R è v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s il e i r a d e M e d i c i n a T r o p ic a l 2 3 ( 1 ) : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0
MENINGITE CRIPTOCÓCICA: ASPECTOS CLÍNICOS,
EVOLUTIVOS E HISTOPATOLÓGICOS SEGUNDO A
CONDIÇÃO PREDISPONENTE
Adhemar M. Fiorillot, Regina Helena P. Lima,
Roberto Martinez, Car los E. Levy,
Osvaldo M. Takayanagui e José Barbieri Neto
D e z e s s e t e c a s o s c o n s e c u tiv o s d e m e n in g ite c r ip to c ó c ic a f o r a m a n a l i s a d o s d e p o i s d e d i v i d i d o s e m 3 g r u p o s : I. tr ê s p a c i e n t e s sem . im u n o d e f ic iê n c ia ; I I . s e is p a c i e n t e s c o m
d o e n ç a p r i m á r i a : n e o p la s i a ( 3 ) , d i a b e t e s ( 2 ) e a lc o o l i s m o ( 1 ) ; I I I . o ito p a c i e n t e s q u e d e s e n v o lv e r a m c r ip to c o c o s e d e p o i s d e 1 8 a 6 7 m e s e s d e s u b m e t i d o s a t r a n s p la n te r e n a l e im u n o s s u p r e s s ã o m e d ic a m e n to s a . A d u r a ç ã o m e d ia n a d a s in t o m a t o l o g i a a n te s d o d ia g n ó s tic o f o i m a i o r n o G r u p o I I ( 5 3 d i a s ) d o q u e n o s G r u p o s I ( 2 5 d i a s ) o u I I I ( 2 8 d ia s ) . R i g i d e z d e n u c a , c o m p r o m e tim e n to d e p a r e s c r a n ia n o s e p a p i l e d e m a f o r a m m a is
c o m u n s n o G r u p o I d o q u e n o s G r u p o s I I o u I I I , m a s f e b r e e s i n a i s n e u r o ló g ic o s f o c a i s f o r a m o b s e r v a d o s a p e n a s n o s d o e n te s d e s te s ú l t i m o s g r u p o s . A p e s a r d o p r e d o m í n i o d e
lin f ó c ito s n a m a i o r i a d o s c a s o s , f o i m a i s f r e q ü e n te n o s p a c i e n t e s c o m r im t r a n s p la n ta d o a p r e s e n ç a d e n e u tr ó f ilo s n o liq u o r c e f a lo r r a q u ia n o . A m o r t a l i d a d e ta r d i a f o i m a i o r n o s p a c i e n t e s c o m d o e n ç a p r i m á r i a e, d o s c a s o s q u e r e c e b e r a m tr a t a m e n to a n tif ú n g ic o e f e tiv o , tiv e r a m m e lh o r p r o g n ó s tic o o s p a c i e n t e s c o m tr a n s p la n te re n a l. E n c o n tr o u - s e o
c r ip to c o c o n o s t e c i d o s d o s 8 c a s o s n e c r o p s ia d o s , n o t a n d o - s e t a m b é m a f o r m a ç ã o d e g r a n u lo m a s , e x c e to e m 2 d o e n te s d o G r u p o II . A s d if e r e n ç a s o b s e r v a d a s e n tr e o s G r u p o s
s u g e r e m q u e o q u a d r o c lín ic o , a e v o lu ç ã o e o s a c h a d o s n e c r o s c ó p ic o s d a m e n in g ite c r ip to c ó c ic a s ã o m o d if ic a d o s d e a c o r d o c o m o t ip o d e im u n o d e f ic iê n c ia d o p a c i e n te .
Palavras-chaves: Criptococose. Meningite. Transplante renal. Inlecção oportu nista.
