ENSAIOS
METODOLÓGICOS
SOBRE
RONALD
COASE
:
TEORIA
DA
FIRMA
E
DAS
INSTITUIÇÕES
JURÍDICAS
EURILTON
ALVES
ARAÚJO
JÚNIOR
Dissertação submetida ao corpo docente
da EPGE/FGV-RJ como parte dos re
quisitos para obtenção do título de
Mestre em Economia.
IV-
ORIENTADOR:Prof. Antônio Maria da Silveira
Rio de Janeiro
AGRADECIMENTOS
Gostaria de registrar alguns agradecimentos.
Primeiramente à minha família, pelo apoio e carinho recebidos.
Ao Professor Antônio Maria da Silveira, pelo competente trabalho de
orientação, pela paciência e principalmente pelo seu incomparável bom humor, que
tornou o trabalho de pesquisa e redação bem menos árido.
Aos Professores Eleutério Prado e Carlos Ivan Simonsen Leal,
membros da banca examinadora, pelas críticas consistentes que, certamente,
contribuíram para o aprimoramento do conteúdo desta dissertação.
Ao Núcleo de Computação da EPGE, pelo apoio na edição desse
trabalho. Quero agradecer especialmente o auxílio das estagiárias Andréa Queiroz
Porto e Tamara Di Bartolo.
Por fim, gostaria de ressaltar o convívio proveitoso com a turma de
mestrado de 1994, com os professores da EPGE, e agradecer paricularmente os
colegas Marcelo Leite, Sandro, Edvaldo, Guga, João Maurício, Heloísa, Lúcia e Cris
pela convivência estimulante em termos intelectuais, e lealdade demonstrada
APRESENTAÇÃO
Tradicionalmente, a pesquisa na área de metodologia da Ciência
Econômica consiste em estudar as implicações de teorias epistemológicas para a
Economia, sem se preocupar muito com o que os economistas realmente fazem. Uma
abordagem mais moderna procura lançar um olhar mais reflexivo sobre a atividade dos
economistas. Isto é, parte-se do que os economistas realmente fazem e, depois,
empreende-se uma análise filosófica. Neste contexto, a formação filosófica e o
conhecimento teórico possuem a mesma importância para a produção científica em
Metodologia. Adicionalmente, cumpre notar que são poucos os trabalhos que
procuram analisar as contribuições mais recentes à Teoria Econômica, lançando o
olhar da Metodologia para a fronteira da ciência. Assim, novas correntes e novas
áreas da Economia carecem de uma avaliação epistemológica, ainda que vaga e
preliminar. A escolha de temas já consagrados pode ser explicada pela segurança de
explorar, sob um ponto de vista metodológico, um corpo de conhecimento científico
coeso e pouco mutável. Desse modo, a análise não corre grande risco de se tornar
anacrônica ou de ser parcial. Por outro lado, o esquecimento da fronteira do
conhecimento desvia a atenção da relação entre o processo de construção da teoria e a
comunidade científica. O risco da escolha de um tema mais de vanguarda é a
superação da análise rapidamente pelo tempo, a superfícialidade por falta de elementos
mais sedimentados e os erros de julgamento a respeito do que é relevante. Apesar
disso, os frutos de uma aventura no terreno movediço do saber econômico parecem
mais que compensar eventuais pecados na análise metodológica dos temas
Um outro ponto importante é a forma com que os temas vinculados à
tradição Neoclássica são tratados, no Brasil, pelos metodologistas da ciência
econômica. Com efeito, existem trabalhos sobre Equilíbrio Geral Arrow-Debreu,
todavia muito poucos procuram incorporar elementos tais como incerteza, dinâmica,
formação de expectativas, os quais robustecem e aproximam o Modelo tradicional
Arrow-Debreu da realidade. Assim, ao considerar apenas a Teoria de Equilíbrio Geral
Estática já consagrada, muitas críticas metodológicas perdem a sua força quando a
observação é feita a um nível mais abrangente, considerando as contribuições mais
modernas.
O presente trabalho é uma contribuição à Metodologia, todavia procura
responder às críticas esboçadas nos parágrafos precedentes. De fato, trata-se de uma
análise metodológica que toma como ponto de partida contribuições próximas à
fronteira do conhecimento, e que estão vinculadas à tradição Neoclássica, sem contudo
constituir uma Teoria de Equilíbrio de Mercados. De resto, o trabalho faz um pouco
de História do Pensamento recente ao escolher Ronald Coase como fio condutor da
exposição, além de conter algumas resenhas dos temas considerados.
O trabalho toma a forma de três ensaios. O primeiro se concentra na
obra de Ronald Coase,e usa o arcabouço da Indeterminação de Sênior para avaliar a
contribuição deste pensador para a Economia. O segundo consiste numa resenha
seletiva das modernas contribuições à Teoria da Firma, a qual é usada como elemento
para a construção de uma análise metodológica, que busca estabelecer as conexões
entre o trabalho pioneiro de Coase sobre a natureza da firma, e as contribuições
posteriores a esse tema. A questão é saber qual a influência das concepções de Ronald
Coase
sobre
trabalhos
posteriores
que
buscam
explicar
o que
é a firma.
É possível
estabelecer uma relação de continuidade entre as idéias originais de Coase e esses
desdobramentos posteriores? Quais os limites dessa relação? Até que ponto as
contribuições mais novas sobre teoria da firma descendem de Coase ? O terceiro
ensaio realiza uma exposição sumária de três Modelos na área da Economia das
Instituições Jurídicas ("Law and Economics"), onde Coase também foi um pioneiro, e
como as instituições estão sendo incorporadas à Teoria Econômica, e suas implicações
para a relação entre a Economia e outras Ciências Sociais.
A guisa de conclusão, vale enfatizar a convicção de que a pesquisa em
Metodologia da Ciência é um terreno rico, desde que o foco de análise fique mais
abrangente e procure avaliar não só os fundamentos e as Teorias já consagradas como
também novas áreas, novas abordagens e contribuições de ponta, as quais,
RONALD
COASE
E A INDETERMINAÇÃO
DE
SÊNIOR
"Maynard Keynes once said that Economists are the
trustees not of civilisation but of the possibility of civilisation. If
we Economists succeed in our task let us hope that the rest of
society will take advantage ofthe opportunities thus afforded and
that a civilised life will be achieved in ali countries ofthe world"
(Ronald Coase, Discurso do Banquete Nobel em Estocolmo)
1.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é estudar o pensamento de Ronald Coase,
laureado com o prêmio Nobel de Economia em 1991, tendo como referência analítica
a indeterminação de Sênior e o vício ricardiano.
O arcabouço teórico da indeterminação , resumido na próxima seção,
será o pano de fundo para analisar o trabalho de Coase. O objetivo básico é buscar
indícios de sua consciência do quadro geral de referência da indeterminação de Sênior,
bem como avaliar se o mesmo é ou não adicto do vício ricardiano. Para tanto, a
metodologia adotada será a análise de uma amostragem significativa de sua obra,
através da coleta crítica de citações do autor em três artigos. Estas citações serão
comentadas e analisadas em consonância com o arcabouço analítico acima proposto.
Os trabalhos de Coase escolhidos são:
i) sua conferência Nobel: "The Institutional Structure of Production"
(1991);
ii) dois artigos, citados pela comissão Nobel como depositários de suas
maiores contribuições para o avanço da ciência econômica: "The Nature of the
O trabalho está estruturado em três seções, além desta introdução. A
próxima seção apresenta uma breve discussão do arcabouço teórico da indeterminação
de Sênior. Na terceira seção, procura-se apresentar as contribuições de Coase à
ciência econômica. Esta seção é basicamente uma resenha das idéias contidas nos dois
artigos citados no item (ii). Na quarta seção, são apresentadas citações e análise destas
à luz da indeterminação de Sênior e do vício ricardiano. Por fim, apresentam-se as
conclusões do trabalho e alguns comentários finais.
