bairro, contudo, não foram suficientes para atender todos moradores e, para quebrar o que restava de desconfiança na comunidade, foi criado um cartão de crédito, o Palmacard, com limite de 200,00 palmas, que tem seguinte dinâmica: o consumidor utiliza o cartão em suas compras em locais previamente cadastrados e o pagamento das faturas do Palmacard é feito no Banco Palmas.

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Silva Junior também assegura que essa taxa é cedida pelos comerciantes ao banco em relação às compras realizadas por meio do Palmacard, como taxa de administração. Jaqueline Dutra, gerente financeira do Banco Palmas, afirmou que a área de abrangência da moeda palma já ultrapassa os limites territoriais do bairro, sendo amplamente aceita, inclusive, em bairros vizinhos. Isso é possível porque os comer-ciantes oferecem descontos quando o pagamento é realizado em palmas. No transporte alternativo, por exemplo, a passagem custa R$ 1,60 ou P$ 1,50 (uma palma e cinquen-ta cencinquen-tavos). É imporcinquen-tante lembrar que o valor da palma é indexado ao real, ou seja, P$ 1 (uma palma) é igual a R$ 1 (um real). Os descontos são possíveis pelo fato de não haver nenhuma tributação sobre as operações realizadas com palma30e devido à coo-peração dos comerciantes.

4.2 O BANCOCENTRAL E AASMOCONP

Em duas oportunidades, o Banco Central requereu da Asmoconp esclarecimentos sobre as práticas financeiras lá evidenciadas pelo Banco Palmas. A primeira foi em 1998, quando o Banco Central entendeu que o fato do Banco Palmas captar, na época da fiscalização, recursos dos clientes como fundo remuneratório, era um tipo de poupança, uma vez que o banco não tem autorização para desenvolver essa atividade por não ser uma instituição financeira. (Silva Junior, 2004).

Outra intervenção ocorreu em 2003, quando o Bacen acionou o Ministério Público Federal para que o Banco Palmas prestasse esclarecimentos a respeito da emissão da moeda social (a emissão de moeda sem autorização é uma crime contra a União, pois cabe exclusivamente à União a prerrogativa de emitir moeda de curso forçado no país, salvo prévia autorização).31

A fiscalização restringiu-se ao depoimento dos diretores do banco na delegacia civil, pois, de posse do parecer da autoridade policial ressaltando o cunho social, o Ministério Público entendeu não ser crime a utilização do Método Fomento.

Na época dessa investigação, em 2003, o Método Fomento ainda estava em curso. Portanto, difícil era a caracterização de crime contra o Sistema Financeiro, já que, segundo parecer do Banco Central, a moeda nacional permanecia em circulação com o mesmo poder.

4.3 ANÁLISEJURÍDICA

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Receita Federal, na Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará (Sefaz) e na Secretaria de Finanças do Município (Sefin).

Seria inocência ou inteligência criar um empreendimento, funcionando como banco, sem qualquer registro ou fiscalização, em nome do crescimento social?

Independentemente da resposta, o fato é que tal prática não encontra abrigo na legislação; em contrapartida, a emissão de uma moeda solidária por um determinado grupo de indivíduos não está tipificada na Lei 7.492 de 1986 como conduta criminosa.

O direito penal dispõe sobre condutas socialmente relevantes. Isso que dizer que a ciência não antecede os acontecimentos sociais, eles precisam existir e macular de alguma forma a vida em sociedade para serem eleitos como comportamento social-mente relevante. Como dissemos, o direito penal econômico protege a ordem econômica e seu equilíbrio. Apesar de não existir tipificação penal sobre a emissão de moeda solidária, qualquer conduta social que tenha o potencial de exercer o papel exclusivo do Estado de emissão de moedas, gerando males à ordem econômica, deverá sofrer sanções.