A infecção produzida pelo C r y p to c o c c u s n e o
-f o r m a n s provoca amplo espectro de resposta do
hospedeiro, compreendendo desde casos assinto- máticos à meningoencefalite ou à criptococose ge- nèralizadal 1. A virulência do agente apresenta importância menor na patogenia da doença quando comparada ao estado imune do hospedeiro, sendo que os quadros mais graves usualmente são os dos pa cientes com imunidade celular comprometida14. Em virtude do uso mais generalizado de drogas imu- nossupressoras, a população de indivíduos com al terações iatrogènicas de defesa imune tem aumentado e, com ela, tem crescido a freqüência das infecções criptocócicas, em especial a meningite^ I 5 18 19_ a casuística brasileira compreende um número
signifi-Trabalho dos Departamentos de Clínica Médica e de Pato logia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.
f Falecido em 13/07/89.
C o r r e s p o n d ê n c ia p a r a : Dr. Roberto Martinez. Departa
mento de Clinica Médica. Faculdade de Medicina. 14049 Ribeirão Preto, SP.
Recebido para publicação em 02/10/87.
cativo de pacientes e, embora haja relatos de casos de criptococose pulmonar, a forma meningítiça ou me- ningoencefalítica tem sido a mais freqüente^ 7 17 20
No presente relato, correspondente a casos de meningite criptocócica, buscou-se avaliar a presença e o tipo de condição predisponente como fatores mo dificadores da infecção. Para isto, realizou-se uma análise comparativa de aspectos clínicos, evolutivos, histopatológicos e do líquido cefalorraquiano (LCR) em 3 grupos de pacientes: sem imunossupressão aparente ou com imunodeficiência relacionada a doença coexistente ou ao uso de imunossupressores após transplante renal.
M A TERIA L E M ÉTODOS
■ F iorillo A M , L i m a R H P , M a r ti n e z , R , L e v y C E , T a k a y a n a g u i O M , B a r b i e r i N e t o J. M e n i n g i t e c r i p to c ó c i c a : a s p e c to s c lín ic o s , e v o l u t i v o s e h i s t o p a t o l ó g i c o s s e g u n d o a c o n d i ç ã o p r e d i s p o n e n t e . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0 .
imunodeficiência aparente: 3 doentes do sexo femi nino, com idade entre 27 e 40 anos. Grupo II - com doença primária potencialmente causadora de imu nodeficiência secundária: 6 doentes com idade entre 17 e 69 anos, sendo 5 do sexo masculino e 1 do feminino. Grupo III - em uso de drogas imunossu- pressoras depois de submetidos a transplante renal: 8 doentes com idade entre 23 e 41 anos, 6 do sexo masculino e 2 do feminino. A imunossupressão vinha sendo feita com azatioprina (3 a 5mg/kg de peso/dia, inicialmente, mantendo-se após 1 a 2mg/kg/dia) e prednisolona ou prednisona (1,2 a 1,5 mg/kg de peso/dia no inicio, reduzindo-se gradativamente até a dose de manutenção de 0,25 a 0,50mg/kg/dia).
O diagnóstico da criptococose foi realizado pelo teste da tinta da China (tinta Nankin - Rotring - Pelikan) e pela cultura do LCR(m eios de cultura BHI e ou Sabouraud), identificando-se o C . n e o f o r m a n s
pela assimilação de carbohidratos e pelo teste da urease. O método direto permitiu a demonstração
d essa levedura no LC R em 13 casos e no escarro em 1 caso; isolou-se o criptococo na cultura de LCR de 14
pacien tes e do sangue de 2 pacientes. O exame necroscópico foi o único método diagnóstico do caso n? 9 (Grupo II).
O tratamento específico para 13 doentes con sistiu de anfotericina B em dose total de 830mg a 4790mg, 9 dos quais receberam também 5 -
fluorci-tosina, em dose diária de 3g a 8ge dose total de 136ga 616g. Três outros pacientes (n.°s 10,13 e 14 do Grupo III) faleceram depois de poucos dias do início do tratamento. O doente n.° 9 do Grupo II não recebeu terapia anti-fúngica.
As lâminas histopatológicas correspondentes aos casos autopsiados foram revisadas quanto à presença de leveduras e de processo inflamatório e formação de granulomas. Além da coloração hematoxilina- eosina, utilizou-se também das colorações muci- carmin e PAS para aumentar a sensibilidade da pesquisa de fungos em tecidos sem inflamação.