2.
A INDETERMINAÇÃO
DE
SÊNIOR:
Cumpre, inicialmente, tecer alguns comentários relevantes sobre a
indeterminação de Sênior.
Caracteriza-se três esferas básicas do conhecimento: a ciência abstrata, a
ciência aplicada e a arte da ciência. A ciência abstrata se preocupa fundamentalmente
em derivar resultados teóricos a partir de modelos simplificados da realidade, os quais
desconsideram uma gama enorme de elementos do real, os quais interferem
sistematicamente no fenômeno estudado, mas cuja inclusão no modelo o tornaria
intratável do ponto de vista da lógica formal. Com efeito, a lógica pura do fenômeno é
o que busca a ciência abstrata. Seu comprometimento é com a Navalha de Occam e
seu objetivo é, a partir do raciocínio lógico (não necessariamente matemático), extrair
todas as implicações e conclusões possíveis de serem derivadas de um dado conjunto
parcial de premissas.
No que respeita à ciência aplicada, esta procura incorporar vários
elementos da realidade, importantes para a compreensão do fenômeno, mas não
contemplados no corpo da teoria abstrata. Os construtos teóricos da ciência aplicada
estão bem próximos da realidade. Assim sendo, a linguagem da ciência aplicada não
pode ser a lógica pura. De fato, ao incorporar elementos do real não considerados no
campo abstrato, o conhecimento aplicado perde em generalidade. As proposições da
fenômeno contempladas pelo campo aplicado são ricas e contraditórias. Não temos,
de forma alguma, a nitidez cristalina da ciência pura, onde algo é ou não é. Aqui, há
uma região de penumbra em que as mil e uma faces do fenômeno, interagindo, podem
levar a uma configuração pouco nítida. SILVEIRA(1991, p.75) chamou a linguagem
da ciência aplicada, de dialógica. Neste contexto, teorias e explicações parciais para o
fenômeno, advindos de outros campos do saber, são bem vindas e se integram no
corpo da teoria aplicada.
Um exemplo clássico esclarece bastante a distinção entre ciência pura e
aplicada. A teoria do crescimento econômico trabalha com um conjunto mínimo de
fatos estilizados. A partir destes, constrói-se um modelo de decisão intertemporal.
Daí em diante, a lógica é usada exaustivamente para derivar novas implicações,
partindo-se dos pressupostos básicos do modelo. Contrariamente, a teoria do
desenvolvimento admite contribuições de outras ciências (Sociologia e Antropologia
especialmente), além de incorporar relações econômicas adicionais que não se
encontravam no conjunto de fatos estilizados da teoria do crescimento.
A terceira esfera de conhecimento é a arte da ciência, que consiste na
aplicação dos preceitos da ciência aplicada a situações particulares. Neste caso, a
especificidade da situação em questão, a experiência e sensibilidade do profissional
que se utiliza do conhecimento aplicado, são fundamentais. Cada caso estudado é uma
individualidade e como tal deve ser considerado.
A indeterminação de Sênior trata da impossibilidade de se aplicar as
proposições da ciência abstrata à realidade. Por mais verdadeiras que sejam, não se
pode obter diretamente conclusões normativas a partir de teorias abstratas. Todavia,
não se pode ignorar tais proposições, uma vez que as teorias aplicadas pressupõem a
contribuição da esfera abstrata em suas construções. Desse modo, as conclusões
normativas devem ser derivadas a partir do conhecimento aplicado. Contudo, as
proposições da ciência aplicada devem ser qualificadas à luz do caso específico em
ENSAIOS
METODOLÓGICOS
SOBRE
RONALD
COASE
:
TEORIA
DA
FIRMA
E DAS
INSTITUIÇÕES
JURÍDICAS
EURILTON
ALVES
ARAÚJO
JÚNIOR
Rio de Janeiro
"O vício ricardiano é justamente o hábito de extrair conclusões
normativas da economia abstrata, o hábito de ignorar a indeterminação de Sênior"
(Silveira, p.79, 1991).
2.
A CONTRIBUIÇÃO
ACADÊMICA
DE
COASE
O trabalho acadêmico de Coase não se constitui de forma alguma em
revolução no sentido kuhniano. Todavia, existem contribuições que alteraram a
paisagem do paradigma neoclássico, criando novas linhas de pesquisa e trazendo mais
realismo à ciência econômica, notadamente ao ramo da organização industrial.
O próprio autor, em sua conferência Nobel, faz um apanhado de sua vida
intelectual, situando seu trabalho no contexto do desenvolvimento da ciência
econômica desde Adam Smith. De fato, a tradição neoclássica teve como agenda de
pesquisa o aprimoramento e o enquadramento, nos cânones do formalismo
matemático, das proposições básicas smithianas acerca da eficiência dos mercados e
do funcionamento do sistema de preços. O projeto de pesquisa abstraiu
completamente o ambiente institucional no qual as transações de mercado se
verificam.
Essa abstração simplesmente impediu a economia neoclássica de
fornecer explicações para fenômenos básicos, como surgimento das firmas. Com
efeito, formular uma teoria para o surgimento da firma nunca foi uma questão
explicitamente colocada pela ortodoxia neoclássica. Na verdade o arcabouço teórico
construído foi idealizado para estudar outros fenômenos e não para responder esta
indagação.
A primeira grande contribuição de Coase encontra-se no artigo "The
Nature of the Firm" (1937). Neste trabalho, o autor fornece uma explicação para
duas questões básicas:
a) por que existem firmas?
A firma sempre foi a unidade de análise básica da microeconomia
neoclássica no que concerne à produção. Apesar de seu papel importante, a unidade
firma era uma abstração, sem nunca ter sido encarada enquanto fenômeno econômico.
Enxergando a firma como um fenômeno a ser entendido, nenhuma explicação para sua
emergência é razoável no contexto da teoria neoclássica anterior a Coase. Com efeito,
o sistema de preços, no mundo da ortodoxia econômica dos anos trinta, era capaz de
fornecer coordenação perfeita no que se refere aos problemas de alocação de recursos.
Se esta proposição fosse verdadeira, qual seria o papel das firmas no mercado? No
arcabouço teórico do neoclassicismo, não havia nada que explicasse a existência das
firmas e seu papel alocativo. Buscando responder a esta indagação, Coase trouxe à
ordem do dia a noção de custos de transação. Sem embargo, ele simplesmente situou
a firma num ambiente institucional e verificou que existem custos para entrar e sair de
contratos. Ou seja, o uso do sistema de preços para alocar recursos possui um custo
implícito. Estes custos são explicados pela racionalidade limitada dos agentes.
Sem dúvida, contratar o uso dos fatores, via mercado, exige aquisição de
informações, processamento destas e operacionalização de uma barganha (negociação)
entre as partes envolvidas.
Dessa forma, a coordenação de recursos administrativamente, a nível
interno, na firma, sempre ocorrerá quando os custos de transação forem elevados em
relação aos custos de prover uma estrutura organizacional capaz de alocar recursos.
Ou seja, a firma fornece um método de coordenação alternativo ao mercado. Este
método também é custoso e, por vezes, imperfeito. Contudo, é capaz de permitir que
uma dada configuração de alocação de recursos, inviável via mercado, já que
demandaria um custo de transação elevado, ocorra. Assim, a necessidade de se evitar
custos de transação elevados, impostos pelos mercados, é o que fundamenta a
existência das firmas, "locus" onde recursos são alocados através de decisões
administrativas.