A autoridade monetária, além de controlar a emissão da moeda oficial, fiscaliza a possível criação de moedas pelos bancos, como, por exemplo, as moedas escritu-rais. O cuidado com a quantidade de moeda no mercado busca evitar o seu excesso ou a sua carência. Caso haja um quadro de excesso de moeda (inflação), haverá uma elevação no poder aquisitivo e, em consequência, como os produtos serão insuficien-tes para a quantidade de moeda em circulação, eles terão seus preços aumentados; caso haja carência da moeda, os preços tendem a diminuir de preço, pois a quantida-de quantida-de produtos será superior ao volume quantida-de moedas em circulação.

O controle do Estado sobre a moeda e demais meios de pagamento é realizada através de política monetária. Se bem gerenciada, a política monetária poderá alcan-çar os seus objetivos: controle da inflação, equilíbrio da balança de pagamentos, expansão econômica e pleno emprego.

A política monetária tem como desígnio promover a estabilidade do País, para isso é essencial que haja o controle monetário por meio dos instrumentos de redesconto (empréstimo do Banco Central aos bancos comerciais, quando estes apresentam pro-blemas de liquidez); operação de mercado aberto (open market, visando a liquidez monetária, o Governo compra ou vende títulos públicos); e reservas compulsórias (parte dos recursos das instituições financeiras é repassada ao Banco Central).

A Lei 4.595/64, respaldada no art. 164 da Constituição Federal de 1988, atribui ao Banco Central a emissão de moedas oficiais. O Bacen é subordinado ao comando do Conselho Monetário Nacional que irá permitir e ditar a quantidade de numerário em circulação.

(25)

Qualquer iniciativa do Estado para tentar diminuir o meio circulante, e assim forçar uma retração do consumo, será ineficiente diante das inúmeras experiências privadas de emissão das moedas sociais, as quais poderão inflar o mercado.

As moedas sociais deverão ser produzidas, distribuídas e controladas pelos pró-prios usuários, pois elas não têm valor intrínseco, mas, sim, no trabalho dos usuários como lastro.

Ao analisar o caso de Palmas, vê-se uma descaracterização, visto que a palma tem lastro em real, sendo ela dotada de valor intrínseco, desclassificando como moeda social, e atuando em concorrência com o real, pois para cada palma em circulação é necessário que haja um real correspondente sob a custódia do emissor.

Outro fator que comprova a concorrência da palma com a moeda oficial é o exemplo do transporte alternativo se tornar mais barato, uma vez que não há tribu-tação, como dissemos anteriormente. Na lógica econômica, os moradores do bairro são tendenciosos a se tornarem usuários pela conveniência econômica e não pela lógica solidária. Como não há controle, não há tributação e, por isso, a moeda palma concorre com a moeda nacional.

A estrutura criada pela Asmoconp excede o conceito de simples rede de trocas da economia solidária. A moeda palma cumpre a função de unidade de medida, reserva de valor e meio liberatório. Dessa forma, o Banco Palmas, ao emitir essa moeda, está contrariando a política monetária, o poder exclusivo da União de emi-tir moeda, além de inflar o mercado, uma vez que cabe à autoridade monetária contrair ou expandir o volume da moeda na economia.

No art. 17 da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, a definição e competên-cias das instituições financeiras é:

Consideram-se instituições financeiras, para efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

O Banco Palmas, na verdade, não é uma instituição financeira, pois não perten-ce ao Sistema Finanperten-ceiro Nacional, nasperten-ceu de um projeto da Asmoconp, contudo, ele funciona como tal, mesmo sem possuir autorização para funcionar como banco. A intenção de funcionar como uma instituição financeira, sem submeter-se ao contro-le estatal e contro-legislativo, comprova-se nas seguintes afirmações do Sr. Joaquim Melo, coordenador do Banco Palmas:

(26)

barra pesada muito grande: a incerteza se o negócio vai dar certo e se o pessoal vai pagar.

(...)