RESU LTA D O S
T ip o e d u r a ç ã o d a c o n d iç ã o p r e d is p o n e n te
N o grupo II, a condição predisponente consistiu de doença neoplásica (3 casos), diabetes melito (2 casos) e alcoolismo (1 caso), os quais estavam pre sentes desde 4 meses a muitos anos antes da cripto cocose (Tabela 1). A radioterapia efetuada no pa ciente n.° 4 e a quimioterapia no paciente n.° 9 podem ter contribuído para o surgimento da infecção opor tunista. No Grupo III, os 8 doentes desenvolveram criptococose depois de 18 a 67 meses (mediana = 41 meses) do transplante renal e de imunossupressão medicamentosa (Tabela 1).
Tabela 1 - Meningite criptocócica: dados clínicos e epidemiológicos de doentes sem imunossupressão (Grupo I), com doença primária associada (Grupo II) ou com imunossupressão após transplante renal (Grupo III).
Grupo Paciente Idade Sexo
Fator predisponente
Tempo de doença (dias)
(anos) Tipo Duração
I 1 27 F _ _ 25
(n=3) 2 40 F - - 18
3 39 . F - - 25
II 4 69 M Câncer de bexiga 4 meses 75
(n=6) 5 17 F Diabetes melito 11 anos 20
6 44 M Diabetes melito 36 meses 365
7 38 M D oença de Hodgkin IIIA 7 anos 30
8 56 M Alcoolismo crônico 47 anos 180
9 64 M Leucemia linfóide aguda 8 meses 20
III 10 23 M Transplante renal 53 meses 8
(n=8) 11 35 M Transplante renal 27 meses 50
12 25 M Transplante renal 19 meses 8
13 24 M Transplante renal 42 meses 10
14 41 M Transplante renal 44 meses 90
15 32 F Transplante renal 18 meses 90
16 36 M Transplante renal 40 meses 8
F i o r i l l o A M , L i m a R H P , M a r t i n e z , R , L e v y C E , T a k a y a n a g u i O M , B a r b i e r i N e t o J . M e n i n g i t e c r i p to c ó c i c a : a s p e c to s c lín ic o s , e v o l u t i v o s e h i s t o p a t o ló g i c o s s e g u n d o a c o n d i ç ã o p r e d i s p o n e n t e . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a
T r o p i c a l 2 3 : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0 .
P e r í o d o d e d o e n ç a
O período entre o inicio da sintomatologia da
criptococose e seu diagnóstico variou de 18 a 25 dias (mediana: 25 dias) no Grupo I, 20 a 365 dias (mediana: 5 3 dias) no Grupo II e 8 a 90 dias (mediana: 28 dias) no Grupo III (Tabela 1).
S in t o m a to lo g ia
Conforme m ostra a Tabela 2, 94% dos doentes queixaram-se de cefaléia e 65% de náuseas e vômitos. M enos freqüentes, porém de maior importância no diagnóstico foram as alterações de comportamento (desorientação, confusão mental, apatia, agitação) em 47% dos casos, as alterações do estado de consciência (sonolência, torpor, coma) em 35%, a rigidez de nuca em 41% , as alterações de nervos cranianos (paralisia
facial, estrabismo, desvio ocular) em 24% e o papi- ledema em 29% dos doentes. Também foram men cionados ou observados: fotofobia, diplopia, crise convulsiva, hipo ou hiperreflexia, paresia, parestesia, distúrbio da marcha, alteração do equilíbrio, afasia e incontinência urinária. N enhum a das pacientes do G rupo I teve febre mas apresentaram rigidez de nuca, papiledema e alteração de nervos cranianos em maior proporção do que nos outros grupos. N o Grupo III, inversamente, 75% dos doentes tinham febre, mas somente a minoria dos casos mostrava rigidez de nuca, papiledema e alteração de pares cranianos. O Grupo II, embora com menor ocorrência de febre entre os pacientes, mostrou-se comparável ao Grupo III. O doente np 16 (G rupo III) tinha apenas sintomatologia respiratória e nenhuma manifestação neurológica, sendo a infecção do sistema nervoso comprovada em exame liquórico.