Com base na idéia de custo de transação, também se pode explicar o
fenômeno de expansão das firmas. A firma se expande até o ponto no qual o custo de
mercado. A firma se caracteriza pela latitude para decisões criadas a partir de uma
família de contratos abertos, incompletos em termos de especificação e obrigações em
detalhe. A firma é, de fato, um conjunto de contratos que se liga ao mundo exterior
através de outros contratos, ocasionando uma distribuição específica de direitos e
obrigações ("property rights"). A firma, na visão de Coase, deve ser entendida
enquanto elemento da estrutura institucional da economia, que pode ser explicada
pelo custo relativo de diferentes arranjos institucionais, e pelo esforço dos agentes
econômicos em manter o custo total de transação dentro de um nível mínimo aceitável.
Em suma, os custos de transação explicam o fenômeno da existência de firmas. Se
tais custos fossem virtualmente nulos, não existiriam firmas e a alocação de recursos
se daria via contratos entre indivíduos, havendo então um único tipo de arranjo
institucional.
Um ponto interessante, ressaltado por Coase em sua conferência Nobel, é
que a explicação da emergência de uma instituição social, através de custos de
transação, já havia sido dada pelos economistas no que se refere ao aparecimento da
moeda. Contudo, o reconhecimento da faceta institucional da economia ficou restrito
à elucidação do porquê da moeda. Os economistas neoclássicos esqueceram
completamente de considerar o papel dos arranjos institucionais em outros contextos.
A segunda grande contribuição de Coase se refere à Economia do Bem
Estar. No artigo "The Problem of Social Cost" (1960), o autor analisa e critica a
solução de Pigou para o problema da externalidade. Esta solução é a assertiva clássica
de que o governo deve intervir, restringindo os agentes econômicos responsáveis pela
geração de externalidades negativas. O mecanismo seria o uso da tributação ou de
legislação específica, dificultando e tornando mais custosa a ação do agente
responsável por efeitos nocivos do ponto de vista social. Coase ressalta que o
problema da externalidade é simétrico. Se A causa danos a B, restrições a A em
benefício de B causam danos a A. A questão fundamental é saber dos males qual o
menor, em termos de custo social, olhando a situação em sua totalidade.
Na ausência de custos de transação, este problema será resolvido pela
única condição é que os direitos de propriedade estejam bem definidos. Este é o
chamado "Teorema de Coase", termo cunhado por Stigler.
O raciocínio econômico é o seguinte: se os direitos de propriedade estão
bem definidos e os custos de trasação são nulos, há a possibilidade de contratos
voluntários. A melhor situação para ambas as partes será atingida por livre
negociação. O uso dos recursos não depende da alocação inicial em termos de direitos
e obrigações, sendo a produção sempre eficiente.
No mundo sem custos de transação, a legislação que garante direitos a
indivíduos, determinando uma dada configuração de dotações iniciais de direitos e
obrigações, não faria sentido em termos de uso de recursos, pois os indivíduos
entrariam em acordo voluntariamente, tomando por base a distribuição inicial de
direitos. Isto posto, a solução de Pigou é incoerente. O mundo Pigouviano é o mundo
neoclássico tradicional, onde inexistem custos de transação, logo a proposição da
necessidade de intervenção governamental é descabida, uma vez que o pacto
voluntário entre indivíduos que os leve a uma situação eficiente de Pareto ocorrerá
indubitavelmente.
Cumpre notar que o 'Teorema de Coase" só se verifica quando direitos e
obrigações estão bem definidos, num mundo de custos de transação nulos. Nas
sociedades que operam fora dessas condições ideais, a ação do governo, via
regulamentação, tributação ou subsídios, pode levar a uma alocação de recursos mais
eficiente que o mercado, uma vez que a transferência de direitos via contrato não
ocorre sem custos. Todavia, a ação governamental nem sempre conduz a uma
alocação que seja a mais eficiente possível.
Efetivamente, custos de transação restringem as negociações de direitos
via mercado, afetando, portanto, as decisões de produção. Deste fato, conclui-se que a
dotação inicial de direitos será importante para a alocação de recursos. O problema
social relevante, portanto, é obter a melhor distribuição inicial de direitos entre os
membros da sociedade. Neste contexto, o sistema legal, ao estabelecer esta
distribuição inicial, passa a ser algo de importância capital para o funcionamento das
bens e serviços são comprados e vendidos. O mercado é também um ambiente
institucional onde direitos, que garantem a possibilidade de se seguir certos cursos de
ação estabelecidos pelo sistema legal, são transacionados. Num mundo onde existem
custos de transação, a troca de direitos de tal modo a se obter produção máxima fica
emperrada, estando os direitos e privilégios dos indivíduos e instituições basicamente
determinados pela legislação vigente. Ao estabelecer tal legislação, o sistema jurídico
controla em certo sentido, o sistema econômico.
Ao formular sua teoria sobre o papel do ambiente jurídico nas relações
econômicas, Coase reconhece a simbiose existente entre as forças econômicas e as
demais estruturas da sociedade. Além disso, abre um novo ramo para a pesquisa
econômica, que nos Estados Unidos recebeu o nome de "Law and Economics", o qual
busca analisar o papel das instituições jurídicas nas relações econômicas. Trata-se,
pois, de uma área de fronteira entre a Economia e o Direito, que visa integrar as
instituições jurídicas e seu funcionamento nos modelos tradicionais da análise
econômica neoclássica.
Nesta seção, procurou-se apresentar, em linhas gerais, as contribuições
de Coase para o avanço da ciência econômica. O próximo passo é analisar seu
posicionamento metodológico enquanto economista, à luz da indeterminação de
Sênior.
3.
ANALISE
DO
PENSAMENTO
DE
COASE
A LUZ
DA
INDETERMINAÇÃO
DE SÊNIOR
O objetivo fundamental desta seção é abordar as concepções de Coase no
contexto da linha de pesquisa da indeterminação de Sênior. Procura-se, através da
análise de citações colhidas nas principais obras de Coase, situá-lo no quadro geral de
referência da indeterminação.
Nos que contêm as principais contribuições de Coase é difícil encontrar
questões teóricas. Todavia, é importante comentar alguns pontos referentes ao método
de exposição adotado por Coase.
Diversamente da maioria dos textos em Economia, os escritos de Coase
conseguem ter um elevado conteúdo analítico, apesar de dispensar qualquer
formalismo matemático. Coase busca expor o seu raciocínio de um modo
contrapontístico, estabelecendo paralelos e comparações com o pensamentos de outros
economistas que já estudaram o assunto em pauta. Além disso, sua exposição procura
sempre a ajuda de ilustrações, em geral, advindas de situações concretas.
As seções V a VIII do seu artigo "The problem or Social Cost" (1960)
exemplificam bem este estilo. De fato, Coase ilustra sua discussão acerca da atribuição
de direitos e obrigações às partes envolvidas, na presença de externalidades, com
decisões de tribunais americanos e britânicos. Percebe-se, pois, a sua preocupação em
se manter o mais próximo possível da realidade. A intenção parece ser a de vincular
instantaneamente a discussão teórica a situações práticas. Dessa forma, qualquer tipo
de descontinuidade entre teoria e realidade é, a um só tempo, eliminada, aos olhos do
leitor.
"The Nature of the Firm" (1937) traz referências expressas a estudos
empíricos, realizados na Inglaterra e Estados Unidos, sobre mobilidade de trabalho e
desempenho de setores específicos (têxtil, aço etc). Tais estudos corroboram, e por
vezes, ilustram os pontos teóricos desenvolvidos.
