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Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 3 8 ( 3 ) :2 6 7 -2 6 9 , mai-jun, 2 0 0 5
COMUNICAÇÃO/COMMUNICATION
Creche: ambiente expositor ou protetor nas infestações
por parasitas intestinais em Aracaju, SE
Children day care center: exposition or protection environment to intestinal
parasites infestation in Aracaju, SE
Ricardo Queiroz Gurgel
1, Gileno de Sá Cardoso
2, Ângela Maria Silva
3,
Lucio Novais dos Santos
4e Rosana Cristina Veiga de Oliveira
4RESUMO
Pa r a a va li a r s e c r e c h e s s ã o a m b i e n te s p r o te to r e s o u p r o p i c i a d o r e s d e i n f e s ta ç ã o i n te s ti n a l, f o i f e i to e x a m e c o p ro p a ra si to ló gi c o d e c ri a n ç a s d e c re c h e e gru p o c o n tro le . Cre c h e re la c i o n o u - se à m a i o r p re va lê n c i a d e p a ra si to se s ( 6 3 % x 4 1 ,4 % ; p < 0 ,0 1 ) , c o m ri sc o d e i n f e sta ç ã o 1 ,5 ve z m a i o r.
Pal avr as-chave s: Cre c h e s. Pa ra si to se i n te sti n a l. Fa to r e x p o si to r.
ABSTRACT
The wo rk a im ed to eva lua te whether child da yca re centers a re a n enviro nm ent tha t pro tects a ga inst o r expo ses children to intestina l pa ra site infesta tio n. Sto o l sa m ples were a na lyzed fro m children a ttending such centers a nd a co ntro l gro up. It wa s co ncluded tha t a ttending da yca re centers is rela ted to intestina l pa ra sito sis ( 630% vs. 41.4 %; p < 0.01) a nd the risk o f infesta tio n is 1.5 tim es higher.
Ke y-words: Ch i ld d a yc a re c e n te rs. In te sti n a l p a ra si to si s. Ex p o su re f a c to r.
1 . Disc iplina de Pediatria do Departamento de Medic ina da Universidade Federal de Sergipe, Arac aj u, SE. 2 . Disc iplina de Parasito lo gia Humana do Departamento de Mo rfo lo gia da Universidade Federal de Sergipe, Arac aj u, SE. 3 . Disc iplina de Do enç as Infec c io sas e Parasitárias do Departamento de Medic ina da Universidade Federal de Sergipe, Arac aj u, SE. 4 . Aluno s de Medic ina da Universidade Federal do Sergipe.
En de r e ço par a cor r e spon dê n ci a: Dr. Ric ardo Queiro z Gurgel. Avenida B eira Mar 2 0 1 6 /4 0 2 , B airro 1 3 de Julho , 4 9 0 2 5 -0 4 0 Arac aj u, SE. B rasil. e-mail: ric ardo qg@ info net.c o m.br
Rec ebido em 1 1 /5 /2 0 0 4 Ac eito em 5 /3 /2 0 0 5
As parasitoses intestinais estão intimamente relac ionadas à s c o n diç õ e s s a n itá r ia s e r e pr e s e n ta m um im po r ta n te problema de saúde públic a nos países subdesenvolvidos4.
As c r ia nç a s sã o a s m a is a c o m e tida s, po de ndo a m a io r prevalênc ia de parasitas intestinais levar a défic it nutric ional e do c resc imento pôndero-estatural7.
Em funç ão da maior urbanizaç ão e maior partic ipaç ão feminina no mercado de trabalho, as creches passaram a ser o primeiro ambiente externo ao doméstico que a criança freqüenta, tornando-se potenciais ambientes de contaminação1 2 3 9.
Este trabalho se propôs a verificar a prevalência de infestação intestinal por parasitas nas creches públicas da cidade de Aracaju, Nordeste do Brasil, e se esses estabelecimentos são protetores ou expositores para tal infestação.
Foi realizado um estudo c om seleç ão de dois grupos. Um gr upo de e s tudo ( c r e c h e ) e um gr upo c o n tr o le pa r a determinar a prevalênc ia de enteroparasitoses intestinais, na po pulaç ão de c r ianç as usuár ias de c r e c he s púb lic as de Arac aju, Nordeste do B rasil durante o ano de 2 0 0 3 . Foram estudadas dez c rec hes, sendo sorteadas duas em c ada um
dos 5 distritos sanitários de Aracaju, com o objetivo de se conseguir uma distribuição mais abrangente da população da cidade. Foram estudadas 26 crianças em cada creche selecionada escolhidas de forma aleatória. Para o grupo controle foram selecionadas crianças não freqüentadoras de creche, de mesma faixa etária ( 1 a 5 anos de idade, mediana dos dois grupos 3 ,7 anos) , moradoras das vizinhanças das crianças índice ( a mais próxima encontrada independente do gênero) , a fim de comparar a prevalência de enteroparasitoses entre os dois grupos. O tamanho da amostra foi calculado para um nível de confiança de 95%, poder do teste de 80%, relação 1:1 creche e não creche, prevalência estimada de 40% na população infantil e 30% na população de creche, que resultou no total de 260 crianças para cada grupo.
Foram aplic ados questionários padronizados para avaliar as c ondiç ões sóc io-ec onômic as familiares e as c arac terístic as estruturais das c rec hes estudadas. A pesquisa de helmintos e pr o to zo ár io s fo i fe ita atr avé s do mé to do de B lagg, c o m posterior pesquisa de ovos e c istos por mic rosc opia ótic a.