T abela 2 - Sintomatologia dos 17 pacientes com meningite criptocócica
Grupos de Pacientes
Sintomatologia
I Sem imunos-
supressão
II
Doença primária
III Transplante
renal
Total
n? % n? % n? % n.° %
Cefaléia 3 100 6 100 7 88 16 94
Náuseas e vômitos 2 67 3 50 6 75 11 65
Febre 0 0 2 33 6 75 8 47
Alteração do comportamento 1 33 3 50 4 50 8 47
Rigidez de nuca 2 67 2 33 3 38 7 41
Alteração da consciência 1 33 3 50 2 25 6 35
Papiledema 2 67 2 33 1 13 5 29
Alteração de pares cranianos 2 67 0 0 2 25 4 24
Alterações visuais 1 33 0 0 2 25 3 18
Crise convulsiva 0 0 1 17 1 13 2 12
Outras alterações neurológicas 0 0 3 50 3 38 6 35
L í q u i d o c e f a lo r r a q u ia n o
O exame do LCR foi realizado em 16 casos (Tabela 3). Dois doentes tinham mais de 1000 células/mm3, mas os outros 14 apresentaram celula- ridade entre 33 e 328 células/mm3. Predominaram as células mononucleares, com exceção dos pacientes
F i o r i l l o A M , L i m a R H P , M a r íi n e z , R, L e v y C E , T a k a y a n a g u i O A i, B a r b i e r i N e t o J . M e n i n g i t e c r i p to c ó c ic a : a s p e c to s c lín ic o s , e v o l u t i v o s e h i s t o p a t o ló g i c o s s e g u n d o a c o n d i ç ã o p r e d is p o n e n te . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0 .
T a b e la 3 C ito lo g ia e b io q u ím ic a d o liq u id o c e ía lo rra q u ia n o in icial d e 16 d o e n te s c o m m en in g ite c rip to c o c ic a .
Grupo Paciente Nível de punção
N° de celulas
(por mm3) Neutrófi-los (%)
Linfoci-tos (%)
Monoci-tos (%)
Proteínas (mg/dl)
Glicose (mg/dl)
1 1 LO 175 1 98 1 108 71
2 SO 1830 49 48 0 176 17
i LO 149 0 100 0 20 58
Mediana: 175 1 98 0 108 58
II 4 SO 75 0 100 0 69 47
5 LO 33 0 100 0 63 18
6 LO 126 0 93 7 149 45
7 SO 1600 0 98 2 105 40
8 SO 48 1 96 3 63 89
Mediana: 75 0 98 2 69 45
IU 10 SO 44 76 22 2 63 55
11 LO 328 64 32 4 56 78
12 SO 37 0 100 0 33 62
13 LO 273 67 33 0 82 62
14 SO 121 15 85 0 97 67
15 SO 150 9 71 20 30 38
16 LO 62 0 100 0 54 54
17 LO 74 19 81 0 83 44
Mediana: 98 17 76 0 60 59
Obs.: Paciente n? 2: LCR com 3% de eosinofilos; Paciente n? 9: não foi colhido LCR; LO
C o m p l i c a ç õ e s
Além do agravamento das manifestações da meningite em alguns casos, durante a hospitalização foram freqüentes as infecções respiratórias, de vias urinárias e outras infecções piogênicas, ocorrendo também hemorragia digestiva (3 casos) e insuficiência
lombar; SO = suboccipital.
renal (1 caso). Outras complicações decorreram mais diretamente da criptococose: hidrocefalia (5 casos), trombose da artéria cerebral anterior direita (1 caso), amaurose (1 caso) e paraplegia (1 caso) (Tabela 4). N ão foram observadas diferenças quanto à incidência de complicações nos Grupo I, II e III.
Tabela 4 - Meningite criptocócica; complicações, evolução e achados necroscópicos em doentes sem imunossupressão (Grupo I), com doença primaria associada (Grupo II) ou com imunossupressão após transplante renal (Grupo III).