Assim, Coase faz uso explícito de ilustrações vindas de decisões judiciais
ou da história industrial. Seu estilo de argumentação não possui compromisso com
padrões de apresentação de argumentos, segundo regras fixas, guiados neutramente
pela lógica. Apesar da cadeia de idéias básicas ser efetivamente "in totum" coerente,
muitas vezes a demonstração, ainda que em termos verbais, cede seu lugar para a
ilustração. Isto nos fornece forte indício de que Coase não poderia ser enquadrado
enquanto teórico puro . Mesmo no seu "The Nature of the Firm" (1937), um artigo
que discute o porquê da existência das firmas, Coase busca trabalhar sempre com
hipóteses realistas. Sua preocupação consiste, fundamentalmente, em basear a análise
"Economic Theory has suffered in the past from failure to
state clearly its assumptions. Economists in building up a theory
have often omitted to examine the foundations on which it was
erected. This examination is, however, essential not only to
preveni the misunderstanding and needless controversy which
arisefrom lack ofknowledge ofthe assumption on which a theory
is based, but also because of the extreme importance for
Economics of good judgment in choosing between rival sets of
assumptions "
(The Nature ofthe Firm, p.331)
A citação mostra a abertura para refutações. Qualquer trabalho teórico é
altamente dependente das hipóteses iniciais, uma vez que as conclusões futuras serão
puros desdobramentos lógicos destas premissas. Assim, é importante para um
economista teórico estabelecer claramente suas premissas. Além disso, Coase nos
remete à questão do realismo das hipóteses. O autor é claramente contra a "torção-F",
termo cunhado por Samuelson, que consiste na defesa, proposta por Friedman, da
irrelevância do realismo das hipóteses de uma teoria, desde que a mesma se torne útil
para previsões.
Coase não acredita, de modo algum, na visão instrumentalista da ciência,
advogada por Friedman, e estabelece a importância do bom senso na escolha de
hipóteses realistas. Naturalmente, é fundamental que o resultado do trabalho teórico
esteja em consonância com a realidade observada; a citação abaixo corrobora esse
ponto.
"It is hoped to show in the following paper that a
definition ofafirm may be obtained which is not only realistic in
that it corresponds to what is meant by a firm in the real world, but
is tractable by two of the most powerful instruments of economic
analysis, developed by Marshall, the idea ofthe margin and that of
substitution (...)"
Além da preocupação em manter o construto teórico o mais próximo do
real, Coase não vislumbra um rompimento com a análise neoclássica. Ao contrário,
empreende a tentativa de formular teorias mais realistas, nas quais as ferramentas
analíticas do marginalismo continuem sendo válidas.
No artigo "The Problem of Social Cost" (1960), Coase analisa a
importância da determinação de direitos e obrigações para o funcionamento do sistema
econômico. Este artigo foi motivado por aspectos de Política Econômica concernentes
à necessidade, ou não, da intervenção governamental em situações envolvendo
externalidades. Trata-se de uma contribuição para a Economia Aplicada. No decorrer
da argumentação, o autor enfatiza as especifícidades de situações concretas,
destruindo, com ilustrações de casos jurídicos, a proposição de caráter geral de que a
intervenção governamental é sempre a melhor alternativa, pois é capaz de reduzir a
diferença entre produto privado e o produto social. Fica patente, na forma de
argumentar, que o autor está consciente da natureza mais específica dos problemas de
política econômica, os quais não podem ser tratados de modo geral, de acordo com
princípios absolutos. Neste contexto, Coase afirma:
"A better approach [em relação à formulação de políticas
econômicas] would seem to be to start our analysis with a
situation approximating that which actually exists, to examine the
effects of a proposed policy change and to attempt to decide wheter
the new situation would be, in total, better or worse than the
original one. In this way, conclusions for policy would have some
relevance to the actual situation "
(The Problem of Social Cost, p.43)
É clara
a ênfase
na especificidade
de cada
medida
de política
econômica,
e na necessidade de se olhar abrangementemente para o efeito global que a mesma
pode provocar. Qualquer decisão, baseada em princípios teóricos gerais, a qual ignore
a relevância das especifícidades, é um exemplo de vício Ricardiano. Dessa forma, a
tradição Pigouviana sobre o problema da extemalidade, ao negar a especificidade de
A discussão, nas páginas 32 e 33 do artigo "The Problem of Social
Cost", se refere aos efeitos de se responsabilizar uma empresa de transporte
ferroviário por incêndios, provocados pelas faíscas advindas da operação dos trens, em
áreas de plantio vizinhas à ferrovia. Esta discussão demonstra claramente o papel das
especificidades e conclui que, dependendo da situação, poderá ser pior ou melhor para
a sociedade responsabilizar ou não a empresa pelos danos provocados pelos incêndios.
Ou seja, a aplicação cega da máxima de Pigou, a parte que sofre os danos deve ser
necessariamente compensada, pode, em certas situações, não ser a melhor alternativa
para a sociedade.
Novamente, no que diz respeito às questões de Política Econômica,
Coase assume posição atuante no combate ao vício Ricardiano, ainda que não o
formule nos termos schumpeterianos.
Até agora, apesar de suas contribuições à Teoria da Firma, pode-se
caracterizar Coase enquanto economista aplicado e não sujeito ao vício Ricardiano. A
maneira de estruturar a argumentação, a ênfase no realismo e na conexão com
situações concretas, como também seu posicionamento no campo da Política
Econômica corroboram esta asserção.
O conteúdo da conferência Nobel de Coase nos fornece novos indícios
que apoiam a sua posição enquanto economista aplicado. Ademais, fica patente a sua
consciência relativamente ao conteúdo do quadro geral de referência da
indeterminação. Passemos, então, à análise desta conferência.
Inicialmente, vale a pena considerar a seguinte passagem:
"What is studied is a system that lives in the ,minds of
economists, but not on earth. I have called the result "blackboard
economics". The firm and the market appear by name but they
lack any substance. The firm in mainstream economic theory has
often been described as a "black box ". And so it is. This is very
extraordinary given that most resources in a modem economic
system are employed within firms, with how these resources are
used dependent on administrative decisions and not directly on
the operation ofa market.
A citação acima se refere ao estado das artes em Teoria da Firma, antes
da publicação do seu artigo de 1937. O que parece um ataque à Economia no seu
nível teórico, é, de fato, algo mais sutil. Coase não reclama do fato de que os
construtos da ortodoxia neoclássica são abstratos. O que ele enfatiza é a discrepância
entre a entidade abstrata, firma neoclássica, e o fenômeno econômico real. O "black
box" era uma abstração inadequada, pouco realista. A firma encarada como um
conjunto de contratos também é concepção abstrata. Todavia, esta abstração possui
um grau de aderência maior à realidade. Isto posto, Coase reconhece a existência do
nível teórico da economia e sua relevância. A crítica se refere à escolha das hipóteses
e ao compromisso que a teoria abstrata deve possuir com o fenômeno que pretende
explicar. E neste contexto que Coase propõe uma concepção de firma, que apesar de
abstrata, efetivamente guarde vínculos com o fenômeno econômico firma, existente no
mundo real.
Apesar disso, não se pode acusar a teoria neoclássica tradicional de
ausência total de realismo, pois havia uma preocupação com fatores empíricos e com o
estudo de relações tecnológicas efetivamente existentes.
Um outro ponto importante é a ênfase nos fatores extra-econômicos que
determinam o sistema econômico. Ao considerar as influências de outros setores da
vida social, Coase se posiciona nitidamente enquanto economista aplicado. No que se
refere à relação entre o mundo jurídico e a economia, Coase comenta:
"(...) the legal system will have a profound effect on the
working ofthe economic system and may in certain respects be
saidto control it".
(The Institutional Structure of Production, pp.717-718)
Coase enfatiza claramente a necessidade de premissas realistas e a
"It makes little sense for economists to discuss the process
of exchange without specifying the institutional setting within
which the trading takes place, since this affects the incentives to
produce and the costs of transaction ".