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Gur gel RQ e t al
CEP/HU/UFS. O teste do Qui-Quadr ado fo i utilizado par a comparação entre os grupos, tendo sido estabelecido o nível de signific ânc ia de 5 % ( p< 0 ,0 5 ) , e para c alc ular o risc o ou pr o teç ão das c r ianç as instituc io nalizadas fo i c alc ulado o Risc o Relativo e seu Intervalo de Co nfianç a ( IC9 5 % ) . Fo i utilizado o programa EPINFO 2 0 0 2 ( CDC, EUA) para o c álc ulo do tamanho da amostra e para a análise estatístic a.
Do total de 5 2 0 amostras previstas para análise, houve um retorno de 4 6 8 ( 9 0 %) . Não houve diferença quanto ao gênero entre os dois grupos. No total foram estudados 2 2 8 meninos e 2 4 0 meninas. A prevalência geral para pelo menos 1 parasita encontrado foi de 5 1 ,5 %. Houve maior prevalência de parasitose intestinal [ 6 3 % x 4 1 ,4 %; p< 0 ,0 1 ; RR= 1 ,5 2 ( IC9 5 % - 1 ,2 7 a 1 ,8 2 ) ] em crianças freqüentadoras de creches ( Tabela 1 ) . Esta diferenç a manteve-se tanto para helmintos [ 4 3 % x 3 1 ,4 % ; p< 0 , 0 1 ; RR= 1 , 3 7 ( IC 9 5 % - 1 , 0 7 a 1 , 7 4 ) ] , c o mo par a protozoários [ 4 3 ,3 % x 2 3 ,9 %; p< 0 ,0 1 ; RR= 1 ,8 1 ( IC 9 5 % - 1 ,3 8 a 2 ,3 7 ) ] , quando estudados separadamente ( Tabela 2 ) .
lavam as mãos após usar o banheiro e em oito delas que as crianças lavam as mãos antes das refeições. As fraldas utilizadas são lavadas nas próprias creches, sendo que apenas uma delas emprega o uso de fraldas descartáveis.
Os resultados desta pesquisa mostram uma alta prevalência de enteroparasitoses para essa faixa etária ( crianças de 2 a 6 anos de idade) na Cidade de Aracaju, com uma chance 1 ,5 vezes maior das crianças de creche estarem parasitadas. Estudos em escolares5 e na comunidade do bairro Santa Maria dessa mesma
cidade6 mostraram um perfil semelhante. Os valores relacionados
às crianças que freqüentam creches estão de acordo com Moura
e t a l8 que encontraram 6 3 ,3 % de amostras positivas em crianças que freqüentavam um centro de convivência infantil, e semelhante ao de Rivero-Rodrigues e t a l10 que encontraram a presença de
enteroparasitas em 8 3 ,7 % dos esc olares, c om um marc ado predomínio do poliparasitismo ( 7 1 ,6 %) .
Houve diferença significativa na prevalência de protozoários entre os grupos estudados ( RR= 1 ,8 1 – IC9 5 % - 1 ,3 8 a 2 ,3 7 ) , esse fato provavelmente se deve ao mecanismo de disseminação dos mesmos, que difere dos helmintos, que também tiveram risco relativo de contaminação significativamente maior entre o grupo de creche ( RR= 1 ,3 7 – IC9 5 % -1 ,0 7 a 1 ,7 4 ) por terem transmissão pessoa-a-pessoa e através de comida, água e mãos contaminadas4. A aglomeração das crianças em creches pode
ser um dos fatores que justificam a maior prevalência destes parasitas nesse grupo.
Houve diferença nas condições socioeconômicas das famílias, assim como nas condições de moradia, que em ambos os casos eram inferiores no grupo de c rec he. Os hábitos de higiene, entretanto, foram semelhantes entre os dois grupos, como lavar as mãos ao preparar a comida, ferver mamadeira e filtrar a água, mostrando tratar-se de um aspecto cultural da população.
O número de crianças por monitora variou de 1 0 a 3 0 , o que excede em muito a quantidade recomendada. Também os procedimentos de manusear os alimentos e as crianças não eram sempre adequados.
O fato de freqüentar c rec he pode expressar mais uma característica de nível sócio-econômico pior, e como as creches não estão totalmente adequadas às normas, passam a ser mais um fator de exposição às enteroparasitoses, levando a uma maior chance de infestação entre as crianças que as freqüentam.
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Tabela 1 - Prevalên cia de en teroparasitoses em crian ças freqü en tadoras de creche e seu s con troles ( Aracaju 2003) .
Resultado
positivo negativo
Grupo no % no %
Freqüentam creches 138 63,0 81 36,9
Não freqüentam creches 103 41,4 146 58,6
Total 241 5 1 ,5 2 2 7 4 8 ,5
p< 0,01 RR= 1,52 ( IC95% - 1,27 a 1,82)
Tabela 2 - Prevalên cia de helmin tos e protozoários segu n do freqü ên cia à creche, ( Aracaju 2003) .
Helmintos Protozoários
positivo negativo positivo negativo
Grupo no % no % no % no %
Freqüentam creches 104 43,0 138 57,0 98 43,3 128 56,6
Não Freqüentam creches 71 31,4 155 68,6 58 23,9 184 76,0
p< 0,01 RR= 1,37 ( IC95% - 1,07 a 1,74) RR= 1,81 ( IC95% - 1,38 a 2,37)
O nível de instrução de ambos os pais foi significativamente maior no grupo de crianças que não freqüentam creche. Essas famílias eram menores e tinham mais acesso a bens de consumo doméstico ( televisão e geladeira) e maior renda familiar. As crianças de creche significativamente moravam mais em ruas não calçadas, sem esgoto ou coleta de lixo e não lavavam as mãos antes das refeições.
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