Grupo Paciente Complicações Evolução Órgãos envolvidos . necropsia)
I 1 Hidrocefalia Cura
-2 Broncopneumonia Obito Meninge, plexo, coróide, pulmão 3 Paraplegia Infecção urinária
Pneumonia - Insuficiência renal
Óbito Meninge, cérebro, medula espinhal, pul mão, vesícula, hipófise
II 4 - Cura
-5 Hidrocefalia - Otite - Inf. urinária Cura -6 Hidrocefalia - Pneumonia - Meningite Óbito
bacteriana - Hemorragia digestiva
Necropsia não realizada
7 Infecção urinaria Obito Meninge. cérebro
8 - Cura
-9 Pneumonia - Choque séptico Óbito Meninge, cérebro, pulmão, rim, pâncreas III 10 - Óbito Meninge, cérebro, pulmão, coração
11 Amaurose Cura
-12 Sinusite - Inf. urinária - Hemorragia
digestiva Cura
-13 Hidrocefalia - Trombose de artéria cerebral anterior D
Óbito Meninge, encéfalo
14 - Óbito Necropsia não realizada
15 Hidrocefalia - Infecção urinária Cura* Meninge, cérebro, abscesso subcutâneo* 16 Pneumonia - Hemorragia digestiva Óbito Meninge, cerebro, pulmão
17 Infecção urinária Cura
F i o r i l l o A M , L i m a k H P , M a r t i n e z , R , L e v y C E , T a k a y a n a g u i O M , B a r b i e r i N e t o J . M e n i n g i t e c r i p to c ó c ic a : a s p e c to s c lín ic o s , e v o l u t i v o s e h i s t o p a t o l ó g i c o s s e g u n d o a c o n d i ç ã o p r e d i s p o n e n t e . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0 .
M o r t a l i d a d e
Considerando a evolução imediata de todos os doentes, verificou-se mortalidade de 67% no Grupo I, 50% no Grupo II e 50% no Grupo III (Tabela 4). Tomando apenas os 13 doentes, efetivamente trata dos, as taxas correspondentes de mortalidade alteram- se para 67% (2/3), 40% (2/5) e 20% (1/5). N o período entre 3 e 24 meses do final do tratamento faleceram mais 2 pacientes do G rupo II (n? 4, de causa desconhecida, e n.° 8, após recidiva da criptococose) e
1 do Grupo III (n.° 15, de criptococose e septicemia)
A c h a d o s n e c r o s c ó p i c o s
Realizou-se a necropsia em 8 pacientes (em um dos quais, após o segundo episódio de criptococose). O sistema nervoso estava comprometido nos 8 casos e em 6 deles o criptococo foi identificado também em outros tecidos, particularmente nos pulmões (5 casos) (Tabela 4). Observou-se lesão granulomatosa ao menos em um dos tecidos infectados em 2/2 casos do Grupo I e em 4/4 casos do Grupo III. Quanto ao grupo II, ou não havia reação inflamatória (paciente n.° 7) ou esta era do tipo inespecífico (paciente n° 9).
D ISCUSSÃO
O conjunto de dados epidemiológicos, clínicos, laboratoriais e anátomo-patológicos da presente ca suística não difere do relatado anteriormente para outras séries de pacientes. Em 82% dos doentes a criptococose apresentou-se como infecção oportu nista, quer no período de imunossupressão após transplante renal, quer associando-se à moléstias pre existentes e potencialmente causadoras de defeitos na imunidade celular e na fagocitose. Dentre estas, são conhecidos fatores predisponentes da criptococose a doença de Hodgkin e outras doenças linfoprolifera- tivas9 Í l e o diabetes melito2 11. 0 alcoolismo crônico e a cirrose hepática igualmente facilitam o desen volvimento da criptococose1 ® 21 Estas doenças es tavam presentes por tempo bastante variável antes do surgimento da infecção fúngica, desde alguns meses até muitos anos antes. Nos 8 pacientes submetidos à transplante renal e imunossupressão com azatioprina e corticosteróides o período mediano entre a cirurgia e a instalação da meningite foi de 41 meses. Schroter e cols.19 observaram período comparável (mediana igual a 48 meses) em 8 transplantados que tiveram esta infecção, mas nos 10 casos relatados por Gallis e cols.6 o período mediano foi somente de 11 meses. Em todos os 8 pacientes do Grupo III a criptococose manifestou-se no período pós transplante tardio, tal como delimitado por Rubin e cols.18.