(The Institutional Structure of Production, p.718)
"The process of contracting needs to be studied in a real
world setting"
(The Institutional Structure of Production, p.718)
"What we need is more empirical work"
(The Institutional Structure of Production, p.718)
A ênfase nos dados e na importância de se observar o fenômeno é algo
palpável em Coase. Nesta conferência, ele faz referência a um grande banco de
dados, em processo de organização, com contratos e decisões judiciais americanas.
Coase participa deste projeto e parece bastante entusiasmado com o poder
multiplicador que este banco de dados pode ter em termos de fomentar trabalhos
empíricos relevantes.
Uma outra questão fundamental é a relação entre trabalho teórico e
trabalho empírico. Coase estabelece uma precedência da pesquisa empírica sobre a
pesquisa teórica, no sentido de que a Economia Aplicada alimenta a Economia
Teórica. Ou seja, no campo aplicado, as relações lógicas do fenômeno que devem ser
tratadas na esfera teórica, afloram em estado bruto. A partir das conexões reveladas
pela pesquisa empírica, a teoria iria lapidando tais conexões e formulando abstrações
realistas. A precedência estabelecida por Coase garante que o trabalho teórico, apesar
de altamente abstrato, estará vinculado ao fenômeno real. Esta relação é bastante clara
"An inspired theoritician might do as well without such
empirical work, but my own feeling is that the inspiration is most
likely to come through the stimulus provided by patterns, puzzles
andanomalies revealed by systematic gathering ofdata (...)"
(The Institutional Structure of Production, pp.718-719)
Apesar de estabelecer esta precedência, Coase, de modo algum, acusa o
trabalho abstrato (puramente lógico) de irrelevante. A citação abaixo mostra
claramente a conexão entre ciência aplicada e teoria pura.
"Indeed, once we begin to uncover the real factors
affecting the performance ofthe economic system, the complicated
interrelations between them will clearly necessitate a
mathematical treatment, as in the natural sciences, and
economists like myself, who write in prose, will take their bow.
May this period soon come ".
(The Institutional Structure of Production, p.719)
E claro o fato de que Coase não rejeita o formalismo e os economistas
matemáticos. O que ele advoga é que, antes que a lógica do fenômeno seja trabalhada
e exaurida via formulação matemática, é preciso que os elementos básicos da teoria
tenham nascido do trabalho empírico, guardando um vínculo com o real e tornando a
teoria econômica mais relevante.
Ronald Coase tem consciência dos problemas da filosofia da ciência; a
citação abaixo faz referência explícita a Thomas Kuhn e à idéia de cegueira científica.
"(...) incorporating transaction costs into standard
economic theory, which has been based on the assumption that
they are zero would be very difficult, and economists who, like
most scientists, as Thomas Kuhn has told us, are extremely
conservative in their methods, have not be inclined to attempt it".
Além desse indício de que Coase possui preocupações metodológicas, a frase
final de sua conferência Nobel reforça ainda mais a suspeita de que Coase é consciente
dos aspectos relevantes da filosofia da ciência para a Economia. Ele assim termina a
sua conferência:
"But a scholar must be content with the knowledge that
what is false in what he says will soon be exposed and, as for
what is true, he can count on ultimately seeing it accepted, ifonly
he lives long enough ".
(The Institutional Structure of Production, p.719)
Esta frase possui um sabor popperiano, ao admitir que, em economia, as
idéias sobrevivem até que sejam refutadas. Além disso, aquelas concepções que não
são refutadas por um longo período passam, finalmente, a fazer parte da teoria
tradicionalmente aceita.
Este, certamente, foi o caso das idéias de Ronald Coase, que teve a sorte
de viver o suficiente para ver suas concepções serem incorporadas à teoria econômica
neoclássica, a qual ganhou mais realismo, aumentando sua relevância para explicar o
4.
CONCLUSÃO
Ao longo deste trabalho, procurou-se apresentar a contribuição
acadêmica de Ronald Coase e analisá-la à luz da indeterminação de Sênior. A quarta
seção mostra que Coase reconhece o nível teórico e o nível aplicado como esferas
diferentes do conhecimento humano. Ademais, verifica-se que seu trabalho pode ser
enquadrado no campo da Economia Aplicada.
A grande preocupação de Coase é mostrar que a ciência econômica é
algo relevante. Sob esta ótica, apesar de reconhecer a importância da pesquisa teórica,
procura enfatizar o papel pioneiro da pesquisa aplicada. Para ele, o cientista aplicado
abre a picada na selva dos dados e observações empíricas.
Ao organizar as informações num corpo teórico difuso e que incorpora
muitos elementos, a ciência aplicada faz aflorar de modo vago a "lógica" do
fenômeno. A partir daí, cabe ao cientista puro forjar construtos abstratos, os quais
permitem a exaustão de todas as conseqüências desta lógica pura. Esta visão de
Coase busca o estabelecimento efetivo de um vínculo real entre o fenômeno e os
construtos abstratos. A pesquisa de economia aplicada é o nexo que possibilita a
existência deste vínculo. A aludida vinculação torna a teoria econômica efetivamente
importante para se compreender as modernas economias.
Ronald Coase possui consciência de que o vício Ricardiano existe.
Apesar de não fazer referência nominal ao mesmo, a condenação das proposições de
política econômica da tradição pigouviana é o exemplo mais claro da preocupação de
Coase com os efeitos, por vezes, deletérios para a sociedade, das proposições
defendidas pelos adictos do vício.
Resumidamente, Coase procura defender a relevância da economia
enquanto ciência. Neste sentido, tenta estabelecer uma vinculação mais forte entre o
fenômeno em estudo e os conceitos abstratos da teoria. Reconhece as limitações da
teoria em propor receitas gerais de política econômica. Enfatiza o realismo e a
As características do trabalho de Coase acima descritas estão vinculadas
à crença geral de que a ciência econômica é importante para a sociedade. A citação de
Coase no início deste trabalho mostra claramente que ele acredita que a atividade do
economista é socialmente útil. O objetivo de sua pesquisa é estabelecer bases mais
realistas para a Economia, o que permite ao economista entender melhor a realidade,
abrindo caminho para o exercício mais eficiente de sua função de fiador da
NOTA BIOGRÁFICA
Ronald Harry Coase nasceu em 29 de Dezembro de 1910 na cidade de
Londres, filho de um telegrafísta. Estudou comércio na "London School of
Economics", recebendo no último ano de graduação, uma bolsa para estudar a
estrutura industrial dos Estados Unidos. Este trabalho é o ponto de partida para a
formulação da Teoria dos Custos de Transação, essencialmente desenvolvida em 1932,
mas publicada em 1937 no artigo "The Nature of the Firm".
Ao retornar à Inglaterra, tornou-se professor da "London School of
Economics" em 1935. Durante a Segunda Guerra Mundial, trabalhou no Centro de
Estatística do Ministério da Guerra britânico.
Concluiu seu doutoramento em 1951 na Universidade de Londres. Neste
mesmo ano, migrou para os Estados Unidos. Neste país, foi professor das
universidades de Buffalo e Virgínia, antes de entrar para a Universidade de Chicago
em 1964.
Apesar de aposentado em 1979, continua exercendo atividade
acadêmica, na Universidade de Chicago, como "Sênior Fellow" em "Law and
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
BARZEL, Yoran & KOCHIN, Levis. "Ronald Coase on The Nature of Social Cost as
a key to the Problem of the Firm". The Scandinavian Journal of Economics,
94(1), pp. 19-31, 1992.
BLAUG, Mark. Great Economists since Keynes., Cambridge, Cambridge University
Press, 1988.
