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GESTÃO
A crise da Petrobras tem despertado um apaixonado debate sobre o papel das empresas estatais na economia. Desde março de 2014, o país discu-te os rumos da maior empresa bra-sileira. Até agora o debate tem sido mais bem ideológico (por exemplo,
propriedade pública versus privada)
ou político-partidário. No entanto, poucas têm sido as discussões foca-das em diagnósticos e soluções (La-zzarini, 2014).
Cabe avaliar em que medida a crise na Petrobras é uma crise de fal-ta de transparência na gestão? Qual tem sido o papel das políticas seto-riais e da macroeconomia – como a política tarifária no setor energético no desempenho da empresa? Ela se-guia as normas de boa governança corporativa? Qual é o estágio de de-senvolvimento no Brasil das políticas de boa governança para as estatais e quais as recomendações da experiên-cia internacional? Em última análise, o desenho de políticas efetivas para as estatais vai depender da precisão desse diagnóstico.
Antes do início da crise, a Petro-bras era percebida como uma
em-presa que cumpria com standards
internacionais de governança cor-porativa. Como resultado da aber-tura do seu capital no ano 2000, a
empresa aderiu às normas de go-vernança corporativa da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Segundo o Revenue Watch Institute, o Brasil estava em 2013 entre os países com melhores níveis de transparência e
accountability do setor de petróleo e gás (figura 1). Nesse ano (última publicação disponível do Institu-to) a Petrobras figurava entre as primeiras três empresas estatais de petróleo em termos de cumprimen-to das práticas de transparência e
accountability. Note-se ainda que o relatório do Instituto de 2011 so-bre as empresas estatais e privadas de petróleo colocou a companhia
entre as oito empresas de petróleo mais transparentes do mundo. Pou-cas empresas estatais podem contar com essas credenciais.
Uma primeira leitura permite afir-mar que a Petrobras gozava de uma boa governança. A empresa cumpria com normas internacionais e com os princípios de transparência na ges-tão dos recursos naturais. Contudo, os últimos eventos mostraram falhas significativas nos controles tanto in-ternos quanto exin-ternos da governan-ça e gestão da empresa.
Analisando-se mais detalhada-mente esses instrumentos de avalia-ção, entretanto, concluiremos que
Repensando a governança das
empresas estatais
Sebastian Azumendi
Pesquisador do Centro de Regulação e Infraestrutura (FGV/CERI)
Fonte: Revenue Watch Institute (2013).
Governança das estatais de petróleo e gás
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tais controles eram pouco efetivos e que a medição de governança tinha em conta aspectos formais, mas não práticos do funcionamento da em-presa. Com relação ao cumprimento pela Petrobras das normas da Bolsa de Valores de Nova Iorque, vemos que as diferenças entre as normas de governança corporativa das empresas americanas e as práticas de governan-ça da companhia são significativas (a Petrobras como empresa estrangeira nos Estados Unidos está obrigada a padrões mínimos de transparência).
Talvez a mais relevante discrepân-cia fosse a inexistêndiscrepân-cia na Petrobras de conselheiros independentes, o que na prática constitui uma disposição crítica para dotar as empresas esta-tais de uma gestão profissionalizada. No Brasil, a Petrobras nunca aderiu às normas de boa governança cor-porativa da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Até hoje, a empre-sa cumpre com normas mínimas da listagem tradicional, ao passo que companhias similares já aderiram ao Nível 1 de governança corporativa – a exemplo da Eletrobras.
Por último, argumentamos que a medição do Revenue Watch Ins-titute é essencialmente formal, des-considerando o funcionamento das ferramentas na prática. Um caso pa-radigmático das diferenças entre os resultados dos índices de governança e a prática é o programa de prevenção de corrupção da Petrobras. Segundo o relatório de 2011 do Instituto, a companhia estava posicionada bem acima da metade das maiores empre-sas de petróleo (estatais e privadas) do mundo em matéria de informa-ções sobre instrumentos contra a corrupção. No entanto, a estatal aprovou seu primeiro Programa de
Prevenção da Corrupção apenas em novembro de 2013.
Seria desejável ver na Petrobras, e em outras empresas mistas do Brasil, a implementação de medidas orientadas a atacar os verdadeiros problemas de sua governança. Na experiência internacional, várias empresas mistas têm tido sucesso na implementação dessas mudan-ças. No Chile, a maior empresa de cobre do mundo (a Corporação Na-cional do Cobre do Chile) mudou a composição do Conselho de Ad-ministração incluindo uma maioria de membros designados pelo Con-selho da Alta Gestão Pública. O Conselho da Alta Gestão Pública é um órgão da administração pública do Chile responsável pela indicação de funcionários de alto escalão do governo. O presidente da Repúbli-ca indiRepúbli-ca o Repúbli-candidato da sua prefe-rência entre as pessoas que constam de uma lista tríplice de membros escolhidos por suas qualificações. Na Colômbia, a empresa Interco-nexão Elétrica Sociedade Anônima
(ISA) estabelece a indicação de pelo menos 40% de conselheiros inde-pendentes. Na prática, contudo, a maioria dos conselheiros da ISA são independentes (Corporação Andina de Fomento, 2012).
A observância das fraquezas aqui mencionadas serve como base para a construção de uma política pú-blica destinada ao fortalecimento da governança e da gestão das em-presas estatais. Em essência, o siste-ma de governança de usiste-ma empresa mista deve refletir as verdadeiras necessidades de transparência e boa gestão tendo em consideração o seu contexto de atuação. Um sistema efetivo de governança deve conside-rar tanto as práticas de boa gestão do setor privado, quanto as existen-tes no setor público. Neste último aspecto, seria desejável investigar a melhor maneira de incorporar os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas e a Controladoria Geral da União, no sistema de auditoria e accountability das empresas com participação estatal.
Alguns dos componentes de uma política pública com esse propósito deveriam incluir: a sujeição das em-presas aos mais altos níveis de trans-parência financeira e não financeira; a profissionalização do Conselho de Administração e da diretoria; a atri-buição de competências específicas de controle e avaliação das estatais aos órgãos de controle, como o Tri-bunal de Contas; mecanismos efica-zes de avaliação do desempenho dos membros do Conselho de Adminis-tração e da diretoria; e, independen-te do controle acionário da empresa, dar garantias aos acionistas privados sobre o cumprimento de altos pa-drões de governo corporativo.