Nos casos com doença coexistente foi mais longo
o período mediano entre o início da sintomatologia e o diagnóstico da criptococose, cujas manifestações ini ciais provavelmente foram confundidas com as da moléstia primária. O curto período de sintomatologia antecedendo o diagnóstico (8 a 10 dias) verificado em 4 doentes com transplante renal pode ter resultado da maior atenção médica que recebem ou indicar formas graves de infecção, considerando-se que 3/4 falece ram. A meningoencefalite criptocócica pode ter curso fulminante em pacientes imunossuprimidos após transplante renal^, tipo de evolução que ocorreu em um desses 4 casos.
A síndrome de hipertensão intracraniana pre dominou no quadro clínico dos 3 grupos de doentes, como tem sido observado em outras séries de pacien- tes^ 21 Em relação ao grupo de pacientes não imunossuprimidos, os demais doentes apresentaram menor freqüência de rigidez de nuca, de papiledema e de envolvimento de pares cranianos, porém neles foram mais comuns a febre e vários tipos de distúrbios neurológicos. Estes dados sugerem alteração do pro cesso reacional ao criptococo, incluindo reação imune celular de menor intensidade, menos fribrosante, nos pacientes com doença primária e nos que recebem drogas imunossupressoras. O único paciente sem sintomatologia neurológica provavelmente tinha a meningite em fase de instalação, secundária ao foco pleuro-pulmonar e criptococemia.
A comparação da citologia do LCR mostrou tendência à maior participação dos neutrófilos na reação inflamatória dos doentes com transplante re nal. Neutrófilos em proporções variadas também foram encontrados no LCR da maioria dos doentes de outras casuísticas^ 1 9 Isto seria explicável pelo estágio inicial da meningite em alguns pacientes e, talvez, pela modificação da resposta inflamatória decorrente da ingestão crônica de croticosteróides. Entretanto, como se verificou com um caso do Grupo I, pacientes não imunossuprimidos, ocasionalmente apresentam predomínio de neutrófilos no LC R 17 20.
F i o r i l l o A M , L i m a R H P , M a r t i n e z , R , L e v y C E , T a k a y a n a g u i O M , B a r b i e r i N e t o J. M e n i n g i t e c r ip to c ó c i c a : a s p e c to s c lí n ic o s , e v o l u t i v o s e h i s t o p a t o ló g i c o s s e g u n d o a c o n d i ç ã o p r e d i s p o n e n t e . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e ir a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0 .
Tomando-se apenas os 13 pacientes que receberam doses eficazes de antifúngicos, o prognóstico ime diatamente após a terapia ou tardio foi mais favorável ao grupo com transplante renal.
A necrópsia de casos de meningoencefalite crip tocócica tem mostrado que a infecçào geralmente não se restringe ao sistema nervoso, encontrando-se o criptococo também nos pulmões e mesmo em outros tecidos onde sua presença não era suspeitada7 11. Nos doentes não imunossuprimidos e naqueles com trans plante renal notou-se reação granulomatosa ao fungo, mas um paciente com doença de Hodgkin e outro com leucemia aparentemente nao tinham condições imu- nológicas para a formação do granuloma. N a cripto- cocose pulmonar, Baker1 também notou a falta de reação granulomatosa nos doentes com deficiência imunológica.
Concluindo, ao serem cotejados os grupos de doentes sem imunossupressão, com doença coexis tente ou submetidos a transplante de rim, foram observadas diferenças no quadro clínico e liquórico, na evolução e nos achados necroscópicos da menin goencefalite criptocócica as quais sugerem que certas características da infecção fúngica possam ser alte radas pela presença e de acordo com o tipo de condição
predisponente.