BRUNNER, Karl. "Ronald Coase - Old Fashioned Scholar". The Scandinavian
Journal of Economics.. 94(1), pp.7-17, 1992.
COASE, R.H. "The Institutional Structure of Production". The American Economic
Review.. 82(4), pp.713-719, Setembro/1992. (Conferência Nobel proferida em
Estocolmo, Suécia, em 9 de Dezembro de 1991).
COASE, R.H. "The Nature of The Firm" in Readings in Price Theory., pp.331-351.
American Economic Association, 1952.
COASE, R.H. "The Problem of Social Cost". The Journal of Law and Economics.
Volume III, pp.1-44, Outubro/1960.
SILVEIRA, Antônio Maria da. "A Indeterminação de Sênior". Revista Brasileira de
COASE E A MODERNA TEORIA DA FIRMA
"For a long time, the firm's appearance in economic
models was anorexic: more bonés than flesh. The firm was
treated as a glorified profit-making machine (...) Almost no
attention was paid to basic questions such as: how is production
organized within afirm, on whose behalfis the firm run; or, most
fundamentally what is afirm? Ofcourse, a literature has existed
on some of these questions at least since Coase's famous 1937
paper, but this wasn't integrated into the theoretical
mainstream ".
(Oliver Hart, Capital Structure as a Control Mechanism in Corporations,
p.467)
1. INTRODUÇÃO
A existência dos mercados foi um fator importante para a expansão das
economias ocidentais, levando ao crescimento econômico e ao aumento do padrão de
vida
da
sociedade.
A
sofisticação
dos
sistemas
de
produção
cria
a necessidade de
outras formas de organização, capazes de substituir o mercado, que já não é o
mecanismo mais eficiente para organizar transações quando existem sistemas de
produção multiestágio complexos. Neste contexto, surge a firma, uma instituição
fundamental para o desenvolvimento de qualquer economia moderna. A firma na
teoria econômica tradicional sempre foi encarada de modo simplório como a
caixa-preta que combina insumos de modo a maximizar o lucro. Este modelo é o que Hart
chama de firma anoréxica na citação que abre este trabalho.
De fato, a firma tradicional é uma estrutura bem construída e
aos procedimentos e aos determinantes da sua existência e funcionamento (falta-lhe
músculos, veias, sangue; enfim não se trata de um instituição pulsante e viva como são
as organizações reais de qualquer economia).
O artigo de Coase "The Nature of the Firm" inaugurou o que chamamos
de Teoria da Firma ou Teoria Econômica das Organizações. Com efeito, Coase invoca
a noção de custos de transação para explicar o surgimento da firma como instituição e
discutir os determinantes de seus limites. A firma visualizada por ele não é uma
entidade anoréxica. Pelo contrário, trata-se de um arranjo institucional, baseada numa
inextricável rede de contratos.
Depois do artigo de 1937, surgiu uma vasta literatura explorando vários
aspectos da firma. A ênfase estava no papel dos custos de transação e nas relações
contratuais existentes entre as unidades componentes da firma. Contudo, estas teorias
eram dispersas e não conseguiam ser integradas no corpo da teoria neoclássica.
Muitos trabalhos eram de cunho qualitativo e não empregavam categorias teóricas
padronizadas da análise econômica. A literatura moderna sobre incentivos e a teoria
dos contratos incompletos vem permitindo a integração das idéias acerca das razões
para a existência das firmas de modo coeso, Atualmente fala-se em Análise
Econômica das Organizações ("Economics of Organizations") como campo de
pesquisa distinto, independente, não mais um mero capítulo da organização industrial.
Adicionalmente, os modelos contratuais da Firma são usados em Finanças
Corporativas para estudar decisões de investimento, estrutura de capital e
financiamento das corporações.
Note que foi o trabalho pioneiro de Coase que desencadeou o estudo da
firma enquanto instituição e como fenômeno a ser explicado pela teoria econômica.
O objetivo deste trabalho é esboçar a trajetória das concepções sobre a firma a partir
do artigo de Coase de 1937.
Inicialmente, fazemos uma resenha seletiva das principais contribuições
à moderna teoria da firma. Não se trata de uma revisão completa da literatura.
Deixamos de fora os trabalhos vinculados a estudos de caso, os temas associados a
que buscam enriquecer a análise da firma, considerando aspectos operacionais,
tentando teorizar sobre as modernas formas de organização, principalmente sobre
aspectos associados à questão da flexibilidade e à firma japonesa. O foco desta breve
revisão da literatura será a questão do porquê as firmas existem ou ainda o que é a
firma? Neste sentido serão enfatizados os trabalhos de Alchian & Demsetz (1972) e
os modelos derivados da abordagem de contratos incompletos: Grossman & Hart
(1986) e Hart & Moore (1990).
Em seguida, procuramos discutir a relação entre as idéias de Coase e as
concepções modernas sobre a firma. Avaliamos se existe ou não uma relação de
continuidade entre a visão existente em "The Nature of the Firm" e as formulações
posteriores. Analisamos os elementos importantes que tais concepções adicionaram às
idéias
de
Coase
e em
que
sentido
estas
novas
teorias
alteram
a visão
por
ele
preconizada , ou se são apenas uma mera operacionalização desta visão.
Por fim, a conclusão resume os principais pontos abordados e discute um
pouco mais até que ponto existe, efetivamente, uma teoria da firma ou se estamos
apenas iniciando um processo de construção dela, o qual só futuramente estará
integrada, por completo, à teoria neoclássica.
2. TEORIAS DA FIRMA
Nesta seção faremos um breve resumo de certas idéias seminais para a
compreensão da firma enquanto fenômeno econômico.
Trataremos dos seguintes tópicos:
a) a tradição dos custos de transação: a abordagem de Olliver
Williamson;
b) a firma e a teoria da produção em equipe;
c) a abordagem contratualista qualitativa;
d) Modelos baseados na teoria dos contratos incompletos;
Novamente, assinalamos que as concepções (b) e (d) serão tratadas com
mais detalhe neste trabalho, uma vez que estas idéias constituem a base para uma
concepção da firma capaz de ser integrada à teoria econômica convencional.
As abordagens de custo de transação e contatualista qualitativa foram
bastante importante, especialmente para trabalhos de natureza empírica e estudos de
caso. Todavia, é difícil a construção de um sistema analítico a partir de tais
concepções. Finalmente, tocaremos levemente nos modelos que buscam enriquecer a
visão econômica da firma, incorporando questões organizacionais (burocracia,
comunicação entre unidades, hierarquias e conflitos internos, etc.) e operacionais
(flexibilidade, qualidade, estrutura de promoção de trabalhadores, etc...). De fato,
existe uma tendência dos economistas a enveredar por questões outrora restritas à
ciência da administração e sociologia das organizações. Esta tendência terá
influência marcante na visão atual que os economistas possuem sobre o que vem a ser
a firma.
2.1 A tradição dos custos de transação: A abordagem de Williamson
Segundo Williamson, as firmas são uma das formas institucionais do
capitalismo, juntamente com os mercados e uma gama variada de relações contratuais.
Estas instituições têm como objetivo básico, porém não único, a economia dos custos
de transação. A análise de qualquer problema organizacional deve ser formulada
enquanto um problema de contrato. Todavia, a ênfase é empregar a abordagem
contratualista como meio para promover o estudo do problema em questão em termos
de redução de custos de transação (qualquer custo associado à operação do sistema
econômico). Para Olliver Williamson a abordagem via custos de transação possui as
seguintes vantagens:
i) permite uma análise institucional comparativa;
ii) reconhece a importância das hipóteses comportamentais sobre os
agentes da economia, bem como o papel da especificidade de certos arivos para a
iii) enfatiza os aspectos contratuais ex-ante e também ex-post.