Então, nós estávamos acostumados com o social, com as lutas sociais. Pra passar disso prum [sic] banco é uma coisa totalmente diferente, porque você muda do social para o econômico.32

Nem mesmo as instituições financeiras podem criar e emitir moedas sem autorização, como ocorre no Banco Palmas. Este, além de funcionar como insti-tuição financeira, interfere na política monetária, assumindo o papel do próprio Banco Central.

5 CONCLUSÃO

Os problemas encontrados na prática com moedas sociais poderiam ser superados caso houvesse regulação e fiscalização. Com a propagação dessas experiências mone-tárias – como ocorreu no Conjunto Palmeiras, onde a moeda social circula e se reproduz sem qualquer controle ou limite – teríamos inúmeros pequenos centros autônomos emissores de moedas distintas em seus valores, formas e regras.

O poder público mantém uma postura omissa em relação a esse tipo de ativida-de econômica, talvez porque, mesmo caracterizando um ilícito civil, a emissão ativida-de moedas sociais eleva o poder de compra dos usuários.

Não se tem qualquer garantia no que tange à eficácia dessa experiência com moeda social. E mais, já se passaram mais de cinco anos após a fiscalização do Banco Central: tal prática, originalmente de cunho social, pode estar, atualmente, funcio-nando apenas em função de objetivos econômicos e sem autorização.

Não se pode negar que as experiências de economia solidária, inclusive a gerida pela Asmoconp, estão inseridas no sistema capitalista neoliberal, e, portanto, dificil-mente elas estariam protegidas dos valores capitalistas. Não são uma forma econômica alternativa que fique a salvo deste sistema econômico.

Como afirmou Marusa Freire (2007), o sistema de moeda social deverá obede-cer um curso normal, qual seja: formar um círculo fechado. Dessa forma, caso ultrapasse os limites daquele grupo, a moeda social provocará efeitos monetários. O que dizer em relação a alguns transportes públicos que aceitam a moeda palma? Como o trajeto do transporte público não se limita ao bairro, a moeda social está chegando a lugares e a pessoas não mensuradas.

(27)

Em outras palavras, o que está ocorrendo no Conjunto Palmeiras usurpa uma das prerrogativas atribuídas, por lei, do Banco Central do Brasil, qual seja a emissão de moedas privadas, ditas solidárias.

Como prova disso, algumas afirmações do Sr. Joaquim Melo, indicadas no capí-tulo anterior, deixam transparecer que o projeto pretende que o Banco Palmas funcione como um banco comercial com foco meramente mercantil.

Não se pode olvidar a taxa de administração de três por cento, descontada pelo Banco Palmas do valor das compras realizadas pelos consumidores por meio do Palmacard. Sem dúvida, isso não poderia ocorrer em uma economia solidária, de cunho social, onde todos são voluntários.

É necessário que o Poder Público tenha uma posição frente à emissão de moedas sociais, seja para regular ou para proibir, antes mesmo de se tornar uma situação incontrolável, que porá em risco a ordem econômica.

: ARTIGO APROVADO(20/12/2010) : RECEbIDO EM04/05/2010

NOTAS

* Este artigo é resultado de uma pesquisa que teve apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

1 O termo moeda deriva do latim moneta(lugar onde se cunhavam moedas em Roma, no Templo Juno Moneta).

2 O conceito de moeda que norteou nossa pesquisa é o que nos trás Ronald Hillbrecht: “Moeda é tudo aquilo que

as pessoas aceitam como pagamento por bens e serviços e como pagamento de dívidas” (1999, p.17).

3 Teoria econômica da Idade Moderna.

4 A Espanha foi um dos países fortemente influenciados pelo metalismo.

5 A expressão “nominalismo” tornou-se conhecida pelo autor Georg Friedrich Knapp (1842–1926) em sua obra

Staatliche Theorie des Geldes[Teoria estatal da moeda] publicada em 1905, na Alemanha.

6 Menger apud Soares, 2006, p. 52, 54.

7 Knapp apud Wray, 2003, p. 45.

8 Ao analisar essas teorias verifica-se uma imprecisão sobre o que vem a ser dinheiro e moeda, de modo que os

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