SUM M ARY
S e v e n te e n c o n s e c u tiv e c a s e s o f c r y p to c o c c a l m e n in g itis d i a g n o s e d a t H o s p i t a l d a s C l ín i c a s o f R i b e ir ã o P r e to M e d i c a l S c h o o l ( S ã o P a u lo S ta te -B r a z il) b e tw e e n 1 9 6 9 a n d 1 9 8 5 w e r e r e v ie w e d . F o r
a n a l y s i s th e p a t i e n t s w e r e s e p a r a t e d in 3 g r o u p s : I.
th r e e p a t i e n t s w i th o u t im m u n o d e f ic ie n c y ; II. s ix p a t i e n t s w ith a s s o c i a t e d d is e a s e : c a n c e r ( 3 ), d i a b e te s ( 2 ) a n d a lc o h o li s m ( 1 ) ; I I I . E i g h t r e n a l t r a n s p la n t
r e c ip ie n ts t h a t d e v e l o p e d c r y p to c o c c o s is a f te r 1 8 to 6 7 m o n th s o f im m u n o s u p r e s s io n w ith s te r o id s a n d a z a-
th io p r in e . T h e m e d ia n in te r v a l b e tw e e n o n s e t o f s y m p t o m s a n d d i a g n o s is o f in fe c tio n w a s g r e a t e r in G r o u p I I ( 5 3 d a y s ) th a n in G r o u p s I ( 2 5 d a y s ) o r I I I ( 2 8 d a y s ) . N e c k s tiff n e s s , c r a n i a l n e r v e in v o lv e m e n t a n d p a p i l l e d e m a w e re m o r e f r e q u e n t in G r o u p I th a n
in G r o u p I I o r III , b u t f e v e r a n d f o c a l n e u r o lo g ic a l s ig n s w e re o b s e r v e d o n ly in p a t i e n t s o f tw o l a s t g r o u p s . C e r e b r o s p in a l f l u i d e x a m in a t io n s h o w e d a m i l d l y m p h o c y t ic p l e o c y t o s i s in m o s t p a tie n t s , b u t
t r a n s p la n t c a s e s h a d p o l y m o r p h o n u c l e a r c e lls m o r e f r e q u e n tly . L a t e m o r t a l i t y w a s h ig h e r in p a t i e n t s w ith u n d e r ly in g d is e a s e a n d th e p r o g n o s i s w a s b e t te r f o r t r a n s p la n t p a t i e n t s t h a t r e c e iv e d e f f e c tiv e a n tif u n g a l
th e r a p y . B e s id e s c r y p to c o c c i, a u to p s y f i n d i n g s in 8 c a s e s r e v e a le d g r a n u lo m a f o r m a t i o n in tis s u e s , e x c e p t in p a t i e n t s o f G r o u p I I ( 2 c a s e s ) . T h e d if fe r e n c e s b e tw e e n th e g r o u p s s u g g e s t th a t c l in i c a l c h a r a c te
r is tic s , e v o lu tio n a n d p o s t m o r t e m f i n d i n g s o f th e c r y p t o c o c c a l m e n in g itis a r e c h a n g e d a c c o r d in g to ty p e o f
im m u n o d e f ic ie n c y p r e s e n t e d b y th e p a tie n t .
K e y - w o r d s : C r y p to c o c c o s is . M e n in g iti s . R e n a l tr a n s p la n t. O p p o r tu n is tic in fe c tio n .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Baker RD. The primary pulmonary lymph node complex of cryptococcosis. The American Journal of Clinical Pathology 65:83-92, 1976.
2. Butler WT, Ailing DW , Spickard A, Utz JP. Diagnostic and prognostic value of clinical and laboratory findings in cryptococcal meningitis. A follow-up study of forty patients. The N ew England Journal of Medicine 270:59-67, 1964.
3. Diamond RD, Bennett JE. Prognostic factors in crypto coccal meningitis. A study in 111 cases. Annals of Internal Medicine 80:176-181, 1974.
4. Edwards VE, Sutherland JM, Tyrer JH. Cryptococcosis of the central nervous system: epidemiological, clinical and therapeutic features. Journal of Neurology, Neu rosurgery and Psychiatry 33:415-425, 1970.