Com efeito, as inovações organizacionais podem ser comparadas no
sentido de que um arranjo institucional é superior a outro se permite maior economia
em termos de custo de transação. No que se refere às hipóteses comportamentais,
Williamson deixa claro seu reconhecimento de que a racionalidade dos agentes é
limitada (não se trata de limitação em termos de informação, mas sim de uma
limitação cognitiva para processar informação e tomar decisões). Enfatiza também o
oportunismo, entendido como busca insaciável do seu próprio interesse, como gênese
de boa parte da incerteza que acompanha as transações em uma economia. A
especificidade dos ativos, ou seja, o fato de que existem investimentos extremamente
importantes para uma transação, mas cujo uso alternativo agrega pouco valor a outras
transações, é considerado elemento fundamental para se chegar a um arranjo contratual
que, efetivamente, economize em custos de transação. Além disso, assegure que não
haverá oportunismo por parte de quem transaciona com alguém que investiu num ativo
específico àquela negociação.
Williamson considera que sua abordagem da firma incorpora o papel dos
direitos de propriedade e os incentivos aos agentes, focalizando o que chama de
"Governance Structure", isto é, os arranjos contratuais internos, capazes de
economizar em termos de custo de transação e salvaguardar as partes envolvidas de
qualquer oportunismo, permitindo uma resposta rápida a qualquer contingência,
advinda da incerteza com relação ao comportamento dos agentes e à natureza dos
distúrbios que podem atingir a firma. Apesar da ênfase nos aspectos "ex-ante", não se
perde de vista a importância dos tribunais na resolução de conflitos "ex-post". A firma
é, em suma, um arranjo contratual para reduzir custos de transação que deve levar em
2.2 A Firma e a Teoria da Produção em Equipe
Apresentaremos o modelo proposto por Alchian & Demsetz (1972).
Estes autores discutem a produção em equipe, procurando responder até que ponto a
necessidade de mensurar e controlar os ganhos e a produtividade da equipe é capaz de
induzir a forma contratual chamada firma.
Na produção em equipe é bem mais complicada a mensuração da
produtividade marginal e o pagamento dos fatores, segundo este critério, uma vez que
na equipe :
i) vários tipos de recursos são usados;
ii) o produto não é o somatório de produtos separáveis de cada recurso
envolvido no processo de cooperação;
iii) nem todos os recursos usados pertencem a uma única pessoa
Pode-se ter uma idéia disto através da observação do comportamento de
cada insumo individual. Existem pistas acerca da produtividade de cada insumo, mas
estas não são de forma alguma conclusivas em termos absolutos.
Se os custos para identificar estas pistas e a partir delas inferir o grau de
contribuição de cada insumo forem baixos, os membros da equipe não possuirão
incentivo para trapacear. Todavia, se tais custos são consideráveis, cada membro
tentará impor aos outros um custo adicional, não empregando seu insumo da forma
mais produtiva.
Isto posto, a produção em equipe será usada quando produz o suficiente
para cobrir os custos de organizar e disciplinar seus membros, evitando o oportunismo.
Os autores criticam a visão tradicional da firma,, caracterizando-a
enquanto forma de organização onde imperam a ação disciplinar superior e a
autoridade, em contraste com os mercados. Porém, a firma não possui controle
absoluto sobre todos os seus insumos ( não possui autoridade sobre seus fornecedores,
por exemplo) e no mercado existe, de fato, autoridade e disciplina. Logo, uma
diferença em termos de graus de autoridade e disciplina não caracterizaria, de forma
Entender a firma como um grande contrato de longo prazo, sem
qualificar aspectos específicos do mesmo, também não é a melhor maneira de
responder à indagação sobre o que é a firma. Sem embargo, existem contratos de
longo prazo, também, na esfera dos mercados. Os autores, todavia, não abandonam
esta visão contratualista, herdada de Coase, por completo. Eles a qualificam e definem
a firma como "a centralized contractual agent in a team production process"(p.778).
Ou seja, o que caracteriza a relação contratual firma é o uso, por uma equipe, dos
insumos e a posição centralizada de alguma parte deste arranjo contratual em relação
às demais. A necessidade da centralização (atividade de coordenação) reside na
dependência existente entre o desempenho da organização e sua capacidade de
compatibilizar
produtividade
e a distribuição
de
ganhos.
É preciso
que
os
membros
mais produtivos sejam reconhecidos e remunerados a contento. A teoria da
distribuição segundo a produtividade marginal não enfrenta o problema de frente, já
que não teoriza acerca do processo de coordenação que operacionaliza esta
distribuição. Teorizar sobre sistemas de incentivos que sejam capazes de estimular
uma dada resposta em termos de produtividade é algo central em qualquer Teoria
Econômica da Organização.
Isto posto a concepção de produção em equipe é descrita nos seguintes
termos :
Considere a função de produção Z = f (x,,..., xn). Somente pela
observação do produto é impossível avaliar a contribuição individual de cada insumo
para a geração do produto. Ou seja, o produto é da equipe, não podemos separá-lo em
porções, cada qual advinda de um membro particular da equipe. Logo:
Õ2Z
õx,dxj
A produção em equipe será empregada se Zequipe > Z! + ... + Zn. Ou
seja, deve existir um hiato positivo entre a produção em equipe e a agregação da
produção individual . Este hiato deve ser capaz de pagar os custos de organização e de
manutenção da disciplina dos membros.
induzir
seus
membros
a trabalhar
eficientemente.
Para
chegar
a esta
concepção,
os
autores identificam o oportunismo entre os indivíduos da equipe como fator capaz de
induzir o surgimento das firmas. De fato, a impossibilidade de remuneração a partir
da observação da produtividade dos fatores leva à necessidade de um esquema de
monitoração
para
captar
indícios
da
produtividade
individual
no
processo
produtivo
conjunto. O objetivo do esquema de monitoração é identificar a contribuição de cada
fator para remunerá-lo de acordo.
Se os custos de monitoração são baixos, os membros da equipe não
possuem incentivos para executar suas tarefas de modo relapso, uma vez que podem
ser facilmente detectados e receber uma remuneração baixa. Todavia, se os custos de
monitoração são altos, há incentivo para que os membros da equipe "façam corpo
mole". A razão é que o acréscimo aos custos de monitoração, tornam o lazer
relativamente
mais
barato
que
a renda,
pois
os
custos
resultantes
da
preguição
de
um
membro são compartilhados pelos outros indivíduos da equipe, reduzindo o custo
pessoal de quem apresentou o comportamento relaxado.
Note que a produção em equipe só será vantajosa se o acréscimo de
produtividade que esta proporciona é capaz de cobrir os custos de mensuração e
disciplina.
Isto
posto,
cabe
a pergunta: quais
as
formas
de
organização
da
produção
em equipe capazes de reduzir os custos de monitoração e disciplina, sem comprometer
a efetiva
identificação
da
contribuição
individual
para
gerar
o produto
conjunto?
Para responder a esta indagação, é possível fornecer duas soluções: a
competição
(mercados)
e a figura
de
um
monitor
(gênese
para
a instituição
firma).
Vejamos,
então,
as
características
de
cada
uma
dessas
formas
de
organização
da
produção.
O mecanismo de competição entre membros potenciais da equipe
determinaria
a composião
e a remuneração
dos
partícipes
correntes.
Inexistiriam
gerentes, empregadores ou proprietários. A competição evitaria o comportamento
oportunista na medida em que detentores de fatores que não fazem parte da equipe
podem oferecê-los como substitutos dos fatores pertencentes a membros que
rendimentos auferidos pela equipe. Desse modo, os indivíduos que "fazem corpo
mole" serão demitidos e sumariamente substituídos. Assim, via mecanismo
competitivo, equipes com alta produtividade serão formadas e mantidas.