5. Farias da Silva W, Travassos F, Codeceira Jr A, Rego JF. Criptococose do sistema nervoso central. Conside rações a respeito de 5 casos. Neurobiologia 31:174-185, 1968.
6. Gallis HA, Beman RA, Cate TR, Hamilton JD, Gunnels JC, Stickel DL. Fungal infection following renal trans plantation. Archives of Internal Medicine
135:1163-1172, 1975.
7. Gonçalves AJR, Lopes PFA, Pinto AMM, Lazera M, Menezes JA, Cunha RQ, Pereira AA, Wanke B, Braga MP, Clemente HA, Duarte F. Criptococose: estudo de 27 casos observados no Hospital dos Servidores do Estado - INAM PS e no Hospital Estadual Sào Sebas tião - Rio de Janeiro. Jornal Brasileiro de Medicina 46:43-63, 1984.
8. HellmanRN, Hinrichs J, SicardG, Hoover R, G oldenP, Hoffsten P. Cryptococcal pyelonephritis and dissemi nated cryptococcosis in a renal transplant recipient. Archives o f Internal Medicine 141:128-130, 1981. 9. Hooper DC, Pruitt AA, Rubin RH. Central nervous
system infection in the chronically immunosuppressed. Medicine 61:166-188, 1982.
10. Kritski AL, Gonçalves AR, Rozembaum R, Artus MC, Nogueira SA, Andrade EM, Clemente H. Criptococose do sistema nervoso central. Relato de seis casos e revisão da literatura. Revista Brasileira de Neurologia 22:171-178, 1986.
11. Lewis JL, Rabinovich S. The wide spectrum of crypto coccal infections. American Journal of Medicine 53:315-322, 1972.
Dou-F i o r i llo A M , L i m a R h P , M a r t i n e z , R , L e v y C E , T a k a y a n a g u i O M , B a r b i e r i I \ e t o J. A ie n in g ite c r i p to c ó c i c a : a s p e c to s c lín ic o s , e v o l u t i v o s e h i s l o p a t o l ó g i c o s s e g u n d o a c o n d i ç ã o p r e d i s p o n e n t e . R e v i s t a d a S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d e M e d i c i n a T r o p i c a l 2 3 : 1 9 - 2 5 , j a n - m a r , 1 9 9 0 .
toramento, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987.
13. Nóbrega JP, Livramento JA, Machado LR, Spina-França A. Criptococose do sistema nervoso central: avaliação da terapêutica por anfotericina B, 5-fluoro-citosína e miconazole em 18 casos. Arquivos de Neuro-Psiquiatria 37:28-33, 1979.
14. Perfect JR, Durack DT, Gallis HA. Cryptococcemia. Medicine 62:98-109, 1983.
15. Peterson PK, Ferguson R, Fryd DS, Balfour Jr HH, Rynasiewicz J, Simmons RL. Infectious diseases in hospitalized renal transplant recipients: a prospective study of a complex and envolving problem. Medicine 61:360-372, 1982.
16. Pincus MR, Silva-Hutner M, Rebatta G, Branwood AW. Disseminated cryptococcosis in an asymptomatic alcoholic man. Archives of Internal Medicine 141:796-797, 1981.
17. Reis-Filho JB, Neves AC, Zymberg ST, Oliveira RMC. O líquido cefalorraquiano inicial nas meningencefalites por C r y p t o c o c c u s n e o f o r m a n s . Revista do Instituto de
Medicina Tropical de São Paulo 27:173-178, 1985. 18. Rubin RH, Wolfson JS, Cosimi AB, Tolkoff-Rubin NE.
Infection in the renal transplant recipient. American Journal of Medicine 70:405-411, 1981.
19. Schröter GP, Temple DR, Husberg BS, Weil III R, Starzl TE. Cryptococcosis after renal transplantation: report of ten cases. Surgery 79:268-277, 1976. 20. Spina-França A , Silva JB. Diagnóstico e tratamento da
criptococose do sistema nervoso central. Considerações sobre 16 casos. Arquivos de Neuro-Psiquiatria (São Paulo) 26:115-126, 1968.