A despeito de tudo isso, um controle completo dos membros da equipe
não é possível por duas razões. A primeira é que as pessoas que desejam entrar na
equipe precisam saber em que medida sua participação pode aumentar o produto atual.
Ou seja, é preciso identificar o grau de descaso, na produção, dos membros atuais. Se
os que estão de fora podem coletar tal informação, é provável que membros atuais da
equipe reconhecerão também o grau de atitude relapsa entre si mesmos. Mas este
reconhecimento tem um custo. Logo, a competição não evitaria o mesmo custo de
coleta de informação que existiria em qualquer outro esquema de monitoração. A
segunda razão é que alguém que deseja entrar na equipe deve aceitar uma pequena
participação nos rendimentos dela ou prometer um incremento na produção. Mas isto
não reduz o incentivo do novo membro da equipe de também "fazer corpo mole" ao
substituir um membro antigo, uma vez que o custo advindo de um comportamento
relaxado continua sendo compartilhado pela equipe.
O outro método é estabelecer a figura do monitor, enquanto alguém
especializado em checar o desempenho dos membros da equipe. Mas quem iria
monitorar o monitor? A existência de um mercado competitivo para monitores seria
uma solução, mas as razões já apresentadas nos parágrafos anteriores a inviabilizam.
Uma outra solução é dar ao monitor o direito de receber os ganhos líquidos da equipe,
após o pagamento dos demais fatores. Os membros da equipe devem concordar em
dar
ao
monitor
o direito
de
receber
o produto
residual.
Garantindo
ao monitor
este
ganho, ele não tem incentivo em "fazer corpo mole" enquanto monitor. Ao monitor
caberia: medir performance, definir esquemas de remuneração via observação do
comportamento dos fatores, dar instruções sobre o quê e como fazer (as tarefas são
definidas e designadas aos membros pelo monitor) e rever, dada sua autoridade, os
termos do contrato ou incentivos de cada membro, sem necessariamente alterar os
contratos dos demais. O monitor, além de ter direito sobre o produto residual, é a
composição da equipe. Comvém mencionar que tais direitos podem ser vendidos pelo
monitor. Isto define a propriedade da firma por parte do agente que executa a função
de monitor. Ele será o dono da firma.
O empregador (proprietário da firma), por monitorar os vários membros,
adquire informação especial superior sobre seus talentos produtivos. Ele vende, em
certo sentido, essa informação para os empregados no momento em que coordena a
atividade
de
produção,
guiando
os
membros
da
equipe
de
modo
que
estes
combinam
os fatores da forma mais eficiente possível para realizar a atividade fim da equipe.
Como conseqüência deste fluxo de informação para a parte central da
teia contratual (o empregador), a firma passa a ter características análogas a de um
mercado, onde há troca de informação sobre a natureza dos insumos produtivos. Esta
troca de informação reduz sobremodo os custos de monitoração, viabilizando,
portanto, a produção em equipe. A citação abaixo esclarece melhor esse ponto:
"as a consequence oftheflow of information to the central
party (employer), the firm takes on the characteristic of an
efficient market in that information about the productive
characteristics of a large set of specific inputs is now more
cheaply available. Better recombinations or new uses of
resources can be more efficiently ascertained than by the
conventional search through the general market. In this sense
inputs compete with each other within and via a firm rather than
solely across markets as conventionally conceived. Emphasis on
interfirm competition obscures intrafirm competition among
imputs (...), the firm can be considered a privately owned market"
(p.795)
A despeito de ser longa, a citação resume a visão dos autores sobre o que
seja a firma. Efetivamente, podemos resumir a visão de Alchian e Demsetz nos
seguintes termos: a firma é um arranjo contratual com características específicas que
procura responder aos problemas de oportunismo, os quais podem ocorrer em virtude
produção
em
equipe.
Esta
solução
institucional
recupera,
em
certo
sentido,
a
característica de alocar de modo eficiente os recursos, que é algo fundamental nos
mercados competitivos.
2.3 A abordagem Contratualista Qualitativa
Esta linha teórica retoma as concepções de Coase. Não há nenhuma
inovação
no
que
diz
respeito
à explicação
fornecida
para
o surgimento
das
firmas.
Com efeito, os custos de transação explicam a emergência da instituição firma, já que
as transações via mercado tornam-se muito custosas quando se trata de organizar
fatores de produção.
A diferença está no detalhamento das relações contratuais envolvidas.
Partindo do fato de que qualquer insumo produtivo é uma propriedade privada,
sabemos que, dentro de limites bem definidos, o proprietário pode:
(i) Ter o direito de excluir outros da decisão quanto ao uso do insumo.
(ii) Ter o direito exclusivo de extrair renda do uso do fator que possui.
(iii) Ter o direito de transferir, em algum grau, o seu direito de
propriedade.
Este último fato é fundamental para o estudo da firma. Sem embargo, a
despeito
da
existência
de
firmas
ser
explicada
através
dos
custos
de
transação,
o que
caracteriza a firma enquanto instituição é uma variedade de arranjos contratuais,
forjados
para
possibilitar
a transferência
de
direitos
de
propriedade,
no
intuito
de
aumentar a renda dos proprietários dos fatores envolvidos.
Sob este prisma, o estudo da firma consiste em analisar qualitativamente,
de forma comparativa, os diferentes contratos existentes no seu interior. O principal
problema é a escolha dos contratos, a qual está restrita pelos custos de transação. Ou
seja, o que interessa é obter um arranjo contratual que, em seu conjunto, possibilite
uma renda maior para os agentes envolvidos. Todavia, este arranjo não pode
ultrapassar uma dada restrição em termos de custos de transação envolvidos na
fazem parte da firma, usando contratos, desde que estes não demandem custos de
transação elevados. Assim, o objetivo da firma não seria minizar custos de transação,
mas possibilitar uma renda maior para seus membros, sujeita a uma restrição em
termos de custos de transação.
Neste contexto, o que importa é o estudo das formas que podem ser
usadas para que o direito de uso de um insumo seja delegado a uma autoridade.
Assim, o foco de análise de qualquer teoria da firma deve ser a sinergia entre as
diversas relações contratuais.
Seguindo esta linha, Herbert Simon antecipa a literatura sobre
Principal-Agente e contratos incompletos, que será discutida a seguir. Vale lembrar que este
trabalho é de 1951, não faz qualquer referência explícita a Coase, e já explora alguns
elementos que desempenharão importante papel em futuras visões sobre a firma.
Simon procura construir uma teoria formal da relação entre empregado e
empregador. Há um contraponto entre a natureza da relação empregado-empregador e
a relação entre vendedor e comprador. O que diferencia um contrato de trabalho de
um contrato de venda é que, no primeiro, está envolvido o conceito de autoridade. De
fato, um contrato de venda é tal que o vendedor não está interessado em como a
mercadoria que foi vendida será usada "a posteriori" pelo comprador. Em
contrapartida, um contrato de trabalho envolve duas partes: o trabalhador e o patrão.
O trabalhador é compensado (recebe um pagamento) e deve aceitar a autoridade do
patrão. Este último exerce sua autoridade quando seleciona um conjunto de tarefas
que o empregado deverá executar. Tal conjunto de tarefas faz parte de uma região de
tarefas aceitáveis. Neste contexto, o trabalhador se preocupa com as tarefas que
executará no futuro. Ademais, diferentemente dos contrados de venda, não há uma
especificação precisa de qualidade e quantidade da mercadoria a ser vendida, mas sim
a determinação de uma região aceitável. A questão que Simon busca responder é em
que circunstâncias o trabalhador e o patrão serão induzidos a assinar um contrato de